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Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos

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Academic year: 2021

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(1)Revista de Educação Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008. Rinaldo Molina Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN rmolina@pop.com.br. Soraiha Miranda de Lima Universidade Federal do Mato Grosso soraiha@terra.com.br. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: NOVOS CONCEITOS, OUTROS CAMINHOS. RESUMO Desde meados do séc. XX são questionados os conceitos e práticas que fundamentam a formação de professores entendida como reciclagem, capacitação, qualificação, aperfeiçoamento ou especialização (racionalidade técnica). Em busca de maior humanização para essa formação, novas conceituações e procedimentos foram cunhados baseados nos conceitos de pensamento do professor, professor reflexivo e professor pesquisador (racionalidade prática crítico-reflexiva). Nessa perspectiva o conceito de aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores fundamentou-se e consolidou-se. Pela diversidade teórica que assumiram os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento o objetivo desse texto é enfrentar o desafio de precisá-los, assim como explicitar as relações que existem entre eles. Para tanto, será construído com base no exame bibliográfico de obras que exploram essa temática. Palavras-Chave: Formação de professores; desenvolvimento profissional de professores; aprendizagem profissional de professores.. ABSTRACT. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br. Since mid-century XX the concepts and practices that underlie the training of teachers understood as recycling, training, qualification, upgrading or expertise (technical rationality) are being questioned. Aiming for more humanization for such training, new conceptualizations and procedures were created based on the concepts of thinking of the teacher, researcher teacher and reflective teacher (critical-reflective practical rationality). On this perspective the concept of learning and professional development of teachers was based and consolidated. For the theoretical diversity that had assumed the concepts of learning and development the objective of this text is to face the challenge to need them, as well as clarify the relations that exist between them. For in such a way, the bibliographical examination of workmanships will be constructed on the basis of that explore this thematic one. Keywords: Teacher education; professional development of teachers; professional learning of teachers.. Coordenação Instituto de Pesquisas Acadêmicas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 20/06/2008 Avaliado em: 24/08/2008 Publicação: 13 de outubro de 2008 89.

(2) 90. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. 1.. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: NOVOS CONCEITOS, OUTROS CAMINHOS [...] o desenvolvimento profissional, entendido como um processo de aprendizagem mediante o qual alguém (professores, diretores) deve aprender algo (conhecimentos, competências, disposições, atitudes), num contexto concreto (escola, universidade, centro de formação), implica um projeto, desenvolvimento e avaliação curricular. O currículo, neste caso, refere-se à planificação, execução e avaliação de processos formativos tendentes a melhorar a competência profissional dos professores (GARCÍA, 1999, p. 193 - grifos do autor).. A epígrafe acima, para além de sugerir uma íntima articulação entre desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência, permite entender que esses conceitos podem ser interpretados como sinônimos. García entende o desenvolvimento profissional como um processo de aprendizagem de algo por alguém em determinado contexto. Ora, desenvolvimento e aprendizagem carregam o mesmo sentido conceitual ou, ainda que, conceitualmente diferentes, estão de tal modo articulados que não podem ser concebidos em separado? Este texto pretende enfrentar o desafio de precisar esses conceitos, assim como o de explicitar as relações que existem entre eles. Para tanto, será construído com base no exame bibliográfico de obras que lidam com a temática do desenvolvimento e da aprendizagem profissional da docência. Um ponto de partida prudente parece ser o de localizar, no dicionário da Língua Portuguesa, os significados atribuídos a esses verbetes. O dicionário Aurélio (1993) assim os define: Desenvolvimento: 1. Fazer crescer, prosperar. 2. Exercer, aplicar. 3. Gerar, produzir. 4. Expor com minúcia. 5. Crescer, aumentar, progredir. Aprendizagem: 1. Ato ou efeito de aprender. Aprender: 1. Tomar conhecimento de. 2. Tomar conhecimento de algo, retê-lo na memória, graças a estudo, observação, experiência, etc.. Com base nesses significados, e no conceito de García, pode-se afirmar que mediante estudo, observação, experiência, etc. pode-se tomar conhecimento de algo, retê-lo na memória, de tal modo que se configure em aprendizagem, o que favorece o crescimento, o progresso, o desenvolvimento de alguém que está inserido em determinado contexto de aprendizagem. A afirmação acima suscita várias indagações, sobretudo em se tratando de processos de desenvolvimento e aprendizagem do professor: o desenvolvimento é algo inerente à aprendizagem? Pode ocorrer desenvolvimento sem aprendizagem ou viceversa? O desenvolvimento gera aprendizagem ou é gerado por ela? Que processos. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(3) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. formativos podem ser responsáveis pelo desenvolvimento e pela aprendizagem e, ao mesmo tempo, serem capazes de melhorar a competência profissional dos professores? Quais são as fontes de desenvolvimento e de aprendizagem? Como se pode detectar a presença desses processos nos indivíduos? Que relevância social eles possuem? Estas dentre tantas outras questões, estimularam a produção deste texto. Antes de nos dedicarmos ao exame da literatura que aborda essa temática, e dela destacar conceitos e elementos que possam nos ajudar a melhor compreendê-la, parece-nos necessário entender melhor as relações entre desenvolvimento e aprendizagem. Ainda que enfocando as aprendizagens e os desenvolvimentos intelectuais (e não profissionais - são excludentes?), nos pareceu pertinente recorrer a duas formas clássicas de conceber essa relação: as acepções de Piaget e de