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Memórias autobiográficas episódicas do quotidiano e bem-estar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

Memórias Autobiográficas Episódicas do Quotidiano e

Bem-Estar

Susana Patrícia Félix Vaz

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

(Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicoterapia

Cognitiva-Comportamental e Integrativa)

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

Memórias Autobiográficas Episódicas do Quotidiano e

Bem-Estar

Susana Patrícia Félix Vaz

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Nuno Miguel da Silva Conceição

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

(Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicoterapia

Cognitiva-Comportamental e Integrativa)

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Agradecimentos

Ao Professor Doutor Nuno Conceição pelo apoio e conhecimentos transmitidos. Pela disponibilidade a qualquer hora, pela confiança em mim depositada, pela liberdade concedida e pelas inúmeras trocas de ideias e discussões produtivas onde me fez ir sempre mais longe;

Aos meus pais, irmãs e sobrinhos, que me acompanharam de perto neste processo. Pela compreensão face aos inúmeros dias de trabalho, pelo interesse constante e pela força e confiança transmitidas;

Aos meus colegas de tese, pela partilha de forças, de conhecimentos, de dores e de descobertas. Pela transformação de momentos de frustração em momentos de riso, por tornarem tudo mais fácil e nunca deixarem que me sentisse sozinha. Por estarem lá mesmo quando as frustrações eram mais minhas do que deles. Por me apoiarem, ouvirem e proporcionarem momentos de clareza em momentos de confusão;

Aos meus amigos com os quais partilhei o meu interesse e entusiasmo bem como cada pequena descoberta ao longo da jornada que foi para mim esta investigação. Aos que me desafiaram intelectualmente, aos que se mostraram disponíveis para tudo, aos que me apoiaram, que me ouviram e me transmitiram a força necessária principalmente na etapa final. E aos que nunca duvidaram de mim;

Ao António Oliveira, Daniela Pacheco e Guilherme Serôdio a quem não posso agradecer o suficiente. Os que ao aceitarem e tão bem cumprirem o desafio por mim proposto de serem os cotadores secundários, deram a este estudo incontáveis horas do seu tempo e ainda infindáveis horas de sabedoria partilhada, colocando-me ainda mais em contacto com o método em questão, fazendo crescer em mim dúvidas e soluções, criando e resolvendo problemas;

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Ao Dr. Brian Levine do Rotman Research Institute, que tão atenciosamente acedeu ao meu pedido e comigo partilhou o método e todo o material sem o qual esta investigação tal como é não existiria;

À Professora Doutora Ana Luísa Raposo pela disponibilidade na partilha do seu conhecimento que serviu como rampa de lançamento para esta investigação;

À Música que me acompanhou nas intermináveis horas de trabalho, de pesquisa, de escrita, de cotação de memórias e de análise dos dados. Que acalmou estados de desespero e que me inspirou;

E por último, mas sem dúvida não menos importante, um especial agradecimento a todos os participantes sem os quais esta investigação não seria possível. Aos que me mostraram um espírito de entreajuda enorme. A todos os que comigo partilharam um pouco de si, aos que partilharam dores, aos que partilharam alegrias, que me fizeram sentir cada participante como único, cada ser humano como tão complexo e profundo, mesmo na mais pequena situação. Aos que me fizeram perceber o ínfimo que representa aquilo que nos é visível e o infinito que nos é, tantas vezes, invisível ao olhos, levando-me a viver cada memória…

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Resumo

A relação entre as memórias autobiográficas e perturbações afetivas como a depressão tem sido amplamente investigada. Estes estudos têm evidenciado cada vez mais a importância do papel desempenhado pelas memórias autobiográficas episódicas nesta área. Apesar da relação deste tipo de memórias com o funcionamento saudável ter também ganho relevância ao longo do tempo, verifica-se ainda uma carência de investigação. O presente estudo teve como objetivo melhor compreender relação entre as memórias autobiográficas episódicas e os seus componentes e diferentes graus de bem-estar. Para tal, um total de 108 participantes preencheram uma adaptação da Entrevista Autobiográfica (Levine, Svoboda, Hay, Winocur, & Moscovitch, 2002) seguida de um conjunto de 7 escalas com o intuito de medir o bem-estar psicológico, subjetivo, satisfação das necessidades psicológicas, distress psicológico e traços mindfulness. Os resultados sugerem uma relação entre o nível de bem-estar e os componentes episódicos, mas não semânticos da memória autobiográfica. Verificam-se assim diferenças significativas entre grupos nas variáveis episódicas globais, com os indivíduos com níveis reduzidos de bem-estar global a apresentar memórias com um maior número de detalhes episódicos e maior riqueza episódica. Os dados sugerem ainda relações significativas entre a qualidade das emoções desagradáveis, perceções, e pensamentos em pelo menos uma das memórias. Todos estes componentes, mas não a qualidade das emoções agradáveis, se mostraram contribuir significativamente para a variância do total de detalhes internos e riqueza episódica. Estes resultados sugerem assim a especificidade das memórias desagradáveis como possíveis promotoras de regulação emocional em indivíduos saudáveis com níveis de bem-estar reduzidos.

Palavras-Chave: memória autobiográfica, entrevista autobiográfica, componentes episódicos, bem-estar, regulação emocional.

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Abstract

The relationship between autobiographical memory and affective disorders such as depression has been widely investigated. These studies have

increasingly demonstrated the importance of the role played by episodic

autobiographical memories in this area. Even though the relationship between this type of memory and healthy functioning has also gained its relevance over time, there’s still a lack of investigation. The present study aimed to better understand the relationship between episodic autobiographical memory and its components and different levels of well-being. A total of 108 participants filled an adaptation of the Autobiographical Interview (Levine, Svoboda, Hay, Winocur, & Moscovitch, 2002) followed by 7 questionnaires in order to measure psychological and subjective well-being, psychological need satisfaction, psychological distress and mindfulness traits. The results suggest a relationship between well-being and episodic but not semantic components of autobiographical memory. There were significant differences between groups in global episodic variables, with individuals with low levels of global well-being reporting greater episodic details and episodic richness in their memories. Data also suggest a significant relationship between the quality of unpleasant emotions, the quality of perceptions and the quality of thoughts in at least one of the memories. All of these components but not the quality of pleasant emotions showed to significantly contribute to the variance of internal details and episodic richness. These results suggest the specificity of unpleasant memories as possible promoters of emotional regulation in healthy individuals with low levels of well-being.

Keywords: autobiographical memory, autobiographical interview, episodic components, well-being, emotional regulation.

