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Os limites de atuação da fiscalização tributária e as provas ilícitas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO - TURMA ESPECIAL

³26/,0,7(6'($78$d­2'$),6&$/,=$d­2 75,%87È5,$($63529$6,/Ë&,7$6´

Rui Carlos Luft

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina/SC, em convênio com o Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo/RS.

Orientador: Prof. Dr. Ubaldo Cesar Balthazar

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81,9(56,'$'()('(5$/'(6$17$&$7$5,1$ &(1752'(&,Ç1&,$6-85Ë',&$6 &8562'(3Ï6*5$'8$d­2(0',5(,72 7(502'($3529$d­2 A dissertação ³26  /,0,7(6  '(  $78$d­2  '$  ),6&$/,=$d­2 75,%87È5,$($63529$6,/Ë&,7$6´

Elaborada por 58,&$5/26/8)7

Foi aprovada por todos os membros integrantes da banca examinadora e julgada adequada para a obtenção do título de MESTRE EM DIREITO.

Florianópolis, 25 de fevereiro de 2002.

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Prof. Dr. Ubaldo César Balthazar (Presidente)

Prof. Dr. Índio Jorge Zavarizi (Membro)

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor Ubaldo Cesar Balthazar, pela atenção, orientação e compreensão.

À toda minha família, especialmente à Lurdes, Sheila, Shana e Michel, que sempre confiaram e acreditaram em mim e que, nos momentos de hesitação, tiveram palavras de incentivo e força, não permitindo que eu fraquejasse.

À Deus, por ter me dado saúde, inspiração e iluminado o caminho para enfrentar mais essa jornada.

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RESUMO

O presente trabalho foi realizado com o objetivo de estudar os limites de atuação dos agentes do fisco, em seus procedimentos de verificação do cumprimento das obrigações tributárias por parte dos contribuintes, diante dos princípios constitucionais que vedam as provas ilícitas em qualquer espécie de processo.

O estudo revela-se importante na medida em que o Estado de Direito pressupõe rigorosa observância ao ordenamento jurídico vigente e, nesse contexto, administração pública e administrados devem buscar o convívio harmonioso a partir da observância aos princípios e regras constitucionais. O trabalho encontra justificativa porque, premido pela necessidade de angariar um volume cada vez maior de recursos, na persecução dos seus intentos arrecadatórios, muitas vezes, os agentes do Erário buscam receitas mediante utilização de práticas que vão de encontro aos direitos e garantias constitucionais nas pessoas.

Pela sua natureza e pela diversidade de entendimentos sobre a matéria, no estudo realizado não foi adotado um marco teórico exclusivo, pautando-se pela doutrina existente sobre o assunto, legislação e pela tendência delineada pela jurisprudência.

Relativamente à metodologia, foram empregadas as técnicas de pesquisa bibliográfica, subsidiariamente complementadas pela pesquisa documental. O método de abordagem adotado foi o indutivo e o de procedimento foi o monográfico.

O tema foi dividido em quatro capítulos, iniciando pelo estudo da relação jurídica de natureza tributária, que se estabelece entre o Estado e os contribuintes, a partir do nascimento da obrigação tributária. O segundo capítulo aborda os direitos e garantias dos cidadãos, sob o prisma da Constituição Federal, com destaque para os princípios constitucionais, entre os quais aqueles que dizem respeito às provas ilícitas. No terceiro capítulo foram objeto de estudo os meios de prova no processo tributário, especialmente a questão da prova em relação ao lançamento tributário. No último capítulo o foco do estudo foi direcionado às provas ilícitas, mensurando-as em face do princípio da proporcionalidade.

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RESUMEN

El presente trabajo fue realizado con el objetivo de estudiar los límites de actuación de los agentes del fisco, en sus procedimientos de verificación del cumprimiento de las obligaciones tributarias por parte de los contribuyentes, enfrente de los principios constitucionales que vedan las pruebas ilícitas en cualquier especie del proceso.

El estudio revelase importante en la medida en que el Estado de Derecho presupone rigoroso cumprimiento al precepto jurídico en vigor y, en ese contexto, administración pública y administrados deven buscar la conveniencia armoniosa de acuerdo a los principios y reglas constitucionales. El trabajo encuentra justificativa porque, cumple la necesidad de tener un volumen cada vez mayor de recursos, en la persecución de sus propositos recaudatorios, muchas veces, loa agentes del Erario buscan recetas mediante utilización de prácticas que van de encuentro a los derechos y garantías constitucionales en las personas.

Por su naturaleza e por diversidad de entendimiento sobre la materia, en el estudio no fue adoptado un marco teorico exclusivo, pautandose por la doctrina exisistente sobre el asunto, legislación y por la tendencia delineada por la jurisprudencia.

Relativo a la metodología, fueran empleadas las técnicas de pesquisa bibliográfica, complementadas por la pesquisa documental. El método de abordaje adoptado fue el indutivo y el procedimiento fue el monográfico.

El tema fue dividido en cuatro capítulos, iniciando por el estudio de la relación jurídica de naturaleza tributária, que se estabelece entre el Estado y los contribuyentes a partir del nacimiento de la obligación tributária. El segundo capítulo aborda los derechos y garantías de los ciudadanos, sobre el prisma de la Constitución Federal, con realce para los principios constitucionales, entre los cuales aquellos que dicen respecto a las pruebas ilícitas. En el tercero capítulo fueron objeto de estudio las medias de prueba en el proceso tributário, en especial la questión de la prueba en relación al lanzamiento tributário. En el último capítulo el foco de estudio fue direccionado a las pruebas ilícitas, determinandolas en face del principio de la proporcionalidad.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

1 RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA ... 6

1.1 Atividades Estatais ... 6

1.2 A Atividade Financeira do Estado ... 9

1.3 Obrigação Tributária e Crédito Tributário ... 11

1.4 Relação Jurídica Tributária ... 21

2 DIREITOS E GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES ... 28

2.1 Princípios Constitucionais ... 28

2.2 Princípios Constitucionais Tributários ... 35

2.3 Garantias Constitucionais ... 42

2.4 Vedação das Provas Ilícitas ... 47

3 MEIOS DE PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO ... 54

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3.2 Os Meios de Prova Legais e os Moralmente Legítimos ... 61

3.3 A Prova da Ocorrência do Fato Gerador da Obrigação Tributária ... 65

3.4 A Prova e o Lançamento Tributário ... 67

3.5 Princípios que Norteiam as Provas. O Ônus da Prova ... 72

3.6 A Presunção de Legitimidade dos Atos Administrativos ... 74

4 A PROVA ILÍCITA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO ... 79

4.1 Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas ... 79

4.2 Provas Obtidas por Meios Ilícitos e Provas Ilícitas por Derivação ... 86

4.3 O Princípio da Proporcionalidade ... 100

4.4 A Proibição da Prova Ilícita como Limite do Direito de Provar ... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...119

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,1752'8d­2

A organização do Estado é articulada a partir de um sistema normativo constitucional. Esse conjunto de normas, chamado de Constituição, é que determina a estrutura social que liga as pessoas que se encontram no território do Estado, em certa época. O atual modelo constitucional pátrio contempla inúmeros princípios, normas-chave que imantam todo sistema e que trazem no seu bojo grande parte do conteúdo axiológico que inspirou o legislador constituinte. Alguns desses princípios constituem-se em instâncias de proteção dos cidadãos contra atos praticados pelo Estado, através dos seus agentes.

Nas relações jurídicas que se estabelecem entre os particulares e o Estado, especialmente naquelas que se destinam a angariar recursos para sustentar toda estrutura estatal, montada para o atendimento da sua própria finalidade, os agentes públicos devem agir em consonância com o ordenamento jurídico. Assim, na persecução dos seus intentos arrecadatórios, a ação do poder estatal encontra significativas limitações, especialmente nos princípios constitucionais assecuratórios da defesa dos direitos dos cidadãos contribuintes.

