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Novas abordagens terapêuticas no tratamento da doença de fígado gordo não alcoólico

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

Novas Abordagens Terapêuticas no

Tratamento da Doença de Fígado Gordo

Não Alcoólico

Cristina Ribeiro da Silva

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Farmácia

Novas Abordagens Terapêuticas no

Tratamento da Doença de Fígado Gordo

Não Alcoólico

Cristina Ribeiro da Silva

Monografia de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas apresentada à Universidade de Lisboa através da Faculdade de Farmácia

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Resumo

A doença de fígado gordo não alcoólico define-se como a acumulação excessiva de lípidos no fígado. Engloba a esteatose hepática isolada até à esteato-hepatite não alcoólica, onde já existe inflamação, fibrose e morte celular. Cerca de 30-40% dos casos de esteatose simples evoluem para esteato-hepatite não alcoólica, a qual está associada a um pior prognóstico e que se estima futuramente vir a tornar-se a principal causa de transplante hepático. Atinge cerca de 20-30% da população mundial, tendo vindo a aumentar de forma exponencial a sua prevalência, acompanhando a tendência de aumento da síndrome metabólica, frequentemente presente nos indivíduos com esta doença.

O objetivo final desta monografia é o de sistematizar a informação existente acerca do tratamento da doença de fígado gordo não alcoólico. A primeira opção de tratamento passa pela alteração do estilo de vida acompanhada de perda de peso, através de dieta e da prática de atividade física. Contudo, esta estratégia acaba por não ter sucesso na grande maioria dos casos, daí que seja essencial conjugá-la com uma abordagem farmacológica que trate os vários componentes da síndrome metabólica que possam estar presentes ou que contrarie os mecanismos fisiopatológicos da doença (stress oxidativo, inflamação, fibrose, apoptose).

Até ao momento ainda nenhum fármaco demonstrou possuir um benefício terapêutico suficientemente significativo para ser aprovado como terapêutica específica da doença de fígado gordo não alcoólico. Considerando a previsão de que a prevalência desta patologia irá continuar a aumentar, o vazio terapêutico associado a esta doença torna-se um assunto problemático, torna-sendo imprescindível que a investigação na área continue. É assim imperativo que se aprofunde a sua fisiopatologia e se identifique quais os fatores de risco associados a pior prognóstico, de maneira a ser possível dirigir eficazmente a terapêutica, descobrir novos alvos e adequar o tratamento a cada indivíduo.

Palavras-chave: doença de fígado gordo não alcoólico; esteato-hepatite não alcoólica; tratamento da doença de fígado gordo não alcoólico

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Abstract

Non alcoholic fatty liver disease is defined as excessive lipid accumulation in the liver. It goes from simple hepatic steatosis to non alcoholic steatohepatitis where inflammation, fibrosis and cell death are already present. Around 30-40% of simple steatosis cases progress to non alcoholic steatohepatitis, which has a worse prognosis and it is estimated to become the leading cause of hepatic transplantation in the near future. It reaches approximately 20-30% of the world population and its prevalence is increasing exponentially, following the tendency of increase of the metabolic syndrome, which is very common among individuals with this disease.

The final goal of this monography is to systemize the existing information about the treatment of the non alcoholic fatty liver disease. The first option of treatment consists of lifestyle changes with loss of weight through diet and physical activity. Unfortunately, this strategy is unsuccessful in most cases, thus it is essential to be conjugated with a pharmacological approach that treats the several components of the metabolic syndrome or halts the physiopathological mechanisms of the disease (oxidative stress, inflammation, fibrosis, apoptosis).

Until now, no drug has demonstrated having therapeutic benefit high enough to be approved as specify treatment for non alcoholic fatty liver disease. With the notion that the prevalence of this pathology is going to keep rising, the therapeutic emptiness associated with this disease becomes a problematic issue, making it necessary that the investigation in this field continues. Therefore it is essential to know more about the disease pathology and to identify risk factors associated with worse prognosis in order to make it possible to effectively focus the treatment, discover new targets and adapt the treatment to each individual.

Keywords: non alcoholic fatty liver disease; non alcoholic steatohepatitis; treatment of non alcoholic fatty liver disease

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Agradecimentos

Quero agradecer a todos os que tornaram possível a realização desta monografia, deste curso, deste sonho.

Aos meus amigos do coração, Diana Branco, Catarina Casais, Noémi Velez, Inês Correia, Ana Francisca Martins, Nikolay Tomov e Filipa Furtado, obrigada por terem tornado estes 5 anos muito mais divertidos. Obrigada pois sem vocês teria sido muito mais difícil fazer este curso,

Aos meus avós, Avó Maria, Avó Agostinho e Avó Fernanda, obrigada por toda a ajuda que me deram ao longo do curso. Obrigada por todo o amor e carinho,

Aos meus tios, Titia Sofia e Nuno, obrigada por todas as vezes em que me ajudaram nos mais variados assuntos. Obrigada por todo o carinho e compreensão,

A ti Vasco, apesar de ainda não saberes ler, nem escrever, obrigada por todos os momentos que passo contigo. Obrigada por seres o meu priminho,

A ti Fábio, por em tão pouco tempo teres já tanto significado, obrigada por todas as vezes em que ouviste os meus desabafos e me soubeste animar. Obrigada por todas as vezes em que celebramos juntos as minhas conquistas,

Aos meus pais, o meu mais profundo obrigado por terem estado sempre ao meu lado, quer nos momentos mais difíceis, quer nos momentos de felicidade. Obrigada a ti mãe, por todas as vezes em que estudaste comigo. Obrigada a ti pai, por todos os discursos para levantar a moral,

Por fim, obrigada a ti vida por me teres guiado até aqui, quer por caminhos mais direitos, quer por caminhos mais sinuosos, cheguei por fim à tão desejosa meta com que muito sonhei.

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Abreviaturas

ABs ácidos biliares AF atividade física AGLs ácidos gordos livres AGSs ácidos gordos saturados AGω-3 ácidos gordos ómega-3 AGω-6 ácidos gordos ómega-6 ALT alanina aminotransferase

ARAs antagonistas dos recetores da angiotensina ASK1 apoptosis signal-regulating kinase 1 AST aspartato aminotransferase

BH biópsia hepática

BHC balloning hepatocelular

CASs caspases

CB cirurgia bariátrica CC cirrose criptogénica

CCR2/CCR5 C-C chemokine ligand types 2 and 5 CHC carcinoma hepatocelular

CREBP carbodydrate response element-binding protein CSM componentes da síndrome metabólica

CT colesterol total

DCVs doenças cardiovasculares

DFGNA doença de fígado gordo não alcoólico DCHs doenças crónicas hepáticas

DHT doença hepática terminal DM diabetes mellitus

DM2 diabetes mellitus tipo 2 DNL lipogénese de novo DPP-4 dipeptidil peptidase-4

ECRs ensaios clínicos randomizados ECs ensaios clínicos

EHNA esteato-hepatite não alcoólica EROs espécies reativas de oxigénio

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ES esteatose simples

EV estilo de vida

FGF19 fator de crescimento 19 do fibroblasto FGF21 fator de crescimento 21 do fibroblasto FH fibrose hepática

FXR farnesoid-X receptor GGT gama-glutamil transferase

GIP glucose-dependent insulinotropic polypeptide GLP-1 glucagon-like peptide-1

HC Hepatocelular

HDL lipoproteína de alta densidade

HMG-CoA redutase 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA redutase HTA hipertensão arterial

IECAs inibidores da enzima de conversão da angiotensina IMC índice de massa corporal

LDL lipoproteína de baixa densidade LOX lysyl oxidase

LOXL lysyl oxidase-like

LOXL2 lysyl oxidase-like protein-2

MDNIs métodos de diagnóstico não invasivos MRE elastografia por ressonância magnética MRI-PDFF MRI-determined proton density fat fraction MRS espectroscopia por ressonância magnética OCA ácido obeticólico

OM obesidade mórbida

PIVENS Pioglitazone or Vitamin E for NASH Study

PNPLA-3 palatin-like phospholipase domain-containing protein-3 PPAR peroxisome proliferator-activated receptor

PTX Pentoxifilina

PUFAs ácidos gordos polinsaturados RAI resistência à insulina

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SAI sensibilidade à insulina

SCD stearoyl coenzyme A desaturase SM síndrome metabólica

SO stress oxidativo

SREBP-1c sterol regulatory element-binding protein-1c TAC tomografia axial computorizada