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Índice

Introdução ... 1

Memórias Autobiográficas Nas Perturbações Afetivas ... 4

Memórias Autobiográficas No Bem-Estar... 6

Método ... 9

Participantes ... 9

Procedimento ... 9

Acesso às memórias autobiográficas... 10

Medidas de bem-estar... 14

Resultados ... 15

Análise das Memórias Autobiográficas ... 15

Análise das Medidas de Bem-Estar ... 16

Detalhes Internos e Externos das Memórias Autobiográficas no Bem-Estar ... 17

Riqueza Episódica das Memórias Autobiográficas no Bem- Estar ... 18

Diferentes Componentes Episódicos Das Memórias Autobiográficas No Bem-Estar 18 Diferenças Entre Grupos Nas Variáveis Da Memória Episódica: Bem-Estar Global Elevado e Bem-Estar Global Reduzido ... 21

Discussão ... 24

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Correlações Entre Variáveis de Bem-Estar ... 17 Tabela 2 - Correlações Entre Componentes Episódicos da Primeira Memória e Totais Globais ... 19 Tabela 3 - Correlações Entre Componentes Espisódicos da Segunda Memória e Totais Globais ... 19 Tabela 4 - Correlações Entre Componentes Espisódicos da Primeira Memória e Variáveis de Bem-Estar ... 20 Tabela 5 - Correlações Entre Componentes Específicos da Segunda Memória e Variáveis de Bem-Estar ... 20 Tabela 6 - Resultados da Análise Multivariada de Variâncias (MANOVA) Unidirecional Para Cada Componente da Primeira Memória ... 22

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Índice de Figuras

Figura 1. Médias dos dois grupos para as diferentes variáveis de bem-estar ... 23 Figura 2. Médias dos dois grupos para o Total de Detalhes Internos. ... 23 Figura 3. Média dos dois grupos para as diferentes variáveis qualitativas das memórias ... 24

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Índice de Anexos

Anexo A - Estatísticas Descritivas ... 43

Anexo B - Consentimento Informado ... 45

Anexo C - Questionário Sociodemográfico... 46

Anexo D - Escala de Bem-Estar Psicológico ... 47

Anexo E - Escala de Florescimento Psicológico ... 49

Anexo F - Escala de Satisfação com a Vida ... 50

Anexo G - Escala de Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas ... 51

Anexo H - Escala de Estados de Atenção e Consciência Plena ... 52

Anexo I - CORE-5 ... 53

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“That's what the world is, after all: an endless battle of contrasting memories.” ― Haruki Murakami

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Introdução

Para além da importância e valor idiossincrático inegável das memórias autobiográficas para a vida de cada um de nós, também na investigação esta área tem sido alvo de um crescimento exponencial.

Conway e Rubin (1993) definem a memória autobiográfica como a memória relacionada com os eventos de vida de cada um. Tal como sugerido no modelo hierárquico self-memory system (SMS) de Conway e Pleydell-Pearce (2000), estas memórias não são apresentadas como representações perfeitas dos eventos específicos mas sim, reconstruídas pelo sujeito a partir do seu conhecimento autobiográfico. Este modelo destaca o papel do self e dos objetivos ativos do indivíduo neste tipo de memórias. Os autores propõem assim a existência de um self de trabalho que compreende uma hierarquia motivacional de objetivos e sub-objetivos do sujeito. Este self de trabalho encontra-se aliado a uma base de conhecimento autobiográfico que possui, no topo da sua hierarquia, um conhecimento conceptual de factos gerais e informação avaliativa acerca de si, constituído por temas e períodos de vida. Num nível intermédio, encontram-se as representações dos eventos autobiográficos gerais (repetidos ou estendidos no tempo). Estas duas estruturas do topo e nível intermédio da hierarquia formam em conjunto o self conceptual. É então sugerida a ação conjunta destas estruturas do self de trabalho e conceptual como reguladoras da retenção das memórias a longo prazo, bem como o ato de relembrar. A nível mais específico encontram-se as memórias episódicas, nas quais se foca o presente estudo. (Conway, 2005; Conway & Jobson, 2012; Conway & Pleydell-Pearce, 2000).

Rubin e colaboradores desenvolveram um modelo da memória autobiográfica com o intuito de considerar e integrar todos os sistemas, o “modelo dos sistemas básicos”. Entre eles destacam-se a memória do evento; procura e recuperação da

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mesma; visão; audição; tato; olfato; paladar; imagens espaciais; linguagem; emoção; narrativa; cinestesia; dor; funcionamento vestibular e motricidade. Procuram assim englobar os julgamentos fenomenológicos e metacognitivos do ato de reviver na compreensão destas memórias. O autor defende que apenas através desta interação poderemos ter uma compreensão mais próxima e fiel da complexidade, flexibilidade e dinâmica das memórias autobiográficas tal como ocorrem em “meio natural”. (Rubin, 2006; Rubin, 2012).

Assim sendo, uma das diferenças que se tem demonstrado tanto robusta como frutífera na área trata-se da diferenciação entre a memória semântica, onde podemos inserir os factos acerca do self e do mundo, e a memória episódica. Esta última engloba eventos específicos que ocorreram num tempo e espaço únicos. Recordar o primeiro tipo de informação (semântica) não depende da recuperação de experiências particulares, estando ligada a uma simples noção de familiaridade ou de “saber”, denominada consciência noética. Já a recordação de informação episódica passa por uma sensação de “relembrar”. Tulving propõe o conceito de consciência autonoética como propriedade deste tipo de memórias (Tulving, 1985). Estas duas noções de “saber” e “relembrar” são facilmente dissociáveis (Gardiner, 2001). Assim, numa sensação de “relembrar” a recuperação depende da recordação da experiência de aprendizagem, ou seja, do evento prévio no qual o indivíduo estava presente, bem como dos detalhes fenomenológicos associados, num re-experienciar deste evento passado. Esta experiência é denominada “viajar mentalmente no tempo” permitindo-nos recordar eventos passados com grande nitidez e detalhes espácio-temporais, sensoriais, afetivos e percetuais ricos e vívidos (Tulving, 1985). As memórias episódicas podem ainda ser re-experienciados de uma perspetiva de campo, em que o indivíduo “vê” a cena do mesmo ponto de vista com que originalmente o experienciou, ou uma perspetiva de observador,

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na qual este se posiciona do ponto de vista de um observador externo (Nigro & Neisser, 1983). As memórias mais recentes, assim como as memórias emocionais tendem a ser relembradas de uma perspetiva de campo (Holland & Kensinger, 2010).

As memórias autobiográficas desempenham diversas funções, podendo a mesma memória, desempenhar várias funções diferentes (Bluck, 2003)A formulação inicial de Pillemer engloba a função do self, função comunicativa e função diretiva (Pillemer, 1992 citado por Bluck, 2003). Mais tarde, Bluck e Alea propuseram três funções mais gerais. De forma sumária, estas memórias desempenham um papel fulcral no conhecimento de si no passado, auxiliando consequentemente a projeção de si no futuro, o sentimento de coerência, continuidade e ainda a preservação e desenvolvimento do autoconceito, desempenhando assim uma função do self. Este tipo de conhecimento desempenha também uma função social, ao permitir o desenvolvimento, manutenção e fortalecimento dos laços. Por fim, uma função diretiva é evidenciada através do papel destas memórias na resolução de problemas presentes e na previsão de eventos futuros (Bluck, 2003; Bluck & Alea, 2002). Ainda que não seja considerada como função primária, a interação entre estas memórias e a emoção desempenha um importante mecanismo através do qual estas funções primárias são servidas, nomeadamente no uso destas memórias para a auxiliar a sua sensação de bem-estar atual através da regulação emocional, tal como desenvolvido mais à frente (Bluck, 2003).

Todos estes fatores anteriormente mencionados demonstram a enorme pertinência desta área. A sua relação forte com o self e com a emoção envolve as memórias autobiográficas episódicas, quer na psicopatologia, quer no funcionamento saudável.

