CENTRO DE
CIÊNCIASDA EDUCAÇÃO-CED
PROGRAMA
D_E.PÓSGRADUAÇÃO
EM
EDUCAÇÃO
CURSO
DE
MESTRADO EM EDUCAÇAD
A‹>‹°'^Ê0' `
oBs1¬ÁcUL0s
À
CQNCLUSÃD
DA
ESCDLARIDADE
oBR1‹;AT0R¡Az
UM
ESTUDO
DE
CASO
Røs|MAR|
GONÇALVES
MARDNS
FLoR|ANÓPoL|s
v À 238"0 279
O
UFSC-BUROSIMARI
GONÇALVES
MARTINS
oBsTÁcULos
À
cojNcLUsÃo
DA
EscoLARgDAmz
oBRtGA1ioR1Az
UM
ESTUDO
DE
CASO
Dissertação apresentada
ao
Curso de Mestrado
em
Educação
do
Centrode
Ciênciasda
Educaçäo
da
Universidade Federalde
Santa Catarina,como
requisitoparcial
àobtenção
do
Grau
de
Mestre,
sob a
Orientaçãoda
Professora Dra.Leda
Scheibe.UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
SANTA
CATARINA
.E
\._..z_z ez ‹›‹»,›.._
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE
SANTA
CATARINA
CENTRO
DE
C1:ÊNCL¿âsDA
EDUCA_CÃO
PROGRAMA
DE
Pos-GRADUACAO
CURSO DE
MESTRADO
EM
EDUCAÇÃO
r \ ~ r
H
OBSTACULOS
A
CONCLUSAO DA
ESCOLARIDADE
`OBRI
GA
T
ORIA:
UM
ESTUDO
DE
CASO”.
Dissertação
submetida ao
Colegiadodo
Curso de
Mestradoem
Educação
do
Centrode
Ciênciasda
Educação
em
cumprimento
parcial para a
obtenção do
título de Mestreem
Educação.
'APROVADO
PELA
COMISSAO
EXAMINADORA
em
08/12/97Profa. ra.
Leda
Scheibe (Orientadora)Profa. Dra.
Joana
De
Lazari (Examinadora)Profa.
Dlfl
~xaminadora)
Profa. Dra. Marli
Auras
(Suplente)/z , ¿/ v v à ./
ššvvé
Í . /1;, /V'\.› á ff] -zi / I / ,f
I /' , Á z/Rosimari Gonçalves Martins
x
AGRADECIMENTOS
Aos
alunos, pais , professores edemais
membros
da
escolae
da
comunidade
pesquisada que, foram a razãode
perguntar.Sem
eles o trabalhonão
seria possível. ~_
Ao
Mauricio,companheiro de
momentos
valiososque
contribuiucom
oseu
bom
humor, paciência e estrutura emocional.Aos
meus
paiscom quem
aprendi a razãode
buscare
“acreditar“'.
Aos
colegas, professorese
funcionáriosdo mestrado
que
compartilharamcomigo
os “mom'entos_de descoberta”e
os“momentos
do nâo-saber”. _
À
Leda
Scheíbe pela orientação,compreensão
e
contribuições importantíssimasao
trabalho.'
experiência
do
cotidiano,mas
de transforma-la à luzdo
próprioconhecimento”.
SUMÁRIO
RESUMO
... _ .REsuIvIEI×I
... ..INTRODUÇÃO
....os
PARTE
I ~CON'I`EX'I`UALIZAÇÃO
DO
ESTUDO
E
METODOLOGIA
DA
PESQUISA.
I.I.
O
fracasso
escolarcomo tema de
estudo
... ..; ... .. I7
1.2.
A
problemática
de
investigação
e
sua
metodologia
......43
PARTE
II *'z
A
LOCALIDADE
BARRA
DA
LAGOA
E
A
SUA
ESCOLA
MUNICIPAL
2.1.
O
local
e
sua
história
.....49
2.2.
A
escola
municipal
da
barra
.....60
2.3.
Em
busca
da
qualidade:
sonhando
com
um
projeto
pedagógico
.....70
PARTE
IIIo QUE
LEVA
À
REPRo\/AçÁo E
À
ExcLUsÁo,
NESTA
ESCOLA?
3.1.
A
força
da
determinação
.....74
3.2.
Questões
de
conteúdo,
linguagem
e
metodo
.....92
3.3.
A
faltade
um
projeto
pedagógico
... ..101
coI\IsIDERAçoEs
FINAIS
... .. I07
BIBLIOGRAFIA
... ..I15
Este trabalho pretende contribuir para a
compreensão
dos
processos
escolaresque desencadeiam o
insucesso escolar.A
coletade
dados
deu-senuma
escola pública da redemunicipal
de
ensino. Atravésde
entrevistas semi-diretivas interrogou-se alunosque acumulavam
doisou
maisanos de
repetências, alunosque
abandonaram
a
escola,
suas
famílias eseus
professores. Atravésde observações
assistemáticasno
cotidiano escolare
familiar e nabusca
em
outros estudos, pretendeu-se captar outros aspectosda
dinâmicada
realidade eda
sua
história.Com
base no
pressupostode
que
as
explicações, conceitosou
afirmações
dos
entrevistadosnão são
um
reflexodo
real,mas
simum
tipode
conhecimento
que define comportamentos
eque
portanto, constrói a realidade, o estudo captou, noemaranhado
de
opiniões enas
observações,elementos
que
obstacularizam a escolarizaçãode
muitos alunosque
freqüentam a escola.Como
por exemplo, a existência
de
estereótiposque determinam comportamentos
excludentesg questõesde
conteúdo, linguageme
método, que, alienadosda
realidadefavorecem
determinadas exclusões; e a faltade
projetos pedagógicos,RES
UMEN
Este trabajo pretende contribuir para la
comprensión
de
losprocesos escolares
que desencadenan
el fracaso escolar. La colectade
datosse
recogioen una
escuela publicade
la red municipalde
enseño.A
travesde
entrevistas semi-directivas le preguntaron
a
losalumnos que acumulaban dos o
mas
años
repitiendo,alumnos que abandonaron
la escuela, sus familias ysus
profesores.A
travesde
observaciones asistemáticasen
el cotidiano escolar yfamiliar,
en
labusca de
otros estudiosse
pretendio captar otros aspectosde
ladinamica
de
la realidadde
su historia.Con
base
en ei presupuestode
que
las explicaciones,conceptos
o aflrmacionesde
los entrevistadosno son
um
reflejode
lo real, pero siuno
tipode
conocimientoque define comportamientos
yque
por tanto, construye larealidad, el estudio capto,
um
enredo
de
opinionesen
las observacionesde
elementos que
se vuelveu obstáculosque
asistena
la escuela.Como
por ejemplo,la existencia
de
estereotiposque
determinancomportamientos
excuyentes; cuestionesde
contenido, lenguaje y metodo,que
unidos a la realidade favorecendeterminadas
exclusiones; Ia faltade
projectos pedagogicos orientadoresiNTRODUçÁ0
A
intençãode
realizar este estudo surgiu a partirdo
meu
trabalho
como
professora alfabetizadorana
Escola Básica Prefeito AcácioGaribaldi
São
Thiago, localizadana
Barrada
Lagoa
-um
bairrodo
interiorde
Florianópolis. Mais especificamente, foi
se
delineando a partirde
uma
sériede
indagações que
este trabalho colocava sobre a “vida na escola”.Desde
1987
comecei
a fazer partedo
corpo docente desta escola,que
já era,no
entanto,uma
“velha” conhecida, parte
das minhas lembranças de
infânciae
adolescência: foinela
que
eu
completei o 1° grau.Como
professora iniciante, fuime
deparando
com
muitas situações
que
osmeus
cadernos
organizados durante o cursode
formação,particularmente os
de
didática ede
psicologia escolar,não mencionavam:
a faltade
material didático na escola,o
isolamentodo
professor nasua
salade
aula,o
grande
número
de
criançasnao
alfabetizadas , entre outras..
