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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DE QUEM É ESSA FOTO?

ESTUDO SOBRE A AUTORIA COLETIVA EM FOTOGRAFIA

Thiago Sabino Alves Pinto

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Feijó Rocha Lima

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THIAGO SABINO ALVES PINTO

DE QUEM É ESSA FOTO?

ESTUDO SOBRE A AUTORIA COLETIVA EM FOTOGRAFIA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Comunicação. Linha de pesquisa: Imagem e som.

Orientador: Prof. Dr. MARCELO FEIJÓ ROCHA LIMA

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THIAGO SABINO ALVES PINTO

DE QUEM É ESSA FOTO?

ESTUDO SOBRE A AUTORIA COLETIVA EM FOTOGRAFIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade de Brasília, e defendida sob a avaliação da Banca Examinadora constituída por:

Prof. Dr. Marcelo Feijó Rocha Lima Faculdade de Comunicação/UnB

(Presidente)

Prof. Dra. Cláudia Linhares Sanz Faculdade de Comunicação/UnB

(Membro do Programa)

Prof. Dra. Laura Maria Coutinho Faculdade de Educação/UnB

(Membro Externo)

Prof. Dra. Susana Madeira Dobal Jordan Faculdade de Comunicação/UnB

(Suplente do Programa)

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AGRADECIMENTOS

Ao estimado orientador Marcelo Feijó, pela amizade, confiança, diálogos, estímulos e por acreditar na pesquisa.

A meus pais, que apesar de já estarem incluídos na dedicatória como meus amigos, merecem também meu agradecimento pelo apoio, compreensão e por sempre estarem ao meu lado em todas as etapas da minha vida. Amo vocês!

Aos meus queridos amigos do delicioso “coletivo copa”, em especial: Mercês (a anfitriã mais amada dessa galáxia), Wil (pela sociedade em todos as empreitadas da vida), Kato (a amiga mais agridoce, obrigado pelas horas de diversão e profunda amizade), (obrigado pela doçura e aconchego), Lilian (pelos potentes e positivos pensamentos, eles funcionaram, ta vendo!?), Thais e Rodolfo (casal afetuoso entre si e com os amigos, obrigado por me confortarem, vocês são !top), Ana (minha madrinha de filiação! Vamos à luta companheira!), Alex (ei, maninho...!), Francelo (meu conterrâneo), Marquinhos (faço questão de ir ao “chá-dos-chás”) e em especial à Camila (que me ouviu com paciência e soube entender todas as minhas crises acadêmicas, dando força e incentivo para continuar; sei que posso contar com você!).

A Marlon, obrigado por ser sempre parceiro.

A André Carvalho, amigo, professor, colega, obrigado pelo incentivo de sempre. Aos professores Elen Geraldes (por apontar os caminhos da pesquisa), Luiz Claudio Martino (pela forma instigante de compreender o fenômeno da comunicação), Susana Dobal (as infinitas possibilidades de narrativas das imagens), Gustavo de Castro (por misturar amor, arte e comunicação) e em especial à Cláudia Sanz (que me incentivou a ter paciência e esperar. A hora chegou!).

Aos amigos Karina, Alex, Rafiza, Raquel e Fernanda obrigado por compartilharem suas experiências acadêmicas e por serem mais que colegas de trabalho.

A Luciano, pelo apoio constante, obrigado por acreditar!

A Yanic, obrigado pela parceria, foi ótimo dividir turma, orientador, angústias e material sobre fotografia. E especialmente à Ane, colega de trabalho, mestrado e por muito tempo de casa, nossa parceria não acaba aqui.

A André Moreira e Vanda pela preciosa ajuda na revisão

A Sandro, pela fundamental ajuda com a impressão desse trabalho.