O tema em estudo revela-se da maior importância na medida em que vivemos num Estado de Direito e este pressupõe rigorosa observância ao ordenamento jurídico vigente. Ocorre que, muitas vezes, talvez por resquícios do regime de exceção vigente em passado recente, ou por razões diversas, os agentes da administração pública atuam à margem dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos. Tais fatos ocorrem, até com certa freqüência, nas ações do poder tributante em relação aos contribuintes.

Em razão da necessidade de angariar um volume cada vez maior de recursos financeiros, os agentes do Erário muitas vezes são estimulados a buscar receitas mediante a utilização de práticas que vão de encontro aos direitos e garantias

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constitucionais das pessoas. Nesses procedimentos, entre outras fórmulas, freqüentemente é violada a privacidade do domicílio ou da intimidade das pessoas, mesmo sem qualquer amparo em autorização legal ou mesmo judicial para tanto. Simplesmente é aplicada a máxima de Maquiavel, segundo a qual os fins justificam os meios.

A inquietude gerada em razão dessas importantes questões motivou o interesse pela realização do presente estudo, especialmente acerca das conseqüências decorrentes da ação do Fisco, quando em procedimentos de fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias em relação aos contribuintes em geral, obtém provas a partir de práticas que violam direitos e garantias constitucionais dos contribuintes.

O principal objetivo deste trabalho é, sem qualquer pretensão de esgotar a matéria, verificar quais são os limites de atuação dos agentes do Fisco, em seus procedimentos de fiscalização, diante dos princípios constitucionais que vedam as provas obtidas por meios ilícitos. Para tanto, a partir de uma breve análise da relação jurídica de natureza tributária, foram abordados os direitos e garantias dos contribuintes em face da Constituição Federal e os meios de prova passíveis de utilização pelo Fisco, para demonstrar, ao final, que as provas obtidas a partir da violação de direitos e garantias dos contribuintes são ilícitas e, consequentemente, inaproveitáveis como tais no processo tributário, como de resto em qualquer outra espécie de processo.

No estudo realizado, pela sua natureza e também pela diversidade de entendimentos sobre a matéria, não foi adotado um marco teórico exclusivo. O trabalho pautou-se por uma abordagem jurídica sistêmica, envolvendo doutrina, jurisprudência e legislação, especialmente a Constituição Federal.

No que diz respeito à metodologia, foram empregadas as técnicas de pesquisa bibliográfica, subsidiariamente complementadas pela pesquisa documental. O método de abordagem adotado foi o indutivo e o de procedimento foi o monográfico.

Especificamente quanto ao conteúdo do trabalho, o tema foi dividido em quatro capítulos. O primeiro trata da relação jurídica tributária que se estabelece entre o Estado e os cidadãos contribuintes. O Estado exerce muitas atividades, distribuídas

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entre as suas funções básicas de ordem administrativa, legislativa e jurisdicional. Estas atividades são direcionadas à satisfação das necessidades públicas, sendo estas definidas e delimitadas por critérios delineados pelo modelo político vigente no decorrer dos tempos. Para atender a todas as necessidades públicas e, assim, implementar os seus fins, o Estado necessita de consideráveis somas de recursos financeiros. Dessa forma, paralelamente às suas atividades fins, de ordem política, social, administrativa, econômica, entre outras, o Estado realiza uma atividade específica, de natureza financeira, que consiste na obtenção, gestão e aplicação de recursos. A partir da pesquisa dessa atividade meio, de natureza instrumental, no campo da receita pública, do orçamento e crédito público e da despesa pública, sem a qual não seria sustentável toda sua estrutura, foi lastreado o ponto de partida do estudo.

A parcela mais substanciosa da receita pública decorre da incursão do Estado na órbita patrimonial dos particulares, de onde busca a maior parte do expressivo volume de recursos que necessita para custear as demais atividades. As receitas derivadas, decorrentes da cobrança de tributos e penalidades pecuniárias, são as mais representativas fontes de receita do Estado. Sob essa perspectiva, foi objeto de estudo no primeiro capítulo principalmente a relação jurídica que se estabelece entre o Estado e o cidadão contribuinte, a partir do nascimento da obrigação tributária até o perfectibilização do respectivo crédito tributário, institutos permeados pela figura do lançamento.

O segundo capítulo da dissertação é dedicado ao estudo dos direitos e garantias dos cidadãos contribuintes, especialmente sob o prisma da Constituição Federal. Algumas disposições albergadas pelo texto constitucional, por traduzirem os valores maiores do Estado, foram erigidas em princípios, normas-chave que imantam todo sistema e que trazem no seu bojo grande parcela do conteúdo axiológico que inspirou o legislador constituinte. A relação de tributação, não sendo mera relação de poder mas relação jurídica, também submete-se a uma série de princípios que compõem o sistema jurídico do Estado e pelos quais é regida. A investigação acerca desses princípios constitucionais, entre os quais a vedação das provas ilícitas, também mereceu destaque neste capítulo.

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Os meios de prova no processo tributário foram abordados especificamente no terceiro capítulo da dissertação. Embora o Estado tenha a seu favor a circunstância da tributação resultar em receitas a serem utilizadas para a consecução de atividades que visem o bem comum da sociedade, de outra parte, o cidadão tem em seu favor princípios constitucionais que militam em sua defesa, a fim de protegê-lo contra eventuais abusos cometidos na instituição e, principalmente, na exigência dos tributos. Dessa forma, em todas as etapas da atividade concernente à fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias, é primordial a observância da ordem jurídica vigente. O nascimento da obrigação tributária há de restar sobejamente comprovado por meios de prova idôneos, pois nem mesmo a presunção de legitimidade dos atos administrativos autoriza a inversão do ônus da prova em favor do Erário. Todas essas questões e mais a especificidade da prova em relação ao lançamento tributário foram alvo de investigação nesse capítulo.

No quarto e último capítulo da dissertação, o foco da análise foi direcionado às provas ilícitas propriamente ditas e aquelas que também assim são consideradas por derivação. Com o advento da ordem constitucional de 1988, foram muito prestigiadas as normas de direito fundamental que asseguram a vida, a dignidade, a honra e a privacidade das pessoas. Nesse contexto, o direito à liberdade de produção de provas sofreu algumas limitações, na medida em que os meios de prova devem resguardar, entre outros, os direitos fundamentais acima elencados. Além das provas ilícitas já na sua origem, neste capítulo também foi alvo de investigação, como mencionado, a matéria pertinente às provas ilícitas por derivação, ou seja, aquelas que, embora por si só não são ilícitas, mas a elas se chegou por outra prova, onde esta foi ilicitamente obtida.

A partir da investigação das provas ilícitas, foi estudado, também, no capítulo derradeiro, o princípio da proporcionalidade. A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo é determinada pela Constituição no capítulo pertinente aos direitos e garantias individuais e, ao final desse mesmo capítulo, está prescrito que os direitos e garantias expressos na Lei Maior não excluem outros decorrentes do sistema. Assim, o princípio da proporcionalidade também encontra arrimo no sistema e, nessa perspectiva, também foi objeto de abordagem.

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A parte final do trabalho aborda a questão da proibição da prova ilícita como fator de limitação do direito de provar. Efetivamente, na medida em que a Constituição de 1988 não admite que sejam utilizadas em qualquer espécie de processo provas obtidas por meios ilícitos, impõe-se o questionamento, não apenas a sua valoração, mas inclusive sua própria existência como prova.