Vygotsky1. Qual é o entendimento desses autores sobre essa relação? A esse respeito Castorina (1995) afirma: Quando Vygotsky postula o caráter orientador da aprendizagem com relação ao desenvolvimento, está formulando a tese crucial segundo a qual a aquisição dos instrumentos de mediação cultural, isto é, a atividade educacional, é constitutiva do curso do desenvolvimento. Quando Piaget postula a continuidade entre desenvolvimento e aprendizagem está pensando nos mecanismos que dirigem a mudança do ‘ponto de vista do sujeito’ (p. 22).. Preocupando-se com estudos de natureza epistemológica, Piaget procurou elucidar o processo de aquisição dos conhecimentos, tomando como suporte o desenvolvimento biológico do indivíduo, o que o levou a retratar uma continuidade entre desenvolvimento e aprendizagem. Miranda (1994) esclarece que o objeto de estudos de Piaget foi “[...] o processo pelo qual os conhecimentos vão sendo adquiridos pelo indivíduo ou como ele passa de uma forma de conhecimento para outra [...]” (p. 396), sem perder de vista o fator biológico como suporte fundamental para a construção do conhecimento no indivíduo. Piaget é destacado pelo papel ativo que atribui ao sujeito, pelo seu entendimento do processo de desenvolvimento dos indivíduos (caracterizado pela sucessão de estágios hierárquicos), que serve de base para sua aprendizagem. Sua concepção universalmente reconhecida, tornando-se referência obrigatória para a compreensão dos processos internos de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo.. 1Identificado genericamente por “construtivismo”, esse campo de estudos se dedica a compreender os processos de desenvolvimento e de aprendizagem dos indivíduos e encontra em Piaget, Vygotsky e seus seguidores seus maiores representantes. Facções decorrentes das opções por estas concepções têm protagonizado acirrados debates em torno das posições desses autores sobre as condições de desenvolvimento e aprendizagem dos indivíduos e, por isso, alguns autores se preocupam em diferenciá-las: Falcão (1994) identifica o construtivismo piagetiano como Cognitivismo Estruturalista e o de Vygotsky como Cognitivismo Sócio-Histórico. Rocco (1990) localiza os dois na linha cognitivista, construtivista-interacionista, porém para ela o pensamento de Vygotsky fundamenta um sociointeracionismo. Silva e Davis (2004) encontraram os seguintes termos para denominar os conceitos de Vygotsky: histórico-cultural, sociointeracionista, socioconstrutivista, histórico-cultural ou socioistórica.. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 91.

(4) 92. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. Postic (1984) avalia que a concepção uniforme e linear do desenvolvimento da criança que, tantas vezes, impera no contexto escolar, supondo, em decorrência, a passagem automática e gradual a etapas do desenvolvimento paulatinamente mais elevadas, pode ser inspirada em uma interpretação abusiva e falseada das teorias de Piaget. Para Vygotsky (1984, 1991), por outro lado, os processos de aprendizagem e desenvolvimento são intimamente relacionados, sendo que a aquisição de habilidades e conhecimentos pela criança envolve a instrução proveniente das influências dos adultos e da escola. A noção de aprendizagem inclui, portanto, o processo de ensino e acena para uma relação entre os pares envolvidos nesse processo. O desenvolvimento da criança equivale, então, à aquisição dos sistemas sociais de mediação cultural e aos mecanismos de representação próprios do contexto social em que se insere. Ao formular o conceito de zona de desenvolvimento proximal Vygotsky (1984) buscou explicar a aprendizagem em conexão com o desenvolvimento, evidenciando o caráter orientador desta em relação ao desenvolvimento cognitivo. Pode-se dizer que, para Vygotsky, a aprendizagem precede o desenvolvimento e a intervenção do adulto contribui para orientá-lo, mediante difusão/apropriação dos instrumentos de mediação cultural. A aprendizagem adianta-se ao desenvolvimento e a atividade educativa é tomada como constitutiva desse processo. Em razão disso, Vygotsky confere uma importância crucial à escola, na medida em que esta viabiliza a transmissão de conteúdos que, por sua vez, estimulam o desenvolvimento. Segundo Castorina (1995, p. 27), admitir a zona de desenvolvimento proximal “[...] implica aceitar um controle do desenvolvimento pela aprendizagem, quanto ao poder que os saberes escolares exercem sobre a aquisição”. Coll (1996), ancorado nessa posição, acredita que alguns aspectos do desenvolvimento pessoal não seriam desenvolvidos senão por intermédio de atividades educativas pensadas especialmente para esse fim. Desse modo, a atividade educativa corresponde à finalidades - definidas intencionalmente - e desenvolve-se a partir de um plano de ação determinado, relacionado a um projeto educativo. Diante disso, pode-se pensar que: [...] Vygotsky redimensiona a questão do aprendizado, pois este, adequadamente organizado, resulta em desenvolvimento. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e fundamental ao processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. Assim, os resultados de sua pesquisa trazem uma contribuição especial ao campo educacional, na medida em que afirma que o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento“ (OLIVEIRA, 1992, p. 58).. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(5) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. A teoria de Vygotsky possui implicações claras para a escola. Ao atribuir extrema importância à interação social no processo de construção das funções psicológicas humanas - supondo que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento - a escola tem papel essencial na formação dos indivíduos, na medida em que os faz avançar, permitindo o acesso a uma compreensão mais ampla do mundo e funcionando como um motor de novas conquistas psicológicas. O que nos parece válido, em se tratando da formação de professores. Nessa perspectiva de entendimento, a intervenção mostra-se como um processo pedagógico privilegiado, em que o professor tem o papel explícito de nele interferir, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. Portanto, o bom ensino para Vygotsky adianta-se ao desenvolvimento. Que contribuições as posições de Piaget e Vygotsky sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem oferecem à compreensão da temática tratada neste texto? Entendemos que, as perspectivas desses autores são bastante diferentes e a opção