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Memórias Autobiográficas Nas Perturbações Afetivas

Tal como referido por Waters (2014), uma falta de acesso adequado ao conhecimento autobiográfico tem sido relacionado com a psicopatologia. Vários estudos demonstram que em perturbações afetivas tais como a depressão (e.g.: Brewin, Reynolds & Tata, 1999; Kuyken & Brewin, 1995; Park, Goodyer & Teasdale, 2002; Williams et al., 2007; Williams & Broadbent, 1986), perturbações alimentares (Dalgleish et al., 2003) e pós-stress traumático (e.g.: Dalgleish et al., 2008; McNally, Lasco, Macklin & Pitman, 1995) os indivíduos apresentam uma redução na especificidade dos eventos autobiográficos relembrados, ou seja, uma dificuldade acrescida na recuperação de memórias autobiográficas de eventos únicos. Em vez disso, os indivíduos tendem a recuperar representações de eventos sumários de ocorrências semelhantes e repetidas. Este efeito tem sido referido como “efeito de memória supergeneralizada”. Um dos mecanismos propostos como estando subjacente a este efeito passa pelo evitamento funcional, ou seja, pela consideração de que, manter-se neste nível geral de (não) especificidade, permite ao indivíduo evitar o relembrar de detalhes específicos e dolorosos, minimizando as suas emoções desagradáveis (e,g.: Berntsen & Rubin, 2012; Holland & Kensinger, 2010; Williams et al., 2007), bem como o evitar de memórias intrusivas (e.g.: Brewin, Reynolds & Tata, 1999; Kuyken & Brewin, 1995; Spenceley & Jerrome, 1997). Ainda assim, e tal como referido por Lemogne, Piolino e Jouvent (2006), não é ainda claro se este efeito se apresenta como causa ou efeito da depressão, sendo no entanto considerado um marcador de vulnerabilidade. Chega a ser proposto que um estilo de memória supergeneralizada possa aumentar o afeto negativo (Philippot, Baeyens, Douilliez & Francart, 2004). Verifica-se na depressão o fenómeno de congruência entre a valência do estado de humor e das memórias relembradas, pela maior probabilidade dos sujeitos relembrarem

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experiências desagradáveis (e.g.: Nandrino, Pezard, Posté, Réveillère & Beaune, 2002; Watkins, Mathews, Williamson & Fuller, 1992). É ainda hipotetizado que este viés se deva a um conceito do self que tende a ser maioritariamente também “negativo” (Dalgleish & Watts, 1990). Também ainda à luz deste efeito, verifica-se então que o “efeito de memória supergeneralizada” anteriormente referido se verifica também na recordação de eventos agradáveis, onde os sujeitos diagnosticados com depressão se demonstraram frequentemente incapazes de relembrar memórias específicas de eventos agradáveis, relembrando em vez disso memórias gerais (Moore, Watts & Williams, 1988). Mais recentemente verificou-se que os indivíduos diagnosticados com depressão relembram um número total de detalhes internos (episódicos, diretamente relacionados com o evento) mais baixo que o grupo controlo, não se verificando esta diferença no número de detalhes externos (semânticos e/ou não diretamente relacionados com o evento), demonstrando que apenas a memória episódica, mas não semântica, se encontra comprometida (Söderlund, et al., 2014). Na memória episódica verifica-se uma diminuição da especificidade dos detalhes, consciência autonoética e memórias relembradas através de uma perspetiva de campo, em memórias agradáveis (Lemogne et al., 2006). Os mesmos resultados se verificaram em indivíduos com níveis elevados de evitamento cognitivo (Lemogne et al., 2009).

Tal como apontado por Berntsen e Rubin (2012), estes estudos têm demonstrado assim a sua relevância para a prática clínica, ao aprofundar o conhecimento e compreensão das várias perturbações. Apesar deste grande foco na psicopatologia, existe também outro foco em crescimento: a memória autobiográfica e sua relação com o funcionamento saudável, isto é, com o bem-estar psicológico.

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Memórias Autobiográficas No Bem-Estar

No que toca à estrutura básica do bem-estar subjetivo, a discussão tem-se centrado, ao longo dos anos, na distinção entre afeto positivo e negativo e satisfação com a vida (e.g.: Bradburn, 1969; Diener & Emmons, 1984; Stock, Okun, & Benin, 1986). Ryff (1989) propõe 6 dimensões do bem-estar psicológico, sendo elas a auto-aceitação, relações positivas com os outros, autonomia, domínio do meio, objetivos na vida e crescimento pessoal. Já Ryan e Deci (2000) propõem a Teoria da Auto-Determinação que põe em evidência a importância de 3 necessidades psicológicas na promoção do bem-estar psicológico: autonomia, competência e relações de pertença. Cada vez mais estudos utilizam uma conceptualização denominada “flouriscing”, integrando as perspetivas hedónica e eudaimonica do bem-estar, revistas por Ryan e Deci (2001), numa tentativa de captar uma visão mais holística do conceito. Enquanto a primeira dá ênfase às experiências de prazer, contentamento e satisfação (bem-estar subjetivo); a última foca a importância das experiências de desenvolvimento pessoal, autorrealização e sentido de vida (bem-estar psicológico).

Estudos têm também evidenciado as capacidades mindfulness como preditores de bem-estar (e.g.: Caldwell, Emery, Harrison & Greeson, 2011; Howell, Digdon, Buro & Sheptycki, 2008). O conceito de mindfulness é definido como a capacidade de trazer de forma consciente, a completa atenção para a experiência que está a ocorrer no momento presente, sem julgar e numa postura de aceitação (Kabat-Zinn, 2003).

O constructo de bem-estar tem assim vindo a ser de interesse crescente e a demonstrar a sua importância, nomeadamente devido à relação estabelecida entre o bem-estar e diversos marcadores de saúde física (e.g.: Friedman et al., 2005; Ryff, Singer & Love, 2004; Urry, et al., 2004). Tal como referido anteriormente, Bluck (2003) releva o papel destas memórias na regulação emocional. Neste âmbito,

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evidencia-se nomeadamente o papel das memórias agradáveis na manutenção de uma imagem “positiva” de si e do mundo, construção de recursos pessoais e sociais (Rasmussen & Berntsen, 2009). Tudo isto promove, tal como proposto inicialmente por Taylor e Brown (1988), uma adaptação do indivíduo a longo prazo, evidenciando consequentemente o papel fulcral destas memórias na promoção da saúde-mental e do bem-estar, objetivos fundamentais para o ser-humano.

Apesar da relação entre emoção e memória ser ainda um tópico em discussão, no geral, os indivíduos tendem a relembrar mais memórias agradáveis que desagradáveis (Walker et al., 2003). Para além disto, as primeiras tendem a ser mais claras, vívidas, a conter mais detalhes contextuais e fenomenológicos e a promover um maior sentido de “viajar mentalmente no tempo” (e.g., Andersson et al., 2006; Bohn & Berntsen, 2007). As memórias desagradáveis e/ou com implicações desfavoráveis para a visão do self são geralmente relembradas como sendo mais distantes no tempo (Ross & Wilson, 2002). Já as memórias agradáveis são reportadas como tendo um impacto emocional mais duradouro e intenso na forma como as pessoas se sentem (Collins, Pillemer, Ivcevic, & Gooze, 2007).

Também os estados de humor poderão facilitar a recuperação de memórias de valência congruente (Bower, 1981). No entanto, este efeito tem sido maioritariamente verificado para estados de humor “positivos” (Isen, 1985). No que toca a estados de humor “negativos” estudos demonstram que a recordação de memórias de valência incongruente, ou seja, agradável, poderá ser utilizada de forma a reparar estes estados de humor (Josephson, Singer & Salovey, 1996). Da mesma forma uma maior especificidade da recordação do evento pode “amortecer” a intensidade da experiência emocional (Philippot, Schaefer, & Herbette, 2003). Pasupathi sugere, ainda neste âmbito, a existência de uma constância das emoções agradáveis mas uma diminuição

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das emoções desagradáveis entre memórias do evento inicial e do evento recontado. Estes mecanismos parecem facilitar uma avaliação emocional e autorregulação (Pasupathi, 2003).