Longe da pretensão de esgotar a matéria, a dissertação que ora se apresenta visa apenas propor uma reflexão sobre um importante aspecto pertinente ao Estado Democrático de Direito, mais especificamente sobre os limites de atuação do Fisco, sob a perspectiva da relação jurídica de tributação, diante dos princípios constitucionais que vedam as provas ilícitas.

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CAPÍTULO I



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1.1 Atividades Estatais

O ser humano, por razões familiares, espirituais, materiais ou por qualquer outra espécie de afinidade, naturalmente vincula-se a um ou mais grupos sociais, e o conjunto desses grupos sociais compõe o que genericamente pode ser denominado de sociedade. São coletividades de pessoas, organizadas em torno de um fim comum.

Entre as várias concepções que a expressão sociedade comporta, assume relevo especial aquela que congrega os indivíduos a partir de uma organização político-jurídica, que os coloca sob a tutela de um ente denominado Estado.1 Os indivíduos humanos buscam formas organizadas de convívio, pois o “instinto social do homem faz com que seja uma necessidade natural o viver em sociedade política”.2 Nesse contexto, o Estado é uma sociedade na medida em que se tem um grupo de indivíduos, politicamente organizado em torno de um objetivo comum. Mais do que isso, trata-se de uma sociedade política, pois, “tendo sua organização determinada por normas de Direito

1 Para os fins deste trabalho, o termo Estado é utilizado no significado mais amplo do ente público, abrangendo todas as entidades estatais, e não como unidade federada (Estado-membro), tal como prevê a a organização política.

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positivo, é hierarquizada na forma de governantes e governados e tem uma finalidade própria, o EHPS~EOLFR”.3

A origem do Estado e todo conjunto de peculiaridades pertinentes a sua definição, finalidade, estrutura e funcionamento, sempre foi objeto da atenção de filósofos e cientistas políticos ao longo dos tempos. Ainda na antigüidade, em forma de diálogo, Platão escreveu $ 5HS~EOLFD descrevendo o Estado ideal. Seu discípulo Aristóteles publicou o trabalho denominado $ 3ROtWLFD referindo-se ao Estado como sendo uma sociedade e acrescentando que todas as sociedades têm como meta algumas vantagens. Maquiavel, no século XVI, na memorável obra 23UtQFLSH partindo de um questionamento mais científico, revolucionou a história das teorias políticas ao propor uma reflexão mais profunda sobre o Estado, não em relação ao seu tipo ideal, mas delineando as formas pelas quais os Estados se constituem, se conservam e se expandem. No ano de 1748, Montesquieu, acreditando que nos Estados a liberdade política envolvia a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, publicou 2 (VStULWRGDV/HLV Logo depois, em 1762, na obra 2&RQWUDWR6RFLDO Rousseau tratou do pacto social como forma de associação. Conforme se observa, desde a antigüidade, o Estado sempre foi objeto de reflexão e estudo dos clássicos da filosofia e da ciência política.

No que diz respeito à finalidade do Estado, não há dúvida de que deve colimar sempre pela realização do bem público. Embora não haja consenso em relação à questão de saber se o Estado pode ser considerado como um fim em si mesmo ou se é apenas um dos meios para a realização do homem,4 especificamente sobre os fins do Estado “ as teorias são uniformes em sua essência: todas afirmam que a sua finalidade é realizar o bem público”.5 A realização do bem público pressupõe a coordenação de atividades, públicas e privadas, no sentido de satisfazer as principais necessidades dos indivíduos que integram a coletividade.

3 AZAMBUJA, Darcy. 7HRULD*HUDOGR(VWDGR 24. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1985, p. 2.

4 A respeito, Darcy Azambuja afirma que alguns consideram o Estado como um fim em si mesmo, como o ideal e a síntese de todas as aspirações do homem e de todas as forças sociais, enquanto que para outros o Estado é que seria apenas o meio para o homem realizar a sua felicidade social. Ver AZAMBUJA, D. Idem, p. 121.

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Para alcançar os objetivos que motivaram a sua criação, o Estado exerce inúmeras atividades, distribuídas em três funções básicas: legislativa, administrativa e jurisdicional. Tendo como parâmetro critérios de menor ou maior relevância do interesse público envolvido, e em consonância com o modelo político vigente, a realização de determinadas atividades é compartilhada com os particulares, como é o caso da saúde e da educação. Já em outras tarefas, entre as quais merecem relevo especial a segurança e a administração da justiça, considerando o elevado grau de interesse público que as caracteriza, cabe ao Estado assumir a responsabilidade em relação a tais atividades.

A esfera de abrangência das atividades estatais varia na mesma proporção em que variam os diversos modelos políticos no decorrer dos tempos, na medida em que tais atividades direcionam-se preponderantemente à satisfação das necessidades públicas, definidas e delimitadas por critérios de ordem política, ditados pelos governantes. Entre os diversos critérios de classificação das necessidades, o mais aceito é o político, pelo qual “ necessidade coletiva pública seria toda aquela que fosse satisfeita pelo Estado, mediante critério do legislador ou do governante, quando o Estado se avocasse o direito de satisfazer determinada necessidade coletiva” .6

A necessidade pública “ não se confunde nem com a necessidade individual nem com a coletiva” .7 As necessidades individuais são aquelas que dizem respeito ao indivíduo, isoladamente considerado, e que são satisfeitas normalmente segundo a capacidade econômica e financeira de cada um. De outra parte, como decorrência do convívio social, surgem necessidades coletivas, priorizadas e mantidas consoante o interesse dos componentes de uma coletividade específica. Existem outras necessidades que, pela relevância que lhes é atribuída pelo modelo político vigente, recebem a qualificação de necessidades públicas, satisfeitas pelo processo do serviço público, mediante intervenção do Estado para provê-las.8 Qualquer necessidade coletiva pode

6 BENEMANN, Saul Nichele. &RPSrQGLRGH'LUHLWR7ULEXWiULRH&LrQFLDGDV)LQDQoDV Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 30.

7 BASTOS, Celso Ribeiro. &XUVR GH 'LUHLWR )LQDQFHLUR H GH 'LUHLWR 7ULEXWiULR 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 3.

8 Segundo Celso Ribeiro Bastos, a atividade pública não consegue satisfazer a todas as necessidades coletivas. Essa a razão da inevitabilidade da intermediação de uma escolha feita pelos governantes que optam dentre as necessidades coletivas por aquelas que merecem satisfação por meio de uma atividade pública. As necessidades assim satisfeitas recebem a qualificação de QHFHVVLGDGHV S~EOLFDV São os

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tornar-se pública “ por uma decisão dos órgãos políticos” ,9 pois, em princípio, “ todas as necessidades públicas são coletivas, mas a recíproca está excluída, pois existem necessidades de interesse geral ou coletivas que não são necessidades públicas” .10

Como decorrência da vida coletiva nascem as necessidades públicas que por sua vez reclamam medidas e atividades do Estado no sentido de satisfazê-las. A prática de atividades estatais direcionadas à satisfação das necessidades públicas, significa, em análise derradeira, direcionar a ação do Estado à consecução do bem público, razão de ser da sua existência.

1.2 A Atividade Financeira do Estado

Para atender as necessidades públicas e implementar, assim, os seus fins, o Estado necessita de consideráveis somas de recursos financeiros, especialmente considerando o Estado contemporâneo que, “ interventor por excelência, possui uma estrutura complexa, voraz no consumo do dinheiro público” .11 Efetivamente, embora a Constituição de 1988 não tenha mencionado expressamente, não há como deixar de reconhecer que existe “ um (VWDGR 6RFLDO quando se verifica uma generalização dos instrumentos e das ações públicas de segurança e de bem-estar social” .12 Essa ampliação das funções sociais e assistenciais, além da assídua atuação do Estado no setor econômico e produtivo do país, repercute diretamente na estrutura administrativa que cresce cada vez mais em quantidade e complexidade. Por conseqüência, é crescente, governantes, pois, que determinam quais são as necessidades públicas, visto serem eles que apontam os fins da comunidade, não importando nem a forma de governo nem o caráter democrático ou autoritário assumido pela atividade política. A respeito, ver BASTOS, C. Idem, p. 4.

