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A descriminalização: uma visão dos consumidores

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Academic year: 2021

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Avisos legais

O conteúdo desta dissertação reflete as perspetivas, o trabalho e as

interpretações do autor no momento da sua entrega. Esta dissertação pode conter incorreções, tanto conceptuais como metodológicas, que podem ter sido identificadas em momento posterior ao da sua entrega. Por conseguinte, qualquer

utilização dos seus conteúdos deve ser exercida com cautela.

Ao entregar esta dissertação, o autor declara que a mesma é resultante do seu próprio trabalho, contém contributos originais e são reconhecidas todas as fontes

utilizadas, encontrando-se tais fontes devidamente citadas no corpo do texto e identificadas na secção de referências. O autor declara, ainda, que não divulga na

presente dissertação quaisquer conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de autor ou de propriedade industrial.

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Agradecimentos

À Sara Carreira por me acompanhar há 20 anos nesta caminhada que é a vida e por ainda hoje ter paciência para “hibernar”  comigo.  Obrigada  por  todos  os  chás!

Ao meu pai por através das suas conversas ter despertado em mim o bichinho por tudo ao que à legalidade tange. À minha mãe pelo seu humanismo e compreensão. Obrigada pelo vosso incondicional apoio mesmo quando o meu caminho se desviava daqueles idealizados.

Ao Professor Jorge Negreiros, não só pela sua orientação ao longo desta dissertação, mas também pelo constante questionamento que despertou em mim ao longo destes dois anos de mestrado.

Ao  “Anexo  4400”  por todas as gargalhadas de doer a barriga e por todas as noites sem as quais não mantinha a minha sanidade mental.

Um imenso obrigada a todos por fazerem parte do meu percurso e contribuírem, cada um do seu jeito único, para a pessoa que sou hoje.

Por fim a todos os consumidores que disponibilizaram um pouco do seu tempo para partilharem as suas experiências e sem os quais esta dissertação não era possível.

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Resumo

O presente estudo, enquadrado na tese de mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça, tem como foco os efeitos percebidos pelos consumidores de substâncias psicoativas da lei n.º 30/2000 que veio descriminalizar o consumo, posse e aquisição de estupefacientes. Assim o grupo a estudar serão os consumidores de estupefacientes. Pretende-se apreender a perceção dos consumidores no que diz respeito: ao conhecimento acerca da lei; grau de consonância entre a lei, objetivos do legislador, e perceção dos consumidores; adequação e eficácia das medidas terapêuticas e adesão a elas; perceção dos consumidores sobre as CDT; e preferência de regime legal. Para além de uma análise acerca da lei n.º 30/2000, os efeitos das sanções legais nos comportamentos e a teoria da dissuasão também serão abordadas.

Palavras-chave: Lei n.º 30/2000; Descriminalização; Estupefacientes; Consumidores.

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Abstract

The present study was done under the Psychology of Deviant Behavior and Justice Master’s  dissertation.  It  focuses on the effects perceived by consumers of psychoactive substances about the Law No. 30/2000 that decriminalized use, possession and acquisition of drugs. Therefore, the group under research is composed by drug users. We intend to seize the perception of consumers regarding: knowledge about the law; degree of consonance between the law, the legislator goals, and perceptions of consumers; adequacy and effectiveness of therapeutic measures and its adherence; consumers’ perception about CDT (Commissions for Dissuasions of Drug Addiction); and preferences about legal regime. Besides the review about the Law No. 30/2000, effects of legal sanctions on behavior and the deterrence theory will also be addressed in this research. Keywords: Law No. 30/2000; Decriminalization; Drugs; Consumers.

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Résumé

Cette étude a été réalisée dans la thèse de maîtrise en Psychologie du Comportement Deviant et de la Justice. Il se concentre sur les effets perçus par les consommateurs de substances psychoactives sur la Loi n° 30/2000, qui a décriminalisé la utilisation, possession et l'acquisition de drogues. Comme ça, le groupe à étudier sont des consommateurs de drogues. Nous avons l'intention de saisir la perception des consommateurs en ce qui concerne: la connaissance de la loi; degré de consonance entre la loi, les objectifs de législateur, et les perceptions des consommateurs; adéquation et l'efficacité des mesures thérapeutiques et son adhésion; perception des consommateurs à propos de les CDT (Commissions pour Dissuasions de la Toxicomanie); et ses préférences de régime legal. En plus de l'examen de la Loi n° 30/2000, les effets des sanctions juridiques sur le comportement et la théorie de la dissuasion seront également abordés.

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vi Índice Resumo ... iii Abstract ... iv Résumé ... v Índice ... vi Introdução ... 1 Revisão da literatura ... 3

1. A influência das normas legais nos comportamentos: ... 3

2. Mas o que ocorre quando o estatuto legal de uma substância se altera? .... 8

3. Como chegou Portugal a esta solução para a regulação dos consumos? ... 9

4. Reflexões nacionais e internacionais acerca da descriminalização ... 15

Tabela 1: ... 15

Tabela 2 ... 17

Objetivos do estudo e questões de investigação ... 18

Método ... 19 1. Amostra ... 24 2. Caracterização da amostra... 24 3. Técnica de amostragem ... 25 Figura 1 ... 26 Resultados ... 26

1. Conhecimento acerca da lei nº 30/2000 ... 28

2. Perceção das mudanças produzidas pela lei ... 29

2.1 Grau de consonância entre essas mudanças e os objetivos do legislador ... 29

3. Qual o regime legal preferido pelos consumidores - o anterior ou o atual .... 33

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5. A perceção dos consumidores sobre as CDT ... 35

Conclusões... 36 Referências ... 39 Anexo 1 ... 47 Anexo 2 ... 49 Anexo 3 ... 50 Anexo 4 ... 51 Anexo 5 ... 51

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Introdução

O presente estudo, enquadrado na tese de mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça, tem como foco os efeitos percebidos pelos consumidores de substâncias psicoativas da lei n.º 30/2000 que veio descriminalizar o consumo, posse e aquisição de estupefacientes.

A problemática em estudo mostra-se relevante não só para os investigadores da área da psicologia do comportamento desviante, e das drogas em particular, mas também para os profissionais dos centros de tratamento, equipas de rua e para os atores do sistema judicial e legisladores. Saber se a lei está a cumprir os seus objetivos – redução dos consumos, maior assistência aos consumidores problemáticos e não problemáticos, redução das consequências nefastas dos consumos – deveria revelar-se de extrema importância para aqueles que a construíram e para aqueles que a põe em prática.

As leis das drogas, em particular aquelas que incidem sobre os consumos destas, pretendem ter um impacto nos comportamentos das populações, com o grande objetivo de gerar padrões normativos (Quintas, 2000). Os consumidores são considerados um grupo de interesse nesta matéria visto entrarem em contacto direto, quer com as substâncias, quer com as mudanças produzidas pela lei. Nomeadamente ao nível das sanções que recaem sobre eles, que saem da alçada   da   lei   penal   e   passam   para   o   campo   das   “ordenações   sociais”   (Poiares,   2000). A lei n.º 30/2000, que entrou em vigor em junho de 2001, encontra-se hoje com 13 anos, pelo que os seus efeitos já tiveram tempo de produzir as alterações esperadas, revelando-se assim de grande importância o seu estudo, designadamente ao nível dos padrões de consumo, apesar da ressalva de diferentes autores (Quintas, 2000; Hughes e Stevens, 2007; MacCoun e Reuter, 2001) de que é impossível atribuir apenas às mudanças legais as alterações nos níveis de consumo; ao nível do impacto da lei n.º 30/2000 na intervenção, quer judicial, quer médico-psicológica com os consumidores, visto ter instaurado uma nova instância administrativa extrajudicial, as Comissões de Dissuasão da

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2 Toxicodependência (CDT), retirando assim da alçada dos tribunais os atos que configurem o ilícito (desjudicialização).