Foi, porém, a constatação,
cada vez
mais reforçada,de
que
um
número' excessivode
crianças repetiam amesma
sérieou
abandonavam
a escola,que
me
fez caminharao
encontrodo
tema
fracasso escolar. .Durante a realização _ *if›
das
disciplinas do Mestrado, busqueidados
na literatura sobre este tema, tentandoum
maior esclarecimentoçpara a questão. Foi justamente nabusca
destesdados
que
fui tendo a clarezade que
oaprofundamento da
questão aindadepende
do
estudo
de
situaçõesmais
especificasde
experiênciasdo
cotidiano,no
sentidode
que
é
o
seuconhecimento
que pode
dar luz paraas
transformações necessárias_ 1
De um
modo
geral, os estudos encontrados sobre o fracasso9
“, os professores.
tendem
a. atribuir ofracasso escolar
an
condição socio- psicológicasdo
aluno ede
sua
familia,eximindo-se
de
responsabilidade sobreesse fracasso;
o
baixo nível sócio çeconómico do
aluno tende a fazercom
que o
professor desenvolva baixasexpectativas sobre ele; professores
tendem
a interagir diferentementecom
alunos sobreos
quaisformaram
altase
baixas expectativas;
esse comportamento
diferenciado freqüentemente resultaem
menores
oportunidades para aprendere
diminuição
da
auto-estimados
alunos sobre os quaisse formaram
baixasexpectativas;
os
alunosde
baixo rendimentotendem
a atribuir o fracasso àcausas
intemas(relacionadas à faltade
aptidão
ou de
esforço),assumindo a
responsabilidade pelo “fracasso”; fracasso escolar continuado
pode
resultarem
desamparo
adquirido.” (Mazzoti, 1994160)Estas indicações, porém,
embora fizessem
sentido naminha
` \
experiência,
colocavam
outras indagações, taiscomo
as seguintes: será que,mesmo
os
professores da~m-inha escolapreocupados
em
articular reuniões entreos
seus
pares_para discutir problemasde
ensino-aprendizagem,não
estãocom
uma
consciência mais acuradade sua
responsabilidadeno
fracasso escolardos
:›
alunos?
Será
que
baixas expectativas efetivamenteexercem
um
papel tão forteno
encaminhamento
das
atividades, atitudese
procedimentosdos
professores?Como
percebem
os
alunoso
seu
fracasso?Culpam
o
professor, a escola ou a simesmos?
Revoltam-se contra o professor?Como
vê o
professoros
seus limitesobjetivos
com
relação à precariedadede conhecimentos que
ele própriotem?
E
escola,
com
estes professores ecom
os
alunosque
aí estão,pode
desenvolver para garantir omínimo
necessáriode
escolarização necessária?Estas
e
outras questões foram delineandouma
busca
que
resultou neste trabalho.
A
qualidade historicamente possível e necessária' para garantiro
direito àeducação
ainda precisa ser conquistada.As
altas taxasde
repetênciae
evasao mostram que
osque
conseguem
entrar na escola,nem
sempre
nelaconseguem
ficar ou aprender.E
ésem
dúvida este alto índicede
repetência ede
evasão que
explicao
progressivo afunilamento,que
vai construindo a tãoconhecida “pirâmide educacional brasileira." V
.
O
discursoem
favorda
democratização escolarno
Brasilnão é
novo.
Segundo
Soares(1989), eleprecedeu
inclusive o período republicano, poisjá
em
1882, Rui Barbosa,baseado
num
estudo exaustivo arrespeitoda
realidadebrasileira. denunciou a perversa precariedade
do
ensino parao povo no
Brasil.Desde
então, denúnciase
propostas para a democratizaçãoda
escola estão presentes no discurso político brasileiro,onde
os ideais' democrático-liberaissempre
apontaram
aexpansão do
ensinocomo
instrumento essencial paraa
conquistada
igualdade social:”Assim, as
expressões
'igualdadede
oportunidades educacionais' e“educação
como
direitode
todos' tornaram-se,no
Brasil, /ugares-comuns,
num
repetido discursoem
favorda
democratizaçãodo
ensino, discurso
que não
foi' interrompidonem
mesmo
durante osregimes
autoritários, antiliberais e antídemocráticos
dos
períodos 1937-1945(EstadoNovo)
e1964-1985. ”(Soares,1989:8)
E
i
4
ii
Esse
discurso pela democratizaçãodo
ensinosempre
foiacompanhado
de
diretrizes políticas educacionais que,em
determinadomomento
acentuaram
uma
direção mais qualitativa,no
sentidoda
ampliaçãode
ofertaseducacionais
como
aumento do
número
de vagas nas
escolas, obrigatoriedadee
gratuidadedo
ensino básico;em
outrosmomentos,
acentuou-seuma
direção maisqualitativa
do
ensino,como
reformulaçãoda
organização escolar, introduçãode
novas
metodologiasde
ensino, aperfeiçoamentode
professores, etc.A
demanda
popular poreducação tem
sidoum
fato progressivo,inegável.