Indivíduos com níveis mais elevados de bem-estar relembram mais eventos agradáveis que desagradáveis (Garcia, 2014). Foi ainda verificado que temas de “redenção” (quando memória passa de desagradável para agradável) e “contaminação”, (a passagem inversa), se relacionam com maiores e menores níveis de bem-estar, respetivamente (Philippe, Koestner, Beaulieu-Pelletier & Lecours, 2011). Temas de “agência” referindo-se a objetivos individuais estão por sua vez relacionados com uma satisfação mais transitória do que temas de “comunhão”, ou seja, de cooperação e de relacionamento com os outros, que se relacionam com um bem-estar global (Bauer & McAdams, 2004). Já memórias autobiográficas relacionadas com temas intrínsecos (como ajudar os outros), mas não extrínsecos (como ser popular), estão associada com o bem-estar subjetivo (Lekes, Guilbault, Philippe & Houle, 2014). Também memórias referentes à satisfação das necessidades contempladas por Ryan e Deci (2000) na sua Teoria da Auto-Determinação apresentam uma correlação moderada com medidas de bem-estar (Philippe et al., 2011). Memórias de ruturas relacionais estão relacionados com a quantidade de distress que os indivíduos experienciam (Blagov & Singer, 2004). Da mesma forma, resoluções bem-sucedidas de experiências de vida difíceis estão relacionadas com níveis superiores de satisfação com a vida (Pals, 2006).

Desta forma e para além dos fatores já mencionados, tal como afirmado por Henriques, Kleinmen & Asselin (2014), o conceito de bem-estar apresenta-se talvez como um dos conceitos mais fundamentais na prática da psicologia, tendo em conta o seu objetivo central ao serviço do bem-estar do ser-humano. Assim, tal como o crescente interesse verificado no âmbito das memórias autobiográficas episódicas na

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patologia, considero igualmente pertinente a colocação do foco da investigação deste tipo de memórias no funcionamento saudável. Este estudo tem então como objetivos explorar a relação entre diferentes níveis de bem-estar e as memórias autobiográficas episódicas e os seus componentes. Com base nos estudos empíricos para a patologia surge a hipótese de que indivíduos com níveis de bem-estar mais elevados apresentem um maior número de detalhes internos e uma maior riqueza episódica na descrição das suas memórias. Hipotetiza-se ainda que não se verifiquem diferenças no número de detalhes externos. Por fim averiguar-se-ão diferenças entre grupos na qualidade dos detalhes das diferentes categorias de detalhes internos.

Método Participantes

Os participantes foram recrutados on-line através da divulgação de um link para a plataforma Qualtrics. Participaram um total de 108 indivíduos maiores de 18 anos e fluentes na língua portuguesa. Destes foram retirados 5 pela ausência de memórias. Foram então incluídos no presente estudo um total de 103 participantes, 34 do sexo masculino (33,0%) e 69 do sexo feminino (67,0%), com idades compreendidas entre os 18 e os 59 anos (M=25,69; DP=9,096). A maioria dos participantes eram de nacionalidade portuguesa (96,1%), 2 participantes de nacionalidade brasileira (1,9%), 1 de nacionalidade mexicana (1,0) e 1 de nacionalidade moçambicana (1,0%). Quanto às habilitações literárias, a grande maioria possuía o grau de Licenciatura (49,5%), 32 o 12º ano (31,1%), 19 o Mestrado (18,4%) e 1 o 9º ano (1,0%).

Procedimento

Os participantes deveriam ler e aceitar primeiramente um consentimento informado onde era explicitado o caracter voluntário da participação bem como uma

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breve explicação do estudo e das suas implicações. De seguida era preenchido um questionário sociodemográfico com questões acerca dos seus dados pessoais tais como idade, sexo, nacionalidade, habilitações literárias, profissão e área de estudos (no caso de habilitações literárias iguais ou superiores a Licenciatura). Cada participação teve uma duração aproximada de 40 minutos.

Acesso às memórias autobiográficas.

Tal como apontado por Berntsen e Rubin (2012), meios cada vez mais sofisticados de conceptualizar e medir a especificidade das memórias têm sido desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo do tempo, melhorando consideravelmente a forma como acedemos aos vários componentes das memórias autobiográficas episódicas.

Foi então utilizada uma adaptação da Entrevista Autobiográfica (Levine et al., 2002). Ao invés de um estrito recuperar de informação, este método permite-nos o acesso a memórias episódicas baseadas num re-experienciar de um evento pessoal único, localizado no tempo e no espaço. Para além da especificidade do evento, este método procura aceder à experiência subjetiva de relembrar, focando os elementos e detalhes fenomenológicos que tornam o evento único. Este método assenta por isso nos conceitos de consciência autonoética e de viajar mentalmente no tempo. Estas medidas têm-se ainda demonstrado em consonância com as medidas de atividade cerebral subjacente, que indicam o recrutamento de regiões cerebrais relacionadas com aspetos como a emoção, memória e sensações durante o ato de relembrar (Daselaar, Rice, Greenberg, et al., 2008).

Tendo em vista a diferenciação inicialmente proposta por Tulving (1985), esta metodologia permite derivar as diferentes contribuições episódicas e semânticas das memórias autobiográficas.

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Nesta adaptação e tendo em conta os objetivos do estudo foram solicitadas duas memórias por participante, de um único período de vida restrito (memórias de eventos recentes que tivessem ocorrido durante um intervalo de 4 meses – de Janeiro a Abril (inclusive) do presente ano). A participação foi levada a cabo on-line através da plataforma Qualtrics. Desta forma qualquer pessoa interessada e que cumprisse os requisitos do estudo poderia participar através de um link. A recolha de dados foi iniciada em Junho para que existisse pelo menos um mês (Maio) de intervalo, de forma a diminuir a probabilidade da ocorrência de efeitos de recência. A recolha foi feita numa única fase por memória, na qual se procurou reunir as pistas necessárias à obtenção de memórias autobiográficas episódicas com as características anteriormente referidas.

Os participantes tinham assim a instrução seguinte: “Vamos solicitar-lhe que relembre com a maior precisão possível 2 eventos que viveu este ano entre Março e Junho, inclusive, que os localize aproximadamente no tempo e no espaço. Deverá relembrar eventos que duraram menos de um dia (i.e. alguns segundos, minutos ou horas) e que ocorreram apenas uma vez. Relembre eventos agradáveis e/ou desagradáveis, em que se apercebeu de algo dentro de si ou à sua volta, que foi captando a sua atenção. Irá descrevê-los um de cada vez e não poderá retroceder uma vez que avance para a página seguinte. Se relembrar, por exemplo, deslocações na cidade, deverá evitar descrições gerais. Queremos que relembre um determinado evento concreto que ocorreu num dia específico dessas deslocações.” De seguida era pedido aos participantes que descrevessem um primeiro evento através das seguintes instruções “Foque a sua atenção no primeiro evento agradável e/ou desagradável, certifique-se que o viveu este ano entre Março e Junho (inclusive), que durou menos de um dia, e que ocorreu apenas uma vez. Certifique-se que escolhe um evento em que se apercebeu de algo dentro de si ou à sua volta, que foi captando a sua atenção. Descreva este evento o

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mais pormenorizadamente possível. Deverá evocar o máximo de detalhes possível como se estivesse a reviver o momento agora. Para tal, segue-se uma lista de perguntas às quais deverá tentar responder: o que aconteceu?; onde, quando e em que parte do dia ocorreu?; quais foram as suas emoções, pensamentos, imagens, sensações corporais e comportamentos?; o que notou a nível de audição, visão, olfato, taco, ou paladar?; qual o grau de vitalidade, energia ou movimento?; quem estava presente? qual o contexto ou circunstâncias?; como é que se desenrolou a experiência?; o que aconteceu antes e depois do evento?” Uma instrução idêntica era dada para a descrição de um segundo evento.