Assim o presente trabalho visa incidir sobre as consequências da lei n.º 30/2000 segundo o ponto de vista dos consumidores de substâncias psicoativas no que diz respeito às novas sanções, o impacto esperado desta lei nas suas vidas, a sua eficácia, e ainda relativamente aos contactos com o sistema de justiça e com as redes de tratamento.

A investigação qualitativa, no campo das drogas, pode servir múltiplos propósitos. Permite chegar a populações ocultas e estudá-las, compreender a experiência e significados do uso de drogas, o contexto social deste uso, informar e complementar investigações de carácter quantitativo, e por fim, permite o desenvolvimento de políticas e intervenções mais eficazes junto da população consumidora de substância psicoativas.

Segundo Rhodes (2000), o desenvolvimento de políticas e intervenções mais eficazes junto de consumidores de drogas é o papel mais importante da investigação qualitativa, neste campo em particular. De acordo com o autor a investigação qualitativa fá-lo por duas vias. Primariamente, é importante que as intervenções estejam de acordo com as normas e práticas dos locais a atuar. Secundariamente, compreender os processos sociais que moldam o consumo de drogas é um pré-requisito para o desenvolvimento de intervenções úteis e significativas para os consumidores de drogas.

Segundo Smith e Joyce (2012), o processo pelo qual a evidência científica informa as políticas é um sistema complexo. Este caracteriza-se pela necessidade de se estudar as interações dos sistemas como um todo, em vez de se isolar as suas partes constitutivas, devido à presença de não linearidade e feedback, o que significa que pequenas ações podem ter efeitos significativos e vice-versa. E ainda pela necessidade de análises interdisciplinares para se compreender o processo de tradução de conhecimento.

Portugal, ao constituir um plenário de especialistas em diferentes áreas aquando da Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga de 1999 (ENLCD), adotou parte da teoria de Smith e Joyce (2012) para produzir uma nova politica das drogas. É de

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3 ressalvar que nem sempre os estudos têm a capacidade de modificar políticas e alterar o processo político. No entanto, há aqueles que têm a sua influência e chegam mesmo a produzir as desejadas alterações. Analisemos, sumariamente, o caso Holandês como exemplo. Cramer (2000) analisa-o e conclui que os estudos de Janssen e Swierstra (1982, 1983) contribuíram diretamente para a alteração das políticas de drogas holandesas, e vieram demonstrar a importância de se conhecerem os fenómenos antes de se atuar sobre eles. O autor acautela que uma relação direta entre investigação e políticas ocorre apenas em casos excecionais.

Revisão da literatura

1. A influência das normas legais nos comportamentos:

Saber se as leis influenciam o comportamento dos cidadãos tem sido uma questão de investigação para diversos autores (Quintas, 2000), a nível nacional e internacional. No presente estudo esta questão será dirigida aos efeitos do proibicionismo, legalização e descriminalização de substâncias psicoativas, tendo por base a teoria da dissuasão.

Das funções das leis interessa-nos aquela que diz respeito à geração de conformidade com os padrões de conduta normativa. Para Ross (1982), a dissuasão deve ser sempre colocada em paralelo com outras funções das leis como a retribuição, a incapacitação e a reabilitação. No caso específico das drogas, as disposições legais e as sanções previstas pretendem contrariar o consumo de substâncias por três vias ou mecanismos: a) exprimindo a desaprovação social e, por esta via, reforçando as normas sociais contra o uso de drogas (efeito declarativo); b) dissuadindo os sujeitos do consumo de drogas através do medo de serem detetados e punidos (efeito dissuasivo); c) gerando a possibilidade de sanção ou da ameaça da sanção induzir o tratamento (efeito terapêutico).

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4 A teoria da dissuasão é uma teoria percetual, a teoria de como a perceção do ator sobre os riscos e recompensas motivam as suas decisões e atos (MacCoun, 1993) e tem por base o utilitarismo filosófico que vê o ser humano como maximizador dos benefícios das suas ações, enquanto minimiza os seus custos. A dissuasão, na sua definição mais simples, é um efeito onde a ameaça de uma punição causa nos indivíduos que iriam cometer um comportamento delituoso, um recuo ou efeito dissuasor desse comportamento. O paradigma dominante de pensar os efeitos das leis das drogas é o da perspetiva da escolha racional, que enfatiza três mecanismos de influência: os riscos de punição, a disponibilidade da droga e o preço da droga. Esta teoria assume que o ator escolhe racionalmente a ação que irá maximizar a utilidade esperada. A equação de MacCoun (1993) será: E(U)c=U(G)c×P(G)c+U(L)c×P(L)c.

Onde E(U)c representa a utilidade esperada, U(G) a utilidade dos ganhos associados com o sucesso do crime, P(G) a probabilidade subjetiva de obtenção desses ganhos, U(L) a desutilidade do sancionamento legal se detetado (valor negativo), e P(L) a probabilidade subjetiva de sanção legal. U(L) e P(L) são o foco primário da maioria da investigação sobre a dissuasão e são referidas, na generalidade, como a severidade e certeza da sanção, respetivamente.

No entanto, o termo racional tem múltiplos significados, sendo que para alguns autores implica cálculos deliberados e conscientes acerca das consequências do crime (e.g., Bachman, Paternoster, & Ward, 1992; Paternoster,1989), enquanto outros negam a necessidade de qualquer cálculo mental. O facto da palavra racional   e   o   conceito   “escolha   racional”   terem   múltiplos   significados   deve-se à existência de diferentes versões da teoria da escolha racional.

Felson (1993), distingue  a  “velha”  teoria  da  escolha  racional  da  “nova”  teoria  da   escolha racional. A primeira, assume que qualquer comportamento, incluíndo o criminal, reflete decisões deliberadas e calculadas mentalmente. Os sujeitos envolvem-se em análises do tipo custo-benefício com o objetivo de maximizarem os benefícios e minimizarem os custos das suas ações.

A nova versão desta teoria assume que as pessoas deduzem os benefícios e os custos de uma ação, mas são processadores imperfeitos da informação. Assim,

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5 os sujeitos, dentro das suas limitações, agem de acordo com o que percebem ser mais satisfatório, o que pode não corresponder à realidade.

Existem poucas dúvidas acerca da influência que os riscos e recompensas esperadas têm na tomada de decisão, ou seja, que os processos racionais podem mediar os efeitos das sanções legais nos comportamentos. No entanto, há evidências psicológicas consideráveis de que as pessoas não combinam informação tal como as formulações da utilidade esperada a postulam e que os decisores violam, sistematicamente, as expectativas do comportamento racional. Carrol (1978, citado em MacCoun, 1993), num estudo conduzido com jovens delinquentes e não delinquentes, demonstrou que 70% dos participantes se focou numa única dimensão, em vez de considerar todos os parâmetros. O autor demonstrou ainda que os ganhos exercem uma maior influência do que as perdas e que a probabilidade de sucesso tem maior impacto na tomada de decisão do que a probabilidade de detenção.

Estudos que cruzam a certeza da sanção com a sua severidade (“P(L)”  e  “U(L)”   respetivamente, na equação de MacCoun) e celeridade e as consequências extralegais (e.g. embaraço, que se refere à desaprovação pelos outros significativos ou vergonha, que ocorre quando após o ato criminal, o ofensor sofre dissonância cognitiva por ter violado uma norma interiorizada), mostram que as consequências extralegais exercem um efeito dissuasor mais forte do que as consequências legais (Nagin & Pogarsky, 2000). Mostram também que o valor atribuído ao evitamento das sanções extra legais prediz significativamente o comportamento ofensivo, o que não se verificou com o valor atribuído às consequências legais. Ou seja, muita da dissuasão provocada pelas sanções legais ocorre devido à sua tendência para produzir consequências extra legais maiores (como por exemplo o estigma da detenção). Quanto à severidade da sanção esta tem pouca influência no comportamento delituoso, se o sujeito não acreditar que poderá ser punido (certeza da sanção). Isto é, leis mais severas não dissuadem necessariamente os sujeitos de cometer um crime (Wright, 2010). Chan e Oxley (2004) numa revisão da literatura sobre o efeito dissuasivo da pena capital identificam 74 estudos empíricos. Os resultados indicam que em 66% dos estudos não há um efeito dissuasivo da pena de morte, em 23% há um efeito

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6 dissuasivo e 11% são inconclusivos. A discussão sobre o efeito dissuasivo da pena de morte ainda é uma questão empírica por resolver e não é objetivo deste estudo. A menção a estes resultados serve para ressalvar que um aumento no grau de punição não produz um maior efeito dissuasivo dos comportamentos. O consenso geral nas revisões da literatura, salvo algumas exceções, é o de que a certeza da sanção formal tem um efeito dissuasor e de que a severidade não o tem (MacCoun, 1993; Nagin, 1998; Nagin & Pogarsky, 2000; Paternoster, 1987; Weatherburn & col., 2000).