A
sua
conquista, no entanto, ainda está longede
ser atingida.Ninguém
desconhece
osdados
estatísticosque
revelaram, aindaem
1990,um
indicede
56%
da
populaçãoacima de
15anos formada
por analfabetos e porpessoas de
baixo nivelde
alfabetização. * 'V ',
.
A
escolaque
existe é ainda seletiva e excluidora.Em
recenteestudo realizado junto a
uma
das
escolas públicasde
FlorianÓpolis( ColégioEstadual Getúlio Vargas), foi constatado que,
embora
de 1990
ã 1993, tenha havidouma
.retração na tendência à reprovação,em
1994
oquadro
sofreu alteraçãoe novamente
o índice subiu, alertando maisuma
vez
acomunidade
escolar(cf. Büchele, 1996). indicou ainda o estudo referido que,
da
1” a 4* série, ogrande
problema estava na repetência; jáde
Sa à 8a série, a questão maispreocupante se colocava na
evasão
escolar. _As
causas apontadas
por Büchele(1996) colhidas nas representações dos profissionaisda
escola,também
apontam
razõesque vão
desde
aquelas vinculadasaos
professores(incompetência, alta rotatividade,aos
professores,não
permite trabalho diferenciado, etc.);aos
pais(faltade
apoio,carência cultural, falta
de
interesse, etc.); etambém
aos
próprios alunos( faltade
interesse
em
aprender os conteúdos). 'Estas percepções sobre as
causas do
fracasso escolar estão presentesem
muitos estudosque são
realizados hojede
formamais ou
menos
rigorosa no âmbito
dos educadores preocupados
com
a questão.Sem
dúvida,ajudam na compreensão dos
processos simbólicosque
ocorremna
interação educativa.Apoiada
na revisãoda
literatura sobre o fracasso escolarque
fui realizando durante
o Curso de
Mestrado, constateique
uma
das dimensões
importantes e ainda
não
suficientemente focalizada nos estudos,é
aquelavinculada às representações
do
próprio aluno fracassado, sobre asua
condiçãode
“fracassado”.A
transformaçãoque
a prática educativa requer para aproximar-se
mais da
qualidade necessária, requertambém
o que
Moscovicidenomina de
“olhar psicossocial”, ou o olhar sobre as
denominadas
“zonas sombrias”.A
realidade,sabemos,
é multifacetária.A
criança,ao
chegar àescola,
não
se desfaz daquiloque
até então serviu para orientá-la'no mundo,
pararesolver as suas questões. Ela
não
se desfazdos
mitos, das crenças,das
idéiaspróprias
de
seu grupo social.Suas
fantasias, seus desejos, expectativas, inclusive. z
com
-relação à escola,são de alguma
forma instituídos. a partirde
uma
cultura.z «
Estas questões
demandam
aindanovas
leituras.Muitos
dos
problemasque
a escola vive são frutode formações
e conceitos interiorizados, crenças
que
foram cristalizadas na rotinado
cotidiano eque
acabaram
por “naturalizaf' práticas escolares.O
desafio que nos
édado
I3
para pesquisar a escola,
passa
também
pelacompreensão
desse
dentro/forado
aluno,que chega
na escola,que
sai,que não
quer entrarou
que
é expulso dela(cf.Ferreira
e
Eizirik,1994). Este é ocampo
de
estudode
estudoque
alguns autoresdenominam
de
“imaginário social", no qual há o reconhecimentode
que
o conjuntode normas
e valoresnão
pairaautonomamente
sobre oshomens,
mas
sematerializa
em
suas
práticas sociais.As
autoras citadas anteriormenteesclarecem:
“Toda sociedade conta
com
um
sistemade
representação cujos sentidostraduzem
um
sistemade
crenças que,em
últimainstância, legitima a
ordem
social vigente.Trata-se
de
uma
complexa
redede
sentidosque
circula, criae
recria,instituindofinstítuindo-se na luta pela
hegemonia. ”(Ferreira
e
Eizirik, 1994:6).Pesquisar no
campo
das
representaçõesdos
atoresda
escola representa levarem
contaque
asbases
sobre as quais as classes sociais sefundamentam
e se legitimampassam,
também,
por sistemas simbólicos, pelaprodução de
sentidosque
circulamna
sociedadee
que
acabam
por ter importante papel na reproduçãode comportamentos
ede
papéis sociais.O
grupohegemônico
constróicomplexos
e variados dispositivosde
proteçãoque
vão
desde
produções legais, coercitivas, até formas sofísticasde formação de
opiniões. '
_
'
Este
campo
de investigação,que
lida sobretudocom
a opiniãodos
agentes,não
se pretende, evidentemente, tradutor ou reflexode
toda aAs
relações sociais e, portantotambém
as educacionais,não
são
destituídasde
uma
dimensão
simbólica,onde
alunos sevêm
nessas
relações,onde
eles constroemuma
imagem
de
si proprios edos
outros.E
buscar elementosdesta dimensão,
pode
oferecer alternativas parao
entendimentodos
processosque
regulam a vida escolar, paraque
sepossa
ampliar acompreensão
sobreo
cotidiano
da
escola, apreender o sentidoque
têm, para determinados grupos,diferentes conteúdos
de
conhecimento, exigênciasde comportamentos, a
propriaescola. Esta
dimensão
pode
também
nos
ajudar na identificaçãoe
nacompreensão
dos
mecanismos
de
manipulação edas
determinaçõesaos
quais aspessoas
estão expostasno
seu processode
escolarização;Pode
permitir ainda oconhecimento
dos processosde
resistênciaaos
obstáculos.É
nosso
pressuposto, portanto,que não bastam
os estudosdas
condições fisicase
quantificáveisda
comunidade
escolar paraque
se
estabeleça estratégias parauma
prática pedagógicade boa
qualidade.É
necessáriotambém
investigar o sentido
de suas
práticas para os alunosque
a freqüentam.E
para istoé importante propor-se a dialogar, a admitir a possibilidade
da
surpresa, e a“contar
com
a inseparabilidade entrexoxconhecimento e a ignorância.”(Ferreirae
Ei`z¡r¡l<,1994z 10).