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RESUMO

Esta dissertação trata das questões relativas ao problema da autoria na fotografia, especialmente nos coletivos fotográficos. Buscamos refletir o fenômeno da coletividade a partir da compreensão de que as relações humanas são relações complexas, portanto, devem ser descritas como tal. Através da premissa de que as interações sociais envolvem relações de afeto, buscamos elucidar o conceito e origem do termo amizade ao longo de toda a história. Partindo das iniciativas de produção coletiva em arte do período moderno até o atual, nossa hipótese é de que a coletividade surge por uma necessidade social de transformação da vida, assim como o principal motivo de formação de um coletivo é o compartilhamento de experiências e a busca de resolução de problemas comuns aos indivíduos pertencentes ao grupo.

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ABSTRACT

This dissertation deals with issues concerning the problem of authorship in photography, especially in photographic collectives. We seek to reflect the phenomenon of the community from the understanding that human relationships are complex relationships, therefore , should be described as such. Through the premise that social interactions involve affection relations, we seek to elucidate the concept and origin of the term friendship throughout history. Based on the collective production initiatives in art modern period to the present, our hypothesis is that the community arises from a social need for transformation of life, as well as the main reason for the formation of a collective is the sharing of experiences and search resolution of problems common to individuals within the group.

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Índice de imagens

Imagem 1: Sem título, Mídia NINJA, 2013. ... 19  

Imagem 2: Sistema P2P sem uma infraestrutura central. ... 20  

Imagem 3: Brie, França, junho de 1968, Cartier-Bresson/Magnum ... 26  

Imagem 4: A fonte, Marcel Duchamp, 1917 ... 51  

Imagem 5: Greenwich Village,Fluxus ... 54  

Imagem 6: Building cup, Gordon Matta-Clark ... 56  

Imagem 7: Reunião da Magnum Photos, Paris, 1957 ... 64  

Imagem 8: Anúncio Kodak, 1888 ... 65  

Imagem 9: Sociedade Paulista de Photographia, 1926. ... 65  

Imagem 10: Foto da fundação do Fotoclube Bandeirantes, 28 de abril de 1939. ... 66  

Imagem 11: Migrant Mother – Dorothea Lange, 1936. ... 70  

Imagem 12: Allie Mae Burroughs, wife of cotton sharecropper. Hale Count, Alabama – Walker Evans, 1935. ... 71  

Imagem 13: CCC (Civilian Conservation Corps) boys at work, Prince George’s Country, Maryland – Carl Mydans, 1935 ... 71  

Imagem 14: On main street of Cascade, Idaho – Russell Lee, 1941 ... 72  

Imagem 15: Southeastern Georgia? – Marion Post Wolcott, 1940. ... 72  

Imagem 16: Print screen álbum de fotos da FSA no site da Biblioteca do Congresso Norte-Americano. ... 73  

Imagem 17: Milton Robinson, a FSA borrower, holding sugar beet on his farm near Greeley, Colorado – Arthur Rothstein ... 75  

Imagem 18: Fruits of the soil on farm of Ernest W. Kirk Jr. – Russel Lee. ... 75  

Imagem 19: Calipatria, Imperial Valley. – Dorothea Lange ... 76  

Imagem 20: Mr. Louis Poleski, Polish tobacco farmer. – Jack Delano. ... 77  

Imagem 21: Singing hymns before opening of meeting of Mothers’ Club at Arvin FSA camp for migrants, California. – Dorothea Lange ... 77  

Imagem 22: Daughter of Calip White, FSA borrower, near Scotland, Maryland, Saint Mary’s Country. – John Cachon. ... 78  

Imagem 23: Publicações da Mission Photographique de la Datar. ... 80  

Imagem 24: Fotógrafos da Mission Photographique de la Datar – Vincent Magescas. ... 80  

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Imagem 26: Mission photographique de la DATAR – Gabriele Basilico. ... 81  