Segundo Beccaria (1963), uma forma de aumentar os efeitos dissuasivos da punição é tornar o crime menos recompensador do que a conformidade à lei. Assume-se que os sujeitos pesam as recompensas e as perdas das suas ações quando pensam em quebrar a lei; e que quando a conformidade à lei envolve mais ganhos do que o crime, pouca punição é necessária para induzir conformidade à lei. Embora este não seja um espaço apropriado para tal discussão, depreende-se que uma das formas de aumentar a conformidade à lei passa por uma melhoria das condições económico-sociais dos cidadãos.

A dissuasão pode ser geral ou específica. A dissuasão geral refere-se ao efeito do risco e da punição que os criminosos pagam, no comportamento das pessoas em geral (Sedgwick,1984). É chamada por alguns autores de dissuasão especial. Por outro lado, a dissuasão específica ou individual diz respeito ao efeito sentido a nível individual. Isto é, assume-se que a punição é suficiente para levar o sujeito a abandonar ou a evitar esse comportamento, no futuro; as reincidências criminais põem em causa esta premissa.

No seu conjunto, os estudos sobre a dissuasão percetual demonstram que o medo da sanção assume um papel relativo na explicação da conformidade às leis das drogas. Nos casos em que existe um efeito congruente com a teoria da dissuasão ele tende a ser reduzido, especialmente, quando confrontado com outras fontes de influência social.

Assim, a efetividade da lei não depende apenas do medo que esta provoca nos sujeitos, ela requer que os cidadãos respeitem as regras enunciadas nos documentos legais, e estejam de acordo com elas, interiorizando-as. Quanto

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7 maior for a interiorização de uma norma legal maior será o efeito dissuasor. Alguns teóricos sugerem que a moralidade percebida do ato pode moderar o efeito dissuasor das sanções legais. Especialmente, a ameaça da sanção é hipoteticamente irrelevante em indivíduos que ou interiorizaram as normas legais ou julgam o ato como imoral. É concebível que mesmo na ausência de normas legais, as normas sociais e o autocontrolo possam impedir que a maioria das pessoas se envolva com as drogas (MacCoun, 1993). Segundo Tyler e Darley (2001) no caso de obediência às regras, a motivação interna relevante é o sentimento de obrigação ou responsabilidade para agir apropriadamente. Ou seja, quando as pessoas não vêm a lei como legítima ou consistente com o seu sentido moral sentem-se menos obrigadas a respeitá-la. Os autores exemplificam com a política das drogas nos EUA e afirmam que apesar do uso de drogas ser ilegal, muitos cidadãos não vêm este comportamento como imoral. Consequentemente, não existe uma força moral que leve esses cidadãos a obedecer à lei. O mesmo poderia ocorrer em Portugal antes da descriminalização do consumo de substâncias. Os mesmo autores concluem que a vontade para a aceitação emerge porque a lei é vista como congruente com os valores morais dos sujeitos e/ou porque as autoridades legais são vistas como justas. As pessoas tomam sobre si mesmas a responsabilidade de cumprimento das regras e fazem-no se sentirem que lei é justa e razoável.

Segundo Kuperan e Sutinen (1998), na literatura científica sobre a conformidade dos cidadãos com as leis encontramos duas grandes perspetivas: a instrumental e a normativa. Na primeira, dominante na doutrina da dissuasão, a ação dos indivíduos é direcionada pelos seus interesses e estes respondem a alterações nos incentivos e penalidades associadas ao ato. A perspetiva normativa salienta o que os indivíduos consideram justo e moralmente acertado. Assim, os indivíduos têm a tendência a obedecer às leis quando estas são percecionadas como justas e consistentes com as normas internalizadas. Em matéria de drogas os estudos sugerem que as sanções legais podem ter a sua maior influência na decisão de iniciar o consumo mas á medida que este se vai instalando esta influência vai diminuindo (MacCoun, 1993).

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2. Mas o que ocorre quando o estatuto legal de uma substância se altera?

Analisar dados relativos ao consumo de drogas antes e depois de uma alteração legal pode permitir inferir o significado e consequências dessa mudança no comportamento das populações (Quintas, 2011).

MacCoun (1993) e colaboradores sugerem que a remoção da proibição da posse não faz aumentar o consumo de cannabis. Hughes e Stevens (2007) focam-se no caso português, e ressalvando que é difícil atribuir alguma alteração nos indicadores do uso de drogas apenas à lei n.º 30/2000, demonstram que nos índices de consumo não houve diferenças significativas após a descriminalização do consumo de estupefacientes.

Quintas (2011) executa um estudo em contexto nacional, fazendo uma análise complexa dos efeitos da lei n.º 30/2000 a vários níveis – intervenção policial, medidas terapêuticas aplicadas aos consumidores, atitudes face à regulação dos consumos e impacto da descriminalização na evolução dos consumos de estupefacientes. O autor conclui que os consumos de drogas aumentaram nos períodos anterior e imediatamente a seguir à descriminalização, estando a diminuir, em populações escolares. O consumo problemático encontra-se em retração nos últimos anos. O autor acautela que as flutuações nos níveis de consumo não devem ser diretamente atribuídos à descriminalização, estando essas flutuações muito mais dependentes da evolução dos padrões de consumos e influências extralegais, como por exemplo as medidas de RRMD.

Também Hughes e Stevens (2007) alertam para o facto de os padrões de consumo e os problemas relacionados com as drogas poderem operar independentemente das políticas e leis das drogas. É importante ressalvar que a lei da descriminalização escusa da ameaça legal, mas não da interdição legal do comportamento de consumo, ou seja, este continua a constituir um comportamento reprovado legalmente. Segundo o UNDOC (2013), estas circunstâncias mantêm as drogas longe das pessoas que as evitariam num sistema proibitivo e encorajam o tratamento, em vez da punição, para os consumidores. Mais do que servir como um dissuasor do comportamento de

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9 consumo, a lei n.º 30/2000 instaura uma vontade já antiga de conduzir os consumidores detetados às redes de tratamento. A presente lei fornece uma oportunidade para aplicar uma medida legal, considerada a mais adequada às necessidades desta população. As mudanças nas leis das drogas não parecem produzir efeitos significativos nos padrões de uso da população geral. Se as alterações da atuação legal sobre o consumo não implicam alterações significativas nos padrões de consumo, há assim, pouca evidência dos efeitos dissuasores da criminalização do consumo de drogas.

“The   balance   of   the   available   evidence   is   that   removing   or   reducing   criminal   penalties on possession does not  lead  to  substantial  increases  in  use.”