teórica por uma ou outra implica em compreender também de modo diferente a relevância das instituições formadoras para os processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional dos professores. Para nós, há uma íntima articulação entre aprendizagem e desenvolvimento profissional, de tal modo que a aprendizagem gera desenvolvimento e, ao longo do desenvolvimento profissional, se aprende. Esses processos, no entanto, ocorrem constantemente, em virtude das relações que o indivíduo estabelece com o meio natural e social, de tal maneira que a influência educativa não se limita ao ambiente escolar, ainda que encontre nele um local privilegiado. Uma compreensão mais aprofundada desses conceitos demanda, no entanto, um exame mais detido da literatura disponível. Um dos conceitos que norteiam este texto é o de desenvolvimento profissional. Mizukami (1996) afirma que o conceito de desenvolvimento profissional é “[...] o resultado da ação conjugada de três processos de desenvolvimento: o desenvolvimento pessoal, o da profissionalização e o da socialização profissional [...]” (p. 65). Segundo essa autora, o desenvolvimento pessoal é concebido como o resultado de um processo de crescimento individual, em termos de capacidades, personalidade, habilidades, interação com o meio. Já a profissionalização é concebida como de-. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 93.

(6) 94. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. senvolvimento profissional, como resultado de um processo de aquisição de competências, tanto de eficácia no ensino como de organização do processo de ensinoaprendizagem; e, por último, a socialização profissional implica as aprendizagens do professor relativas às suas interações com seu meio profissional, tanto em termos normativos quanto interativos: são consideradas tanto a adaptação ao grupo profissional ao qual pertence e à escola na qual trabalha, como as influências de mão dupla entre o professor e o seu meio. Ainda sobre o conceito de desenvolvimento profissional, Howey (apud GARCÍA, 1999), faz um resumo de suas dimensões dividindo-as em desenvolvimento pedagógico, conhecimento e compreensão de si mesmo, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento teórico, desenvolvimento profissional e desenvolvimento da carreira. Nesse sentido esse conceito apresenta-se como o único elemento capaz de integrar na prática quatro áreas da teoria e da investigação didática: a escola, o currículo e a inovação, o ensino e os professores. Assumir com seriedade a relação intrínseca existente entre o desenvolvimento da escola e o desenvolvimento profissional dos professores leva a entender a escola (no sentido mais amplo do termo) como a unidade básica para mudar e melhorar o ensino [...] (HOWEY apud GARCÍA, 1999, p. 141).. O processo de desenvolvimento profissional docente pressupõe um trabalho coletivo, pois, do contrário, os professores continuam fechados em suas práticas particulares sem que de fato esse processo se efetive. Tal pressuposto indica a necessidade de uma mudança na organização escolar permitindo uma maior autonomia dos professores; autonomia inclusive de decidir sobre o currículo. É por meio das transformações que os professores são capazes de realizar no currículo, que afeta seu espaço profissional de influência direta, ou seja, a escola, o próprio currículo e o ensino, que se torna possível verificar como o processo de desenvolvimento profissional está ocorrendo. O processo de desenvolvimento profissional docente também está intrinsecamente relacionado com a melhoria nas condições de trabalho dos professores, por meio de possibilidades institucionais de maiores índices de autonomia e capacidade de ações individuais e/ou coletivas; e com o aumento de recursos – tanto econômicos, como materiais e pessoais – nas escolas, para facilitar um desenvolvimento profissional que se aproxime dos problemas e preocupações dos professores.. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(7) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. Quando se analisa as teorias sobre o desenvolvimento cognitivo, sobre as etapas de preocupações dos professores, assim como sobre carreira docente, percebe-se que os professores evoluem através de diferentes fases, que implicam necessidades de formação diferenciadas, assim como requerem estratégias de desenvolvimento profissional específicas. Sobre as etapas de desenvolvimento profissional, Huberman (1995) caracteriza este processo em diferentes fases de desenvolvimento, que constituem o ciclo de vida dos professores. O autor assinala que este ciclo não deve ser analisado de forma linear, mas como um processo que acontece no decorrer da carreira docente. Para ele, a primeira fase, denominada a entrada na carreira, (1 a 3 anos de trabalho) se caracteriza pelo tatear constante, pela preocupação consigo mesmo e pela distancia entre os ideais e a realidade cotidiana da sala de aula, os professores sentem dificuldades com os problemas criados pelos alunos e com o material didático. Em contrapartida é um período também marcado pelo entusiasmo inicial, pela experimentação e exaltação por assumir uma sala de aula, fatores que amenizam o choque da realidade. A segunda fase, da estabilização (4 a 6 anos), é caracterizada por um sentimento de competência pedagógica crescente por parte dos docentes. Devido à consolidação de um repertório pedagógico, sentem-se mais à vontade e confiantes para enfrentar situações complexas. Na terceira fase, da diversificação (7 a 25 anos) os professores lançam-se em experiências pessoais, diversificam o material didático, os modos de avaliação e as formas de organizar o trabalho com os alunos, ficando mais motivados e empenhados em participar de reformas, sentem-se mais seguros e autônomos. Paralela a esta fase, Huberman identificou uma outra denominada questionamento, na qual há um sentimento de rotina que leva os professores a uma série de questionamentos ligados ao trabalho e à profissão. Origina-se daí outra fase que se caracteriza por distanciamento afetivo ou conservadorismo e lamentações (25 a 35 anos). Os professores tornam-se mais confiantes e tranqüilos ou queixam-se de aspectos relacionados aos alunos, ao ensino, aos colegas. Na fase final da carreira, denominada de desinvestimento (35 a 40 anos), os professores passam por um processo de recuo nas ambições e nos ideais, deixando de investir em sua carreira.. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 95.