TGF-β transforming growth factor beta TGs Triglicéridos

TH transplante hepático

TM6SF2 transmembrane 6 superfamily member 2 TNFα fator de necrose tumoral alfa

TZDs Tiazolidinedionas UDCA ácido ursodesoxicólico US ultrassonografia abdominal USE elastografia por ultrassonografia VAP-1 vascular adhesion protein-1

VIT E vitamina E

VLDLs very low-density lipoproteins VLX-103 venlafaxina-103

β-OXI beta-oxidação ω-OXI ómega-oxidação

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Índice:

1 Introdução ... 11

2 Materiais e Métodos ... 14

3 Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 15

3.1 Epidemiologia ... 15

3.2 Fatores de Risco ... 16

3.3 Fisiopatologia ... 18

3.4 História Natural da Doença ... 21

3.5 Apresentação Clínica ... 23 3.6 Diagnóstico ... 24 3.7 Prognóstico ... 28 3.8 Tratamento ... 31 3.8.1 Medidas Não-Farmacológicas ... 32 3.8.1.1 Dieta ... 33 3.8.1.2 Atividade Física ... 34 3.8.1.3 Cirurgia Bariátrica ... 35 3.8.1.4 Transplante Hepático ... 35 3.8.2 Terapêutica Farmacológica ... 36 3.8.2.1 Metformina ... 37 3.8.2.2 Tiazolidinedionas ... 38

3.8.2.3 Agonistas do Peroxisome Proliferator-Activated Receptor ... 38

3.8.2.4 Agonistas do Farnesoid-X Receptor ... 39

3.8.2.5 Ácido Ursodesoxicólico ... 40

3.8.2.6 Análogos dos Fatores de Crescimento 19 e 21 dos Fibroblastos ... 40

3.8.2.7 Inibidores da Stearoyl Coenzyme A Desaturase 1 ... 41

3.8.2.8 Estatinas ... 41

3.8.2.9 Análogos do Glucagon-like Peptide 1 ... 42

3.8.2.10 Ácidos Gordos Polinsaturados ... 42

3.8.2.11 Vitamina E ... 43

3.8.2.12 Inibidores da Apoptosis Signal-Regulating Kinase 1 ... 43

3.8.2.13 Inibidores da Vascular Adhesion Protein-1 ... 43

3.8.2.14 Antagonistas dos C-C Chemokine Receptor Types 2 and 5 ... 44

3.8.2.15 Inibidores da Dipeptidil Peptidase-4 ... 44

3.8.2.16 Venlafaxina-103 ... 44

3.8.2.17 Inibidores das Caspases ... 45

3.8.2.18 Pentoxifilina ... 45

3.8.2.19 Inibidores da Lysyl Oxidase e da Lysyl Oxidase-like ... 45

3.8.2.20 Inibidores da Galectin-3 Protein ... 46

3.8.2.21 Orlistato ... 46

3.8.2.22 Anti-hipertensores ... 46

4 Discussão e Conclusões ... 48

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Índice de Figuras:

Figura 1 Definições de Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico e de Esteato-Hepatite Não Alcoólica ... 12 Figura 2 Mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento da Doença de

Fígado Gordo Não Alcoólico e da Esteato-Hepatite Não Alcoólica ... 21 Figura 3 História natural da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 22 Figura 4 Prognóstico da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 30 Figura 5 Principais causas de morte em indivíduos com Doença de Fígado Gordo Não-Alcoólico ... 31 Figura 6 Mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento da Doença de

Fígado Gordo Não Alcoólico e da Esteato-Hepatite Não Alcoólica e potenciais alvos terapêuticos utilizados no tratamento destas patologias ... 37 Figura 7 Tratamento da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 47

Índice de Tabelas:

Tabela 1 Fatores de risco associados à Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 17 Tabela 2 Sinais e sintomas associados à Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico .... 24 Tabela 3 Métodos de diagnóstico da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico ... 28 Tabela 4 Fatores preditivos de mau prognóstico na Doença de Fígado Gordo Não

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1 Introdução

A doença de fígado gordo não alcoólico (DFGNA) define-se pela acumulação excessiva de lípidos, maioritariamente triglicéridos (TGs), no fígado.(1-3) Caracteriza-se pela presença de esteatose em mais de 5% dos hepatócitos, sendo que a esteatose não pode ser causada pelo historial de consumo excessivo de álcool (superior a 20g/dia nas mulheres e superior a 30g/dia em homens).(3-5) Hepatites virais, doenças autoimunes, doenças hereditárias, fármacos esteatogénicos ou outras possíveis causas de esteatose têm de ser previamente excluídas para que o diagnóstico da DFGNA possa ser feito. (3,5)

A DFGNA histologicamente inclui um espectro de doenças que vão desde o fígado gordo não alcoólico com esteatose hepática isolada e sem lesão hepatocelular (HC) até à esteato-hepatite não alcoólica (EHNA).(3,4,6,7)

Cerca de 30-40% dos casos de esteatose evoluem para EHNA, a qual para além da esteatose, caracteriza-se histologicamente pela presença de inflamação, balloning hepatocelular (BHC), dano e morte celular, podendo ser ou não acompanhada de fibrose.(1,4) (Figura 1) De uma forma geral, considera-se que a esteatose simples (ES) é na maioria das vezes benigna, reversível e não progressiva ou com progressão lenta, ao contrário da EHNA, a qual evolui com uma maior frequência para fibrose hepática (FH), cirrose, falência hepática, carcinoma hepatocelular (CHC) e/ou morte.(7-9) Prevê-se que a cirrose, a falência hepática e o CHC associados à EHNA se tornem as principais indicações para transplante hepático (TH) na próxima década.(10,11)

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Figura 1 Definições de Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico e de Esteato-Hepatite Não Alcoólica

A DFGNA afeta cerca de 20-30% da população mundial e é considerada atualmente a principal causa de doenças crónicas hepáticas (DCHs) em países desenvolvidos, superando as hepatites virais e o consumo excessivo de álcool.(12-14) Tem vindo a aumentar a sua prevalência em todo o mundo ao longo dos últimos anos acompanhando a tendência de aumento da prevalência da síndrome metabólica (SM), à medida que cada vez mais países adotam um estilo de vida (EV) sedentário e uma dieta hipercalórica.(7,13,14) A obesidade, a resistência à insulina (RAI), a diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a hipertensão arterial (HTA) e a dislipidemia são componentes da síndrome metabólica (CSM) que se encontram frequentemente associados à DFGNA, sendo esta considerada tradicionalmente a manifestação hepática da SM.(5,15,16) A primeira opção no tratamento da DFGNA passa por uma alteração no EV acompanhada de perda de peso gradual, através da adoção de uma dieta saudável e da

Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

Esteatose hepática isolada Esteato-Hepatite Não Alcoólica

- Esteatose - Inflamação - Balloning hepatocelular

- Dano e morte celular - Pode estar presente

fibrose - Corresponde à acumulação excessiva de

lípidos no fígado (presença de esteatose em + de 5% dos hepatócitos)

- Outras possíveis causas de esteatose têm de ser previamente excluídas

30-40% dos casos evoluem para:

Engloba:

(15)

prática regular de atividade física (AF).(11,17) No entanto, esta estratégia acaba por não ter sucesso na maioria dos casos, daí que seja necessário complementá-la com uma abordagem farmacológica da doença.(17,18) Embora exista um elevado número de estudos realizados até ao momento, ainda nenhum fármaco demonstrou possuir um benefício terapêutico suficientemente significativo para ser aprovado como terapêutica específica da DFGNA.(19)

Apesar da elevada prevalência da DFGNA e tendo em conta a previsão de que esta continuará a aumentar nos próximos anos, o vazio terapêutico desta doença torna-se um assunto cada vez mais problemático e que necessita de resolução urgente.

Esta monografia pretende então dar resposta à pergunta “Quais as novas abordagens terapêuticas no tratamento da DFGNA?”. O objetivo final deste documento é o de realizar uma revisão bibliográfica que permita a sistematização da informação existente acerca do tratamento da DFGNA. O presente trabalho irá dar especial destaque às abordagens terapêuticas adotadas no tratamento desta patologia, aos inúmeros desafios que surgem no desenvolvimento de novas estratégias de combate a esta doença e às novas moléculas que estão a ser investigadas, de modo a aumentar o arsenal terapêutico da DFGNA.

(16)

2 Materiais e Métodos

A pesquisa das fontes foi realizada através da consulta da base de dados eletrónica PubMed, tendo tido início a Fevereiro de 2017 e término a Março de 2017.

Foram utilizados como descritores os termos “non alcoholic fatty liver disease review”, “non alcoholic steatohepatitis review”, “NAFLD review” e “NASH review”.