(Drug policy and the Public Good, 2010)

3. Como chegou Portugal a esta solução para a regulação dos consumos?

A primeira legislação, publicada em Portugal, relativa às drogas data de 1924, com a aprovação da Lei nº 1 687, regulada pelo Decreto nº 10 375, em 9 de Dezembro (IDT, http://www.idt.pt/PT/IDT/Historico/Paginas/1924_1977.aspx). Em 1926, o decreto 12:210, de 27 de Agosto vem retificar as estipulações do protocolo da Convenção Internacional do Ópio de 1912. Este destina-se a regular as  importações  e  comércio  de  estupefacientes  para  usos  “legítimos,  médicos  ou   scientificos”   (Art.   6º).   As   três   convenções   das   Nações   Unidas   sobre   as   drogas: Convenção Única sobre os Estupefacientes de 1961, Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, restringem o consumo de estupefacientes exclusivamente a fins médicos ou científicos. No entanto, não é feito nenhum apelo para que o consumo ilícito de estupefacientes seja considerado um crime (Ballotta, Hughes, Carpentier, 2002), o que se reflete nas diferentes abordagens jurídicas existentes (OEDT, 2013).

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10 Nesta altura o consumidor encontra-se ausente da legislação, apesar de já em 1963, com a lei da Saúde Mental (Lei n.º 2118, de 3 de Abril), se referir o “tratamento   de   Toxicomanias”,   no   entanto   sem   estrutura   para   o   fazer. “As   preocupações com o consumo e com os consumidores aparecem pela primeira vez no Decreto-Lei nº420/70 de 3-9.” (Costa, 2001), neste diploma o usuário de drogas é caracterizado como um individuo socialmente perigoso que importa reprimir e tratar, numa perspetiva de defesa social mas não na de proteção de saúde pessoal ou pública. A punição do consumo assentou fundamentalmente em dois princípios: a perigosidade e a censurabilidade social da toxicodependência, menosprezando a identificação do bem jurídico.

Na década de 70, o fenómeno do uso/abuso de estupefacientes inicia-se mas sem expressão e impacto social. É a partir desta altura que são dados os primeiros sinais de procura de uma resposta a esta problemática, designadamente com a criação de uma consulta para toxicodependentes Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. No entanto apenas seis anos depois, em 1976 é que essa mudança de paradigma se transpõe para a lei com o consumo de drogas a ser considerado um problema médico-psico-sociológico, e estando o consumidor entre a doença e o crime. A medida terapêutica a aplicar passa a ser o tratamento compulsivo, justificado pela inimputabilidade do toxicodependente. Segundo Carlos Poiares (2000), a descriminalização foi o culminar da reflexão já iniciada por Almeida Santos (no cargo   de   Ministro   da   Justiça)   no   “Pacote   Legislativo   da   Droga”   deste ano. Este pacote consagrou-se no Decreto-Lei nº 792/76 de 5 de Novembro, que no seu preâmbulo alerta para os “falhanços   dos   meios   da   justiça   penal   como   forma   de   gestão   da   crise   aberta   pela   toxicodependência…” e deixa em aberto a possibilidade e adequação da mudança do ilícito de consumo para o âmbito das normas da mera ordenação social; este decreto institui ainda o Centro de Estudo da Profilaxia da Droga.

Em 1983, o decreto-lei nº430/83 vem retificar a Convenção Única sobre o Estupefacientes de 1961 e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971.  O  toxicodependente  é  considerado  um  “cidadão  gravemente  afetado  na  sua   saúde”  estando  o  tratamento  espontâneo  consagrado  como  sanção  a  aplicar.  Nos  

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11 casos em que o toxicodependente não adira ao tratamento prevê-se como sanção o tratamento compulsivo ou a pena de prisão. Este decreto demonstra preocupações de compreensão científica, traduzidas na intervenção de carácter preventivo e ressocializador. No entanto, no ano seguinte, foram registados pela polícia 1271 presumíveis infratores, dos quais 739 por consumo (Quintas, 2011, pp 175-176). Se com a vigência da lei de 70 o consumo representava, em termos relativos, cerca de ¾ das infrações, com a lei de 1983 passa a constituir cerca de metade das infrações.

Dez anos passados, e com a aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, nasce o decreto-lei nº15/93 de 22 de janeiro. À luz deste decreto-lei o consumidor é alguém que necessita de assistência médica pelo que o seu contacto com o sistema de justiça deve servir como um incentivo ao tratamento, caso o consumidor  esteja  “atingido  pela  toxicodependência”.  De  ressalvar  que  com  este   diploma desaparece o recurso ao tratamento compulsivo, “o  que  parece  atestar  o   reconhecimento,   pelo   menos,   da   sua   ineficácia” (Costa, 2001), não obstante a pena de prisão continua consagrada como medida a aplicar. Do ponto de vista penal nos diplomas de 1983 e 1993 “o  consumidor  assume  o  estatuto  de  sujeito principal   da   ação   legislativa   sendo   que   a   mensagem   nuclear” reside na recuperação clinico-psicológica e reinserção na comunidade em detrimento da perspetiva criminalizadora (Poiares, 2000, Fonseca, 2006). No entanto o recurso a medidas terapêuticas pelos tribunais é residual, registando esta modalidade para o crime de consumo apenas 58 situações, quase todas na abrangência da lei de 83, sendo a medida mais aplicada a de multa (3/4 das ocorrências), seguida pela admoestação. Assim sendo, apesar do recurso às medidas terapêuticas ser residual, podemos verificar que o recurso é pena efetiva de prisão, pelo crime de consumo, também o é, representando a partir de finais de 90 sempre menos de 10% das situações (Relatório anual 2012, 2010 2008, 2007, 2006, 2005, 2004, 2003 e 2002 do IDT; Relatório anual 2001 do IPDT e Quintas, 2011).

Em 1999, com o decreto-lei nº 31/99 é criado o Instituto da Droga e da Toxicodependência, atual Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD).

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12 Apesar de já em 1976 se ter iniciado a discussão da passagem do ilícito do consumo para a esfera das normas da mera ordenação social, apenas passados 25 anos e com a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga (ENLCD), da Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga, é que esta ideia se consagrou lei. Em 1998 foi constituída a supramencionada Comissão com o objetivo de propor ao Governo linhas gerais para a construção de uma estratégia global de intervenção na área das drogas e das toxicodependências. São propostas da Comissão uma aposta na prevenção no fim da infância e início da adolescência, mudanças ao nível do tratamento, Redução de Danos e ressocialização, uma aposta na investigação e formação e ao nível legal a descriminalização do consumo de estupefacientes. Segundo Cristina Reis (2006), a ENLCD marca o início de uma abordagem humanista e pragmática privilegiando o   consumo   e   o   consumidor   enquanto   ator   social   que   protagoniza   o   “mundo   da   droga”.   Nas   palavras   de   Carlos   Poiares   (2000), “Os   trabalhos   da   Comissão (convocada para elaborar a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, 1999) tornaram-se tributários da fabricação legislativa, o que marca não só a vontade (politica) de saber, como também a vontade de usar e aplicar esse saber na criação da lei.” Assim, a política descriminalizadora foi marcada pela, e traduz a, abertura do direito às ciências sociais.

A lei 30/2000 vem adotar todas as propostas da Comissão, nomeadamente a descriminalização do consumo, posse e aquisição de Estupefacientes. A presente lei teve como principais mudanças a) a alteração do estatuto legal do consumo, posse e aquisição de estupefacientes, que passam de crime a contraordenação (art.2º); b) a detenção ou aquisição para consumo está limitada a uma quantidade até 10 doses diárias, (art.2º, nº2); c) mantêm-se a criminalização do cultivo; d) distingue entre consumidor toxicodependente e não toxicodependente; e) a simples advertência pode ser aplicada como sanção; f) o regime sancionatório tem como objetivo convencer o consumidor toxicodependente a aceitar o tratamento, por duas vias: a primeira diz respeito ao tratamento espontâneo que evita a abertura do procedimento (art.3º), a segunda via dá-se pela aceitação do tratamento, após instauração do processo, que leva à suspensão provisória do processo (art.11º) ou da determinação da sanção (art.14º, nº1). A lei não despenaliza   o   consumo:   descriminalizar   não   é   despenalizar;;   “o consumidor de

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13 drogas, continua, em certos termos, a poder ser penalizado, já não com medidas detentivas, mas nalguns caso (dos consumidores não toxicodependentes) através de   coimas   traduzidas   em   sanções   pecuniárias   ou   de   outras   não   pecuniárias…” (De Almeida Santos, 2004). Segundo a ECMDDA (2006) despenalização refere-se à remoção de uma conduta ou atividade da esfera criminal, a proibição mantêm-se, no entanto a sanção a aplicar deixa de estar enquadrada na lei criminal (elimina-se a noção de ofensa criminal). Em matéria das drogas despenalizar geralmente significa a eliminação de sanções privativas da liberdade.