l
Talvez, mais
do
que
nunca, seja necessário reescrever osignificado da palavra escola,
para
repropó-Iacom
maior qualidade. Velhasdefinições precisam ser
retomadas
e
repensadas, paraque
a escola,no
seu papelde
socialização, exerça a sua função,que
é ade
introduzir aspessoas no
mundo
do conhecimento que
se constróino
dia a diada
humanidade, parapoderem
pensar
sobre a realidade construída.is
Tomando como
pressupostoque o conhecimento
éuma
atividade cultural' e histórica
que
se criae
recriapermanentemente,
fuiao campo
da
investigação, questionando:-O que
leva à reprovação e a exclusão nestaescola? V
Com
a intençãode
realizarum
estudo mais amplo, percebique
algunscampos
não
podiam
ficar descobertos.Assim
veio a necessidadede
incluirtambém
no estudoo
contextoda
escola, sua culturae
história; a opiniãodas
famílias
dos
alunos eseus
professores, para poder analisá-las, compara-las,confronta-las e entende-las na inserção
do movimento
histórico.Para
compreender
maisprofundamente
os processos escolaresque desencadeiam o
insucesso escolarde
diversos alunosque fazem ou fizeram
parte
da
escolaem
questão, este estudo focalizou alunosque
abandonaram
aI -¬
escola e alunos
que
acumulavam
dois ou maisanos de
repetência escolar;/os pais\~. \_
destes alunos e
seus
professores. Realizei entrevistas semi-diretivas,que
foramgravadas, transcritas literalmente, acrescentando a elas aspectos
das obsen/ações
assistemáticas(gestos, entonações verbais, entre outros) esubmetidas
auma
análise temática.
A
opção
em
faze-las semi-diretivas vaiao
encontro doque
SPlNK(1993)
nos diz a respeito:“Este tipo
de
entrevistadá
vozao
entrevistado evitando
impor preconcepções e
categoriasdo
pesquisador, e permite aliviarum
n'co materia/ _”
(SPINK,
1993
1100)Para
a análisedos dados não
adotei categorias pré-determinadas para a leitura
dos
resultados, pelo contrário,ascategorias
foramconsistiu
em
leituras repetidas das entrevistas eobservações
realizadas. Estasleituras e as
observações
assistemáticasdo
cotidiano escolare
familiar,orientadas pelo referencial teórico, permitiram
algumas
análisese deduções que
consideramos
esclarecedoras para otema
estudado.Nao
tiveña pretensãode
generalizar conclusões para todas asrealidades.
A
intenção foia de compreender
quais osmecanismos
que
contribuempara o insucesso e
abandono
escolarde
umadeterminada
escola.Consideramos
porém,que
os resultados encontradossão
sintomasda educação no
Brasil hoje e,por isso
mesmo,
podem
ser encontradosem
diversos contextos.O
presente estudo pretendeu iralém
da
constataçãodos
obstáculos
que
impedem
a conclusão da escolaridade obrigatória.Buscou-se
pensar
também
como
éque
no cotidianoda
escolaé
possível construirum
projetocentrado no direito
ao sucesso
escolar.O
estudoque segue
foi estruturadoem
trêsmomentos
:no
primeiro, faz-
uma
breve retrospectiva sobre as diferentesconcepções do
fracassoescolar na escola pública brasileira, evidenciando
também
asua
problematizaçãona
pesquisa, e ênfases metodológicas;no segundo momento;
fazuma
descriçãodo
local de Pesquisa contandoum
pouco
da
sua
história escolar;no
terceiro,dedicamo-nos
a descrever e_ analisarum
pouco, daquiloque captamos
nasentrevistas e
observações
assistemáticas, sobre o cotidianoda
escolaem
1.
questão, na produção
do
insucesso escolar.O
estudo terminacom
breves discussõesque
retomam
temas abordados ao
longodo
trabalho.o.
I7
PARTE
ICONTEXTUALIZAÇÂO
DOESTUDO
E
METODOLOGIA
DA
PESQUISA.
1.1.
O
Fracasso
Escolar
Como Tema
De
Estudo.
Com
,o objetivode
compreender
melhor as razõesque levam
ao
fracasso escolar, conheci - alguns autores - ‹que
tiveram (ou têm)preocupações
i
com
relaçãoça este tema.Maria Helena
de
Souza
Patto,em
seu
livro “AProdução do
Fracasso
Escolar”(1993), nos orienta auma
compreensão
do
percursodas
idéiasque
foramsendo
elaboradasao
longo deste século sobre a questãodo
fracassoescolar.
×\ \
à
`\_
Segundo
esta autora, até 1930,ano do
términoda
Primeira República,o
atendimento ao ensino básico era insignificante, o crescimentoda
rede públicade
ensino era inexpressivoem
comparação
com
estatísticasreferentes
ao
império e o país possuía ainda cercade
75%
de
analfabetos.Apesar das
várias reformas educacionais ocorridasno
país durante este periodo1,as oportunidades
de educação
escolardas
classes populares continuaram muitopequenas.
Somente quando
aeconomia ascende
para outros setores ativosda
economia
primária e para outras atividades industriais, nestadécada de
30,é
que
l
A
de Sampaio Dória, em São Paulo (l920); a de Lourenço Filho no Ceará, (1923);
A
de Anísio Teixeira, na-a
educação
começa
a ganhar corpono
panorama
nacional,aumentando
consequentemente
a oferta e a procurade
escolas.Com
o desenvolvimento das relações capitalistas tornou-se necessário fornecerconhecimento
à todas ascamadas
sociais,como
pré-requisitopara o
mercado de
trabalho, seja pelas exigênciasda
própria produção, ou pelanecessidade
de
consumo
que
este sistema provoca. Portanto, ampliar aescolarização é condição
de
sobrevivênciado
sistema capitalista industrial.E
não
só ampliar a escolarização,
como também
adaptá-laaos novos
requisitoseconômicos
e sociais.A
escolapassou cada
vez _mais a ser defendidacomo
instrumento
de
transformação,capaz de
asseguraruma
maior igualdade social.investiu-se contra a pedagogia tradicional e os
seus
limites para onovo
projetosocial, tentando-se construir neste
momento
uma
nova
pedagogia,que
atribuíaao
modelo
tradicionalde
escola a responsabilidade pelos desastres sociais.Uma
das
teses centrais
da
critica erade que
a escola tradicionalnão
estavaformando
democratas,devendo-se
istoao
fatoda
sua organizaçãoe
estruturaserem
autoritárias. -
0
pressupostoda
pedagogia tradicional,que
tinha a igualdade essencial entre oshomens
como
base,passa
a ser questionado e a sersubstituído,
ao
nível ideológico, pela crença nas diferenças individuaiscomo
patamar
para a democracia,emprestando
à educação,o
papelde
ajustar osT
19
~
_
É
importante salientarque
anova
visao pedagógica proposta,ao
invésdos
conteúdos clássicos tradicionais da escola, entatizavanova
postura4.
metodológica
capaz
de,nao
apenas
contribuir para diminuir o fracasso escolar,mas também
transformar omundo.