Apenas foram incluídos artigos científicos publicados nos últimos 10 anos e que estejam redigidos em língua inglesa. Foi dada preferência a artigos científicos que correspondam a revisões de conjunto.

Ao longo da pesquisa foram reunidos 161 artigos, cujo conteúdo foi posteriormente analisado, tendo sido selecionados para a elaboração da presente monografia 46 artigos.

(17)

3 Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

3.1 Epidemiologia

Os resultados dos estudos de prevalência da DFGNA variam bastante consoante as diferentes definições, métodos de diagnóstico utilizados e populações estudadas.(6) Contrariamente ao observado em relação à prevalência de outras DCHs, a qual se têm mantido estável ou inclusive diminuído, a prevalência da DFGNA tem vindo a aumentar nos últimos anos.(8) Estima-se que a prevalência será de 20-30% nos países ocidentais e 6-35% noutros países, com prevalências substancialmente mais elevadas nas populações obesas ou com diabetes mellitus (DM) (34-74%) e com obesidade mórbida (OM) (90-95%) nas populações ocidentais, assim como em obesos a nível mundial (40-90%).(6,20)

Apesar de inicialmente ser considerada uma doença típica de países desenvolvidos, com as novas economias emergentes e com a adoção de um EV sedentário e uma dieta ocidental, a DFGNA tem vindo a tornar-se cada vez mais prevalente em países em desenvolvimento.(21)

A DFGNA encontra-se frequentemente associada à SM e aos seus componentes, nomeadamente HTA (50%), dislipidemia (50-90%), DM2 (30-50%) e obesidade (80-90%), sendo que cerca de um terço dos doentes com DFGNA têm SM e cerca de 90% tem pelo menos um dos seus componentes.(22)

Os hispânicos apresentam a maior prevalência (45%), seguidos dos caucasianos (33%) e dos afroamericanos (24%).(6,23,24) Nos caucasianos, os homens têm aproximadamente o dobro da prevalência relativamente às mulheres.(6)

Para o diagnóstico definitivo da EHNA é necessário a análise histológica de uma biópsia hepática (BH), estimando-se que a sua prevalência seja de 2-5% na população geral e com valores bastante mais elevados em obesos mórbidos (37%).(8,10,25) Nas crianças, a prevalência da DFGNA é de 10%, atingindo o valor de 17% nos adolescentes, sendo substancialmente mais elevada em crianças obesas (40-70%) e evoluindo para EHNA em 3-5% dos casos.(23)

(18)

No entanto, devido à ausência de métodos de diagnóstico não invasivos (MDNIs) suficientemente fiáveis e adequados para avaliar a população geral, a prevalência real da DFGNA encontra-se provavelmente subestimada.(21)

3.2 Fatores de Risco

A DFGNA encontra-se frequentemente associada à SM, correspondendo os seus diferentes componentes aos principais fatores de risco para a DFGNA, nomeadamente RAI, DM2, HTA, dislipidemia e obesidade, principalmente abdominal.(16,26) Cerca de dois terços dos indivíduos com obesidade e DM2 e cerca de metade dos indivíduos com dislipidemia apresentam esteatose hepática.(16,27)

A presença de vários CSM em indivíduos com DFGNA está associada a uma maior severidade da doença hepática e a uma maior progressão para a EHNA e para a cirrose.(16) Indivíduos com DM2 e DFGNA apresentam um risco bastante mais elevado de doença hepática severa e morte por causas hepáticas comparativamente com os que apenas apresentam DFGNA.(16)

Para além de vários fatores ambientais, a DFGNA encontra-se também associada a diversos fatores genéticos que influenciam a predisposição e severidade da doença.(28) O gene palatin-like phospholipase domain-containing protein-3 (PNPLA-3) codifica para a proteína adiponutrina, uma proteína associada à membrana expressa no tecido hepático e adiposo e que possui atividade lipogénica e lipolítica.(16) A adiponutrina encontra-se localizada nas gotículas lipídicas e tem um papel na hidrólise dos TGs.(16) A expressão do gene PNPLA-3 é sobreregulada após o pico de insulina pós-prandial e subregulada durante o jejum.(16,28-30) O polimorfismo single nucleotide rs738409 C>G causa a substituição de uma isoleucina por uma metionina na posição 148 no gene PNPLA-3, originando a variante 1148M, a qual se encontra fortemente associada a um aumento na esteatose hepática e na inflamação do fígado, sendo que indivíduos que sejam homozigóticos para este alelo apresentam uma maior quantidade de gordura e inflamação hepáticas que os non-carriers, evoluindo frequentemente para EHNA, fibrose e/ou CHC.(16,28-30) A frequência desta variante é mais elevada em hispânicos, seguidos pelos caucasianos e por fim pelos afroamericanos, sendo estes resultados consistentes com a prevalência da DFGNA nestes grupos étnicos.(16,30) A variante

(19)

1148M apresenta um efeito marcado na atividade enzimática, a qual resulta na disrupção da normal hidrólise dos TGs levando à sua acumulação no fígado.(14,16) O gene transmembrane 6 superfamily member 2 (TM6SF2) é expresso maioritariamente no fígado e no intestino, possuindo um papel importante na regulação do metabolismo lipídico no fígado e na secreção de lipoproteínas ricas em TGs.(16) À semelhança do gene PNPLA-3, o gene TM6SF2 encontra-se localizado nas gotículas lipídicas.(16) A variante E167K ou rs58542926 encontra-se associada a um ligeiro aumento na suscetibilidade à DFGNA e a um pequeno aumento no risco de desenvolver EHNA.(16)

A associação entre a variante 1148M, assim como a variante E167K, e a DFGNA são ambas independentes da sensibilidade à insulina (SAI) e da presença da SM.(16) Outros fatores de risco que têm sido associados a uma maior incidência e a uma progressão mais rápida da doença são a idade avançada, a falta de AF, o alcoolismo, o tabagismo, as doenças autoimunes, o hipotiroidismo, a apneia obstrutiva do sono e a síndrome dos ovários policísticos.(25,27,31-33) (Tabela 1)

Tabela 1 Fatores de risco associados à Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

 Síndrome metabólica:  Idade avançada

- Resistência à insulina  Falta de atividade física - Diabetes mellitus tipo 2  Alcoolismo

- Hipertensão arterial  Tabagismo

- Dislipidemia  Doenças autoimunes - Obesidade (principalmente abdominal)  Hipotiroidismo  Variante 1148M do gene palatin-like

phospholipase domain-containing protein-3

 Apneia obstrutiva do sono

 Variante E167K do gene transmembrane 6 superfamily member 2

 Síndrome dos ovários policísticos

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3.3 Fisiopatologia

O dogma geralmente aceite em relação à fisiopatologia da DFGNA é o de que a acumulação de gordura no fígado e esta doença ocorrem quando a hiperinsulinemia e a RAI, ambas geralmente associadas à obesidade, conduzem à acumulação hepática de TGs, um processo que resulta de um desequilíbrio entre o fluxo aumentado de ácidos gordos livres (AGLs) para o fígado derivados da lipólise do tecido adiposo, um aporte dietético excessivo de ácidos gordos saturados (AGSs) e uma lipogénese de novo (DNL) aumentada no fígado; e a capacidade do fígado de processar e exportar a gordura extra.(6,34)

Na teoria do processo multiple-hit, a RAI desempenha um papel central na fisiopatologia da DFGNA, como o evento inicial para a acumulação de ácidos gordos nos hepatócitos – first hit. (9,26) A RAI favorece a lipogénese e inibe a lipólise, o que aumenta grandemente o fluxo de ácidos gordos para o fígado.(26) De seguida, ocorre aumento do stress oxidativo (SO), peroxidação lipídica, citoquinas proinflamatórias, disfunção da mitocôndria e do retículo endoplasmático (RE) e endotoxémia crónica – multiple hits.(9,26) Assim que surge a esteatose, o fígado torna-se vulnerável a estes hits, o que leva a inflamação, dano e morte celular e fibrose.(9,26)

A teoria do multiple parallel hits é atualmente considerada a que melhor reflete o conhecimento acerca da fisiopatologia desta doença.(9) De acordo com esta hipótese, vários parallel hits derivados do intestino ou do tecido adiposo promovem a esteatose hepática, e não apenas um único hit.(9,22) O stress do RE, as adipocitoquinas e citoquinas e a imunidade inata são outros fatores também relacionados com a fisiopatologia.(9)