(8) 96. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. Em estudo realizado por Cavaco (1991), que procura compreender como evolui a pessoa que é o professor (ao longo da idade e profissão), foi pesquisada a trajetória de vida pessoal e profissional de vários professores portugueses. Cavaco parte do princípio de que os saberes profissionais são adquiridos por meio da experiência na relação com outros intervenientes diretos do ato educativo, na relação com o saber e consigo mesmo. Assim a identidade profissional do professor é modelada num processo de socialização centrado na escola, mediante apropriação de competências profissionais e interiorização de normas e valores reguladores da atividade e do papel do professor. A pesquisa realizada por Cavaco (1991) mostrou que: [...] na construção da identidade profissional do professor se entrecruzam a dimensão pessoal, a linha de continuidade que resulta daquilo que ele é, com os trajetos partilhados com os outros, nos diversos contextos de que participa; daqui a importância de considerar os espaços e as situações de reflexão partilhada como facilitadoras do processo de desenvolvimento pessoal e profissional e a necessidade de aprofundar os seus efeitos formativos, potencializadores de uma apropriação cognitiva dos mecanismos profissionais e de mudanças de perspectivas (p. 161).. A pesquisa de Jesus (2000), assim como a de Cavaco, foi elaborada com base em histórias de vida de professores que fizeram opção pela escola pública. Neste estudo a autora procura desmistificar a lógica de que a formação é linear, natural, pautada sobre uma vocação. Ancorada na teoria piagetiana, Chakur (2000), discute a natureza da profissionalidade docente a partir de uma revisão bibliográfica dos estudos que se dedicam a esse tema. Desse modo, ela recolhe, descreve, comenta e discute vários estudos que sugerem seqüências ou fases de desenvolvimento profissional dos professores. Dentre os estudiosos dessa temática que se baseiam na teoria piagetiana identifica Huberman (p. 37), Cavaco (p. 39), Berliner (p. 41), Levin e Ammon (p. 42). Orientada pelos conceitos piagetianos de equilibração das estruturas cognitivas, teoria da tomada de consciência e teoria do desenvolvimento do juízo moral, Chakur (2000) analisa o desenvolvimento profissional docente e sugere que o desenvolvimento se organiza por meio de períodos seqüenciais, que se sucedem em ordem fixa (p. 58) ou, dito de outra forma, mediante uma hierarquia de avanços ordenados (p. 69). Portanto, a autora, ao propor uma aproximação entre a leitura piagetiana do desenvolvimento da inteligência e da construção dos conhecimentos e o estudo do desenvolvimento profissional docente, esclarece que o processo de desenvolvimento dos conhecimentos, na perspectiva piagetiana,. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(9) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. [...] toma a forma de períodos seqüenciais (Sensoriomotor, Operacional Concreto e Operacional Formal), com suas subdivisões em estádios que se sucedem em ordem fixa, irreversível e mais ou menos independente da idade cronológica do sujeito (p. 76).. Com base nessa forma de compreensão do processo de desenvolvimento, formula, dentre suas hipóteses, a de que o desenvolvimento profissional docente, organizada a partir dos eixos: prática pedagógica, da autonomia e da identidade profissional “[...] ocorre em certos níveis, dispostos em uma hierarquia e caracterizados por uma ordem seqüencial de aperfeiçoamento progressivo” (p. 77), hipótese que ela confirma após a análise dos dados empíricos coletados em sua pesquisa (p. 233). Após análise detalhada (e sofisticada) de cada um dos eixos indicados conclui, entre outras coisas que: [...] pensamos que os níveis aqui descritos afastam-se dos apresentados por outros autores (por exemplo, Berliner, 1988; Cavaco, 1995; Huberman, 1995; e Lidstone e Hollingsworth, 1992), na medida em que parecem seguir certo caminho, que anuncia um processo equilibrador a regular pensamento e ação, sem desvios de rota significativos (CHAKUR, 2000, p. 247).. O outro conceito que norteia este texto é o de aprendizagem. Conforme nosso entendimento, para que possa ser denominada como tal, a aprendizagem precisa ser significativa e duradoura. A aprendizagem significativa refere-se à possibilidade do sujeito atribuir significados, formular representações mentais, estabelecer vínculos substantivos e não causais e arbitrários entre o novo conhecimento proposto e o que já sabe. Para Mauri (1996): “[...] aprender algo equivale a elaborar uma representação pessoal do conteúdo objeto da aprendizagem. Essa representação não se realiza em uma mente em branco [...]” (p. 86). Esse conceito destaca a ação construtiva do sujeito que aprende, assim como a influência dos elementos da cultura que delineiam essa aprendizagem. Referindo-se, especialmente, à aprendizagem docente, Hernández (1998) afirma: [...] alguém aprende quando está em condições de transportar a uma nova situação (por exemplo, à prática docente) o que conheceu em uma situação de formação, seja de maneira institucionalizada, nas trocas com os colegas, em situações não-formais e em experiências da vida diária (p. 9).. Essa afirmação suscita, pelo menos, dois tipos de indagações fundamentais sobre a aprendizagem profissional da docência: Se a aprendizagem implica em ser capaz de transportar algo a uma nova situação, a referência da aprendizagem profissional da docência é a prática cotidiana da. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 97.