Posteriormente, numa escala de “Nunca”; “Uma vez”; “Algumas vezes” e “Muitas vezes”, os participantes deveriam selecionar, para cada memória, um número estimado de vezes que terão contado o evento.

Cotação.

A cotação foi feita com base no “Autobiographical Interview Scoring Manual” (Levine et al., 2002) cedido pelos autores. De forma a aceder à interrater reliability, 10% das memórias foram aleatoriamente selecionadas e cotadas por outros três cotadores independentes. Tanto a cotadora principal como os restantes se encontravam familiarizados com o manual, tendo também realizado um período de treino através da cotação de memórias previamente cotadas pelos autores, tal como contemplado no método original. O coeficiente de correlação intraclasse para medidas únicas teve um valor de .874, indicando uma forte concordância entre os quatro cotadores.

A cotação engloba scores tanto quantitativos como qualitativos. Assim, cada memória foi segmentada e categorizada nas diferentes categorias (detalhes do evento, detalhes espaciais, detalhes temporais, detalhes percetuais, emoções agradáveis, emoções desagradáveis e pensamentos). Os detalhes destas categorias poderiam

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inserir-se na categoria de detalhes internos (quando diretamente relacionados com o evento principal), ou externos (quando não relacionados diretamente com o evento principal, por exemplo, quando o sujeito contextualizava o evento principal, recorrendo à recordação de um outro evento). Ficamos assim com uma divisão em detalhes do evento interno/detalhes do evento externo; detalhes espaciais internos/detalhes espaciais externos, e por daí em diante. Foi ainda criada a categoria “outros” que pretendeu englobar os detalhes externos originalmente cotados como “detalhes semânticos”, “repetições” e “outros”, onde foram inseridos todos os detalhes que não cumprissem os requisitos episódicos (pertencentes a um evento situado no espaço e tempo, com duração inferior a um dia).

Este procedimento permitiu, para cada memória, a obtenção de scores quantitativos, ou seja, número de detalhes existentes em cada uma das categorias anteriormente mencionadas. Foram ainda criados dois totais (total de detalhes internos e total de detalhes externos), através da soma dos detalhes internos e externos presentes em cada memória, respetivamente.

Tendo em conta os objetivos do estudo alguns ratings qualitativos originais foram eliminados. A cotação qualitativa baseou-se apenas na qualidade dos detalhes internos, ou seja, relacionados com o evento principal. Este procedimento seguiu as seguintes linhas gerais, detalhadas e especificadas no manual de cotação: “3 pontos: Descrição rica, altamente específica, evocativa e/ou vívida que aparenta emergir de uma sensação de re-experienciar; 2 pontos: Descrição detalhada, menos rica; 1 ponto: Descrição limitada a informação geral, não específica, ainda que de natureza episódica; 0 pontos: Não menciona informação relativamente à categoria ou apresenta uma resposta baseada em conhecimento semântico e não na memória episódica” (Levine, et al., 2002)

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Cada memória foi assim cotada relativamente à qualidade dos seus detalhes internos percetuais, emoções agradáveis, emoções desagradáveis, pensamentos e riqueza episódica. Este último contempla, por sua vez, uma qualidade global de detalhes episódicos e sensação de re-experienciar presente na memória (único score alargado para uma escala de 0-6). Era ainda cotada a existência ou não de uma integração da memória no tempo (se o sujeito contextualiza o que se passou antes e/ou depois do evento principal).

Medidas de bem-estar.

Foram posteriormente introduzidas um total de 7 escalas com o objetivo de medir os diferentes tipos de bem-estar, satisfação e frustração das necessidades psicológicas, traços mindfulnes e distress psicológico.

Escala de bem-estar psicológico.

A Escala de Bem-Estar Psicológico (Ryff, 1989; versão portuguesa de Novo, Duarte-Silva & Peralta, 2004;) constituída por 18 itens distribuídos pelas 6 dimensões do bem-estar eudamónico já referidas: autoaceitação, relações positivas com os outros, autonomia, domínio do meio, objetivos na vida e crescimento pessoal. Teve como objetivo medir o bem-estar psicológico de cada indivíduo.

Escala de florescimento psicológico.

A Escala de Florescimento Psicológico (Diener, et al., 2010) constituída por 8 itens acerca da autoperceção do sujeito relativamente a áreas como relações interpessoais, autoestima, objetivos e otimismo.

Escala de satisfação com a vida.

A Escala de Satisfação com a Vida (Diener et al., 1985) que permitiu aceder a um bem-estar hedónico através de 5 itens relacionados com a satisfação com a vida.

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Escala de necessidades psicológicas básicas.

A Escala de Necessidades Psicológicas Básicas (BMPN) (Sheldon & Hilpert, 2012; versão portuguesa de Cordeiro, Paixão, Lens, Lacante e Sheldon, 2016) que, através de 18 itens, teve como objetivo a avaliação do grau de satisfação e frustração das necessidades psicológicas básicas previstas na Teoria da Autodeterminação: Autonomia, Competência e Relações de Pertença (Ryan & Deci, 2000).

Escala de atenção e consciência plena.

A Escala de atenção e consciência plena (Brown and Ryan, 2003; versão portuguesa de Gregório e Pinto-Gouveia, 2013), uma escala composta por 15 itens, com o objetivo da medição da frequência de estados mindful tanto em situações gerais como específicas do quotidiano.

CORE-5.

O CORE-5, escala composta por 5 itens, com o intuito de medir distress psicológico do sujeito, cobrindo as dimensões de ansiedade, depressão e funcionamento.

Escala do afeto positivo e negativo (PANAS).

Por fim, a Escala do Afeto Positivo e Negativo (Watson, Clark & Tellegen, 1988; versão portuguesa de Galinha, Pereira & Esteves, 2014) permitiu a medição do bem-estar subjetivo do indivíduo através das dimensões de afeto positivo (AP), e negativo (AN). Foi utilizada uma reduzida composta por 10 itens.

Resultados

Análise das Memórias Autobiográficas

Foram contempladas na análise estatística um total de 206 memórias, provenientes de 103 participantes. A análise abrangeu categorias quantitativas e qualitativas. Nas primeiras incluem-se os totais de detalhes internos e os totais de

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detalhes externos presentes nas memórias. Uma vez que ambas as categorias possuíam uma correlação forte entre os resultados obtidos na primeira e na segunda memória, verificando-se valores de (.726) e (.526) respetivamente, ao nível de significância p<0.01, foram utilizados os valores médios dos resultados das duas memórias.

Já nas categorias qualitativas, foi analisado um fator global de riqueza da memória, através da categoria Riqueza Episódica. Também nesta foi verificada uma correlação forte entre valores da primeira e da segunda memória (.772), considerando-se também uma média de resultados para as duas memórias.

Ainda a nível qualitativo foram contempladas categorias de qualidade de componentes episódicos específicos. Inseriram-se assim na análise ratings da qualidade das perceções, emoções agradáveis, emoções desagradáveis e pensamentos. Uma vez que não se verificou uma correlação significativa entre todos os componentes para as duas memórias, estas foram analisadas em separado.