9 BALEEIRO, Aliomar. 8PD,QWURGXomRj&LrQFLDGDV)LQDQoDV 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 18.

10 BALEEIRO, A. Idem, ibidem.

11 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. 0DQXDOGH'LUHLWR7ULEXWiULR Florianópolis: Diploma Legal, 1999, p. 13.

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também, a necessidade de recursos financeiros para movimentar todo esse aparato estatal.

A realização do bem público, através do atendimento das necessidades públicas, é a atividade fim do Estado. Para que essa finalidade possa ser alcançada, como visto, são indispensáveis grandes somas de recursos, principalmente financeiros. Dessa forma, paralelamente às atividades fins (políticas, sociais, administrativas, econômicas, etc.), o Estado realiza outra atividade, de natureza financeira, consistente na obtenção, gestão e aplicação de recursos, sem o que não seria viável a prática das demais atividades.

Esta atividade de natureza financeira “ caracteriza-se por ser uma atividade meio, ou seja, é atividade instrumental. É através do exercício desta atividade que o Estado procura identificar, obter, administrar e aplicar os recursos indispensáveis à realização de suas atividades fins” .13 Em síntese, a atividade financeira do Estado é o conjunto de ações desenvolvidas no campo da receita pública, do orçamento e crédito público e da despesa pública.14

Evidentemente que o exercício da atividade financeira não se dá ao livre arbítrio da Administração Pública. Existem normas definindo critérios orientadores da atuação do administrador público. Nesse sentido, vários são os ramos do conhecimento que se dedicam a estudar e regular essa atividade estatal, entre os quais se destacam o Direito Financeiro, o Direito Tributário e a Ciência das Finanças.

Enquanto o Direito Financeiro abrange toda atividade financeira do Estado, envolvendo a receita e a despesa pública e ainda o orçamento e o crédito público, o Direito Tributário cuida apenas das relações decorrentes das receitas tributárias, parcela da receita pública, regulando especificamente as relações entre o fisco e as pessoas

13 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. 0DQXDOGH'LUHLWR7ULEXWiULR Florianópolis: Diploma Legal, 1999, p. 14.

14 Para Walter Paldes Valério, a atividade financeira do Estado se assemelha à atividade financeira dos particulares; mas, enquanto para os particulares a riqueza constitui um fim em si, para o Estado é apenas um meio de realizar as finalidades que lhe são próprias, e que se resumem na organização, preservação e aperfeiçoamento da vida humana em sociedade, o que se pode sintetizar dizendo que a finalidade essencial do Estado é a realização do interesse público. Ver a respeito VALÉRIO, Walter Paldes. 3URJUDPDGH'LUHLWR)LQDQFHLURH)LQDQoDV 6. ed. Porto Alegre: Sulina, 1996, p. 33.

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sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie.15 Já a Ciência das Finanças, através da investigação dos fatos, “ procura explicar os fenômenos ligados à obtenção e dispêndio do dinheiro necessário ao funcionamento dos serviços a cargo do Estado” ,16 dedicando-se mais aos aspectos econômicos e políticos da atividade financeira estatal, fornecendo, assim, valiosos subsídios ao Direito Financeiro e ao Direito Tributário.

A atividade financeira estatal, portanto, de maneira geral, “ consiste em toda ação que o Estado desenvolve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para satisfazer as necessidades da coletividade e realizar seus fins” .17 No desempenho dessa atividade, observadas normas previamente estabelecidas, busca, administra e aplica os meios indispensáveis para a consecução da sua finalidade que é o bem comum, representado pela satisfação das necessidades públicas.

1.3 Obrigação Tributária e Crédito Tributário

Entre as inúmeras ações que realiza para atingir a sua finalidade, o Estado desenvolve uma atividade meio, quando busca os recursos necessários para, em última análise, conferir sustento e estrutura às suas atividades fins. Dessa atividade resulta a receita pública, que é a soma de recursos “ percebidos pelo Estado para fazer face à realização dos gastos públicos” .18 A parcela mais substanciosa da receita pública decorre da incursão do Estado na órbita patrimonial dos particulares, de onde busca a

15 O saudoso Aliomar Baleeiro já ensinava que o Direito Financeiro é compreensivo do conjunto das normas sobre todas as instituições financeiras – receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal – ao passo que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente e a despeito de qualquer contra-indicação etimológica ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precipuamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, ou terceiros como sujeitos passivos. Ver BALEEIRO, Aliomar. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 10. ed. rev. e at. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro : Forense, 1991, p. 6.

16 BALEEIRO, A. Idem, p. 22.

17 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR 10. ed. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 3. 18 TORRES, Ricardo Lobo. &XUVRGH'LUHLWR)LQDQFHLURH7ULEXWiULR 2. ed. atual. e rev. Rio de Janeiro : Renovar, 1995, p. 147.

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maior parte do grande volume de recursos que necessita para custear todas as demais atividades.

A receita pública pode resultar de recursos financeiros obtidos a partir da exploração do patrimônio do próprio Estado, ou dos seus empreendimentos de caráter empresarial. Neste caso, temos as denominadas receitas públicas originárias. Mas, ao lado dessa fonte de recursos, existe outra mais significativa e que resguarda muito mais afinidade com o poder estatal. É aquela onde o Estado busca recursos junto ao setor privado, através da cobrança de tributos e penalidades pecuniárias.19 São as receitas derivadas, cujo maior traço distintivo em relação às originárias está no seu caráter de compulsoriedade. Enquanto as receitas originárias tem seu lastro em relações de direito privado, as receitas derivadas são reguladas por imperativas normas de direito público, e disso também decorre a sua compulsoriedade.

São as receitas derivadas, decorrentes da cobrança de tributos e de penalidades pecuniárias, as mais representativas fontes de receita do Estado. O poder de tributar do Estado emana de disposições constitucionais que, complementadas por normas infra constitucionais, formam o conjunto normativo que regula as relações que se estabelecem entre aqueles que contribuem e o Estado.20 Esse conjunto normativo é o objeto do Direito Tributário, ramo do Direito que disciplina as “ relações jurídicas entre o Estado na sua qualidade de fisco e as pessoas que juridicamente estão a ele sujeitas e se denominam contribuintes ou responsáveis” .21 O Direito Tributário, ao regular as relações que se estabelecem entre sujeitos em torno de uma prestação, revela seu conteúdo obrigacional, aliás, uma das suas grandes características. No particular, Aliomar Baleeiro já ensinava que “ a obrigação constitui o núcleo do Direito Tributário, como direito obrigacional que é” .22

19 Para Hugo de Brito Machado, no exercício de sua soberania o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O SRGHUGHWULEXWDU nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta. Ver a respeito, MACHADO, Hugo de Brito. &XUVRGH'LUHLWR 7ULEXWiULR. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 23.

20 Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho, em princípio, a Constituição não cria tributos, simplesmente atribui competências às pessoas políticas para instituí-los, através de lei (princípio da legalidade da tributação). A esse respeito, ver COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. &RPHQWiULRVj&RQVWLWXLomRGH 6LVWHPD7ULEXWiULR 6. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro : Forense, 1997, p. 3.

21 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR 10. ed. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 30. 22 BALEEIRO, Aliomar. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 10. ed. rev. e at. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro : Forense, 1991, p. 449.