(10) 98. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. sala de aula? Ou seja, o que o professor faz em sala de aula revela, efetivamente, o que ele aprendeu em situações de formação? O que pode ser considerada uma situação de formação responsável pela aprendizagem profissional do professor? Hernández (1998) sugere que a aprendizagem do professor, desenvolvida em situações de formação, manifesta-se em seus atos. Estes são, pois, reveladores das aprendizagens que se converteram em representações pessoais dos professores2. Mas, quais são essas situações de formação? Os cursos de formação, as trocas com os colegas, as experiências da vida diária, o cotidiano da sala de aula? Enfim, onde e como os professores aprendem a ensinar? Sobre essas questões é preciso refletir um pouco mais e, para isso, parece necessário recorrer a alguns autores que se dedicam à pesquisa sobre a aprendizagem profissional do professor, ainda que não seja possível, para os fins deste texto realizar um levantamento bibliográfico exaustivo. Um exame da literatura sobre a formação de professores indica que a preocupação em conhecer mais e melhor a maneira pela qual o professor aprende a ensinar tem crescido ultimamente. Entretanto, a despeito desse crescimento, “[...] não se dispõe, até o momento, de uma teoria geral de conhecimento sobre aprendizagem profissional que possa iluminar a compreensão do desenvolvimento profissional de professores [...]” (MIZUKAMI, 2000, p. 141). Ainda que não se disponha de uma teoria geral, a preocupação em estudar os processos de aprender a ensinar tem se destacado como núcleo articulador de várias pesquisas, abrigadas sob a ampla denominação de “paradigma do pensamento do professor”3. Essas pesquisas tanto se dedicam ao estudo da formação inicial de professores, quanto à formação continuada, articuladas à busca da compreensão dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional docente. De modo geral, os estudos produzidos no âmbito dessa perspectiva adotam a concepção de que aprender a ensinar é um processo complexo e contínuo e não uma série de eventos e acontecimentos. A aprendizagem profissional dos professores, portanto, é interpretada como um processo, marcada por oscilações e descontinuidades e não pela linearidade. 2Baseado no conceito de habitus de Bourdieu, Saviani afirma que “[...] só se aprende, de fato, quando se adquire um habitus, isto é, uma disposição permanente, ou dito de outra forma, quando o objeto de aprendizagem se converte numa espécie de segunda natureza” (SAVIANI, 1991, p. 28).. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(11) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. Inseridas nessa perspectiva, as pesquisas destacam, igualmente, a experiência pessoal e a prática profissional como importantes fontes de aprendizagem dos professores. Elas indicam que os professores carregam consigo crenças, atitudes, valores, juízos, sistemas conceituais, teorias implícitas, princípios práticos, etc., os quais orientam a ação docente e tendem a não se modificar pelo simples contato com novas crenças, valores e princípios. A prática docente, por sua vez, também é importante fonte de aprendizagem, na medida em que ela gera, integra, revisa, rejeita ou convalida diversos tipos de saberes (curriculares, profissionais, científicos, da experiência, etc.). Rompe-se com isso o modelo da racionalidade técnica, na qual a atividade do profissional é vista como instrumental, dirigida apenas para a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas. Esse modelo reduz a atividade prática à análise dos meios apropriados para atingir determinados fins, esquecendo-se do caráter moral e político da definição dos fins em qualquer ação profissional que pretenda resolver problemas humanos, obrigando o profissional a aceitar definições externas em relação ao seu trabalho. Para Zeichner (1993, p. 17), [...] com o conceito de ensino reflexivo, os formadores de professores têm obrigação de ajudar os futuros professores a interiorizarem, durante a formação inicial, a disposição e a capacidade de estudarem a maneira como ensinam e de a melhorar com o tempo, responsabilizando-se pelo seu próprio desenvolvimento profissional.. No entanto, esse autor faz uma ressalva importante a respeito do professor reflexivo, afirmando que, como todos os professores são, de certa forma, reflexivos sobre o seu trabalho, não basta aos programas de formação de professores afirmar que o seu objetivo é a reflexão em geral, uma vez que, o ensino não é necessariamente melhor só porque os professores são mais deliberativos e intencionais quanto às suas ações, pois isso pode levar à justificação e solidificação de práticas nocivas para os estudantes. Segundo Zeichner (1993), o importante é o tipo de reflexão que se quer incentivar nos programas de formação de professores.4 Sob essa ótica, a escola passa a ser tomada como eixo da formação dos profissionais em educação. Trata-se daquilo que autores como Barroso (1997), Esteve (1991); Perrenoud (1993), Giovanni (1998), Dias-da-Silva (1998) e Molina (2005, 2007, 2007b), 3Ver. a respeito: GARCIA, 1997; MIZUKAMI, 1996, 2000; LIMA, 1996, 2000. documentos oficiais, produzidos pelo Ministério da Educação, também têm abordado essa perspectiva reflexiva da docência, assim como o processo de desenvolvimento profissional – embora seja necessário analisar todo o contexto de políticas públicas que tem acompanhado essa abordagem. Esses referenciais abordam a escola como sendo o espaço específico para que o processo de desenvolvimento profissional e de reflexão sobre o ensino ocorram. Eles seri4Alguns. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 99.