Análise das Medidas de Bem-Estar

Relativamente às escalas aplicadas todas elas apresentaram um alfa de Cronbach superior a .7, indicando a sua consistência interna. À semelhança de estudos anteriores e de acordo com as dimensões previstas na literatura, a variável Bem-Estar Subjetivo foi calculada através da soma das médias das variáveis Afeto Positivo e Satisfação Com a Vida e subtração da média da variável Afeto Negativo (e.g.: Garcia, 2014). As correlações entre estas variáveis encontram-se apresentadas na Tabela 1.

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Tabela 1

Correlações Entre Variáveis de Bem-Estar

1 2 3 4 5 6 7 1.BEP - 2.BES .807** - 3. FP .836** .806** - 4.SNPB .672** .723** .765** - 5.FNPB -.683** -.639** -.633** -.495** - 6.EACP .482** .391** .420** .343** -.535** - 7.DP -.772** -.816** -.788** -.678** .657** -.452** -

Nota. ** p < 0.01; BEP = Bem-Estar Psicológico; BES = Bem-Estar Subjetivo; FP = Florescimento Psicológico; SNPB = Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas; FNPB = Frustração das Necessidades Psicológicas Básicas; EACP = Estados de Atenção e Consciência Plena; DP = Distress Psicológico

Detalhes Internos e Externos das Memórias Autobiográficas no Bem-Estar

A relação entre o total de detalhes internos e externos e as diferentes variáveis de bem-estar foi primeiramente explorada através de coeficientes de correlação.

Verificaram-se correlações negativas moderadas entre o Total de Detalhes Internos e as variáveis Bem-Estar Subjetivo (-.306) e Florescimento Psicológico (-.306). Verificou-se ainda uma correlação negativa fraca com a variável Bem-Estar Psicológico (-.276) e uma correlação positiva fraca com a variável Distress Psicológico (.275), a um nível de significância p<0.01. Estes resultados indicam por isso, através do cálculo do coeficiente de determinação, uma variância partilhada de cerca de 9.4%, entre o Total

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de Detalhes Internos e o Bem-Estar Subjetivo/Florescimento Psicológico, e 7.6% entre a mesma variável da memória e o Bem-Estar Psicológico e Distress Psicológico.

Relativamente ao Total de Detalhes Externos não se verificaram correlações significativas com as diferentes variáveis de bem-estar ao nível de significância p<0.01.

Riqueza Episódica das Memórias Autobiográficas no Bem- Estar

A relação entre a Riqueza Episódica das memórias e as diferentes variáveis de bem-estar foi também primeiramente explorada através de coeficientes de correlação.

Verificaram-se assim correlações significativas com todas as variáveis de bem-estar: correlações negativas fracas com Bem-Estar Psicológico (-.241), Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas .225) e Estados de Atenção e Consciência Plena (-.223) a um nível de significância p<0.05. Verificam-se ainda correlações negativas fracas com o Florescimento Psicológico (-.297) e o Bem-Estar Subjetivo (-.299) e correlação positiva moderada com o Distress Psicológico (.300) a um nível de significância p<0.01. Estes resultados indicam por isso, através do cálculo do coeficiente de determinação, uma variância partilhada de cerca de 5.8%, 5.1%, 4.9%, 8.8%, 8.9% e 9%, respetivamente, entre a Riqueza Episódica das memórias e as variáveis de bem-estar anteriormente referidas.

Diferentes Componentes Episódicos Das Memórias Autobiográficas No Bem-Estar

A relação entre os diferentes componentes episódicos foi, numa fase inicial, averiguada através de coeficientes de correlação separadamente para cada memória (Tabelas 2 e 3). De seguida, foi investigada a sua relação com as variáveis de bem-estar (Tabelas 4 e 5).

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Tabela 2

Correlações Entre Componentes Episódicos da Primeira Memória e Totais Globais

1 2 3 4 5 6

1.Total de Detalhes Internos -

2.Riqueza Episódica .839** - 3.Perceções .442** .599** - 4.Emoções Agradáveis .041 .051 -.047 - 5.Emoções Desagradáveis .393** .355** .138 .001 - 6.Pensamentos .453** .412** .138 -.039 .324** - Nota. **p<0.01; *p<0.05 Tabela 3

Correlações Entre Componentes Espisódicos da Segunda Memória e Totais Globais

Nota. **p<0.01; *p<0.05

1 2 3 4 5 6

1.Total de Detalhes Internos -

2.Riqueza Episódica .839** -

3.Perceções .641** .679** -

4.Emoções Agradáveis .076 .030 .054 -

5.Emoções Desagradáveis .403** .410** .308** -.059 -

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Tabela 4

Correlações Entre Componentes Espisódicos da Primeira Memória e Variáveis de Bem-Estar

Nota. ** p < 0.01; *p<0.05; BEP = Bem-Estar Psicológico; BES = Bem-Estar Subjetivo; FP = Florescimento Psicológico; SNPB = Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas; FNPB = Frustração das Necessidades Psicológicas Básicas; EACP = Estados de Atenção e Consciência Plena; DP = Distress Psicológico

Tabela 5

Correlações Entre Componentes Específicos da Segunda Memória e Variáveis de Bem-Estar

Nota. *p<0.05; BEP = Bem-Estar Psicológico; BES = Bem-Estar Subjetivo; FP = Florescimento Psicológico; SNPB = Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas; FNPB = Frustração das Necessidades Psicológicas Básicas; EACP = Estados de Atenção e Consciência Plena; DP = Distress Psicológico

BEP BES FP SNPB FNPB EACP DP

Perceções -.175 -.158 -.185 -.212* .176 -.214* .281** Emoções Agradáveis .224* .299** .204* .283** -.188 .113 -.262** Emoções Desagradáveis -.231* -.265** -.227* -.125 .063 -.040 .205* Pensamentos -.121 -.094 -.102 -.018 .028 -.228* .074

BEP BES FP SNPB FNPB EACP DP

Perceções -.100 -.201* -.127 -.089 .113 -.085 .153 Emoções Agradáveis .153 .145 .111 .059 -.106 .039 -.141 Emoções Desagradáveis -.187 -.252* -.233* -.194 .111 -.045 .191 Pensamentos -.035 -.062 -.054 -.050 -.069 -.091 .076

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Diferenças Entre Grupos Nas Variáveis Da Memória Episódica: Bem-Estar Global Elevado e Bem-Estar Global Reduzido

Foi posteriormente criado um Índice de Bem-Estar Global, abrangendo as variáveis Bem-Estar Psicológico e Bem-Estar Subjetivo, segundo o qual se procedeu à divisão da amostra em dois grupos. Foram comparados os dois extremos da mesma: Indivíduos com Estar Global Elevado (M=6.68, DP=.46) e Indivíduos com Bem-Estar Global Reduzido (M=3.48, DP=.98). Esta comparação foi levada a cabo através de análises de variância (ANOVA) unidirecionais com o objetivo explorar o impacto do Bem-Estar Global no Total de Detalhes Internos e Riqueza Episódica.

Foram verificadas diferenças significativas entre grupos no Total de Detalhes Internos [F(1,67)=5.0, p=.028] e na Riqueza Episódica [F(1,67)=4.9, p=.03]. Estes resultados indicam um maior número de detalhes internos assim como uma maior riqueza episódica nos indivíduos com níveis reduzidos de bem-estar global. O tamanho do efeito foi verificado através do cálculo do eta quadrado (η2), traduzindo um efeito médio do Bem-Estar Global quer no Total de Detalhes Internos, quer para a Riqueza Episódica (η2=0.7).