Indubitavelmente, nascia a
preocupação
com
o “individuo”no
processo
de
aprendizagem, oque
poderia significarum
passo
importante paracombater
o fracasso escolar. Porém,como
salienta Patto, apreocupação
com
o
indivíduono
processode aprendizagem
“reduzia-se
apenas
em
consideraros
processos individuaisque
facilitavauma
tarefapedagógica
destinada a desenvolver omáximo
as
potencia/idadeshumanas
atravésde
um
trabalhoque
acompanhasse
o curso natura/do
seu
desenvolvimento ontogenéticoao
invésde
contraria-lo...
A
ênfase, porém, continuou a serna observação
do
indivíduocomo
representativo
de
todosos
indivíduosem
geral, e
não
como
distinto ,dos
outrosindivíduos...
O
termo
'indivíduo'é
freqüentemente
empregado
para significarsimplesmente 'natureza
humana
'_"(PATTO1993:60)
`Desconsiderando a desigualdade real entre
os homens, o
pensamento
liberal escolanovistaatribuiu à escolauma
função igualizadora,em
que
tanto o sucesso, quanto o fracasso escolar, deviam-se, predominantemente,aos
méritosdo
aluno: este era o critério mais legítimode
seleção educacional esocial.
Proposto, inicialmente,
em
bases
que
defendiama
sintoniada
sofrendo alterações
na medida
em
que acompanhou
o
desenvolvimentoda
psicologia na direção
da
ciência experimental e diferencial, alterandoseu
eixo,passando.a
centra-lona
afinidadedos
potenciaisdos educandos
entendidoscomo
indivíduos
que apresentam
capacidade diferente para aprender.A
influência deste viés psicologista alterou significativamenteo
caráterde
luta políticaem
buscada
democratizaçãoe
elevaçãoda
qualidadedos
serviços educacionais, inicialmente propostos porseus
precursores, haja vistoque
os adeptos
do
escolanovismo acreditavam na“real possibilidade
de
identificare
promover
socialmenteos mais
aptos,independente
de sua
etniaou de sua
origem social”.
(PATTO
1993:40)O
aumento da
demanda
social por escolas e conseqüentemente, aexpansão dossistemas
nacionaisde
ensino trouxe para oseducadores
a necessidadede
explicar "as diferençasde
rendimentoda
clientelaescolar justifioando o
acesso
desigual desta clientelaaos
graus escolares mais avançados.A
explicaçãodas
'dificuldadesde aprendizagem
escolararticulou-se na união
de duas
vertentes: a) visão organicistadas
aptidõeshumanas,
carregadade
pressupostos racistas e elitistas; b)uma
visãomais
atentaàs influências ambientais e
comprometida
com
os ideais democráticos, herdadado
desenvolvimentoda
psicologia eda
pedagogia.O
liberalismo,num
pais escravocrata,ao
incorporar as teses21
buscaram
o cientificismodo
séculoXIX
para defender a superioridade naturalde
uma
raça, para manter a sujeiçãodas
outras e justificaruma
inferioridade inata.A
convicção na existênciade
desigualdades anatômicas efisiológicas induziu
um
raciocínioque
levou a concluir pela existênciade
desigualdades entre raças.Essa
idéia apoiou-senas
teses poligenistasz,segundo
as quais a origem
da
espéciehumana
é múltipla.No
caso
brasileiro, a explicação cientificado
racismointeressou, particularmente, no período
da
passagem
da
aboliçãodo
trabalhoescravo e instalação
do
Estado Republicano,“anunciando esta inferioridade... para
justificar
o
lugar subaltemo,mas
formalmente livre,
que
negros, indiose
mestiçospassaram
aocupar na
estruturasocial.
A
presença das
teorias racistasvinha a calhar
na
confluênciade
um
estadode
coisas injustocom
a defesaverbal
das
idéias liberaisque
caracterizoutanto a sociedade monarquista
e
. escravocrata quanto a vida social
no
Brasil Republicano
do
trabalho 'livre'...A
tese
da
infenorídadedo
não-branco eraespecialmente útil, tanto
nos
paísescolonizadores
como
nos
colonizados;nos
primeiros, justificava a
dominação de
povos;
em
ambos,
desculpavaa
dominação de
c/asse”.( Parto 1993266)~ Diversos
intelectuais brasileiros, influenciados por tal teoria,
dedicaram-se a escritos e pesquisas
que
afirmavam
a inferioridade racialde
2
Conforme Patto(1993 :31), o médico francês Cabanis(1757-1808) é considerado
um
dos ideólogos mais influentes entre os que compartilham esta tese. Este afim1ava a existência de raças anatômicasegrande
parte dos brasileiros. Entre eles destaca-se SilvioRomero que
baseado
em
seus
mestres Taine, Renan, Gobineau,Comte, Spencer
e Darwin,afirmou
ainferioridade racial
do
brasileirobaseado no
seguinte raciocínio:“Do consórcio
da
velhapopulação
latinabestamente
atrasada,bestamente
infecunda, e
de
selvagens africanos,estupidamente índolentes, estupidamente
talhados para escravos, surgiu,
na
máxima
parte, este povo.” (Moreira Leite,1976:185 in Patto, 1993:66)
Silvio
Romero
exerceugrande
influência sobrealgumas
geraçoes de
intelectuais brasileiros, dentre elespodemos
destacarRaimundo
NinaRodrigues, professor
de
Medicina Legal naFaculdade
da
Bahia. lnfluenciado pelaprodução
intelectual daquele autor, dedicou-se ademonstração da
tesede
inferioridade racial
do
negro edo
mestiço.Seus
escritose
pesquisas foram muitorespeitados na
época
pelo rigorcom
que
eram
produzidos e por issomesmo,
marcaram
presençana formação de
todauma
geração
de
intelectuais muito lidos jáno
séculoXX
como
Euclidesda Cunha,
Oliveira Vianna, PauloPrado e
ArthurRamos.
Este últimomarcou
época
na literatura educacional brasileiraao
publicarseus
livrosEducação
e Psicanálise (1934) eA
CriançaProblema
(1939).Primeiramente esta inferioridade referia-se
ao
negro,ao
índio eao
mestiço e posteriormentecomeçou
a referir-seao
caboclo ouao
'caipira'."