(12) 100. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. vêm chamando de “formação-ação” ou “formação centrada na escola”. Trata-se de perceber que as instituições escolares não formam apenas os alunos, mas também os profissionais que nelas atuam. Evidencia-se, pois, a importância do princípio da indagação e reflexão como estratégia para o trabalho dos formadores com os professores em formação e/ou em exercício e como estratégia de aprendizagem da profissão por eles próprios – os professores. Articulam-se, assim, situações de formação e de trabalho, ou ainda, situações de formação, de investigação e de trabalho ou ação. Pretendem tais autores, por em evidência o potencial formativo presente nas práticas individuais e/ou coletivas de identificar problemas, construir soluções e definir projetos desenvolvidos em conjunto com ou pelos próprios atores que são afetados por esses problemas. Trata-se de potencial, pois a possibilidade de tais experiências resultarem em aprendizagens da profissão depende da intencionalidade, decisão, significado dessas experiências para os profissionais envolvidos. Isto é, depende da capacidade de perceber, identificar e de articular informações pessoais e profissionais, descobrindo novos sentidos para a profissão ou, forjando uma nova identidade profissional. A prática docente profissional é, pois, interpretada como contexto privilegiado de aprendizagem, na medida em que o professor é levado a enfrentar as situações multifacetadas e sempre dinâmicas da escola e da sala de aula. Nesse sentido, pode-se afirmar a existência de uma formação cotidiana5 no âmbito da profissão e da escola, sendo que esta, na opinião de Caldeira (1995) se constitui em espaço fundamental de reflexão coletiva e aperfeiçoamento contínuo da prática cotidiana. Vale destacar, também, que os professores, ao longo de sua existência, geram quadros de referências, valores, crenças, opiniões, princípios e estes ajudam a configurar as práticas que eles desenvolvem em sala de aula. Enfim, os estudos inseridos na perspectiva indicada acima aglutinam preocupações com o desenvolvimento e aprendizagem profissional dos professores, sem desconsiderar suas experiências pessoais e suas práticas pedagógicas. am promovidos a partir de processos de formação continuada e ações realizadas pelas Secretarias de Educação e outras instituições formadoras, envolvendo equipes de uma ou mais escolas. 5A formação cotidiana é aquela que “[...] se dá no exercício da profissão e, portanto, na inserção em determinadas instituições, na atuação em diferentes classes e séries de ensino e na interação com sujeitos concretos...” (MELLO, 2000, p. 13).. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(13) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. Essas considerações permitem concluir que os professores não são consumidores passivos de informações, idéias, sugestões. Habitualmente, as traduzem, adaptam, flexibilizam. Os professores têm uma considerável margem de autonomia na condução do seu trabalho e suas ações em sala de aula estão mediadas por suas posições valorativas, crenças, convicções, teorias, julgamentos sobre o ensino. A autonomia do professor, entretanto, é relativa, pois sua atividade construtiva é delineada por conhecimentos e modos de agir já existentes. A aquisição/formação de convicções, teorias, conhecimentos, julgamentos sobre o ensino não ocorre no vazio, mas é delineada pelos contextos sócio-históricos nos quais os professores estão inseridos (COLL, 1996; POSTIC, 1984; SAVIANI, 1991; LIBÂNEO, 1986; 1991; entre outros). Alguns autores têm mostrado que, como conseqüência da educação recebida, os futuros professores têm incorporado determinadas idéias sobre o ensino e, ao tornarem-se professores, tendem a perpetuá-las. Carvalho (1994), por exemplo, sugere que os conhecimentos sobre o ensino são interpretados pelos professores conforme seus próprios valores, experiências, conhecimentos prévios, modos de pensar e agir, o que indica que podem, em maior ou menor grau, validar ou desconsiderar o saber de sua formação específica. [...] os professores têm idéias, atitudes e comportamentos sobre o ensino, devido a uma longa formação ‘ambiental’ durante o período em que foram alunos [...]. A influência desta formação incidental é enorme porque responde a experiências reintegradas e se adquire de forma não-reflexiva como algo natural, óbvio, o chamado ‘senso comum’, escapando, assim, à crítica e transformando-se num verdadeiro ‘conceito espontâneo sobre o que seja ensinar’. Encontramos uma rejeição muito grande pelo ‘ensino tradicional’. Quase todo mundo se diz construtivista. No entanto, há evidências de que, apesar de todas as repulsas verbais, hoje se continua fazendo na sala de aula praticamente o mesmo que há 60 anos. (CARVALHO, 1994, p. 83).. Com base na afirmação de Carvalho e no estudo de Vaz e Allain (2000), podese considerar que a aprendizagem significativa tem sido pouco freqüente na experiência escolar dos próprios professores, inclusive durante o processo específico de formação profissional. Isso revela que os cursos de formação docente só podem favorecer a aprendizagem dos professores em determinadas condições e dentro de determinados limites. Os professores possuem concepções, crenças, teorias, idéias sobre o trabalho docente. Essas concepções, adquiridas, basicamente, ao longo de sua formação “ambiental”, servem para guiar a ação docente e não se modificam somente pelo processo de formação específica. Pórlan (1999) considera não bastar que o professor tenha acesso às novas teorias para compreendê-las, aceitá-las e colocá-las em prática. O fato de reconhe-. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 101.