Como qualquer diploma legal, a lei 30/2000 contém alguns pontos críticos. Para Eduardo Maia Costa (2001), um desses pontos críticos diz respeito à limitação das quantidades para consumo (art.2º) numa medida unicamente quantitativa que, por sua vez, levanta dois tipos de problemas. Um problema de ordem técnica que diz respeito ao saber-se  como  se  “mede”  a  dose  média  individual  diária.  A  lei   não o diz, remetendo para o art.71º do Decreto-Lei 15/93, que por sua vez remete para a portaria nº94/96, de 26-3. No entanto esta portaria reporta-se à quantidade de princípio ativo da substância, enquanto que os exames se reportam ao peso líquido, que pode ser muito superior ao do principio ativo visto a adulteração das substâncias. E um problema de política criminal, a redução do conceito de consumidor, que muitas vezes adquirem quantidades maiores do que aquelas que necessitam por questões de disponibilidade quer monetária quer da própria substância. Também Cristina Reis (2006) vem questionar esta limitação ressalvando “a  problemática  de  variações  de  consumo  de  indivíduo  para  indivíduo   (…).”.  Quintas (2011) no seu estudo nacional conduz entrevistas a 16 clínicos da área da toxicodependência de forma a perceber, entre outros temas, a legitimidade das medidas terapêuticas. Quatro clínicos consideram “ilegítima   a   aplicação de qualquer tipo de medidas terapêuticas pelo sistema legal”  (Quintas,   2011, pp.224-225) visto considerarem ser uma interferência abusiva que as pode aproximar de formas de tratamento compulsivo. Ou seja, para alguns dos sujeitos que intervêm na área do tratamento, a lei nº 30/2000 ainda preconiza formas que se podem aproximar ao tratamento compulsivo  interferindo  na  “autodeterminação de solicitar ou seguir um tratamento”   (Quintas,   2011,   pp.224-225). O presente estudo pretende verificar se os consumidores vêm a possibilidade de tratamento

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14 como uma obrigação e consequentemente tratamento compulsivo, ou se é vista como uma abertura do sistema legal e uma oportunidade ao tratamento livre. A investigação (Hough, 1996; Ballotta, Hughes, Carpentier, 2002) revela que o tratamento, quando de fácil acesso, abrangendo uma componente social e de reabilitação e tendo por base uma parceria entre as autoridades judiciais e de saúde, pode ser eficiente em termos de diminuição de custos na redução da reincidência no crime e da toxicodependência. No que diz respeito à articulação entre as entidades judiciais e os técnicos das CDT, o estudo de Quintas (2011) aponta para uma partilha de informação sucinta por parte dos técnicos e uma atitude de proteção dos utentes, particularmente, ao nível da partilha de informação desfavorável que posso produzir consequências negativas, designadamente as de ordem judicial.

Podemos concluir que a esta Lei “mantendo a estratégia de penalização do consumo e o modelo de sancionamento misto sanção/tratamento, introduz alguns dados   novos”   (Costa, 2001) como o facto de afastar os consumidores dos tribunais e da estigmatização que daí advém, pela via das Comissões de Dissuasão da Toxicodependência e aproxima-los dos serviços públicos de tratamento e recuperação e, por fim, facilitará a aplicação de políticas de redução de riscos e minimização de danos.

Na conceção de Carlos Poiares (2002) qualquer análise a que se proceda da descriminalização deverá ter em conta: que a despenalização se integra num plano mais abrangente que envolve a nova racionalidade sobre o consumo e o consumidor de drogas; o facto de o poder assumir a insuficiência e inadequação do registo criminalizador; que a lei visa promover o encaminhamento dos consumidores para o tratamento, fomentando a abstinência dos consumos ou quando isso não se revela adequado, que do uso de substâncias resulte o menor dano social e sanitário. Esta perspetiva privilegia o que o Poiares tem denominado de intervenção juspsicológica na área das drogas, traduzida na penetração do saber e das práticas da psicologia nos territórios do direito.

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15

4. Reflexões nacionais e internacionais acerca da descriminalização

Após a entrada em vigor da Lei 30/2000 e visto Portugal ser o primeiro país a descriminalizar o consumo, posse e aquisição de todas as drogas, inúmeras organizações viraram os olhos para o nosso território. Desde a implementação da presente lei foram feitas avaliações nacionais e internacionais e publicados artigos científicos e jornalísticos.

Para se perceber os níveis de consumo de droga em Portugal, os inquéritos nacionais à população geral são o melhor instrumento de que dispomos. Contudo o primeiro só foi realizado em 2001, tendo sido replicado em 2007 e 2012, pelo que não dispomos de dados fiáveis comparativos antes de 2001, para a população geral. Estes inquéritos analisam os níveis de consumo de todas as drogas na população geral (15-64) e jovem adulta (15-34), a vários níveis: consumo ao longo da vida, que indica os níveis de experimentação; consumo nos últimos 12 meses; e consumo nos últimos 30 dias, que nos indica a prevalência de consumo regular; taxas de continuidade. Segundo o United Nations Office on Drugs and Crime, a Organização Mundial de Saúde e a EMCDDA os melhores indicadores para examinar os padrões de consume em adultos e/ou na população geral são o uso recente (últimos 12meses) ou o uso atual (últimos 30 dias). Para o presente trabalho focar-nos-emos no consumo de cannabis, heroína e cocaína.

Tabela 1: Taxas de prevalência de consumo, em adultos (15-64), nos inquéritos à população

portuguesa 2001 2007 2012 Experi encia ao longo da vida Último s 12 mese s Último s 30 dias Experien cia ao longo da vida Último s 12 mese s Último s 30 dias Experien cia ao longo da vida Último s 12 mese s Último s 30 dias Cannabis 7.6% 3.3% 2.4% 11.7% 3.6% 2.4% 9.4% 2.7% 1.7% Heroína 0.7% 0.2% 0.1% 1.1% 0.3% 0.2% 0.6% 0.0% .. resultad o nulo! Cocaína 0.9% 0.3% 0.1% 1.9% 0.6% 0.3% 1.2% 0.2% 0.1%

Fonte: Inquérito Nacional ao consumo de substâncias psicoativas na população portuguesa – 2001, 2007 e 2012

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16 Analisando a tabela 1 – taxas de prevalência de consumo, em adultos (15-64), nos inquéritos à população portuguesa – verificamos que para todas as substâncias aqui analisadas, houve uma diminuição nas taxas de consumo nos últimos 30 dias. Apesar do ligeiro aumento registado entre 2001 e 2007 no consumo de heroína e de cocaína.

Relativamente à prevalência de consumo ao longo da vida registou-se um aumento do consumo destas substâncias entre 2001 e 2007, aumento esse que posteriormente diminui em 2012. A cannabis continua a ser a droga mas experimentada pela população geral, seguida da cocaína.

Os consumos nos últimos 12 meses também registaram um aumento residual entre 2001 e 2007, tendo este aumento sido mais significativo na cannabis e na cocaína. No entanto em 2012 estas substâncias foram as que registaram maior diminuição nas taxas de consumo, para este indicador.

Em suma na população geral 655 926 (9,5%) já consumiram drogas ilícitas, sendo que 186 421 (2,7%) consumiram nos últimos 12 meses, verificando-se, entre 2007 e 2012, uma descida generalizada das prevalências de consumo ao longo da vida (a de qualquer droga passou de 12% para 9,5%) e de consumo recente (a de qualquer droga passou de 3,7% para 2,7%).