Os AGLs são geralmente oxidados na mitocôndria, através da beta-oxidação (β-OXI), ou podem ser esterificados em TGs, os quais são por sua vez empacotados em very low-density lipoproteins (VLDLs) para serem exportados ou podem ser utilizados para a produção de lípidos, como os fosfolípidos.(6)

A hiperglicemia estimula o carbodydrate response element-binding protein (CREBP) desencadeando um processo que culmina com o aumento da síntese de ácidos gordos, em que os ácidos gordos dão origem a monoglicéridos, diglicéridos e eventualmente TGs.(6) A hiperinsulinemia ativa a sterol regulatory element-binding protein-1c (SREBP-1c), um fator de transcrição ligado à membrana que induz a expressão de genes

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lipogénicos, levando ao aumento da DNL, a qual poderá atingir taxas três vezes superiores relativamente às de indivíduos com o mesmo índice de massa corporal (IMC).(6,34)

Tudo isto resulta num aumento do fluxo de ácidos gordos para TGs, os quais são armazenados em VLDLs e posteriormente secretados para o plasma.(6) Quando a biossíntese de TGs excede a taxa de secreção de TGs através das VLDLs, os TGs em excesso são acumulados em gotículas lipídicas no fígado, dando origem à esteatose hepática.(6) A RAI pode originar o bloqueio da exportação de TGs a partir dos hepatócitos, através da degradação e da prevenção da produção de VLDLs.(26)

Dietas ricas em ácidos gordos diminuem o processo da DNL, no entanto caso a taxa de β-OXI dos ácidos gordos não consiga contrabalançar o aumento do fluxo de ácidos gordos para o fígado, pode ocorrer esteatose hepática.(6) Quando o processo de armazenamento dos TGs nas VLDLs não é eficaz, devido por exemplo a um fornecimento anormal de fosfatidilcolinas, um tipo de fosfolípidos ricos em ácidos gordos, pode ocorrer esteatose.(6)

Resumindo, a acumulação de TGs resulta de um desequilíbrio entre a síntese de TGs, a formação e secreção das VLDLs, a DNL e a β-OXI de ácidos gordos.(6)

Em relação à EHNA, são necessários vários hits para o aparecimento da inflamação, do dano celular e da fibrose.(6) Esses hits podem ser SO, acumulação de ferro, endotoxinas, citoquinas, modificações no eixo intestino-fígado, disfunção mitocondrial, entre outros.(6) São necessários mais estudos para se investigar as razões que levam a apenas alguns doentes com ES evoluírem para EHNA.(6)

A lipotoxicidade e a produção aumentada de espécies reativas de oxigénio (EROs) são dois dos fatores que se pensa contribuírem para o desenvolvimento de EHNA.(6) A produção aumentada de EROs pode resultar da combinação de excesso de ferro, mitocôndrias disfuncionais ou sujeitas a fluxo excessivo de ácidos gordos, citoquinas pró-inflamatórias ou do metabolismo dos AGLs através dos peroxissomas ou do citocromo P450.(6)

(22)

β-hepatócitos, nomeadamente nas enzimas do citocromo do RE liso através da ómega-oxidação (ω-OXI), ou nos peroxissomas através da β-OXI.(6) A ómega-oxidação dos ácidos gordos nestes locais também leva à produção de EROs, assim como de produtos resultantes da peroxidação lipídica, conduzindo estes fatores à produção de citoquinas proinflamatórias e a um estado inflamatório associado a lesão celular, levando assim ao desenvolvimento de EHNA e fibrose.(6,26,34) A fibrose corresponde a uma deposição excessiva de matriz extracelular, resultante da ativação das células esteladas do fígado, a principal fonte de matriz extracelular neste órgão, as quais transitam de um estado normal quiescente para miofibroblastos proliferativos, fibrinogénicos e contráteis.(12) No caso dos AGSs, estes são mais lipotóxicos que os insaturados, sendo que o armazenamento dos ácidos gordos, como TGs, no interior de gotículas lipídicas poderá ser um mecanismo protetor, sendo o processo que leva à acumulação de TGs e não a acumulação per se que conduzem à lesão hepática.(6)

O SO induzido pelo excesso de AGLs poderá levar ao stress do RE, o qual induz a ativação de várias vias inflamatórias, agravando ainda mais o estado inflamatório associado à EHNA.(7)

Alguns estudos afirmam que o fígado poderá influenciar o metabolismo dos lípidos e da glucose através da secreção de hepatoquinas, proteínas produzidas maioritariamente pelo fígado e que apresentam ação parácrina e endócrina, para a corrente sanguínea, estando a DFGNA associada à produção alterada destes compostos.(35)

A microbiota intestinal dos mamíferos é constituída maioritariamente por bactérias Firmicutes e Bacteroidetes que influenciam a imunidade, a inflamação e o metabolismo energético.(36) A desregulação da microbiota intestinal corresponde à variação da sua composição, estando associada ao desenvolvimento de várias doenças metabólicas, nomeadamente a DFGNA, a EHNA, a RAI, a DM e a obesidade.(26,36) A disbiose intestinal presente nestas doenças é caracterizada pela excessiva proliferação bacteriana no intestino delgado, assim como pelo aumento da permeabilidade intestinal.(26) Esta permeabilidade aumentada pode conduzir à translocação de bactérias intestinais, aumentando a quantidade de endotoxinas bacterianas a que o fígado é exposto através da circulação portal, originando inflamação deste órgão.(26) A deficiência em colina pode estar também envolvida no desenvolvimento da DFGNA e da EHNA, na medida em que dietas ricas em gorduras induzem a microbiota intestinal a converter a colina,

(23)

obtida através da dieta, em metilaminas, resultando em níveis diminuídos de fosfapatidilcolina, a qual é importante na produção de VLDLs.(26) A deficiência em colina pode assim resultar numa diminuição da secreção de VLDLs, levando a uma acumulação hepática de TGs.(26) (Figura 2)

Figura 2 Mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico e da Esteato-Hepatite Não Alcoólica (Adaptado

de (6))

3.4 História Natural da Doença

A DFGNA pode progredir para EHNA, FH, cirrose, falência hepática, CHC e/ou morte. (6-9,15) Cerca de 30-40% dos casos de esteatose hepática evoluem para EHNA, estimando-se que a prevalência desta última seja de 2-5% na população geral.(1,4-6,8,10,25) (Figura 3)

(24)

Figura 3 História natural da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

De uma forma geral, considera-se que a ES é na maioria das vezes benigna, reversível e não progressiva ou com progressão lenta, ao contrário da EHNA, a qual evolui com maior frequência. (6-9,15) No entanto, estudos recentes que analisaram séries de biópsias hepáticas demonstraram que tanto pacientes com ES, como com EHNA, apresentam ambos um risco aumentado de progressão da doença para fibrose e/ou cirrose, podendo assim casos de ES evoluir para estados mais avançados de fibrose e/ou cirrose, mesmo na ausência de sinais histológicos de EHNA.(12,37)

A progressão da doença para FH ocorre em cerca de um terço dos casos, após um período de 4-5 anos a seguir à realização da primeira biópsia.(37) Já a progressão da EHNA para cirrose e/ou CHC apenas ocorre em cerca de 2,5% dos casos e é geralmente mais lenta comparativamente com a progressão observada em outras DCHs.(27) A taxa de progressão da fibrose na EHNA é de cerca de 7 anos por cada estadio de progressão, sendo assim poderá ser necessário até cerca de 30-40 anos para que se desenvolva cirrose na maioria dos indivíduos com DFGNA.(12) A taxa de progressão poderá ainda ser maior ou menor, consoante a influência dos vários fatores ambientais e genéticos que se encontram associados a esta doença, como a presença de inflamação, CSM, idade avançada ou a variante 1148M no PNPLA-3.(12,37)

Em certos casos de CHC, a etiologia da doença hepática não consegue ser determinada, sendo a cirrose associada designada de cirrose criptogénica (CC).(38) Durante a evolução da EHNA para cirrose, poderá ocorrer perda gradual da esteatose e de outras características patológicas frequentemente associadas a esta doença, daí que certos casos de CC possam na realidade ser devidos a uma EHNA que perdeu algumas das

Esteatose simples Esteato-hepatite Não Alcoólica Fibrose hepática Cirrose Falência hepática Carcinoma hepato-celular Morte

(25)

suas características fundamentais para o seu diagnóstico.(21,38) Estima-se que cerca de 30-75% dos casos de CC possam ter como causa a DFGNA.(21)