Uma análise multivariada de variâncias (MANOVA) unidirecional foi realizada com o intuito de explorar diferenças entre os grupos de bem-estar global na qualidade dos diferentes componentes episódicos da memória (perceções, emoções agradáveis, emoções desagradáveis e pensamentos). Tendo em conta a já referida ausência de correlações significativas para alguns dos componentes entre a primeira e a segunda memória, estas foram analisadas em separado. Foram então verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os indivíduos com níveis de bem-estar global elevado e indivíduos com níveis de bem-estar global reduzido na qualidade dos

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componentes episódicos para a primeira (F (4,64)=3.11, p=0.21; Lambda de Wilks=.837; eta parcial quadrado=.163) mas não para a segunda memória (F (4,64)=1.82, p=.135; Lambda de Wilks=.898, eta parcial quadrado=.102). Ao considerar os resultados separadamente para cada componente episódico da primeira memória, utilizando a correção de Bonferroni de forma a reduzir a probabilidade de ocorrer um erro tipo 1, obteve-se um alfa ajustado de .013, pelo que nenhum dos componentes atingiu significância estatística (Tabela 6).

Tabela 6

Resultados da Análise Multivariada de Variâncias (MANOVA) Unidirecional Para Cada Componente da Primeira Memória

Componentes df F ηp2 Sig.

Perceções 1 .530 .008 .469

Emoções agradáveis 1 5.65 .078 .020

Emoções desagradáveis 1 6.14 .084 .016

Pensamentos 1 .814 .012 .370

Na Figura 1,2 e 3 são consideradas, para ambos os grupos, as médias de cada uma das variáveis de bem-estar, total de detalhes internos e variáveis qualitativas das memórias, respetivamente.

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24,79

19,64

T D I

Bem-Estar Global Reduzido Bem-Estar Global Elevado

4,79 32,09 31,85 3,34 9,82 6,21 39,06 22,06 4,27 3,11 F P S N P B F N P B E A C P D P

Bem-Estar Global Reduzido Bem-Estar Global Elevado

Figura 1. Médias dos dois grupos para as diferentes variáveis de bem-estar FP=Florescimento Psicológico; SNPB=Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas; FNPB=Frustração das Necessidades Psicológicas Básicas; EACP=Estados de Atenção e Consciência Plena; DP=Distress Psicológico

Figura 2. Médias dos dois grupos para o Total de Detalhes Internos. TDI=Total de Detalhes Internos

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3,87 1,97 1,91 0,74 0,79 1,59 1,29 1,7 4 1,79 3,24 1,3 8 1,54 1,37 1,2 0,86 0,71 1,51 1,71 R E ( 1 ) P C ( 2 ) P C ( 1 ) E A ( 2 ) E A ( 1 ) E D ( 2 ) E D ( 1 ) P S ( 2 ) P S

Bem-Estar Global Reduzido Bem-Estar Global Elevado

Figura 3. Média dos dois grupos para as diferentes variáveis qualitativas das memórias (1)=Memória 1; (2)=Memória 2; RE=Riqueza Episódica; PC=Perceção; EA=Emoções Agradáveis; ED=Emoções Desagradáveis; PS=Pensamentos.

Discussão

Este estudo teve como objetivos explorar a relação entre diferentes níveis de bem-estar e as memórias autobiográficas episódicas e os seus componentes.

Tal como esperado, todas as variáveis de bem-estar se correlacionam entre si de forma forte ou moderada, verificando-se relações positivas entre variáveis contributivas para os níveis de bem-estar (Bem-Estar Psicológico e Subjetivo, Florescimento Psicológico, Satisfação das Necessidades Psicológicas Básicas e Estados de Atenção e Consciência Plena) e negativas com as variáveis de Distress Psicológico e Frustração das Necessidades Psicológicas Básicas. Estes resultados apontam assim a consistência destes dados, no acesso aos níveis de bem-estar dos participantes. As correlações moderadas emergiram com a variável Estados de Atenção e Consciência Plena, sendo esta, contributiva mas não diretamente medidora de bem-estar.

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Os resultados obtidos face às memórias sugerem a existência de uma relação significativa entre as variáveis de bem-estar e a componente episódica, mas não semântica da memória autobiográfica. Estas ocorrem quer a nível quantitativo, como indicado pela variável Total de Detalhes Internos, quer qualitativo, como demonstrado pela variável Riqueza Episódica.

Contrariamente ao inicialmente hipotetizado, verifica-se que indivíduos com níveis de bem-estar global mais elevados apresentam um menor número de detalhes episódicos bem como uma menor riqueza episódica nas suas memórias. Já os indivíduos com menores níveis de bem-estar global, apresentam um número significativamente maior de detalhes internos e uma maior riqueza episódica, demonstrando nas suas memórias um maior sentido de re-experienciar, através do recriar do contexto percetual, cognitivo e/ou emocional do evento passado. A Riqueza Episódica correlacionou-se significativamente com todas as variáveis de bem-estar, evidenciando a relação da qualidade das memórias com o funcionamento saudável.

Voltando à hipótese inicialmente proposta, esta encontrou o seu fundamento no papel das memórias agradáveis na manutenção do bem-estar, pela contribuição de uma imagem “positiva” de si e do mundo, construção de recursos pessoais e sociais (Rasmussen & Berntsen, 2009), promovendo, tal como proposto inicialmente por Taylor e Brown (1988), uma adaptação do indivíduo a longo prazo e promoção da saúde-mental. Estes dados fariam assim prever uma maior e mais rica descrição de memórias agradáveis para indivíduos com níveis de bem-estar elevados. Tal como já mencionado, esta hipótese não se verificou. Posto isto, o carácter das memórias solicitadas (memórias recentes de situações quotidianas) poderá emergir como explicativo destes resultados, pela ausência de memórias significativas para o self e para a construção de uma imagem “positiva” de si durante o intervalo de tempo estipulado.

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Por outro lado, esperar-se-ia também um maior evitamento de emoções dolorosas e, consequentemente menor número de detalhes e riqueza episódica, em indivíduos com menores graus de bem-estar. Tal não foi igualmente verificado. Enquanto estudos anteriores realizados neste âmbito com indivíduos diagnosticados com depressão, apontam no sentido do evitamento funcional por parte dos mesmos (e,g.: Berntsen & Rubin, 2012; Holland & Kensinger, 2010; Williams et al., 2007), este evitar do relembrar de detalhes dolorosos específicos não parece ocorrer em indivíduos saudáveis. William, Stiles e Shapiro (1999) propõem o fenómeno da memória supergeneralizada como mecanismo protetor de emoções dolorosas associadas a memórias específicas. Para além da associação desde efeito como marcador de vulnerabilidade da depressão (Lemogne, Piolino & Jouvent, 2006), Williams, Teasdale, Segal e Souslby (2000) associam o desenvolvimento de um modo de recordação específica de memórias autobiográficas com um menor risco de recaída. Estes dados poderão ser assim potencialmente explicativos da ausência deste efeito numa amostra de indivíduos maioritariamente saudável. Também a diminuição da consciência autonoética verificada em indivíduos com níveis elevados de evitamento cognitivo (Lemogne et al., 2006; 2009), não parece verificar-se em indivíduos saudáveis.