Se olharmos para a cannabis individualmente, apesar da diminuição do consumo entre 2007 e 2012 nos três indicadores, houve um aumento das prevalências de consumo de risco moderado na população total (de 0,3% para 0,4%), acompanhada de uma diminuição das prevalências de consumo de risco elevado na população total (de 0,5% para 0,3%). Ou seja, apesar de não existirem mais consumidores, os padrões de consumo estão-se a tornar mais nocivos. O que revela uma necessidade da melhoria das respostas de prevenção.

A cannabis parece continuar a gozar de um estatuto especial aos olhos da sociedade.   Considerada   uma   “droga   leve”   (denominação   há   muito   abandona   pelos especialistas), o seu consumo é visto como menos nocivo, o que pode explicar o aumento de consumidores com padrões de consumo de risco.

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17 Se a esta análise juntarmos a diminuição nas taxas de continuidade – taxa de indivíduos que tendo consumido uma dada substância ao longo da vida afirmam ter consumido essa substância nos últimos doze meses – quer na população geral (15 - 64 anos), quer na jovem-adulta (15 - 34 anos) entre 2001 e 2012 podemos concluir que o aumento nas prevalências de consumo ao longo da vida reflete predominantemente um uso experimental de curta duração (tabela 2).

Tabela 2 Taxas de continuidade de consumo na população geral

Ano Cannabis Heroína Cocaína

2001 43.1% 26.2% 34.1%

2007 30.5% 24% 32.2%

2012 28.3% 7.3% 18.3%

Fonte: Inquérito Nacional ao consumo de substâncias psicoativas na população portuguesa – 2001, 2007 e 2012

Não podemos, obviamente, atribuir estas diminuições apenas há mudança da tipificação judicial do consumo. A lei não veio apenas descriminalizar o consumo de drogas, veio também abrir portas ao tratamento, sem medo da penalização, e à intervenção de equipas de RRMD. A investigação revela que o tratamento dos consumidores de drogas, no campo de ação da justiça penal, pode conduzir a resultados positivos, quer terapêuticos no caso dos consumidores toxicodependentes, quer educativos, nos casos dos consumidores ocasionais (Ballotta, Hughes, Carpentier, 2002; OEDT, 2001; Aos, Phipps, Barnoski e Lieb, 2001). Se olharmos para a RRMD e para o consumo de drogas injetáveis como é o caso da heroína, registou-se um menor consumo de heroína pela via endovenosa e um aumento do consumo pela via fumada/inalada. Segundo o Relatório Europeu sobre drogas 2013: Tendências e evoluções (OEDT, 2013) “Também  ficou  provado  que  o  tratamento  de  substituição  melhora  a  qualidade  de   vida   e   facilita   a   reintegração   social” (pp. 54). Estes dados vêm reforçar a importância das políticas de Redução de Riscos e Minimização de Danos no tratamento e na reintegração social dos consumidores.

Ao nível do tratamento se analisarmos os dados disponíveis (desde 1978) verificamos que em termos evolutivos os novos pedidos de tratamento crescem até 1996, ano em estabilizam. Após 2000 a procura de tratamento entra em

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18 decréscimo. É necessário analisarmos estes números no contexto das respostas existentes. Na década de 70, os novos utentes nos 3 CEPD existentes, eram cerca de 500 por ano. Com a abertura do Centro das Taipas em 1987 o número de novos utentes disparou para os 2600, e volta a subir com a abertura dos Centros no Algarve e Porto para cerca de 4mil novos utentes. De 1996 a 2000 este número estabiliza nos 9mil utentes por ano. Após a descriminalização há um decréscimo nos novos pedidos de tratamento, para valores próximos dos registados no início dos anos 90. Este decréscimo pode estar relacionado com a expansão, nos finais do seculo XX, dos programas de substituição opiácea. Esta Lei fez-se acompanhar de vários planos de intervenção contra a droga e a Toxicodependência, sendo que o atual plano entrou em vigor este ano e estende-se até 2020. Greenwald (2009) procedeu à Avaliação Externa Plano Nacional Contra a Droga e as Toxicodependências 2005-2012 (PNCDT) e conclui que as intervenções definidas para os anos de 2005 a 2012 foram globalmente conseguidas, bem como os seus três objetivos na área da prevenção. Grennwald (2009) enfatiza a criação de redes de proximidade o “que   coloca   o   indivíduo  no   centro das intervenções independentemente da sua situação face ao seu consumo  de  drogas”.

Objetivos do estudo e questões de investigação

O presente estudo tem como objetivos apreender a perceção dos consumidores de substâncias acerca dos efeitos da descriminalização do consumo, posse e aquisição de estupefacientes, centrando-se nas questões do consumo. As áreas de estudo são as seguintes:

1) Conhecimento acerca da lei;

2) Perceção das mudanças produzidas pela lei;

2.1) Grau de consonância entre essas mudanças e os objetivos do legislador;

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19 3) Qual o regime legal preferido pelos consumidores - o anterior ou o atual. 4) Eficácia do tratamento enquanto sanção;

5) A perceção dos consumidores sobre as CDT;

Método

O método escolhido para levar a cabo esta investigação foi a investigação qualitativa através de entrevista semiestruturada em profundidade, a ser construída pela própria (Anexo 1). O guião da entrevista teve por base os questionários  utilizados  pelo   Professor  Jorge  Quintas  no  seu  estudo  “Regulação   Legal do Consumo de Drogas: Impactos da Experiência Portuguesa da Descriminalização”.

A investigação qualitativa tem um passado longo na história das ciências humanas. A escola de Chicago nos anos 20 e 30 estabeleceu a importância da investigação qualitativa no estudo dos estilos de vida das populações. No entanto só nos anos 80 é que a investigação qualitativa ganhou terreno na psicologia. As definições de investigação qualitativa são múltiplas, Grbich (1999, cit. In, Ribeiro, J. L. P, 2008) sumaria, “as   técnicas   e   métodos   de   observação,   documentação,   analise e interpretação de atributos, características e significados de fenómenos contextuais, específicos e gestálticos, que são estudados, através de abordagens que procuram descobrir os pensamentos, perceções e sentimentos experimentados  pelos  informantes  (…)  ”. Denzin e Linconl (1994) genericamente definem a investigação qualitativa como um método que envolve uma abordagem interpretativa e naturalista ao fenómeno em estudo. Ou seja, a investigação qualitativa estuda os fenómenos nos seus contextos naturais (“natural   setting”),   almejando fazer sentido de, ou interpretando, o fenómeno em termos dos significados que os sujeitos lhe atribuem. A palavra qualitativa tem em si implícita a ênfase em processos e significados que não são rigorosamente examinados ou medidos em termos de quantidade, valor, intensidade ou frequência.

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20 O grande objetivo das investigações qualitativas, e desta em particular, é de adquirir significados e perceções em profundidade através dos atores do próprio fenómeno, permitindo considerar a complexidade do fenómeno em estudo. Patton (2000) ressalva a importância de se ligar apropriadamente os métodos com os temas, questões e objetivos do estudo. Sendo assim, é impraticável uma abordagem metodológica universal que se aplique a todos os cenários de investigação.

A entrevista é um dos vários métodos de recolha de dados usados pela investigação qualitativa. A entrevista pode ser definida como a arte de questionar e ouvir – “the   art   of   asking   questions   and   listening” (Denzin e Linconl, 1994, p. 353). Werner e Schoepfle (1987, cit. In Lessard-Hérbert) consideram que a entrevista se trata de um instrumento útil e necessário quando se pretende recolher dados válidos sobre crenças, opiniões e perceções dos sujeitos em estudo.

Pourtois e Desmet (1988 cit. In Lessard-Hérbert) defendem que a entrevista deveria preceder a recolha de dados da observação ou mesmo do inquérito escrito. Segundo os autores, a entrevista, em particular a não diretiva, é o meio privilegiado para explorar um campo de estudo novo, visto permitir o acesso a comportamentos, sistemas de valores, emoções, etc., das pessoas.