Os aspetos clínicos e a sobrevivência nos casos de CHC associados a EHNA são semelhantes aos verificados em casos de CHC associados ao vírus da hepatite C crónica.(27) No entanto, os carcinomas associados à EHNA apresentam-se geralmente num estadio mais avançado, no momento do seu diagnóstico, uma vez que o mesmo é frequentemente realizado mais tarde e também devido ao fato de que cerca de 50% dos casos podem surgir na ausência de cirrose, EHNA ou fibrose, podendo derivar apenas da presença de ES.(27,39,40)

Apesar do número de casos de CHC associados a DFGNA ser baixo relativamente ao observado noutras DCHs, devido ao aumento galopante da prevalência de DFGNA, prevê-se que a cirrose, a falência hepática e o CHC associados à EHNA se tornem as principais indicações para TH na próxima década.(10,11,41)

3.5 Apresentação Clínica

A DFGNA é frequentemente um achado acidental durante os exames de rotina ou durante a avaliação de doentes com DM2, HTA, dislipidemia e/ou obesidade.(26) Os indivíduos com DFGNA são geralmente assintomáticos e apenas descobrem que têm a doença, através dos níveis aumentados de aminotransferases, durante o exame de ultrassonografia abdominal (US) ou quando a doença evolui para cirrose.(11,26) No exame físico, os indivíduos com DFGNA apresentam frequentemente um ou vários CSM.(26) Quando presentes, os sintomas são vagos, nomeadamente fadiga, dispepsia, dor ou desconforto no quadrante superior direito.(26) Náusea, anorexia e prurido são raramente referidos pelos doentes.(26) Cerca de 50% dos pacientes apresentam hepatomegalia na altura do diagnóstico.(26) A acanthosis nigricans, correspondente à hiperpigmentação da pele em placas escuras, é reconhecida como um marcador clínico de RAI e de DM2 e pode ser identificado em alguns pacientes com DFGNA, principalmente em crianças.(26)

(26)

falência hepática são menos frequentes do que em outras DCHs, sendo que no caso da esplenomegalia esta poderá estar presente em cerca de 25% dos casos.(26) (Tabela 2)

Tabela 2 Sinais e sintomas associados à Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

Sinais e sintomas mais comuns: Após evolução para cirrose e descompensação hepática:

 Fadiga  Dispepsia

 Dor ou desconforto no quadrante superior direito  Hepatomegalia  Náusea  Anorexia  Prurido  Acanthosis nigricans  Esplenomegalia  Spider nevi  Eritema palmar  Icterícia  Ascite  Edema  Hemorragias gastrointestinais  Encefalopatia  Hipertensão portal  Falência hepática

3.6 Diagnóstico

Os indivíduos com DFGNA são geralmente assintomáticos e descobrem com frequência a doença, através dos valores aumentados das aminotransferases ou durante o exame de US.(6,26) A DFGNA é na maioria das vezes um achado acidental dos exames de rotina ou da avaliação de pessoas com obesidade severa, DM2 e/ou HTA, sendo todas estas patologias consideradas fatores de risco para a DFGNA.(26) Como tal, é habitual que na DFGNA existam valores elevados de glicémia, colesterol total (CT) e TGs.(26) É necessário excluir outras etiologias responsáveis por doenças hepáticas, sendo também fundamental adquirir evidência imagiológica da presença da esteatose.(6)

Para que seja possível distinguir entre ES e EHNA e atribuir o grau de fibrose presente, é preciso recolher uma amostra de tecido hepático, através da realização de uma biópsia e proceder à sua avaliação histopatológica.(6,42) Considera-se esteatose quando

(27)

existem gotículas de gordura numa quantidade superior a cerca de 5% do total dos hepatócitos.(42) Durante a evolução da doença para cirrose, poderá ocorrer perda gradual da esteatose, sendo que, em último caso, a mesma pode desparecer completamente.(42) Para que seja possível atribuir o diagnóstico de EHNA, é necessário que existam inflamação lobular e BHC, para além da esteatose.(42) Podem estar também presentes outras lesões hepáticas, tais como os Mallory-Denk bodies ou corpos apoptóticos, no entanto são raros e não são observados de maneira consistente.(42)

Apesar de ser considerada o gold standard no diagnóstico da DFGNA, a BH corresponde a um método de diagnóstico invasivo, que se encontra associado a alguns eventos adversos e a variabilidade das amostras obtidas, resultando por vezes em diagnósticos errados e em classificações deturpadas do grau de fibrose presente.(6,43) Para além do referido anteriormente, a BH não é adequada para ser utilizada como método de screening, devendo apenas ser realizada em indivíduos previamente selecionados e com suspeita elevada da presença de DFGNA.(42)

Apesar de nenhum método imagiológico não invasivo conseguir substituir a BH, alguns métodos têm sido utilizados como meios de diagnóstico.(26) A US e a tomografia axial computorizada (TAC) são exemplos de MDNIs, no entanto apresentam baixa sensibilidade e especificidade de diagnóstico e no acompanhamento da evolução, estando também associados a subestimativas ou não deteções da presença de esteatose, particularmente em casos em que a mesma apresenta valores inferiores a 30%.(6) Apesar da US estar presente na maioria dos serviços de saúde, ser barata e ter a mesma sensibilidade que a TAC e a RMN, sendo o método imagiológico mais utilizado, a mesma não consegue quantificar a gordura, avaliar a severidade da patologia e acompanhar a evolução da mesma e a sua sensibilidade e especificidade diminuem com o aumento do IMC.(6,26) No caso da TAC, esta requer radiação e é considerada menos precisa que a ultrassonografia.(6)

As técnicas de imagem por ressonância magnética nuclear (RMN), como a espectroscopia por ressonância magnética (MRS) e a MRI-determined proton density fat fraction (MRI-PDFF), são outros exemplos de MDNIs e são consideradas técnicas

(28)

uma boa correlação com esta técnica, no que diz respeito à quantificação da gordura hepática em pacientes que aderiram a um ensaio clínico.(6) A MRI-PDFF poderá ser útil na medição de outcomes de ensaios clínicos, assim como no diagnóstico da prática clínica, no entanto esta última aplicação é pouco provável tendo em conta os seus custos elevados.(6,43)

A elastografia por ressonância magnética (MRE) e a elastografia por ultrassonografia (USE) são outros MDNIs que têm vindo a demonstrar potencial na deteção da fibrose, sendo fáceis de aplicar, mas apresentando dificuldades de utilização no caso de indivíduos com OM ou com espaços intercostais pequenos, necessitando de mais estudos.(6,26)

Enquanto as técnicas de imagiologia já demonstraram serem efetivas como MDNIs, os biomarcadores serológicos encontram-se ainda sobre investigação.(6) Os biomarcadores podem ser divididos entre os que auxiliam no diagnóstico da esteatose, os que permitem a distinção entre ES e EHNA e os que são úteis na deteção da fibrose e na classificação da patologia.(6)

Os indivíduos com DFGNA apresentam os valores de alanina aminotransferase (ALT) até cerca de quatro vezes acima dos valores normais, sendo esta patologia a causa mais comum de elevação persistente dos valores desta enzima.(26) Os valores da aspartato aminotransferase (AST) também se encontram frequentemente elevados, no entanto o aumento é mais moderado comparativamente com os da ALT, podendo estar elevados também na presença de cirrose.(26) Cerca de metade dos casos de DFGNA apresentam ainda valores elevados de gama-glutamil transferase (GGT).(26) Apesar do referido anteriormente, as enzimas hepáticas não são muito preponderantes no diagnóstico da DFGNA, já que podem apresentar valores normais em até cerca de 50% dos casos em que a doença está presente.(6)

Existem ainda alguns sistemas de classificação que são utilizados para otimizar o diagnóstico da ES, nomeadamente o Steatosis Test, o Liver Fat Score, o Hepatic Steatosis Index e o Fatty Liver Index.(6) Os sistemas de classificação que permitem a distinção entre ES e EHNA são também de extrema importância, tendo em conta que os métodos de diagnóstico imagiológicos não têm atualmente precisão suficiente para detetar os dois espetros da DFGNA.(6,43) O NASH Test, o NASH Diagnostics, o NASH Model of NAFLD Diagnostic Panel, o Nice Model, o HAIR Score e o NASH Clinical

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Scoring System são exemplos de sistemas de classificação utilizados no diagnóstico da EHNA, no entanto a sensibilidade e precisão destes testes são consideradas insuficientes, sendo necessários estudos adicionais.(6,43) O NAFLD Fibrosis Score, o APRI, o ELF, o FibroTest e o Bard são exemplos de sistemas de classificação utilizados no diagnóstico da fibrose avançada.(43)