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No direito das obrigações, o vocábulo obrigação designa o vínculo que se estabelece numa relação jurídica, onde alguém se obriga a satisfazer uma prestação de dar, fazer ou não fazer, em proveito de outrem. Esteja ela vinculada ao direito público ou ao direito privado, ou qualquer que seja a sua natureza, do nascimento da obrigação sempre resulta um dever a cumprir. Na órbita do Direito Tributário, a obrigação tem os mesmos elementos da obrigação em geral, só que possibilita de logo saber-se de que feição são especificamente os seus componentes.23

De acordo com a sua natureza, a obrigação tributária pode assumir as formas de obrigações de dar, de fazer ou não fazer, exatamente como ocorre no direito obrigacional comum. Entretanto, algumas peculiaridades a distingue das obrigações em geral, principalmente no que diz respeito ao seu objeto e à sua natureza. Quanto ao objeto, a obrigação tributária se circunscreve a uma prestação de natureza também tributária, ou seja, uma obrigação de dar quantia em dinheiro ao Erário, fazer algo como escriturar livros fiscais, ou não fazer quanto ao dever de omitir-se da prática de atos que causem embaraço à ação dos agentes do fisco, entre outros.

Quanto à natureza, a obrigação tributária é sempre H[OHJH no sentido de que “ o nascimento da obrigação tributária independe de uma manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponde ao seu objeto” .24 Embora qualquer obrigação jurídica sempre decorra da lei, a obrigação tributária, na sua gênese, ao contrário da maioria das demais obrigações, independe de qualquer manifestação do sujeito para o seu nascimento.

23 De acordo com a doutrina de Fábio Fanucchi, em relação à obrigação tributária, sabe-se que o sujeito ativo é a entidade tributante; que o sujeito passivo é pessoa, física ou jurídica, colocada sob a autoridade impositiva da entidade tributante; que o objeto da obrigação é o pagamento (principal) ou a prestação de fazer ou não fazer alguma coisa prescrita em lei (acessória); e que a causa da obrigação é o fato gerador, isto é, a situação prescrita em lei como necessária e suficiente para que se justifique a prestação. Ver, FANUCCHI, Fábio. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR±9RO, 4. ed. São Paulo: IBET e Resenha Tributária, 1980, p. 214.

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O Código Tributário Nacional divide a obrigação tributária em principal e acessória.25 A obrigação principal surge, na linguagem do Código, com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. A obrigação acessória tem por objeto prestações positivas ou negativas, a cargo do sujeito obrigado, estabelecidas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Portanto, segundo o Código Tributário Nacional, a obrigação tributária foi dividida em principal e acessória, levando em consideração a circunstância de ser o seu objeto de natureza pecuniária, ou não. Assim, se o conteúdo da obrigação tributária é pecuniário (pagamento de tributo ou penalidade), a obrigação é considerada principal; todavia, se a obrigação não se reveste de natureza pecuniária, mas de alguma prestação positiva ou negativa no interesse da arrecadação e da fiscalização, então trata-se de obrigação acessória.

Se as obrigações tributárias forem separadas pela ordem de importância, sem dúvida alguma a que se revela mais relevante é a obrigação principal, que impõe ao obrigado o dever de alcançar ao Erário recursos financeiros. Em princípio, trata-se de uma obrigação de dar quantia em dinheiro.

O objeto da obrigação tributária principal, de acordo com o Código Tributário Nacional, é o pagamento de WULEXWR ou SHQDOLGDGHSHFXQLiULD A opção do legislador de incluir a penalidade pecuniária como objeto da obrigação tributária principal, de certa forma desnatura a instituição “ tributo” , em relação ao respectivo conceito dessa categoria declinado pelo próprio legislador.26 A penalidade pecuniária decorre de sanção administrativa e não se confunde com o tributo, conforme conceito insculpido no artigo 3o do Código Tributário Nacional. Assim sendo, considerando que

25 O Código Tributário Nacional (Lei no 5.172/66), estabelece: ³$UW$REULJDomRWULEXWiULDpSULQFLSDORXDFHVVyULD

† $REULJDomRSULQFLSDOVXUJHFRPDRFRUUrQFLDGRIDWRJHUDGRUWHPSRUREMHWRRSDJDPHQWR GHWULEXWRRXSHQDOLGDGHSHFXQLiULDHH[WLQJXHVHMXQWDPHQWHFRPRFUpGLWRGHODGHFRUUHQWH

†    $ REULJDomR DFHVVyULD GHFRUUH GD OHJLVODomR WULEXWiULD H WHP SRU REMHWR DV SUHVWDo}HV SRVLWLYDVRXQHJDWLYDVQHODSUHYLVWDVQRLQWHUHVVHGDDUUHFDGDomRRXGDILVFDOL]DomRGRVWULEXWRV´ 26 Segundo o artigo 3o do Código Tributário Nacional, ³WULEXWRpWRGDSUHVWDomRSHFXQLiULDFRPSXOVyULD HPPRHGDRXFXMRYDORUQHODVHSRVVDH[SULPLUTXHQmRFRQVWLWXDVDQomRGHDWRLOtFLWRLQVWLWXtGDHPOHL HFREUDGDPHGLDQWHDWLYLGDGHDGPLQLVWUDWLYDSOHQDPHQWHYLQFXODGD´

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de tributo não se trata, inserindo a penalidade pecuniária no conceito de obrigação tributária principal, o legislador certamente não primou pela melhor técnica.27

As obrigações tributárias acessórias dizem respeito a prestações positivas ou negativas, impostas pela legislação, no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. São obrigações de fazer, não fazer, prestar ou tolerar, sem natureza pecuniária, impostas paralelamente à obrigação principal, sempre com a finalidade de conferir aos agentes do Erário meios eficazes para proceder a fiscalização e a arrecadação dos tributos. Dessa forma, por exclusão, qualquer obrigação tributária que não seja principal (pagamento de tributo ou penalidade pecuniária) é obrigação acessória.28 Para Ives Gandra Martins, citado por Celso Ribeiro Bastos,29 em análise mais estreita, as obrigações tributárias acessórias, em rigor, não são propriamente obrigações tributárias, mas obrigações administrativas que, quando descumpridas, são passíveis de aplicação de penalidade pecuniária que, pela sistemática do Código Tributário Nacional, converte-se em obrigação principal.

A obrigação tributária nasce com a ocorrência de algum fato que a legislação tributária30 previamente descreveu como suficiente para o seu surgimento. Dessa forma, tanto a obrigação tributária principal, quanto a acessória, decorrem necessariamente da legislação tributária e ambas necessitam, para que ocorra o seu nascimento, da ocorrência, no plano fático, de algum fato que esteja abstrata e

27 A incorporação da penalidade pecuniária no conceito de obrigação tributária principal tem recebido severas críticas da doutrina. Paulo de Barros Carvalho, talvez o mais candente crítico nesse aspecto, assinala ser manifesto o equívoco legislativo na inclusão da penalidade, como objeto da obrigação tributária, acrescentando que “ acaso estivesse pensando o político nas vantagens de equiparar as relações, com o fito de cobrá-las conjuntamente, como de fato acontece, não se expressou bem, ingressando pelo setor perigoso das equivalências espúrias e desautorizadas” . Ver, CARVALHO, Paulo de Barros. &XUVR GH'LUHLWR7ULEXWiULR 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 198.

28 Para Yoshiaki Ichihara, excluída a obrigação tributária principal, “ qualquer outro tipo de obrigação imposta pela legislação tributária, que não seja levar dinheiro aos cofres públicos, é obrigação acessória.” Ver a respeito, ICHIHARA, Yoshiaki. 'LUHLWR 7ULEXWiULR 6. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 120. No mesmo sentido, FANUCCHI, Fábio. &XUVR GH 'LUHLWR 7ULEXWiULR %UDVLOHLUR 9RO , 4. ed. São Paulo: IBET e Resenha Tributária, 1980, p. 223 e AMARO, Luciano. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 235.