As classificações das entrevistas são das mais variadas: entrevista estruturada, semiestruturada, não estruturada, diretiva, entre outras. Quando os objetivos que se pretendem alcançar são o acesso a opiniões e perceções, muito próprias, de um em particular, Powney e Watts (1897) apontam a entrevista orientada para a informação como sendo o melhor método. A entrevista orientada para a informação, pode ser mais ou menos estruturada, mas cabe ao entrevistado essa decisão. Na entrevista não diretiva, ou orientada para informação, deve-se começar por questões abertas para dar espaço ao entrevistado, e deixar questões como a idade, sexo, ocupação para o fim. Os momentos que precedem a entrevistas são, segundo alguns autores, importantes para familiarizar o entrevistado com o entrevistador, facilitando a sua interação.

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21 Os dados provenientes da entrevista devem ser registados por escrito ou transcritos (caso aja uma gravação de áudio) e reduzidos, ou seja codificados, para posteriormente serem tratados.

A entrevista usada será produzida pela própria e tem por base os questionários usados por Quintas (2011) no seu estudo acerca do impacto da experiência portuguesa da descriminalização. A entrevista encontra-se dividida em três grandes áreas de estudo, que posteriormente foram subdividas e de seguida criadas as questões para investigar cada tópico.

A primeira grande área de investigação é a Lei em si mesma. A primeira subdivisão refere-se ao grau de conhecimento acerca da lei atual que será apreendido  pelas  questões:  “O  que  acha  que  acontece  quando  alguém  é  detetado   pela   policia   a   consumir?”   – com esta questões pretende-se perceber se os sujeitos sabem que o consumo está hoje enquadrado nas meras ordenações sociais, ou seja, que é uma contraordenação e não um crime, mas que continua a ser ilegal consumir. Com a questão seguinte - “Já   foi   detetado?”   - pretende-se aceder à própria experiencia do sujeito com as autoridades policiais, experiência essa  que  é  aprofundada  nas  duas  questões  seguintes,  “O  que  lhe  aconteceu?”  e   “E   no   anterior   regime?”.   Com   esta   ultima   questão   deseja-se perceber as diferenças que existem na forma de tratamento e nas penas que o atual regime legal veio instaurar.

A segunda subdivisão diz respeito às expectativas em relação à atual lei, ou seja, aquilo que os consumidores esperam que mude com a nova lei, nomeadamente ao nível dos consumos - “Sendo   o   consumo   de   drogas   um   ilícito   de   mera   ordenação social (contraordenação) e sendo a sanção prevista o tratamento qual o  impacto  que  espera  que  a  lei  tenha  nos  consumos?”,  nos  consumidores  - “E  nos   consumidores?”,  e  no  próprio  sujeito   - “Como  é  que  a  lei  influencia/influenciou  o   seu  consumo?”,  “Sentiu  que  a  lei  provocou  mudanças?”.  

Com a terceira subdivisão, pretendem-se obter as preferências dos consumidores relativamente aos dois regimes legais, a criminalização e a descriminalização de substâncias psicoativas. A questão elaborada para   tal   é   a   seguinte:   “Sendo   o  

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22 consumo de drogas, por uma pessoa adulta, proibido por lei, acha que o consumo deve  ser:  crime;;  crime  tolerado  ou  um  ilícito  de  mera  ordenação  social”.  

De seguida deseja-se avaliar a eficácia e legitimidade percebida da lei, ou seja, pretende-se compreender como é que os consumidores avaliam a atual lei relativamente à sua eficácia (se esta lei é ou não eficaz no controlo dos consumos) e à sua legitimidade (se a atual lei é vista como sendo válida ou não). Para tal fazem-se  as  seguintes  questões:  “Sendo  o  consumo  de drogas proibido, esta  é  uma  opção  eficaz?”,  “E  legítima?”.

Por fim, no que diz respeito à categoria lei, pretendem-se averiguar os contatos dos sujeitos com as instituições legais, quer antes da descriminalização, quer após a descriminalização, de forma a obter-se uma visão de contraste entre os dois regimes. As questões elaboradas para  tal  foram  as  seguintes:   “Alguma  vez   esteve   em   contato   com   sistema   de   justiça   devido   ao   seu   consumo?”,   caso   a   reposta seja positiva passa-se para a questão – “Como  foi  a   sua experiência?”. No caso de a resposta ser negativa, isto é, se o sujeito nunca esteve em contacto com o sistema de justiça devido aos seus consumos, questionam-se se não conhece alguém que já tenha estado, tentando apreender assim o máximo de relatos possíveis sobre a forma como os consumidores experienciam o contacto com as instituições legais. Por fim tenta-se perceber as expectativas deste sujeitos caso esse contacto aconteça, através da questão –:   “Qual   a   sua   expectativa caso entre em contacto com o sistema? Ou seja o que espera que aconteça?”.  

A segunda grande área de investigação diz respeito às estruturas de tratamento e à sua representação por parte dos consumidores. A primeira subdivisão aborda os contactos dos sujeitos com as estruturas de tratamento, através das seguintes questões:  “Já  esteve  em  contacto  com  instituições  ou  programas  de  tratamento?”,   “E   no   anterior   regime?”.   Caso   as respostas sejam afirmativas, o sujeito é questionado acerca das diferenças entre os dois regimes, nomeadamente através das  questões:  “notou  alguma  diferença  no modo  de  tratamento?”.

A segunda subdivisão diz respeito às expectativas dos sujeitos face às diferentes estruturas de tratamento. A primeira pretende apreender se os sujeitos já

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23 estiveram em contacto com alguma estrutura de tratamento, e se sim qual foi a sua experiência, quer antes quer após a descriminalização, através da seguinte questão - “Já  esteve  em  contato  com  instituições  de  tratamento?”  //  “Relate-me a sua  experiência”.  Se  o  sujeito  nunca  esteve  em  contacto com nenhuma estrutura de tratamento, quer no atual regime, quer no anterior a questão é colocada no abstrato:   “sendo   a   sanção   prevista   para   consumidores   toxicodependentes   o   tratamento, acha que é possível o seu sucesso?” e “O  que  espera  se  algum  dia entrar  em  contato  com  uma  destas  instituições?”.

A última subdivisão relativa ao tratamento diz respeito à eficácia percebida do tratamento enquanto sanção, ou seja, ao tratamento que é imposto pelas CDT ou pelo tribunal. O acesso a esta informação será permitido  pelas  questões:  “Sendo   o  tratamento  a  sanção  prevista  no  novo  regime  legal  acha  que  poderá  ser  eficaz?”   e  “Acha  que  é  possível  o  sucesso  do  tratamento  quando  este  é  imposto?”.  Caso  o   sujeito já tenha sido submetido a um tratamento por ordem do tribunal ou das CDT aprofunda-se  esta  experiência  com  uma  questão  aberta  do  género:  “fale-me da  sua  experiencia  nesse  caso  em  particular”.

Por fim, a entrevista termina com questões dedicadas a perceber a representação das CDT pelos consumidores. Caso os sujeitos não saibam o que são as CDT cabe ao investigador uma explicação sucinta, baseada na definição legal. Assim avaliam-se as representações desta estrutura no que diz respeito a contactos – “Já   alguma  vez  foi  sinalizado  pela  polícia   para   comparecer  numa  CDT? Se sim, como foi a sua experiência?”   – assume-se que o grupo de consumidores há menos de 14 anos tenha mais respostas afirmativas do que o grupo de consumidores há mais de 14anos; vistas as CDT terem sido instauradas após a mudança legal e visto, segundo Ballotta, Hughes Carpentier (2002), tendo por base o relatório anual sobre a Evolução do Fenómeno da Droga na União Europeia (2011) ter-se registado um aumento da atividade policial contra os consumidores de drogas. Por último tenta-se perceber as expectativas que os consumidores têm em relação a esta entidade, através das seguintes questões: “Pensando   em   consumidores   não   toxicodependentes,   acha   que   o   contacto   com   as CDT pode ser útil? Ou seja acha que poderá travar a evolução dos

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24 consumos?”  e  “No  seu  caso se tivesse tido uma intervenção mais precoce acha que  teria  sido  útil?”.