Imagem 27: Mission photographique de la DATAR – Dominique Auerbacher. ... 82  

Imagem 28: Mission photographique de la DATAR – Christian Milovanoff. ... 82  

Imagem 29: Mission photographique de la DATAR – Jean-Louis Garnell. ... 83  

Imagem 30: Mission photographique de la DATAR – Raymond Depardon. ... 83  

Imagem 31: Mission photographique de la DATAR – Robert Doisneau. ... 84  

Imagem 32: Mission photographique de la DATAR – Tom Drahos. ... 84  

Imagem 33: Mission photographique de la DATAR – Lewis Baltz. ... 85  

Imagem 34: Mission photographique de la DATAR – Albert Giordan. ... 85  

Imagem 35: Mission photographique de la DATAR – Sophie Ristelhueber. ... 86  

Imagem 36: Mission photographique de la DATAR – Gilbert Fastenaekens. ... 86  

Imagem 37: Mission photographique de la DATAR – Holger Trulzsch. ... 87  

Imagem 38: Mission photographique de la DATAR – Josef Loudelka. ... 87  

Imagem 39: Mission photographique de la DATAR – Suzanne Lafont. ... 87  

Imagem 40: Mission photographique de la DATAR – François Hers. ... 88  

Imagem 41: Print screen da galeria de fotos do Nordestes Emergentes ... 90  

Imagem 42: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 91  

Imagem 43: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 91  

Imagem 44: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 92  

Imagem 45: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 92  

Imagem 46: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 93  

Imagem 47: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 93  

Imagem 48: Petrolina, Nordestes Emergentes, Gustavo Moura (fotógrafo) e César Mendonça (pesquisador) ... 93  

Imagem 49: Print screen da página do Estúdio Madalena sobre o Nordestes Emergentes ... 94  

Imagem 50: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 94  

Imagem 51: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 95  

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Imagem 53: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 95  

Imagem 54: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 96  

Imagem 55: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 96  

Imagem 56: Nordestes Emergentes, Iatã Canabrava ... 96  

Imagem 57: Cantando hinos no Teatro Municipal Azángaro, Puno, 1991- Eusebio Quispe/Archivo Fotográfico TAFOS/PUCP – ... 99  

Imagem 58: Paloma al aire, Ricardo Cases/Blank Paper ... 100  

Imagem 59: Caixa de sapato, [work in progress]. Cia de Foto ... 101  

Imagem 60: Solo amor. Colectivo MR ... 102  

Imagem 61: Sem título. Sub Cooperativa de Fotógrafos ... 103  

Imagem 62: Sem título. Linda Morales/Fotokids ... 104  

Imagem 63: Sem título. Carlos Barreto/PH15 ... 105  

Imagem 64: Calma. Garapa + Lana Mesic + Thomas Kujipers ... 106  

Imagem 65: Da série “Do amor. Clausura”. Valter Vinagre/Kameraphoto ... 107  

Imagem 66: Sem título. Daniel Patiño/Mondaphoto ... 108  

Imagem 67: Projeto Navigator. Juan Valbuena/Nophoto ... 109  

Imagem 68: Sem título. AF Rodrigues/Observatório de Favelas ... 110  

Imagem 69: Sacrifício. Francis Mora/ONG ... 111  

Imagem 70: TEMAZCAL. Héctor Mediavilla/Pandora ... 112  

Imagem 71: Sem título. Rolê ... 113  

Imagem 72: Machupicchu. Marco Garro/Supay Fotos ... 113  

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1 ENTENDENDO O FENÔMENO COLETIVO ... 19