29 BASTOS, Celso Ribeiro. &XUVR GH 'LUHLWR )LQDQFHLUR H GH 'LUHLWR 7ULEXWiULR 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 192.

30 A categoria “ legislação tributária” , para os efeitos deste trabalho, engloba o conjunto de diplomas normativos que versam matéria tributária, desde a Constituição Federal até os atos normativos e regulamentares emanados das autoridades administrativas.

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genericamente descrito em texto legal como determinante de alguma prestação devida pelo sujeito passivo.

O Código Tributário Nacional adotou a expressão IDWR JHUDGRU para designar a situação que determina o momento do nascimento da obrigação tributária.31 Essa expressão fato gerador tem sido alvo de muitas críticas, principalmente por parte da doutrina especializada. Alfredo Augusto Becker, optando pela expressão KLSyWHVHGH LQFLGrQFLD para designar o mesmo que o Código Tributário e outros autores denominam de IDWR JHUDGRU, afirma que esta última expressão “ é a mais utilizada pela doutrina brasileira de Direito Tributário e, de todas elas, a mais infeliz porque o IDWRJHUDGRU não gera coisa alguma além de confusão intelectual” .32 Neste aspecto, não pode ser olvidada a substanciosa contribuição de Geraldo Ataliba, que atribuiu a denominação KLSyWHVHGH LQFLGrQFLD à descrição legal, hipotética, de um fato, estado ou conjunto de circunstâncias de fato, e IDWR LPSRQtYHO ao fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar. Dessa forma, estaria rigorosamente configurada a KLSyWHVH GHLQFLGrQFLD quando a ela ocorre a subsunção do IDWRLPSRQtYHO.33

Entretanto, apesar de todas as críticas, a expressão IDWR JHUDGRU GD REULJDomR WULEXWiULD sobrevive, abrangendo dois momentos distintos na seqüência cronológica que dá ensejo ao nascimento da obrigação tributária. Num primeiro momento, a mera previsão legislativa e, numa etapa posterior, o acontecimento no plano fático que determina efetivamente o surgimento da obrigação tributária.

Na sistemática adotada pelo Código Tributário Nacional, portanto, a obrigação tributária principal consiste em carrear aos cofres do Erário determinada soma em dinheiro; se tratar-se de obrigação tributária acessória, o seu não cumprimento resulta na aplicação de penalidade pecuniária que converte-se em obrigação principal, conforme preceitua o artigo 113, § 3o, do mencionado diploma legal. Entretanto, de acordo com o Código, o nascimento da obrigação tributária, pela concretização fática da respectiva hipótese de incidência, ainda não lhe confere exigibilidade. Exige-se a prática

31 No capítulo em que trata das disposições gerais relativas à obrigação tributária, o Código Tributário Nacional utiliza a expressão “ fato gerador” nos artigos 113 (§ 1o), 114, 115, 116 e 118.

32 BECKER, Alfredo Augusto. 7HRULD*HUDOGR'LUHLWR7ULEXWiULR 3. ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 318. 33 Ver a esse respeito, ATALIBA, Geraldo. +LSyWHVHGH,QFLGrQFLD7ULEXWiULD 5. ed. 5. tir. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 61.

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de outro ato jurídico, para que o sujeito ativo da obrigação tributária principal possa exigir do sujeito passivo a satisfação da obrigação. Somente com a prática desse ato, denominado lançamento, é que nasce o crédito tributário.

O Código Tributário Nacional dedica um capítulo específico a normas que dizem respeito à constituição do crédito tributário, sendo que nele a lei tributária trata primordialmente de definir o lançamento e descrever suas respectivas modalidades.34 De acordo com a definição estabelecida pelo artigo 142 do Código, “ compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Portanto, nessa sistemática, para que se cogite de crédito tributário é indispensável que haja o respectivo lançamento.

Num primeiro momento, a lei descreve a hipótese de incidência tributária. Ocorrida no mundo dos fatos a hipótese prevista em lei, nasce a obrigação tributária, principal ou acessória, conforme o caso, estabelecendo-se um vínculo jurídico entre os respectivos sujeitos ativo e passivo dessa relação obrigacional. Entretanto, a mera existência de uma obrigação tributária principal, que pode resultar do nascimento de uma obrigação principal propriamente dita ou em decorrência de penalidade pecuniária imposta pelo descumprimento de alguma obrigação acessória, não confere ao sujeito ativo a exigibilidade do objeto da prestação obrigacional. É indispensável o lançamento para que o crédito tributário dele decorrente possa ser exigido. Obrigação tributária e crédito tributário, portanto, são situações jurídicas distintas, permeadas pela figura do lançamento, donde “ a obrigação tributária é a situação jurídica subjacente e o crédito tributário é a situação jurídica abstrata” .35 Embora já se esteja diante da obrigação tributária principal, esta pode surgir de uma forma ainda não muito clara, carecendo de uma melhor especificação, individualização, quantificação, identificação do sujeito passivo, etc. e, por isso, o sujeito ativo ainda não pode exigir o respectivo conteúdo

34 Capítulo II do Título III do Livro Primeiro (artigos 142 a 150) do Código Tributário Nacional (Lei no 5.172/66).

35 XAVIER, Alberto. 'R/DQoDPHQWR7HRULD*HUDOGR$WRGR3URFHGLPHQWRHGR3URFHVVR7ULEXWiULR 2. ed. totalm. reform. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 567.

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obrigacional. Com o nascimento da obrigação tributária surge o poder jurídico do sujeito ativo de criar o crédito tributário, situação que se consolida com o lançamento.36

Nesse contexto, qualquer análise acerca do crédito tributário restará prejudicada se não forem examinadas paralelamente as figuras do lançamento e da obrigação tributária. Observe-se, por exemplo, o que ocorre em relação ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).37 A propriedade do imóvel urbano, entre outras hipóteses, constitui-se em fato gerador da obrigação tributária principal relativa ao IPTU. Mas, embora já se esteja diante da obrigação tributária, do proprietário do imóvel (sujeito passivo da obrigação) somente poderá ser exigido o conteúdo dessa obrigação (pagamento) depois que o Município (sujeito ativo) praticar o ato formal, previsto em lei, para a determinação do valor, identificação do sujeito passivo, etc., denominado lançamento. Antes disso, apesar de já ter nascido a obrigação tributária, ela estará desprovida de exigibilidade. Entretanto, procedido o lançamento, estará, na expressão do Código Tributário Nacional, FRQVWLWXtGR o crédito tributário e, a partir de então, o Município poderá utilizar todos os mecanismos legais disponíveis para efetivamente exigir do sujeito passivo o pagamento do IPTU.

A exigência de lançamento, determinada pelo Código Tributário Nacional, para que a obrigação tributária se torne exigível tem merecido muitas críticas da doutrina especializada. Segundo Paulo de Barros Carvalho, embora o legislador sugira que a constituição do crédito tributário se opere apenas com o lançamento, na verdade ele já nasce “ no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no mundo físico exterior, aquele fato hipoteticamente descrito no suposto normativo. Instaurada a obrigação, dentro dela estará, inexoravelmente, o crédito, numa relação de

36 O esforço expendido pelo legislador no sentido de sustentar a distinção entre “ obrigação” e “ crédito” tributário para manter a coerência interna do sistema, foi assinalado com acuidade por Luciano Amaro ao referir que o Código Tributário Nacional foi levado, por implicação lógica da premissa que adotou, a proclamar a necessidade de a todo FUpGLWR corresponder um ODQoDPHQWR mesmo nas hipóteses em que o próprio Código prevê o pagamento sem que o sujeito ativo tenha sequer o trabalho de examinar previamente a situação material, pois, para esses casos, o Código criou a “ ficção” do ODQoDPHQWR SRU KRPRORJDomR também denominado de autolançamento, que se realizaria automaticamente mesmo na total omissão do sujeito ativo. Ver a respeito, AMARO, Luciano. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 320.