O
preconceito secular contra
o
negro eo
mestiço, aplacado pela mistura recente
com
o europeu, volta~se então parao
caboclo aquem
não
restavanada
de
23
O
racismoenquanto
ideologia éum
componente que
ajuda ajustificar as diferenças entre as classes, principalmente nos países
em
que
adivisao
das
classes sociais tende a coincidircom
a divisaodas
raças. 'Transpondo
tais idéias para a educação, esta representaçãosocial
do
homem
do
campo
teriafundamento
científico,de
carátersegregacionista, o
que
facilmente apoiariauma
linhade
raciocínio na qualas
classesmenos
favorecidastêm
origem inferior,Sendo
sua origem inferior,seu
desempenho
também
o será l?lFrente
aos
altos indicesde
fracasso escolar na educação,uma
outra
abordagem
no
interiorda
visão organicistadas
aptidõeshumanas
tentoulocalizar
o problema
na própria criança, explicando o insucessotambém
atravésde
doenças.Buscou-se causas
e soluções médicas, a nivel organicistae
individual, para os problemas
de
origememinentemente
social, isentando, assim,de
responsabilidades, a instituição escolar e o sistemade
ensino.Esta visão biológica apontava a verminose, a desnutrição,
enfim,
uma
condição adversade saúde
como
uma
das causas
básicas danão
aprendizagem. Assim, tentava-se encontrar nas criançasuma
causa
orgânica que, inerente a elas, justificasse o seumau
rendimento.Os
médicos
atribuíram às“crianças desnutridas”
um
retardo mental,ou
seja, para estas crianças o fracassoescolar era sinônimo
de
deficiència intelectual.Segundo
Dornelles(1987)sabendo-
se que,no
Brasil,26,9%
das
criançasmorrem
até .umano
de
idade, eaproximadamente
45%
até os 5anos
e
sabendo
que 33,3%
das
criançascom
idade escolarnão
estão na escola, pode-seafirmar
que
os mais atingidos pelacrianças
com
desnutrição leve oufome
temporária, situaçõesnas
quaisnunca
secomprovou
interferência direta na aprendizagem.A
segunda
vertenteque
tentava explicar as dificuldadesde
aprendizagem
escolar, herdadada
psicologia eda
pedagogia, articula outras explicaçoes para o fracasso escolar.A
psicologia educacional, apoiadana
biologia, entendia ofracasso escolar
como
sendo
um
problema individualde cada
criança,que
infelizmente
não
possuia habilidades necessárias para serum
bom
aluno. Esta eratratada
como
portadorade
problemas psicológicos sensoriais ou neurológicos,caso
não
conseguisse aprender “o que” a escola pretendia ensinar.O
problemaera atribuído exclusivamente
ao
aluno e os diagnósticossucediam-se
numa
abordagem
psicológica individual.No
Brasil, a psicologianasceu no
meio
médico,“os primeiros trabalhos brasileiros
de
interessepsicológico foram teses
de
conclusãode
cursonas
Faculdadesde
Medicinada
Bahia edo
Riode
Janeiro, ainda
na
primeirametade
do
séculopassado. "
PATTO(1
993176-77)Os
médicos-psicológos, daFaculdade
de
Medicinado
Rio ,desenvolviam trabalhos sobre a
mente
humana
eseus
desvios,numa
abordagem
neurofisiológica, neuropsiquiátrica e psicofisiológica;
enquanto
que,na
Faculdadecriminologia e higiene mental. Assim, estabeleceu-se. progressivamente, a
classificação
das
criançasque
fracassam na escola: “os anormais escolares”.A
avaliação dos 'anormais' escolares tornou-se durante muitotempo
sinônimode
avaliação intelectual.Foram
muitos os psicólogosque
empenharam-se
na pesquisade
instrumentosde
avaliaçãodas
aptidões,que
pudessem
verificar seum
indivíduo era intelectualmente mais aptoque
outro.Os
testes
de
Q.l. adquiriramum
grandepeso nas
decisõesdos educadores
a respeitodo destino escolar
de
grandes contigentesde
criançasque
conseguiam
teracesso
à escola.
As
idéias psicanalíticascomeçaram
a circularnos meios
psiquiátricos brasileiros a partir
de
1914.A
incorporaçãodessas
idéiasmudou
não
só a visão
de doença
mentalcomo
asconcepções
correntes sobre ascausas
das
dificuldadesde
aprendizagem.A
consideraçãoda
influência ambiental sobreo
desenvolvimentoda
personalidade nos primeirosanos de
vida, e a importânciaatribuida ã
dimensão
afetivo-emocionalna
determinaçãodo comportamento e
seus
desvios,provocaram
uma
mudança
de
terminologia no discurso educacional:de
anormal, a criançaque
apresentavaproblemas
de
ajustamentoou
de
aprendizagem
escolarpassou
a ser designadacomo
criança problema._ Arthur
Ramos, médico formado
pela Faculdadede
Medicinada
Bahia, adeptoda
passagem
do
conceitode
criança anormal parao de
criançaproblema
eda
mudança
de
focode
hereditariedade para o ambiente sócio-familiarnos
estudosdos
determinantes da personalidade, escreveu dois livros:Educação
país a respeito
de
problemasde
aprendizagem) ;e
A
Criança Problema(1939).Em
ambas
as obras é nítida a influênciado
modelo médico
definição e naoperacionalizaçao
de
uma
políticade
higiene mental escolarnas
principais cidadesbrasileiras, tal
como
ocorrera nasua
origem norte-americana.Esta política cria
uma
redede
clínicas psicológicas escolares,onde
as criançasque apresentavam
problemas naaprendizagem
e desajustamento escolareram
diagnosticadase
tratadas.Além
disso, geroutambém
uma
preocupação
com
a higiene mentaldo
professor ecom
apossibilidade
de seus
distúrbios emocionais interferirem negativamentena
saúde
mental
dos
alunos.Deste expressivo
movimento de submeter
a diagnósticosmédicos
as criançasque não
correspondiam às exigênciasdas
escolas, ou seja,desta tendência
de
psicologizar as dificuldadesde aprendizagem
escolar,professores,
são
apenas
mediadores,que
encaminham
os
alunos paraespecialistas
da
saúde
(médicos, psicólogos, fonaudiólogos, enfermeiros,nutricionistas e outros).
A
biologização,e
conseqüente
psicologizaçãoda
aprendizagem, escamoteia os determinantes políticos e
pedagógicos
do
fracassoescolar, isentando de' responsabilidades o sistema social vigente e a instituição
escolar nele inserida.