1.1 DESCREVENDO O QUE REALMENTE IMPORTA ... 22

1.2 INTUIÇÃO E SOCIABILIDADE DAS RELAÇÕES ... 23

1.3 METAFORIZANDO OS COLETIVOS ... 25

1.4 A COMPLEXIDADE SOCIETAL ... 26

2 PARA ALÉM DA AMIZADE ... 29

2.1 O PAPEL DO INDIVÍDUO NO COLETIVO ... 34

2.2 O ESPAÇO DAS INTELIGÊNCIAS COLETIVAS ... 36

2.3 INTERAÇÃO E LAÇOS SOCIAIS ... 38

3 O PROBLEMA DA AUTORIA COMPARTILHADA ... 41

3.1 QUANDO NASCE E QUANDO MORRE O AUTOR ... 41

3.2 O PRODUTO DA AUTORIA ... 44

4 A ARTE PRODUZIDA EM GRUPO – OS COLETIVOS ARTÍSTICOS NO MODERNISMO ... 47

4.1 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DENTRO DOS COLETIVOS ... 49

5 COMO CRIAM OS COLETIVOS FOTOGRÁFICOS CONTEMPORÂNEOS ... 59

5.1 AS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS ... 60

5.2 AS AGÊNCIAS FOTOGRÁFICAS ... 61

5.2.1 Magnum Photos ... 62

5.3 O FENÔMENO DOS FOTOCLUBES ... 64

5.4 AS INICIATIVAS INSTITUCIONAIS – FSA, DATAR E NORDESTES EMERGENTES 67 5.4.1 Farm Security Administration ... 67

5.4.2 DATAR ... 79

5.4.3 Nordestes Emergentes ... 88

6 O LABIRINTO COLETIVO ... 97

6.1 ARCHIVO FOTOGRÁFICO TAFOS/PUCP ... 98

6.2 BLANK PAPER ... 99

6.3 CIA DE FOTO ... 100

6.4 COLECTIVO MR ... 101

6.5 COOPERATIVA SUB ... 102

6.6 FOTOKIDS ... 103

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6.8 GARAPA ... 105

6.9 KAMERAPHOTO ... 106

6.10 MONDAPHOTO ... 107

6.11 NOPHOTO ... 108

6.12 OBSERVATÓRIO DE FAVELAS ... 109

6.13 ONG, ORGANIZACIÓN NELSON GARRIDO ... 110

6.14 PANDORA ... 111

6.15 ROLÊ ... 112

6.16 SUPAY FOTOS ... 113

6.17 TALLER FOTOGRÁFICO DE GUELATAO ... 114

CONCLUSÕES ... 115

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INTRODUÇÃO

Como para a maior parte dos fotógrafos, minha paixão pela fotografia começou cedo, sempre fui o responsável por fazer todos os registros fotográficos da família e nunca me importei com o fato de quase nunca sair nas imagens, pois eu era o fotógrafo; para mim isso bastava. Obviamente, naquele tempo, as limitações do aparato fotográfico faziam com que poucos tivessem realmente paciência e o “dom” para ser fotógrafo. Cresci acreditando que um dia seria um de verdade e que tomaria aquilo como minha profissão.

Por caminhos tortuosos, percebi que fazer fotografia tinha a ver com fazer arte. Decidi então cursar artes cênicas, que nada tinha a ver com fotografia, a princípio, até que comecei a fotografar teatro, unindo o útil ao agradável, desenvolvendo assim, tecnicamente falando, todas as questões relativas à fotografia e ainda me mantive dentro do teatro, minha mais nova paixão.

Mas ainda não tinha me encontrado definitivamente na fotografia e nem sei se um dia me encontrarei, mas a questão era, logo que concluísse os dois cursos de graduação na UnB, educação artística e interpretação teatral, precisava me encontrar, fotograficamente falando. Foi então que, seguindo minha intuição, decidi estudar fotografia. Aventurei-me pela Europa para tentar entender o que eu queria dizer com a fotografia. Foi um ano de muito aprendizado e sofrimento em Madri, mas com garra e apoio dos meus pais e dos amigos que fiz por lá, conclui o Master internacional de fotografia – concepto y creación em 2009. Como trabalho final, mais uma vez uni o teatro e a fotografia ao produzir uma série de autorretratos nos quais, por meio de maquiagem, eu expressava a variedade de sentimentos que vivenciei na minha jornada melodramática espanhola.