Um dos testes mais estudados para o diagnóstico da esteato-hepatite não alcoólico é a citoqueratina 18, sendo o seu fragmento considerado um marcador de apoptose e estando o mesmo significativamente aumentado na presença de EHNA, apesar de tudo isto são ainda necessários mais estudos que validem a sua aplicabilidade.(6,43) (Tabela 3)

(30)

Tabela 3 Métodos de diagnóstico da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

Métodos de diagnóstico invasivos:  Biópsia hepática

Métodos de diagnóstico não invasivos:  Métodos imagiológicos:

- Ultrassonografia abdominal - Tomografia axial computorizada - Espectroscopia por ressonância

magnética

- MRI-determined proton density fat fraction

- Elastografia por ressonância magnética - Elastografia por ultrassonografia

 Biomarcadores serológicos: - Alanina aminotransferase - Aspartato aminotransferase - Gama-glutamil transferase - Citoqueratina 18  Sistemas de classificação:

- Destinados a otimizar o diagnóstico da esteatose simples:

o Steatosis Test, Liver Fat Score, Hepatic Steatosis Index, Fatty Liver Index

- Destinados a permitir a distinção entre a esteatose simples e a Esteato-Hepatite Não Alcoólica:

o NASH Test, NASH Diagnostics, NASH Model of NAFLD Diagnostic Panel, Nice Model, HAIR Score, NASH Clinical Scoring System - Destinados a detetar o nível de fibrose:

o NAFLD Fibrosis Score, APRI, ELF, FibroTest, Bard

3.7 Prognóstico

É essencial identificar quais os indivíduos com DFGNA que se encontram em maior risco de progressão da doença, de modo a adequar o tipo de tratamento a cada um dos doentes.(10)

A presença de qualquer nível de FH, BHC e/ou inflamação em indivíduos com DFGNA é considerada um fator preditivo de mau prognóstico.(10) O grau de esteatose não é

(31)

considerado um indicador de mau prognóstico.(10,40) A DM2, a obesidade e/ou a idade avançada estão associadas a um maior risco de EHNA, fibrose avançada, cirrose, falência hepática, CHC e/ou morte. (10,16,44) (Tabela 4)

Tabela 4 Fatores preditivos de mau prognóstico na Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

 Presença de qualquer nível de:

 Diabetes mellitus tipo 2  Obesidade

 Idade avançada - Fibrose hepática

- Balloning hepatocelular - Inflamação

A DFGNA pode preceder o desenvolvimento de DM2 e dos restantes CSM, estando associada a um maior risco de incidência ou agravamento destas patologias, inclusive nos casos em que a esteatose hepática inicial não estava associada à presença destes fatores.(16,44)

A DFGNA está também associada a um aumento da incidência de doenças cardiovasculares (DCVs), sendo esta a principal causa de morte nestes indivíduos e não as doenças hepáticas.(24,27) Para além de alterações macrovasculares, a DFGNA está também associada a complicações microvasculares, como a nefropatia.(24) A doença renal crónica apresenta assim uma maior prevalência e incidência em doentes com DFGNA, estando associada à presença da SM.(24)

Em resumo, a DFGNA é considerada um fator de risco independente para o desenvolvimento da SM, dos seus componentes, das DCVs e da doença renal crónica.(24) (Figura 4)

(32)

Figura 4 Prognóstico da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

Os doentes com DFGNA, EHNA e/ou fibrose avançada apresentam um aumento da morbilidade e mortalidade, através de complicações hepáticas e não-hepáticas, relativamente aos indivíduos com a mesma idade e sexo da população geral.(24,45) Por ordem decrescente, a maioria das mortes nos casos de DFGNA são causadas por eventos cardiovasculares, cancros gastrointestinais (fígado, cólon, esófago, estômago e pâncreas), cancros localizados fora do aparelho gastrointestinal (rins nos homens e mama nas mulheres) e por fim, doença hepática avançada.(45) (Figura 5) A fibrose avançada é considerada um forte fator preditivo de aumento da mortalidade geral e da mortalidade associada a causas hepáticas.(37)

Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico

Componentes da síndrome metabólica

Doenças cardiovasculares

Doença renal crónica Associada a um maior

risco de incidência ou agravamento de:

(33)

Figura 5 Principais causas de morte em indivíduos com Doença de Fígado Gordo Não-Alcoólico

3.8 Tratamento

Os principais objetivos do tratamento da DFGNA são o diagnóstico precoce, a prevenção da evolução da doença, a regressão da mesma, caso seja possível, e a melhoria da SM que possa estar na origem da doença.(11)

No entanto, existem vários mitos associados à DFGNA que atrasam o desenvolvimento de tratamentos eficazes e específicos para esta patologia, nomeadamente a consideração de que a esteatose é uma lesão benigna associada à obesidade e à DM2 e que não vale a pena tratar; os fármacos utilizados no tratamento da DM2 e/ou as intervenções dietéticas e no EV são suficientes para o tratamento da DFGNA, não sendo necessário o desenvolvimento de terapêuticas específicas para esta doença; e que grandes ensaios clínicos (ECs) são impraticáveis, devido ao fato de ser necessário realizar biópsias hepáticas para a inclusão de indivíduos nos ensaios e para a avaliação da eficácia terapêutica.(46)

Para além de vários mitos, existem ainda inúmeros obstáculos reais ao desenvolvimento de tratamentos para a DFGNA, residindo um deles no fato da fisiopatologia da doença ser bastante complexa, englobando várias vias patológicas e os reguladores de cada uma delas, tendo assim uma grande variedade de alvos terapêuticos atrativos a serem

1º Eventos cardiovasculares 2º Cancros gastrointestinais 3º Cancros não-gastrointestinais 4º Doença hepática avançada

(34)

de potência para impedir a progressão da patologia em humanos, quer devido à existência de vias patológicas alternativas ou similares que continuam a exercer o seu efeito patogénico.(46)

Estas falhas estão relacionadas com a incapacidade de testar corretamente a eficácia e a potência destas moléculas em modelos pré-clínicos que mimetizem todas as lesões hepáticas associadas à DFGNA e à EHNA, assim como todas as condições metabólicas tipicamente presentes.(46) Tendo em conta que apenas são possíveis obter algumas previsões acerca da eficácia dos fármacos em humanos, a partir da utilização de modelos pré-clínicos, os testes clínicos acabam por ser antecipados, representando vários constrangimentos éticos e financeiros.(46) Para além do referido anteriormente, a maioria dos ECs necessita de evidências histológicas da eficácia dos fármacos testados, sendo que o elevado tamanho e duração dos estudos acabam por atrasar a aquisição de respostas acerca da possibilidade do fármaco candidato a tratamento da patologia ser eficaz e potente.(46)

Apesar dos vários mitos e obstáculos associados ao desenvolvimento de fármacos para o tratamento da DFGNA, observou-se nos últimos anos importantes avanços na área regulamentar, nomeadamente por parte das agências americana e europeia dos medicamentos, com o reconhecimento de que esta patologia é uma indicação válida para terapêutica e como tal pode seguir uma via regulatória para aprovação do uso de medicamentos.(46) Foram ainda definidos vários outcomes com valor clínico e regulatório a serem utilizados nos ECs de novas alternativas terapêuticas para a doença.(46) Tendo em conta o grande vazio terapêutico associado a esta patologia, a aprovação acelerada seguida de confirmação em ECs futuros é uma alternativa a ser ponderada e constitui um incentivo à investigação.(46)

3.8.1 Medidas Não-Farmacológicas

Tendo em conta que a maioria dos indivíduos com DFGNA têm excesso de peso, são obesos e/ou apresentam CSM, a primeira abordagem no tratamento da DFGNA passa pela alteração do EV com perda de peso gradual, através da adoção de uma dieta saudável e da prática regular de AF.(11,17)

Os estudos indicam que uma perda de peso modesta de cerca de 3% pode diminuir a esteatose hepática, uma perda de peso de cerca de 7-9% permite a redução da

(35)

necroinflamação e que uma perda de peso superior a 10% pode levar à regressão da fibrose, em casos de EHNA.(17,18) A perda de peso leva a uma redução do SO e a uma melhoria do perfil lipídico e da SAI.(17) No entanto, apenas uma minoria dos indivíduos com DFGNA consegue atingir a perda de peso e mante-lo a longo prazo.(18)

3.8.1.1 Dieta

Os indivíduos com DFGNA apresentam frequentemente hábitos dietéticos inadequados caracterizados por ingestões excessivas de frutose, refrigerantes, carne, gorduras saturadas, colesterol e baixos consumos de fibras, peixe, ácidos gordos ómega-3 (AGω-3), ácidos gordos polinsaturados (PUFAs) e vitaminas.(46)