Os
distúrbiosde aprendizagem são
uma
das
formasde
expressãodessa
psicologizaçãoda educação
e maisespecificadamente
do
fracasso escolar.27
Segundo
Collares (1992), a expressão distúrbiosde
aprendizagem
refere-se auma
“anormalidade patológica por alteração violentana
ordem
natural da aprendizagem”. Ela remete aum
problema
ou,mais
claramente, auma
doença que
ocorreno
alunoem
nível individual orgânico.~
“...Os distúrbios
de aprendizagem sao
uma
construçãodo
pensamento
médico
.Surgem
como
entidades noso/Ógicase
persistem assim, até hoje,como
'doenças'neuroIÓgicas.( Collares, 1992:37)
Um
dos
distúrbiosde aprendizagem
mais freqüentementediagnosticados
na
criança é a D.M.C.(Disfunção
Cerebral Mínima).Segundo
Collares(1992),
essa
'doença' teria manifestações clínicascomo
hiperatividade,agressividade, dificuldade
de
aprendizagem, distúrbiosde
linguagem,incoordenação motora, déficit
de
concentração, instabilidadede
humor, baixatolerância a frustrações, entre outras.
A
longo prazo estas crianças,segundo
omodelo
médico, tenderiam a apresentar problemasde adaptação
social,com
comportamentos
anti-sociais, dificuldades escolares,abuso de
álcoole
drogasprincipalmente na adolescência.
Propõem-se
como
tratamento ouso de
drogasestimulantes e calmantes.
No
Brasil, a D.M.C.ou
hiperatividade,como
foi denominada,ganhou
popularidadequando
associada à questãodo
fracasso escolar. Tratou-sede
um
diagnóstico feito tanto por professores e paiscomo
por pediatras,neurologistas, psicólogos e psiquiatras.3
3
Para tentarmos entender o que é hiperatividade é preciso conhecer um pouco da sua origem e da sua história;
Esta teoria foi combatida
no
interiorda
medicina eda
psicologiadesde
o
seu início, por autores que, por outraconcepção de
ciência ede
mundo,
lutavam contra a biologizaçao
da
sociedade etentavam
encontrar os 'reais'determinantes
da
aprendizagem.Segundo
Collares (1992:42), o estudode
Gomez
(1967)demonstrou
a absoluta faltade
critério para o diagnósticode
D.M.C..Também
o
estudo
de
Conrad, (1977) teriaobservado
a discrepância no diagnósticode
hiperatividade nos diferentes sistemas sociais (família e escola).
A
hiperatividade,para este autor seria
um
comportamento
reacionalao
sistema socialem
que
vive a criança _ Istonão
implica dizerque
ela seja determinada pela situação ambiental,trata-se
porém de
uma
resposta explicitadaem
uma
determinada situação.Os
individuos,
embora
submetidos auma
mesma
situação ambiental,ao
experimentarem
modos
diferentesde
relações,expressam comportamentos
diferentes. Miller 1978, (in Collares,1992),
comparando
diagnósticos feitos pordiferentes profissionais para
uma
mesma
criança e as opiniõesde
adultosem
contato
com
as criançasque haviam
recebido diagnósticosde
D.M.C.,demonstrou
a discordânciade
diagnósticos e opiniões. Criticou a postura medicalizante dianteda
hiperatividade, namedida
em
que
a questionavacomo
doença. Para ele,tratava-se
de
um
comportamento de
origem emocional.As
relações intra-familiares, os conflitos entre
os
pais e a ansiedadedesencadeada nas
criançasseriam os pontos fundamentais na
gênese de comportamentos
hiperativos eagressivos. Shechter 1982, (in Collares,1992), analisou alguns pontos, fundamentais para ele, para a aceitação pela sociedade
da
medicalizaçãodo
comportamento
eda
aprendizagem, destacando: a) as alteraçõesda
estrutura29
familiar,
de agregada
para nuclear,e
oconseqüente
vazio na orientaçãodas
novas
familias sobre a criaçãodos
filhos, vazio rapidamenteocupado
pelosmédicos; b) a
formação
acríticadesse
profissional, que, pornem
reconhecersua
falta
de
condições para lidarcom
esse
tipode
questões, utilizaem
seu
estudo oraciocínio clinico, biológico; c) a existência precoce
de
terapêuticamedicamentosa,
descoberta 20anos
antesda
definiçãoda
sindrome clínica.\a _ , . .
Podemos
afirmar, então,que
opeso
atribuido a raça e ahereditariedade (visão organicista)
na
explicaçãodo
fracasso escolar diminuiupassando
a ser substituído por explicaçõesmais
relacionadas às influënciasambientais
ou
culturais.Ou
seja,da afirmação da
existênciade
raças inferiorespassa-se para a
afirmação de
grupos familiares patológicos ede
ambientessociais atrasados
que produzem
crianças desajustadas e problemáticas. Estavisão colaborou para a elaboração
da
teoriada
"carência cultural":“Essa teoria teve origem
nos Estados
Unidos,na
primeirametade
do
séculoXX
e
suas
manifestaçõesno
Brasilpodem
serlocalizadas
no
finalda década de
40,como
atesta o escritode
Ofélia BoíssonCardoso, 'O
Problema da
Repetênciano
BrasíI', publicado
em
1949.” (inBROTHERHOOD,
1993:1 1)Uma
visão geraldas
idéias fundamentais desta teoria leva à conclusãode que
a criança provenientedas
classes populares apresentaum
desenvolvimento fisico, social, intelectual e emocional insatisfatório,em
As
explicaçõesdadas
pelos teóricos desta linhade
pensamento,
para o desenvolvimentoinadequado
das
criançasdas
classes populares,que
seria acausa de
seu fracasso,são
muito amplas,embora
estejamligadas a
alguma
formade
'pobreza'do
ambiente inicialdessas
crianças.Constatou-se portanto,
que
fracassada era a criança pobre; logo,a
'pobreza'passou
a ser consideradacomo
responsável por talfenômeno.
Nos
estudos sobre o fraco desenvolvimentodas
crianças'pobres', dentro
do paradigma
desta teoria, diversas variáveis foram enfocadas porseus
teóricos: as deficiëncias perceptivas,de
atenção,de
socializaçãode
aprendizagem
ede
deficiência verbal, os problemasde saúde
emá
nutrição,de
instabilidade na estrutura familiar, entre outras.