37 De acordo com o artigo 156, inciso I, da Constituição Federal de 1988, cabe aos Municípios instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. O Código Tributário Nacional, nos artigos 32 a 32, traça normas complementares pertinentes ao IPTU.

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absoluta inerência” .38 Luciano Amaro assinala que o Código “ confere ao ODQoDPHQWR a virtude de dar QDVFLPHQWR ao FUpGLWRWULEXWiULR (art. 142). Ora, se à ‘mera’ obrigação tributária antes existente (nascida com a ocorrência do fato gerador) não se referia nenhum FUpGLWR (cuja constituição ficaria na dependência do lançamento), certamente não haveria também o correspondente GpELWR e, portanto, nem FUHGRU nem GHYHGRU em suma, de obrigação não haveria sequer silhueta” .39

Pela sistemática vigente, nada obstante toda crítica da doutrina, especialmente naquelas hipóteses em que o lançamento prescinde da intervenção do sujeito ativo, como ocorre com o lançamento por homologação, também denominado de autolançamento, em face da obrigação tributária principal, o direito de crédito do sujeito ativo somente se torna exigível depois de procedida a respectiva apuração através do lançamento. Embora o nascimento da obrigação já ocorra a partir da ocorrência do fato descrito na hipótese normativa, apenas a partir do crédito tributário, apurado pelo lançamento, é que “ surge o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro” .40 Dessa forma, não há como deixar de reconhecer que, os efeitos do fato gerador, conforme delineado pelo Código Tributário, somente produzem efeitos concretos e práticos se um ato posterior – o lançamento – for praticado. A partir disso nasce efetivamente o crédito tributário que, não satisfeito nos prazos e condições fixadas em lei, em face da sua exigibilidade, autoriza o respectivo titular a compelir o sujeito passivo a satisfazê-lo. Assim sendo, se não estiver presente qualquer hipótese de suspensão ou exclusão, não satisfeito o crédito, poderá ser levado à execução judicial, bastando que, para tanto, seja formalizada a inscrição do crédito tributário em dívida ativa e emitida a respectiva certidão, que se constitui no título executivo hábil a aparelhar a demanda executiva.

A figura do lançamento, na medida em que se insere entre a obrigação tributária e o crédito tributário, suscitou ao longo dos tempos muitas discussões doutrinárias acerca da sua efetiva natureza jurídica. De um lado, os defensores da teoria

38 CARVALHO, Paulo de Barros. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR 5. ed. atual. São Paulo : Saraiva, 1991, p. 249.

39 AMARO, Luciano. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 2. ed. rev. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 319. 40 CARVALHO, P. Idem, p. 249.

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da natureza constitutiva do lançamento, segundo a qual o direito do Erário nasce com a obrigação tributária, mas necessita do lançamento para a sua formalização e disso resultaria a sua natureza constitutiva. De outra parte, os adeptos da teoria da natureza declaratória do lançamento, na medida em que este não cria a obrigação tributária mas apenas declara a sua ocorrência. Nada obstante ao respeitável entendimento que sustenta a natureza meramente declaratória do lançamento, é inegável que “ o lançamento acrescenta efeitos jurídicos novos na relação entre credor e devedor do tributo” .41 Dessa forma, levando em consideração também que o Código Tributário Nacional estabeleceu nítida distinção entre as figuras da obrigação tributária e do crédito tributário, a melhor definição quanto à natureza jurídica do lançamento parece indicar que seus efeitos jurídicos são declaratórios quanto à obrigação tributária e constitutivos no que diz respeito ao crédito tributário.42

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 142, afirma que compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, definindo este como um procedimento administrativo. Também de acordo com a sistemática do mesmo Código, três são as modalidades de lançamento: lançamento de ofício ou direito, lançamento por declaração ou misto e lançamento por homologação. Partindo da definição legal, o lançamento, em rigor, é um ato jurídico e, mais especificamente, um ato jurídico administrativo.43 Nessa atividade administrativa tendente ao lançamento, especialmente em se tratando da modalidade de lançamento de ofício, exterioriza-se o poder estatal de fiscalizar, quando o fisco realiza intensa atividade de verificação e controle do cumprimento das normas tributárias por parte dos contribuintes de uma forma geral.

41 AMARO, Luciano. 'LUHLWR7ULEXWiULR%UDVLOHLUR 2. ed. rev. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 318.

42 Nesse sentido, MACHADO, Hugo de Brito. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 119.

43 A definição proposta por Alberto Xavier considera o lançamento como ato administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz na declaração da existência e quantitativo da prestação tributária e na sua conseqüente exigência. Ver a respeito, XAVIER, Alberto. 'R /DQoDPHQWR 7HRULD *HUDOGR$WRGR3URFHGLPHQWRHGR3URFHVVR7ULEXWiULR 2. ed. totalm. reform. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 66.

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1.4 Relação Jurídica Tributária

As pessoas, no convívio social, estabelecem as mais variadas espécies de relações intersubjetivas, que podem ser de ordem religiosa, política, comercial, familiar, entre tantas outras. O Direito, como sistema regulador da sociedade, através de normas legislativas, disciplina grande parte dessas relações, impondo ou restringindo às pessoas determinadas condutas. É objetivo do Direito “ ordenar a vida social, disciplinando o comportamento dos seres humanos, nas suas relações de intersubjetividade” .44 Como decorrência disso, a própria Lei Maior assinala que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

De uma forma geral, pode-se afirmar que uma simples relação social passa ao VWDWXV de relação jurídica quando mereceu tutela específica do legislador, isto é, quando pelo relevo do interesse público que envolve, foi regulada por norma legislativa. Assim, quando uma relação humana passa a ser também relação jurídica, é porque o Direito a regulou, conferindo-lhe vinculação jurídica. Nesse contexto, a relação jurídica pode ser definida como o “ vínculo que une duas ou mais pessoas, decorrente de um fato, de um ato ou de uma conduta, previsto pela norma jurídica, que produz efeitos jurídicos” .45

O conceito de relação jurídica, entretanto, “ não é isento de confusões, porque a doutrina não usa a expressão em sentido unívoco” ,46 até porque muito numerosas são as espécies de liame que se estabelecem através da mesma (de parentesco, de propriedade, obrigacional, de ordem processual, etc.). Dessa forma, a relação jurídica pode ser encarada em dois aspectos. No primeiro, como sendo o vínculo que se estabelece entre dois ou mais sujeitos de direito, obrigando um deles, ou os dois,

44 CARVALHO, Paulo de Barros.&XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR 5. ed. atual. São Paulo : Saraiva, 1991, p. 189.

45 GUSMÃO, Paulo Dourado de. ,QWURGXomRDR(VWXGRGR'LUHLWR 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 307.

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a um determinado comportamento, conforme denota a definição proposta por Paulo Dourado de Gusmão, antes descrita. Já em outro aspecto, a relação jurídica pode ser utilizada para indicar simplesmente o vínculo jurídico que une um ou mais sujeitos, como titulares de um direito, ao objeto desse mesmo direito.

De qualquer forma, “ enquanto a norma jurídica estabelece um princípio de conduta ou de composição de conflitos para um caso típico abstrato, a relação jurídica é a concretização da norma da vida” .47 Algumas espécies de relações entre pessoas, embora não sejam criadas pela norma, são por esta reconhecidas, entre as quais, por exemplo, o nascimento e a morte, que são decorrentes de acontecimentos naturais. Outras espécies de relações entre pessoas, entretanto, são juridicamente criadas pela norma, independentemente da vontade dos sujeitos na sua formação, como é o caso da relação entre o Fisco48 e o contribuinte.