Vários estudos em animais demonstraram que dietas ricas em gordura apenas induzem esteatose, enquanto dietas ricas em gordura e sucrose promovem adicionalmente EHNA, inflamação e fibrose.(46)

O fator mais importante nas intervenções dietéticas em indivíduos com DFGNA corresponde à restrição calórica, uma vez que esta é o principal fator que motiva a perda de peso e de adiposidade visceral, gordura subcutânea e gordura hepática, sendo a composição da dieta em macronutrientes irrelevante para o sucesso da perda de peso.(46)

A ingestão de elevados níveis de açúcares, típica da dieta ocidental, é uma das principais causas de obesidade, sendo a frutose adicionada artificialmente, particularmente nefasta, uma vez que promove a DNL, induz a dislipidemia, diminui a SAI, potencia a adiposidade visceral e a FH.(11,19,46) O consumo de açúcares deve assim representar menos de 10% do total das calorias ingeridas diariamente, devendo os alimentos ricos em frutose ser evitados pelos indivíduos com DFGNA, uma vez que estão associados a um maior progressão da patologia para EHNA e/ou fibrose.(11,19)

A dieta ocidental é também caracterizada pela ingestão de elevados níveis de gorduras saturadas e ácidos gordos ómega-6 (AGω-6) e pela ingestão reduzida de AGω-3, estando este padrão dietético associado ao desenvolvimento de DFGNA, uma vez que os AGω-3 promovem a oxidação dos ácidos gordos e reduzem a síntese dos

(36)

mediterrânica, rica em ácidos gordos mono e polinsaturados, pode ser adotada, tendo benefícios na redução da esteatose e na melhoria da SAI, mesmo sem perda de peso associada.(46)

Apesar de em ambiente de ensaio clínico, algumas destas intervenções dietéticas terem sucesso, na vida real a grande maioria acaba por falhar, tanto a um nível individual, como a um nível populacional.(46) Após a conclusão dos ensaios clínicos, os indivíduos acabam frequentemente por voltar aos seus hábitos dietéticos iniciais e a perda de peso, na melhor das hipóteses, é de apenas cerca de 3-4 kg após 2-4 anos.(46) Para além de que as intervenções individuais são difíceis de sustentar perante um ambiente que favorece a obesidade, oferecendo alimentos altamente calóricos e fáceis de preparar, sendo que a um nível populacional, apenas as intervenções comunitárias, com mudanças radicais no ambiente, acabam por ser eficazes.(46)

3.8.1.2 Atividade Física

Cerca de metade dos indivíduos com DFGNA são inativos e um terço destes não praticam qualquer forma de exercício físico.(46) O exercício físico permite reduzir o risco de aparecimento da SM e dos seus componentes, diminui a mortalidade associada ao cancro e a mortalidade global.(46) A AF diminui ainda os níveis de AGLs no plasma, reduz o tecido adiposo visceral, a esteatose, a apoptose e diminui as probabilidades de desenvolvimento de EHNA e fibrose em cerca de um terço.(46)

A intensidade da AF e a sua duração influenciam os efeitos positivos alcançados nos indivíduos com DFGNA com a prática de exercício físico regular, sendo que a AF vigorosa e prolongada decresce de maneira mais eficaz os níveis de glicémia, melhora a SAI e diminui a EHNA e a fibrose.(19,46) No entanto, os indivíduos com DFGNA não toleram facilmente a AF, demonstrando níveis elevados de fadiga.(46) O treino de resistência deve assim ser implementado em conjunto com o aumento progressivo do treino cardiovascular, por ser mais acessível para certos doentes, uma vez que exige menos esforço do aparelho cardiorrespiratório.(46)

Para além de praticar exercício físico, é também importante evitar o sedentarismo, uma vez que está associado a um aumento da RAI e da mortalidade geral, independentemente do nível de AF.(46)

(37)

3.8.1.3 Cirurgia Bariátrica

A cirurgia bariátrica (CB) pode ser uma opção para a perda de peso em doentes com OM, induzindo uma perda de peso profunda e estável a longo prazo, associada ao aumento da SAI e diminuição da esteatose, da inflamação, do BHC e da fibrose, com resolução da EHNA em cerca de dois terços dos casos.(11,17,19,46)

No entanto, são necessários mais ensaios clínicos randomizados (ECRs), que avaliem a CB como uma opção no tratamento da DFGNA.(11) Existe ainda a preocupação de que os doentes cirróticos progridam mais facilmente para falência hepática, após a CB, devido à perda rápida de peso.(11) Assim, apesar de ser recomendada em indivíduos com OM e não-cirróticos, a CB não é recomendada como tratamento primário na DFGNA.(11)

3.8.1.4 Transplante Hepático

O TH é uma opção de último recurso em indivíduos com doença hepática terminal (DHT).(19) Apesar da sobrevivência dos indivíduos com EHNA ser similar à dos indivíduos transplantados devido a outras etiologias, o TH está sempre associado a alguns riscos, particularmente nesta população em que a idade avançada e a SM estão frequentemente presentes e agravam o prognóstico do transplante, com aumentos na morbilidade e mortalidade associadas.(19,21)

A recorrência da DFGNA é bastante comum entre os indivíduos transplantados com EHNA e os indivíduos com CC, ocorrendo em cerca de 30-60% dos indivíduos transplantados durante um período de follow-up de 1-5 anos, com cerca de 10-33% destes indivíduos a evoluir para EHNA e cerca de 5-10% para fibrose avançada.(21) Esta recorrência pode ser devida a diversos fatores, tais como a predisposição genética, o tipo de imunossupressão utilizada, o grau de esteatose do fígado transplantado (probabilidade três vezes superior) e/ou a presença da SM e dos seus vários componentes, como a obesidade e a RAI.(21,41) Os corticosteroides e os inibidores da calcineurina (tacrolímus e ciclosporina) são imunossupressores frequentemente utilizados nos transplantes, no entanto diminuem a produção de insulina, suprimem a

(38)

Com o aumento da epidemia da SM em todo mundo, prevê-se que nos próximos anos a DFGNA se torne a principal causa de THs em países desenvolvidos.(19,41) Tendo em conta os recursos limitados que estão associados à transplantação, torna-se imprescindível a existência de tratamentos eficazes na prevenção do desenvolvimento de DHT.(19)

3.8.2 Terapêutica Farmacológica

O tratamento standard da DFGNA inicia-se com mudanças nos hábitos dietéticos e do EV.(17) Esta estratégia de alteração de comportamentos acaba por não ter sucesso na grande maioria dos casos, daí que seja necessário combiná-la com uma abordagem farmacológica da doença.(17,18)

Uma vez que a DFGNA se encontra frequentemente associada à SM, o tratamento desta patologia passa em parte por tratar os vários CSM que possam estar presentes.(11) Outros fármacos utilizados no tratamento da DFGNA são dirigidos aos diferentes mecanismos fisiopatológicos da doença, atuando na homeostase hepática metabólica, no SO, na inflamação, na fibrose e/ou na apoptose.(17) (Figura 6)

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Figura 6 Mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico e da Esteato-Hepatite Não Alcoólica e potenciais alvos terapêuticos utilizados no tratamento destas patologias (Adaptado de (18))

Apesar dos elevados números de estudos e ECs realizados, até ao momento nenhum fármaco demonstrou possuir um benefício suficientemente significativo para ser aprovado como terapêutica específica da DFGNA.(19)

3.8.2.1 Metformina

A metformina é uma biguanida indicada como tratamento de primeira linha na DM2, que aumenta a SAI, através do aumento da atividade da AMP-activated protein kinase, a qual resulta na diminuição da produção hepática de glucose e no aumento da utilização periférica da mesma.(11,46)

Apesar de ter sido um dos primeiros fármacos a ser testados para o tratamento da DFGNA, vários ECs realizados demonstraram que a metformina não altera de maneira

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3.8.2.2 Tiazolidinedionas

As tiazolidinedionas (TZDs), também conhecidas como glitazonas e das quais são exemplos a pioglitazona e a rosiglitazona, são agonistas do peroxisome proliferator-activated receptor (PPAR) gama, o qual controla a transcrição dos genes dos recetores da insulina envolvidos no transporte, na utilização e na produção de glucose e lípidos.(11) Estes fármacos atuam melhorando a RAI através de várias vias, nomeadamente promovendo a diferenciação dos pré-adipócitos grandes e insulino-resistentes em adipócitos pequenos e sensíveis à insulina; reduzindo o armazenamento inapropriado de gordura nos músculos e fígado, promovendo o seu armazenamento e síntese no tecido adiposo, com a melhoria subsequente da SAI, apesar da expansão do tecido adiposo; levando a uma maior produção de adiponectina, uma adipocina anti-esteatogénica que leva a uma maior SAI e aumenta a β-OXI dos ácidos gordos no fígado e nos músculos.(17,46)