(14) 102. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. cer que não se sabe algo não desperta, necessariamente, um desejo de aprender, nem, tampouco, de substituir determinadas concepções por outras. Essas posições são reafirmadas por García (1997, p. 52): As pesquisas realizadas mostram que o conhecimento dos professores em formação está associado a situações da prática, ainda que as relações entre pensamento e prática sejam pouco claras e conhecidas. Demonstrou-se que pode ocorrer contradições entre as teorias expostas e as teorias implícitas e que a mudança no conhecimento dos professores em formação não conduz necessariamente a mudanças em sua prática.. Tardif (2000), que investiga a relação entre os saberes profissionais e os conhecimentos da formação de professores, destaca elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores. O autor entende como “epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (p. 10). Nesta perspectiva, os saberes profissionais são temporais (por meio do tempo, história de vida e da história da vida escolar); são plurais e heterogêneos (diversas fontes) e são personalizados e situados (próprios do professor e construídos para situação específica do trabalho). O autor ressalta que o objeto do trabalho docente são seres humanos, possuindo desta forma características próprias: os seres humanos existem como indivíduos, e os saberes profissionais comportam sempre um componente ético e emocional. Os professores vivenciam determinadas experiências educativas ao longo de sua vida escolar e pessoal ou profissional, durante as quais adquirem crenças, teorias didático-pedagógicas e esquemas de ação. Isso leva a crer que quando os docentes aprendem não tendem a fazê-lo em termos de teorias científicas, mas vinculando a aprendizagem à sua prática de alunos e de professores, ou seja: Os docentes têm uma visão prática da sua ação e do seu conhecimento (o que devo fazer, a atividade que devo programar). Nesse sentido, os professores constróem saberes e práticas ao longo de sua trajetória profissional que são subvalorizados pelos formadores e pelos meios de comunicação, mas que, no entanto, constituem os fundamentos de sua prática e competência profissional (HERNÁNDEZ, 1998, p. 12).. Para Hernandez (1998), com essa nova tendência de formação, começa-se a pôr em prática uma nova concepção do docente, considerando-o um profissional competente, reflexivo e aberto à colaboração de seus colegas – principalmente por esses se constituírem como uma das fontes a que mais recorrem os professores na busca de soluções para os problemas enfrentados no dia-a-dia da sala de aula.. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(15) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. Essa nova concepção do docente, segundo este autor, pode ter três implicações para o planejamento da formação: •. considerar que os docentes não partem do zero, pois possuem uma formação e uma experiência durante a qual adquiriram crenças, teorias pedagógicas e esquemas de trabalho;. •. conceituar a prática da formação a partir das experiências concretas e a sua análise, reflexão e crítica;. •. considerar a formação a partir da comparação e do questionamento da própria prática e em relação a outros colegas (HERNÁNDEZ, 1998, p. 11).. Como se observa, os professores tendem a basear suas ações e argumentações na própria experiência. Por isso, há de se reconhecer que a prática é uma instância permanente de aprendizagem, por tratar-se de uma dimensão que implica a experimentação pessoal diária do professor. Todavia, ainda que não possa ser desprezado, o saber da prática parece não estar sendo suficiente para dotar os professores das habilidades requeridas ao exercício de sua profissão. Por isso, os professores não podem acomodar-se ao controle autoritário da prática, nem, tampouco, encarar a teoria como instrumento de natureza normativa, a ser aplicado de forma direta e imediata. As teorias devem ser interpretadas em suas possibilidades de oferecer subsídios para a reflexão, em seu indispensável papel de aclarar os fatos. A formação de professores inclui, pois, os saberes adquiridos na prática, mas, também, a aquisição de bases teóricas sólidas. Isso significa considerar que os professores não adquirem consciência automática de como lidar com as situações de sala de aula e que nem sempre as concepções “ambientais” orientam a ação de maneira organizada e compreensiva, até porque não se pode ensinar aquilo que não se aprendeu. Por isso, os professores precisam dispor de um tempo formalmente estabelecido para compartilhar o conhecimento que adquiriram ao longo do seu desenvolvimento escolar e profissional, incluindo-se obviamente, os cursos de formação. Nesse sentido, considera-se que, no momento de planejar os programas de formação, seria necessário que os docentes encontrassem respostas para problemas selecionados ou sugeridos por eles mesmos, ou que usassem estratégias de formação que os vinculassem com as diferentes formas de aprendizagem. Para Torres (1998), “[...] é necessário superar a dicotomia entre formação inicial e em serviço, buscar novas articulações, ver esses dois momentos da formação dos professores como complementares, como parte de um continuum” (p. 177).. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 103.