No
interior desta teoria dizia-seque
estas crianças provinham deum
ambiente cultural desfavorecido, inferior,portanto pobre
em
estímulose
vivências,que não
favoreciam o seu desenvolvimento.Em
nome
dessa
'carência cultural' foram organizados inúmerosprojetos
de educação
compensatórianos
Estados Unidose no
Brasil,com
oobjetivo
de
dotar as crianças de origem social mais baixado
'mesmo
currículo'desenvolvido por
seus
colegasde
classe média,de
modo
a tornar asua
escolarização mais bem, sucedida.“A nível social e institucional tais
programas
teriam portanto,como
finalidade
mais
ampla, o desenvolvimento'
global
do
país viasuperação da
pobrezae
do
descontentamento
social”.Na
literatura consultada,há
indíciosde que
estes projetosnão
apresentaram
resultados satisfatórios, servindo para marcar ainda mais a.-
discriminaçao e
conseqüente
seletividade social:Tanto a visão organicista
como
a visão ambientalistado
desenvolvimentohumano,
embora
guardando
diferenças entre si,têm
em
comum
apresentar na escola
decorrem de
distúrbios contraídos fora dela,“A aceitação
que
esta explicaçãodo
fracasso escolar
das
criançasdas
classes subalternas encontrouno
Brasil é compreensívelpor
vários motivos: continhauma
visãode
sociedadenão
negadora
do
capitalismo; atendiaaos
requisitos
daprodução
científica, talcomo
esta era
predominantemente
definidanesta época; vinha
de
encontroàs
crenças arraigadasna
cultura brasileira arespeito
da
incapacidadede
pobres,negros e mestiços; reforçava
as
'explicações
do
Brasil”, entãoem
vigor,segundo as
quaiso
subdesenvo/vimentoeconômico
mergulhara, infelizmas
fatalmente, significativa parcela
da
população
numa
indigência intelectuale
cultural, cuja reversão era
proclamada
como
imprescindívelao
'milagrebrasileiro'; finalmente
ao
ressaltar a pobreza esuas
mazelas, atraiu a atençãoexatamente
dos
educadores
mais
sensíveisao problema das
desigualdadessociais
mas
pouco
instrumentadosteoricamente,
em
decorrênciadas
lacunas de suaformação
intelectual, para fazer acritica deste discurso ideológico”. (Patto, 1993:94)
desresponsabilizando a escola
no
processode
exclusãodos
alunosque
apresentam
“dificuldades”.› Mais recentemente é
que
aparticipação
da
própria escolapassa
a ser enfatizadanos
estudos,como
sepode
percebernos
trabalhosde
Poppovic
(1981),Rosenberg
(1984),Domelles
(1987), Freitas (1988),Soares
(1989) , Patto (1990) , Benavente(1994), entre outros.
Poppovic
(1981) colocaque
o fracasso é o resultadode
um
inter-relacionamento malsucedido entreo
alunoda
classe populare
a instituiçãoescolar.
A
escola precisa entender seu papel socialnuma
sociedadede
gruposmuito diversificados.
Para
tanto, precisa rever,estudando
eadequando
à população aquem
deve
sen/ir, asnormas
práticas escolares, talscomo
critériosde
promoçao,
currículos, exigênciasde
avaliação, programas, preparodos
professores, etc..Além
disso, é necessáriotambém que
a instituição escolar~
'reanalise os padrões
que
propoe,baseados
em
valores, critérios e aspiraçõesde
classe média, à qual
pertencem
.seus próprios técnicose
professores. Istonão
significa,
segundo
Poppovic,uma
propostade
rebaixamentode
nível para aspopulaçoes mais prejudicadas
economicamente.
Ao
contrário,é
necessáriointerferir na escola para
que
ela semodifique
tendocomo
propósito o atendimentodas metas que
todas as criançasdevem
alcançar enão
tentandocompensar
eventuais deficiências
dos
alunos. Esta linhade
pensamento
defende
que:uz . .
e preciso garantir a todos seja qua/ for
sua origem
ou
competência econômicas,o
direito
ao
conhecimento,que
é aherança
dos
homens
eseu
patrimôniomais
fundamental, e,também,
o direitode usar
este
conhecimento
para inten/irna
33
Rosemberg
(1984)em
seu trabalhode
pesquisa descreve aclientela
do
primeiro grauda
rede pública estadualda Grande
São
Paulo quanto asua
origem social e rendimento escolar,buscando
estabelecer associações, entreesses
aspectos.Além
disso, traçaum
breve perfildas
instituiçõesonde
estesalunos estão matriculados e investiga a influência
de algumas
caracteristicasdessas
escolas sobre o rendimentode
alunosde
diferentes origens sociais.Para esta autora, a origem social indica as possibilidades
que
afamília
tem de
manter a criança na escola, o tipode
alimentação e cuidadoscom
asaúde
recebidos pela criança,além
de
um
padrãode
estimulação intelectual,desenvolvimento
de
habilidades e atitudes, código lingüístico,enfim,
os valoresculturais característicos
do
grupo social aque
pertence.Assim
compreendida, aorigem social vai influir
não apenas no
tempo
de permanência da
criança naescola,
mas também
em
algumas
características individuais fortementerelacionadas
com
osucesso
escolar,como
o desenvolvimento cognitivo, amotivação para aprender, o autoconceito, etc.
Para a maioria
das
crianças pobres, a escola representa a única fontede
informações sobrequase
tudo. Isto porque as condiçõesde
vidadessas
famílias
não
lhes permitem desenvolver o tipode comunicação
valorizado pelaescola.
Também
as tarefas nas quais estas crianças se envolvem,em
casa,são
bem
diferentesdas
que
a escola solicita e reconhece.Os
conteúdos escolaressão
desconhecidos
pela maioriadessas
famílias, cujosmembros,
em
geral, foramaluno,
mais
baixasas
notas obtidas emais
altas as porcentagensde
repetência,especialmente nas séries iniciais.
Considerando
ainda, que,independentemente da
origem social,a reprovação acarreta prejuízos à
auto-imagem
do
alunoe
a repetiçãode
conteúdos já apresentados
pode
levarao
desinteresse e à apatia,Rosemberg
acredita
na
possibilidadede que
existauma
associação entre repetência anteriore
uma
nova
repetênciaou evasão
.z
Os
dados da sua
pesquisaconfirmam
a influênciados
fatoresintra-escolares na determinação
do
destino escolarda
clientela, especialmenteaquela
de
origem social mais desfavorecida.Segundo
a autora:“As escolas
onde estudam
as criançasmais desfavorecídas
economicamente são
asque contam
com menos
recurso:duração
da
jomada
mais
curta,número de
tumos
maior
-o que
implicamaiores
díficu/dades administrativas e pedagógicas.” (Rosemberg, 1984: 73)
Rosenberg
destaca ain_da,que
justamente as criançasque
necessitam
de
melhores condições para o seu desenvolvimento escolar,são
asque
recebem
menos.
importante a contribuição destas
duas
autoras (Poppovic eRosenberg)
porquechamaram
a atenção sobre o papelda
escolano
fracassoescolar.