Ao averiguar individualmente cada componente episódico verifica-se a ausência de correlações entre as emoções agradáveis e qualquer outro componente. Em adição, estas não surgem como tendo um efeito significativo na variância do total de detalhes internos ou da riqueza episódica. Por outro lado, todos os outros componentes (Perceções, Emoções Desagradáveis e Pensamentos) surgem como contributivos para a variância das duas categorias globais, correlacionando-se ainda de forma significativa entre si, em pelo menos uma das memórias. As emoções agradáveis e desagradáveis foram os componentes que mais se correlacionaram (de forma positiva e negativa,

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respetivamente) com as escalas de bem-estar. Estas duas variáveis são também as mais próximas da significância na divisão por grupos, com indivíduos com níveis de bem-estar elevados a possuir uma maior qualidade de emoções agradáveis na sua descrição e, por outro lado, indivíduos com níveis de bem-estar reduzidos, a possuir uma maior qualidade de emoções desagradáveis. Este facto vai de acordo com estudos anteriores (e.g.: Garcia, 2014), corroborando ainda o efeito de congruência do humor (Bower, 1981). Ainda na verificação das diferenças entre grupos de indivíduos com diferentes níveis de bem-estar, os sujeitos com níveis de bem-estar global reduzidos apresentam, para além de uma maior qualidade na descrição das emoções desagradáveis, uma maior qualidade de perceções e pensamentos para ambas as memórias, demonstrando descrições mais ricas, específicas, evocativas e/ou vívidas destes componentes. Apesar destas diferenças não atingirem significância estatística, podem ser elucidativas da relação encontrada entre o bem-estar e as memórias autobiográficas.

Tal como já evidenciado por Bluck (2003), as memórias autobiográficas desempenham um papel significativo nos mecanismos de regulação emocional. Contrariamente aos resultados obtidos por Josephson, Singer e Salovey (1996), não se verifica a recordação de memórias de valência incongruente (agradável), de forma a reparar estados de humor “negativos”. Desta forma, tendo em mente os resultados obtidos por Philippot, Schaefer e Herbette (2003), com eventos do quotidiano, surge um potencial papel desempenhado pelas memórias autobiográficas desagradáveis nos mecanismos de regulação emocional. Os estudos levados a cabo por estes autores evidenciam as diferenças que o nível de especificidade da recordação do evento apresenta na intensidade emocional. Assim, uma recordação geral do evento, caracterizada por um modo geral de processamento da informação emocional, leva a que os participantes reportem níveis semelhantes de intensidade emocional quer quando

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o evento ocorreu, quer após a sua recordação. Por outro lado, um modo específico de recordação e consequentemente de processamento da informação emocional resulta numa diminuição da intensidade da mesma após a recordação do evento. Estes resultados estão assim de acordo com a relação encontrada entre emoções desagradáveis, pensamentos e perceções. Nas memórias, tanto os pensamentos como as perceções emergiam dando profundidade, riqueza e especificidade à emoção. A título de exemplo surgem expressões como “Acordei ansiosa, com algum receio (…) numa revolução corporal entre a garganta e o estômago (…) e a minha garganta (mais que o estômago) implora de ansiedade.”; “As lágrimas eram tantas que deixei de ver (…) senti-me como se tivesse sido atropelada, com dores no corpo, dores de cabeça, olhos inchados (…) sentia um aperto no coração”; “Estava a espetar-me uma faca figurativa na barriga e eu quase que conseguia mesmo sentir, estava agoniada e parecia que me faltava o ar.”; “Não queria chorar, não queria mais coisas a acontecerem (…) eu ainda não tinha assimilado essa realidade e ainda tinha mais para digerir.”; “Congelei por dentro, perdi completamente a fome e não consegui parar de pensar nisso (…) o mundo é um sítio podre!”. Já a relação destes componentes com as emoções agradáveis não se verificou significativa, corroborando novamente os dados encontrados por Philippot e colaboradores (2003). Sumarizando, contrariamente aos mecanismos de evitação utilizados na patologia, indivíduos saudáveis com níveis de bem-estar global reduzidos, parecem utilizar a especificidade do evento como “amortecedor” da intensidade da experiência emocional desagradável, corroborando a denominada “hipótese da inibição estratégica” (Philippot, Schaefer & Herbette, 2003). Estes dados assumem relevância na prática clínica, como possível estratégia de regulação emocional e promoção de bem-estar.

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Ainda assim, mais estudos serão necessários face à exploração desta relação encontrada, entre um maior número de detalhes internos e maior riqueza episódica global e o seu potencial papel na regulação emocional de indivíduos saudáveis com bem-estar global reduzido. Algumas limitações são então encontradas neste estudo. Primeiramente, e através da observação das estatísticas descritivas das variáveis, assim como das diferenças obtidas para cada variável entre os dois grupos, evidencia-se a homogeneidade da amostra. Tanto o grupo de indivíduos com bem-estar elevado como reduzido apresentam, na grande maioria das variáveis de bem-estar, valores médios situados acima da mediana da escala. Já para o distress psicológico, ambos os grupos se encontram abaixo da mediana. Observando as diferenças entre grupos é também possível notar a reduzida discrepância entre valores para estas mesmas variáveis. Este facto poderá ter dificultado a visualização de diferenças entre grupos, bem como a emergência de diferenças significativas. Através da análise das médias para cada variável mnésica da Figura 3, nota-se também a discrepância reduzida entre valores. A homogeneidade da amostra também relativamente à sua composição na sua maioria por jovens adultos com estudos superiores, limita a sua generalização para outras faixas etárias e/ou tipos de escolaridade. Tendo em conta, por sua vez, os recursos existentes e os objetivos estipulados, optou-se por uma recolha on-line, de duas memórias para apenas um período de vida. Ao contrário de uma participação presencial como contemplada no método original, não foram dadas pistas personalizadas por participante, que promovessem uma elaboração e maior especificação da memória caso este não o fizesse inicialmente. Desta forma, apesar de uma maior objetividade pela apresentação das mesmas instruções perante todos os participantes, diferentes níveis de motivação entre sujeitos poderão ter tido influência nos resultados obtidos. Neste seguimento parece verificar-se um desinvestimento face à ultima memória. No geral,

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para além de valores maioritariamente mais baixos nas variáveis mnésicas, quando comparado com a primeira memória, também as correlações verificadas entre os componentes episódicos e as variáveis de bem-estar, deixam na sua maioria de atingir a significância estatística, o que leva à necessidade de uma interpretação cuidada destes resultados observados. A recolha de apenas duas memórias de um único período de vida, poderão também limitar a quantidade e consistência de informação recolhida. Por fim, é ainda importante refirir as limitações do preenchimento exclusivo de questionários de auto-relato num único momento específico, pela sua suscetibilidade a vieses de eventuais variáveis estranhas.

Relativamente a direções futuras, serão certamente necessárias novas investigações que colmatem as limitações do estudo atual. Desta forma uma replicação deste estudo utilizando o método completo desenvolvido por Levine et al. (2002), com a obtenção de mais memórias por participante, de vários períodos de vida e através de uma participação presencial, permitirá um melhor averiguar das diferenças encontradas. Para além disso surge a importância de uma análise face a uma amostra mais representativa de diferentes faixas etárias, diferentes níveis de escolaridade e com maior amplitude de valores de bem-estar. Estudos mais aprofundados serão também necessários de forma a melhor compreender a possível relação encontrada entre a especificidade das memórias desagradáveis e o seu papel na regulação emocional por parte de indivíduos saudáveis e as suas potenciais implicações, nomeadamente para a prática clínica.

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Figura 3. Média dos dois grupos para as diferentes variáveis qualitativas das memórias  (1)=Memória  1;  (2)=Memória  2;  RE=Riqueza  Episódica;  PC=Perceção;  EA=Emoções  Agradáveis; ED=Emoções Desagradáveis; PS=Pensamentos
Tabela II
Tabela III

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