O estudo Pioglitazone or Vitamin E for NASH Study (PIVENS) foi um grande ensaio clínico randomizado de fase III que comparou a administração de pioglitazona uma vez ao dia (30 mg em 80 indivíduos), com a administração de vitamina E (VIT E) uma vez ao dia (800 UI em 84 indivíduos) e placebo (83 indivíduos), em indivíduos não-diabéticos com EHNA durante 96 semanas, tendo sido observado que a esteatose e a inflamação lobular melhoraram substancialmente com a pioglitazona comparativamente com o placebo.(17)

No entanto, a utilização das TZDs tem vindo a ser associada a alguns efeitos adversos, como o ganho de peso, fraturas em mulheres, risco aumentado de cancro da bexiga no caso da pioglitazona e de eventos cardiovasculares no caso da rosiglitazona.(17) Como tal, atualmente as TZDs podem ser recomendadas como tratamento da DFGNA, tendo a vantagem de melhorar o controlo da glicémia nos indivíduos diabéticos, no caso da pioglitazona, no entanto a segurança a longo prazo destes fármacos é sempre um fator a ponderar.(11,46)

3.8.2.3 Agonistas do Peroxisome Proliferator-Activated Receptor

Os PPAR são um grupo de recetores nucleares expressos em vários tecidos e que regulam, através do controlo da transcrição, vários processos metabólicos, nomeadamente a β-OXI, o transporte de lípidos e a gluconeogénese.(18) Existem três

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tipos de PPAR, α, β/δ e γ, que diferem na distribuição tecidular, mas que controlam o mesmo segmento de ADN.(18) Os PPARα e δα regulam o metabolismo lipídico no fígado e a homeostase da glucose.(17) A ativação do PPARα leva ao controlo do fluxo de lípidos, conduz à inibição de alguns genes inflamatórios e a uma melhoria da atividade necroinflamatória no fígado.(17) A ativação do PPARδ diminui a produção hepática de glucose, promove a β-OXI dos ácidos gordos e inibe a lipogénese hepática, apresentando também propriedades anti-inflamatórias sobre os macrófagos e as células de Kupffer.(17,46) A ativação de ambos leva à melhoria de várias vias que regulam o metabolismo hepático e que estão envolvidas na patogénese da DFGNA.(17)

O fármaco elafibranor (GTF-505) é um modulador do PPARα e δ que em vários ensaios demonstrou diminuir a esteatose hepática, a inflamação e ter propriedades antifibróticas, tendo melhorado a homeostase da glucose e a SAI em indivíduos diabéticos.(17)

O saroglitazar (ZYH 1) é um agonista do PPAR com atividade predominantemente α e com atividade γ moderada que foi inicialmente desenvolvido para o tratamento da dislipidemia, apresentando efeitos favoráveis na glicémia em indivíduos com DM2, tendo diminuído significativamente os níveis de transaminases hepáticas em indivíduos com DFGNA e EHNA.(17,18) Este fármaco encontra-se atualmente em ensaios clínicos.(17)

O IVA337 é um agonista do PPAR com atividade α, δ e γ que apresenta propriedades anti-inflamatórias e antifibróticas e se espera ter uma eficácia superior, tendo em conta que exerce atividade sobre três isoformas da PPAR e não apenas uma.(17)

3.8.2.4 Agonistas do Farnesoid-X Receptor

Os ácidos biliares (ABs) modulam várias vias metabólicas através da ativação do farnesoid-X receptor (FXR) intracelular, o qual regula negativamente a síntese de ABs, controla o metabolismo lipídico e glucídico, através da regulação da SAI no músculo-esquelético e no tecido adiposo, do controlo da gluconeogénese e da glicogenólise no fígado, da diminuição da lipogénese e do aumento da β-OXI dos ácidos

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ABs, tais como o ácido obeticólico (OCA), existindo também agonistas sintéticos do FXR.(17)

O OCA (INT-747) é uma variante semi-sintética de um ácido biliar ativador seletivo do FXR que em vários estudos demonstrou melhorar a esteatose, a inflamação lobular, o BHC, a fibrose e a SAI, induzir a perda de peso e a redução da pressão arterial sistólica.(17,46) No entanto, este fármaco bloqueia a conversão do colesterol em ABs, estando assim também associado a aumentos do CT, da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e a reduções da lipoproteína de alta densidade (HDL), sendo que o prurido é ainda um efeito adverso frequente.(17,19)

O GS-9674 é um agonista sintético do FXR que demonstrou reduzir os níveis das transaminases, a esteatose e a fibrose em modelos animais.(17) O LJN452 e o EDP-305 são exemplos de outros agonistas sintéticos do FXR que se encontram em estudo.(17) O fexaramine é um agonista do FXR com ação restrita no intestino, que mostrou induzir o fator de crescimento 15, levando a alterações na composição dos ABs, provocando uma diminuição do peso, da inflamação sistémica e da produção de glucose por parte do fígado.(17)

3.8.2.5 Ácido Ursodesoxicólico

O ácido ursodesoxicólico (UDCA) é um ácido biliar natural produzido pelas bactérias do intestino delgado, que pode ser encontrado em grandes quantidades na bílis de certos tipos de ursos.(11) Este ácido biliar apresenta efeitos citoprotetores, assim como a capacidade de alterar as propriedades lipídicas.(11)

O UDCA demonstrou conseguir reduzir os níveis das transaminases hepáticas em vários estudos, no entanto a longo prazo esta molécula não consegue alterar a histologia associada à DFGNA. (11) Como tal, o UDCA não é recomendado como tratamento da DFGNA.(11)

3.8.2.6 Análogos dos Fatores de Crescimento 19 e 21 dos Fibroblastos

O fator de crescimento 19 do fibroblasto (FGF19) é uma hormona intestinal que regula o metabolismo dos ABs, a homeostase da glucose e os TGs, sendo que a expressão

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exagerada deste fator está associada ao desenvolvimento de tumores hepáticos em modelos animais.(17)

O NGM282 é uma molécula que foi desenvolvida com o intuito de eliminar os componentes da via de sinalização do FGF19, que estão associados a propriedades tumorigénicas, mantendo as propriedades originais da hormona que regulam o metabolismo e a síntese de ABs.(17) Esta molécula encontra-se atualmente em ensaios clínicos.(17)

O fator de crescimento 21 do fibroblasto (FGF21) é uma hormona metabólica produzida maioritariamente pelo fígado, que é expressa pelos adipócitos e pelo pâncreas.(17) Em estudos pré-clínicos, o fator de crescimento recombinante demonstrou ter efeitos benéficos no metabolismo lipídico, da glucose, na SAI e na perda de peso.(17)

O PF-05231023 é um análogo do FGF21 com longa duração de ação, que demostrou levar a uma perda de peso significativa, uma melhoria no perfil lipídico e um aumento nos níveis de adiponectina, num estudo com indivíduos com excesso de peso e com DM2.(17)

3.8.2.7 Inibidores da Stearoyl Coenzyme A Desaturase 1

A stearoyl coenzyme A desaturase (SCD) é uma enzima localizada no RE, que catalisa o passo limitante na síntese dos ácidos gordos monoinsaturados.(18) A inibição da atividade da SCD1 melhora a SAI e diminui a síntese dos ácidos gordos e aumenta a β-OXI, conduzindo a uma regulação do metabolismo dos ácidos gordos no fígado, para além de que esta inibição promove ainda o efluxo do colesterol a partir deste órgão.(17,18)

O aramchol é uma molécula sintética obtida através da conjugação do ácido cólico, (um ácido biliar) e o ácido araquidônico (um ácido gordo saturado), que promove a inibição da SCD1, levando a uma redução da esteatose em vários estudos.(17,18)

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Figura 1 Definições de Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico e de Esteato- Esteato-Hepatite Não Alcoólica
Tabela 1 Fatores de risco associados à Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico
Figura 2 Mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento da Doença  de Fígado Gordo Não Alcoólico e da Esteato-Hepatite Não Alcoólica (Adaptado
Figura 3 História natural da Doença de Fígado Gordo Não Alcoólico
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