(16) 104. Desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência: novos conceitos, outros caminhos. Como consequência, faz-se necessário que repensemos a questão da formação de professores, resgatando o significado do seu trabalho, para que não encaremos essas políticas de formação docente de uma forma ingênua. Ver, inclusive que por meio desse aligeiramento da formação, produz-se professores que se vêem obrigados a reproduzir o conteúdo do livro didático, tornando-se apenas “práticos”, sem controle sobre o seu fazer existir. Basso (1998, p. 24) nos afirma que, [...] no caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado das operações realizadas conscientemente pelo professor, considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do conhecimento pelo aluno.. Para esta autora, a nossa atuação, como profissionais preocupados com a formação inicial e continuada, deveria privilegiar tanto a construção de novas relações de trabalho na escola, que possibilitassem o enfrentamento coletivo das condições objetivas e subjetivas que dificultam o aprendizado escolar, como o aprofundamento teórico-metodológico que favorecesse a criação, pelos membros da equipe escolar, de novas relações entre teoria e prática, valorizando assim, a experiência de cada professor, partindo de problemas identificados na prática cotidiana de sala de aula e possibilitando a ampliação do conhecimento pela via do estudo e da reflexão, na busca coletiva de novos fundamentos para a prática. Para Torres (1998, p. 179), [...] desacompanhada de medidas destinadas a melhorar substancialmente a qualidade profissional dos professores e sem fazer parte de um ‘pacote’ coerente de reformas educativas, que sobreviva aos curtos prazos da política, a capacitação docente não passa de uma inversão dispendiosa e, no mais das vezes, ineficaz. Dada esta tradição, não é de estranhar a escassa contribuição do componente capacitação docente ao êxito das reformas educativas.. Já há algum tempo, reconhece-se a necessidade de encarar a formação dos professores dentro de uma perspectiva de educação permanente, que permita um conhecimento sólido, geral e especializado, incluindo tanto o saber como o saber ensinar (como exemplo ver Ramalho, Núnez e Gauthier, 2000). Sobre essa temática, Sacristán (1999, p. 12) defende que é preciso: [...] resgatar uma idéia de ordem racional limitada, contando com a importância do protagonismo dos agentes principais da educação, que são os professores, é uma forma de acentuar não só o valor de sua autonomia, mas também a importância de sua responsabilidade e de seu compromisso com a educação.. Faz-se necessário por fim, que as políticas públicas de formação de professores comecem a admitir a necessidade de formação docente multifacetada, a partir do. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107.

(17) Rinaldo Molina, Soraiha Miranda de Lima. reconhecimento da diversidade de sujeitos - professores e alunos – contexto – grupos sociais atendidos pela escola -, níveis e modalidades educativas e até o nível de desenvolvimento profissional e de experiência dos próprios professores, assim como, a necessidade de se trabalhar com estes – tanto em sua formação inicial como no desenvolvimento de seu ofício – questões inerentes à profissão docente.. REFERÊNCIAS AURÉLIO, B. H. Minidicionário da Língua Portuguesa. RJ: Nova Fronteira, 1993. BARROSO, J. Formação, projeto e desenvolvimento organizacional. In: CANÁRIO, R. (Org.) Formação e situações de trabalho. Porto: Porto, 1997, p. 61-77. BASSO, I. S. Significado e sentido do trabalho docente. Caderno CEDES, Campinas, n. 44, 1998, p. 57-65. CALDEIRA, A. M. S. A apropriação e construção do saber docente e a prática cotidiana. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 95, 1995, p. 58-70. CARVALHO, A. M. P. Paradigmas e métodos de investigação nas práticas de ensino. In: VII ENDIPE, 7, 1994, Goiânia, Anais..., Goiânia: UFG, v. 2, 1994. CASTORINA, J.A. et al. Piaget - Vygotsky: novas contribuições. SP: Ática, 1995. CHAKUR, C. R. Desenvolvimento profissional docente: uma leitura piagetiana. 2000. 158 f. Tese (Livre Docência em Psicologia da Educação). Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Araraquara. CAVACO, M. H. Ofício do Professor: o tempo e as mudanças. In: NÓVOA, A. (Org.) Profissão Professor. Porto: Porto, 1991, p. 155-191. COLL, C. Um marco de referência psicológico para a educação escolar: a concepção construtivista da aprendizagem e do ensino. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 389406. DIAS DA SILVA, M. H. G. F. O professor e seu desenvolvimento profissional: superando a concepção de algoz incompetentes. Caderno CEDES. Campinas, ano XIX, n. 44, abr. 1998, p. 3345. ESTEVE, J. M. Mudanças sociais e função docente. In: NÓVOA, A. (Org.) Profissão Professor. Porto: Porto, 1991, p. 93-124. FALCÃO, J. T. O construtivismo piagetiano e pós-piagetiano: das operações lógico-formais aos conteúdos em contexto. VII ENDIPE, 7, 1994. Goiânia, Anais..., Goiânia: UFG, v. 2, 1994. GARCÍA, C. M. Pesquisa sobre formação de professores: o conhecimento sobre aprender a ensinar. Revista Brasileira de Educação, RJ, n. 9, set./dez. 1998, p. 67-89. ______. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed., 1999. GIOVANNI, L. M. Do professor informante ao professor parceiro. Cadernos CEDES. Campinas, ano XIX, n. 44, abr. 1998, p. 45-56. HERNÁNDEZ, F. A importância de saber como os docentes aprendem. Pátio. Porto Alegre, n. 4, fev./abr. 1998, p. 08-13. HUBERMAN, M. O ciclo de vida dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.) Vida de Professores. Porto: Porto Ed., 1995.. Revista de Educação • Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008 • p. 89-107. 105.

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