1. Amostra

A amostra escolhida pretende representar diferentes tipos de consumidores de substâncias psicoativas, com trajetórias de vidas e padrões de consumo distintos. Desta forma foram criados dois grupos, sendo o critério comum de inclusão o consumo, frequente ou esporádico, de qualquer substância psicoativa. Os grupos serão divididos em função do período legal de início dos consumos – antes ou depois da descriminalização, e serão constituídos por 6 sujeitos cada. A literatura prevê como número ótimo para a investigação qualitativa 20 sujeitos, visto dar-se uma saturação dos dados a partir deste número (Ghiglione e Matalon, 1995). O primeiro grupo será constituído por consumidores de estupefacientes há mais de 14 anos, para que seja possível ter uma visão do antes e depois da lei n.º 30/2000, que entra em vigor em 2001. Com este grupo pretende-se obter uma visão dos dois regimes legais, ou seja, contrastar a criminalização e a descriminalização das drogas segundo as questões de investigação.

O segundo grupo será constituído por sujeitos que começaram a consumidor após o ano de 2001, isto é, após a entrada em vigor da lei que veio descriminalizar os consumos. Com este grupo pretende-se obter uma visão apenas da atual lei e contrastá-la com a representação do grupo de consumidores há mais de 14 anos.

2. Caracterização da amostra

O primeiro é constituído (Anexo 2) por consumidores há mais de catorze anos e apresenta uma média de idades de 39,83 anos. A idade do primeiro consumo situa-se entre os 14 e os 18 anos. Tal como no grupo de consumidores mais

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25 jovens (14-19anos), e indo ao encontro dos dados fornecidos pelos inquéritos de consumo à população escolar. Todos os sujeitos apresentam histórias de policonsumos, no entanto nos últimos 12 meses a substância mais consumida é a cannabis. O segundo grupo (Anexo 3) apresenta uma média de idades mais baixa, de 21,5 anos. Neste grupo apenas 3 sujeitos, todos do sexo feminino, apresentam histórias de policonsumos, nomeadamente de consumo de anfetaminas, LSD e cogumelos alucinogénios. Também a cannabis é a substância que se destaca no consumo nos últimos 12 meses. Assim podemos verificar que o grupo de consumidores “antes   da   descriminalização” apresenta mais histórias de policonsumo, mas nos últimos 12 meses não existem diferenças entre os grupos. As mulheres assumem uma maior expressão nos policonsumos, no entanto os dois sujeitos que verbalizam contatos com o sistema de tratamento são do sexo masculino. Mais uma vez estes dados vão ao encontro da literatura que nos diz que os homens predominam nas instituições de tratamento. Estes dados vêm contrariar a tendência registada dos últimos inquéritos à população geral que registaram taxas de prevalência e de continuidade de consumo de anfetaminas e LSD mais altas nos homens do que nas mulheres, tendência essa que não se verifica nos presentes consumidores.

3. Técnica de amostragem

O contacto a estabelecer com os sujeitos será de face a face, sendo o próprio investigador o instrumento de recolha de dados.

“A   investigação   qualitativa   é   um   trabalho   de   proximidade   e   interativo,   dado   que   exige o contacto face a face com um individuo, com um grupo ou a observação do comportamento em contexto natural, o que permite desenvolver uma ideia aprofundada do modo como as pessoas pensam, sentem, interpretam, experimentam  os  acontecimentos  em  estudo.”

Ribeiro (2008) O contacto com esta população prevê-se que seja facilitado pelo pela amostragem de informantes estratégicos por bola de neve (Anexo 4). Esta técnica

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26 permite a construção de uma amostra mais abrangente e heterogénea, e a apreensão de informação que outros meios não permitem (Kemmesies, 2000). Segundo Kemmesies (2000) existem cinco passos na construção de uma amostra por bola de neve, que se encontram representados na figura 1. Neste tipo de amostragem o investigador constrói a amostra de população especial através de um número de informantes iniciais que fornecem outros potenciais informantes. Dado que a população em estudo é considerada uma população de difícil acesso, visto tratarem-se de consumidores de uma ou várias substâncias ilegais, muitas vezes estigmatizados e marginalizados, torna-se conveniente que o acesso a si seja facilitado por sujeitos do meio.

Figura 1 – modelo de 5 passos da amostragem por bola de neve, adaptado de Kemmesies, 2000. 1 Preparação 2 Preparar o terreno 3 Iniciar a bola de neve 4 Penetrar o campo/terreno 5 Controlo de qualidade Definir a população alvo Identificar os informantes chave Recrutar os contactos iniciais Preparar a cadeia de bola de neve Controlar os casos Seleção dos entrevistados

Estádio de amostra zero

Resultados temporários, modificação de questões e instrumentos Mapeamento do terreno Revisão dos planos Revisão dos planos Revisão dos planos Revisão dos planos Resultados

Para analisar os dados recolhidos optou-se por um modelo de análise de dados qualitativos que dispõe a informação em matriz o que permite olhar para os dados de uma forma agrupada. Esta matriz permite ao investigador comprimir e

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27 organizar os dados e retirar as respetivas conclusões (Miles e Huberman, 1994). Este método envolve um processo sistemático de revisão dos dados, analisando-os e ordenando-analisando-os de acordo com categorias chaves e temas comuns, para posterior codificação. De seguida o investigador mapeia os dados para os interpretar de acordo com determinados padrões e relações no discurso (Miles e Huberman, 1994).

A informação retirada dos dados foi composta tendo por base a estrutura da entrevista e organizada em função dos padrões de resposta. Os códigos foram definidos em função de opiniões similares às diferentes perguntas, estando agrupados no meta-código da respetiva categoria. Por fim após a organização em matrizes dos dados, podemos retirar conclusões acerca do fenómeno em estudo (Anexo 5).

Com o presente estudo espera-se obter informação detalhada acerca dos efeitos da descriminalização através daqueles que estão diretamente envolvidos pelas suas consequências – os consumidores. Tratando-se de uma investigação de cariz exploratório é impossível prever os resultados que irão surgir. No entanto, tendo por base o estudo levado a cabo por Quintas (2000) é possível prever que os consumidores de substâncias tenham conhecimentos acerca da lei e das suas alterações.   No   seu   estudo   o   grupo   dos   “toxicodependentes”   foi   o   que   melhor   respondeu às questões acerca do estatuto legal dos consumidores (comparado com os grupos de estudantes de psicologia e de direito e com o grupo de adultos da população geral). Outro efeito esperado, que também tem por base o estudo de Quintas, é que os consumidores de substâncias psicoativas demonstrem preferência pelo atual regime legal do consumo (contraordenação) comparativamente ao anterior estatuto (crime). Relativamente à nova modalidade de sancionamento (o tratamento) espera-se uma heterogeneidade de opiniões, visto   no   estudo   acima   mencionado,   o   grupo   de   “toxicodependentes”   ter   sido   o   grupo com maior divergência de opiniões, tendendo a aceitar, de entre as diferentes  medidas,  apenas  o  “aconselhamento  para  tratamento”  (Quintas,  2000, pág. 285).

Como já foi mencionado, revela-se de grande importância perceber até que ponto os objetivos do legislador com a lei n.º 30/2000 estão a ser cumpridos do ponto de

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Tabela 1:  Taxas de prevalência de consumo, em adultos (15-64), nos inquéritos à população  portuguesa  2001  2007  2012  Experi encia  ao  longo  da vida  Últimos 12 meses  Últimos 30 dias  Experiencia ao  longo da vida  Últimos 12 meses  Últimos 30 dias
Tabela 2  Taxas de continuidade de consumo na população geral
Figura 1 – modelo de 5 passos da amostragem por bola de neve, adaptado de Kemmesies, 2000

Referências

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