A relação jurídica pressupõe a ocorrência de um acontecimento que adquire significado jurídico se a norma o considerar idôneo para tanto, passando então a produzir determinados efeitos previamente estabelecidos. Nem sempre, entretanto, em face da relação jurídica estabelecida, apenas um dos sujeitos fica obrigado em relação ao outro. Conforme o caso, da sujeição podem resultar obrigações recíprocas ou, ainda, simplesmente um dever de respeito à posição jurídica na qual se encontra outra pessoa, como é o caso dos direitos reais.

Nas relações jurídicas em geral, podem ser destacados três elementos: os sujeitos, o objeto e o fato propulsor. Quanto aos sujeitos, divergem os doutrinadores. Para uma corrente, do ponto de vista técnico, além das relações entre pessoas, é possível conceber uma relação jurídica simplesmente entre uma pessoa e uma coisa ou entre uma pessoa e um determinado lugar” .49 Para outros, entretanto, que parecem percorrer o melhor caminho, “ toda e qualquer relação jurídica (inclusive a que atribui direito real ao

47 WALD, Arnold. &XUVRGH'LUHLWR&LYLO%UDVLOHLUR,QWURGXomRH3DUWH*HUDO 6. ed. rev. e atual. com a colaboração de Álvaro Villaça Azevedo. 2. tir. São Paulo: RT, 1991, p. 154.

48 A expressão Fisco, neste trabalho, é utilizada para expressar o significado de Erário, Tesouro ou Fazenda Pública, compreendendo todo o aparelhamento administrativo destinado à fiscalização e arrecadação dos tributos.

49 Orlando Gomes sustenta que, tecnicamente, torna-se possível conceber relação entre pessoa e coisa, e, até, relação jurídica entre coisas. Ver à respeito, GOMES, Orlando. ,QWURGXomRDR'LUHLWR&LYLO 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 83.

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VXMHLWRDWLYR) é sempre SHVVRDO: entre pessoa e pessoa, nunca entre pessoa e coisa”.50 Na relação jurídica temos, portanto, segundo o melhor entendimento, dois pólos ocupados cada um por um ou mais sujeitos, mas sempre vinculados à mesma situação.51

A relação jurídica, na medida em que traduz uma vinculação entre duas ou mais pessoas, pode ter por objeto um bem sobre o qual o sujeito titular pode praticar certos atos e em relação aos quais os terceiros devem abstenção, ou uma prestação, recíproca ou exigível de apenas um dos sujeitos.

O surgimento da relação jurídica decorre de um acontecimento, independentemente de qualquer ato de vontade humana na sua gênese, sobre o qual incide uma norma jurídica, com força para criar, modificar ou extinguir direitos. Em termos mais objetivos, pode-se afirmar que “ a relação jurídica surge em virtude de fato jurídico e como aplicação e decorrência da norma existente” .52 Nisso consiste o terceiro elemento da relação jurídica, qual seja, o seu fato propulsor que, nas suas mais variadas formas, pode assumir a feição de um negócio jurídico, de um fato jurídico VWULFWRVHQVX ou de um ato jurídico.53

O Estado, como organização política, congrega toda uma rede de relações que vinculam os indivíduos que o integram, entre as quais situam-se também as relações que se estabelecem entre o próprio Estado e as pessoas. Nesse contexto, temos as relações jurídicas de natureza administrativa e as relações jurídicas de tributação. Na doutrina de Alfredo Augusto Becker, a conjugação da totalidade das relações tributárias com a totalidade das relações administrativas estabelece uma única e contínua relação: a relação constitucional do Estado. Nesse sentido, prescreve o citado doutrinador:

O feixe das relações jurídicas tributárias (dos indivíduos que continuamente estão criando o Estado) conjuga-se com o feixe das

50 BECKER, Alfredo Augusto. 7HRULD*HUDOGR'LUHLWR7ULEXWiULR 3. ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 340. 51 Em relação aos sujeitos da relação jurídica, Paulo de Barros Carvalho assinala que, prevalece hoje, sobre o fundamento da essencial bilateralidade do direito, a tese da necessidade impostergável de, pelo menos, dois sujeitos para que se possa configurar o liame jurídico. Ver, CARVALHO, Paulo de Barros. &XUVRGH'LUHLWR7ULEXWiULR 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 198.

52 WALD, Arnold. &XUVRGH'LUHLWR&LYLO%UDVLOHLUR,QWURGXomRH3DUWH*HUDO 6. ed. rev. e atual. com a colaboração de Álvaro Villaça Azevedo. 2. tir. São Paulo: RT, 1991, p. 154.

53 De acordo com a doutrina de Orlando Gomes, se o elemento propulsor da relação jurídica consiste em DomRKXPDQD destinada à produção de efeitos que o agente pretende, toma o nome de QHJyFLRMXUtGLFR Se o acontecimento independe da vontade humana, denomina-se IDWRMXUtGLFR³VWULFWRVHQVX´ Se consiste em ato voluntário, sendo irrelevante a intenção do resultado, define-se como DWRMXUtGLFR Ver, GOMES, Orlando. ,QWURGXomRDR'LUHLWR&LYLO 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 88.

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relações jurídicas administrativas (daqueles indivíduos), compondo uma única relação: a relação constitucional do Estado. A conjugação da totalidade das relações tributárias com a totalidade das relações administrativas compõe uma única e contínua relação: a relação constitucional. A realidade do Estado consiste nesta própria conjugação. O Estado é uma realidade, porém não uma realidade que, uma vez criada, passaria a ter sua existência independente da existência de seus criadores; na verdade o Estado existe nos atos e pelos atos dos indivíduos que o estão, continuamente, criando. Por isto o Estado existe no dinamismo da Receita, conjugado com o dinamismo da Despesa; o Estado é a realização contínua da Receita e Despesa. Em síntese: a realidade da existência do Estado (o dado ontológico) consiste naquele IR (Receita: deveres centrípetos conduzidos pelo feixe das relações jurídicas tributárias) convergente para o Bem Comum e naquele VIR (Despesa: direitos centrífugos conduzidos pelo feixe das relações jurídicas administrativas) irradiante do Bem Comum e que, conjugados, compõem a Relação Constitucional do Estado. 54

No campo tributário, portanto, também se estabelecem relações jurídicas e, como nas demais, igualmente vinculam pessoas em posições distintas. As relações jurídicas tributárias se estabelecem entre o sujeito ativo (Fazenda Pública) e o sujeito passivo (contribuinte ou responsável) da obrigação tributária, em torno de uma prestação que pode ser pecuniária (tributo) ou não-pecuniária (deveres instrumentais). Enquanto que na generalidade das relações jurídicas qualquer fato VWULFWRVHQVX com relevância jurídica pode ser o propulsor do vínculo, na relação jurídica tributária o acontecimento propulsor será sempre a concretização no plano fático da hipótese de incidência prevista na lei tributária ou, simplesmente, pela ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, na terminologia adotada pelo Código Tributário Nacional.

Na relação jurídica tributária comportam distinção os aspectos substantivos, ou materiais, dos aspectos meramente formais, estes decorrentes de normas que estipulam deveres instrumentais e regulam procedimentos administrativos tendentes à arrecadação e fiscalização dos tributos. Os primeiros decorrem da obrigação tributária principal, enquanto que os últimos emanam da obrigação tributária acessória, que compreende os deveres instrumentais a cargo do sujeito passivo e que possibilitam e asseguram o cumprimento da obrigação principal.

Referências

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