Foi com esse trabalho que tive o primeiro insight para o tema dessa dissertação, discutir a questão da autoria da fotografia coletiva. Certa vez, já como professor, fui questionado por um aluno sobre a autoria dos meus autorretratos, se eu estava na foto, como poderia ter sido eu a fotografar? Obviamente essa questão é de fácil resposta para muitos, mas com essa provocação, senti a necessidade de entender melhor como se dão os processos de autoria na fotografia.

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do recorte de tempo e espaço do mundo. Mas durante o processo de criação da imagem fotográfica, há uma infinidade de processos e elementos constitutivos que Kossoy chama de “verdadeira trama” (p. 27).

Na imagem fotográfica estão incorporados e são indissociáveis componentes de ordem

material e imaterial. Os menos importantes, numa hierarquização que se faz fundamental para entendimento de que a fotografia é linguagem e não ferramenta, são os componentes

materiais: as lentes, a câmera, flashes, químicos ou softwares que obviamente são importantes para a concepção da imagem, tecnicamente falando, mas que sem um entendimento da linguagem, tornam-se imagens meramente bonitas, nada mais que isso.

Já os componentes de ordem imaterial, segundo Kossoy, são os mentais e culturais, impulsionados por uma motivação interior ou exterior, proveniente de necessidades científicas, comerciais, educacionais, políticas, jornalísticas etc. Existe sempre uma motivação pessoal ou profissional para a concepção de uma fotografia, na qual está outra opção do fotógrafo, a da escolha do tema, ou seja, é o momento que se seleciona o assunto a ser fotografado.

Selecionado o assunto, que se dá a partir de uma sucessão de escolhas, um somatório de decisões de diferentes naturezas idealizadas e conduzidas pelo fotógrafo, assim como a escolha do equipamento a ser utilizado, dá-se a definição do enquadramento do assunto, trata-se da organização visual dos elementos constantes do assunto no visor da câmera, objetivando alcançar, segundo determinadas condições técnicas, certo efeito visual que sinalize as intenções da linguagem fotográfica. Em outras palavras, é organizar os elementos técnicos para contar da melhor forma o que se quer narrar com a fotografia.

Philippe Dubois (1993) acredita que a imagem fotográfica é criada por inteiro, de um único golpe, “a foto aparece dessa maneira, no sentido forte, como uma fatia, uma fatia única e singular de espaço-tempo, literalmente cortada ao vivo” (p. 161) . Essa seleção de tempo e espaço, o momento correto de apertar o disparador, é de fundamental importância para o ato fotográfico, porque é ele que define a imagem, entretanto não é o único elemento importante e, em muitos casos, não é necessário que o próprio fotógrafo o faça, ele pode terceirizar essa ação. Foi o que fiz nos meus autorretratos e que muitos fotógrafos, principalmente os que trabalham com autorretrato, fazem.

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necessariamente necessita de uma mesma pessoa para realizar todas as funções que englobam o ato fotográfico, ou seja, ela então pode ser feita coletivamente?

Outro episódio interessante envolvendo minha atividade de docência ocorreu quando ministrei a disciplina fotojornalismo: ao distribuir as pautas para os fotógrafos que fariam a cobertura de uma das edições do jornal laboratório da Universidade Católica de Brasília, chegamos a um momento em que tínhamos mais fotógrafos do que pautas e, para resolver esse problema, a princípio banal, orientei que algumas pautas deveriam ser fotografadas por duplas, e a questão que se apresentou rapidamente foi: de quem seria a autoria das imagens já que ambos fotografariam? Os alunos ainda acreditavam que a autoria fotográfica estava associada a quem disparava o botão e desconsideravam as outras etapas do processo de criação fotográfico enquanto constituintes do ato fotográfico. Dessa forma iniciou-se meu interesse por iniciativas fotográficas coletivas, com o intuito de destrinchar o processo de criação da imagem fotográfica e conferir importância a todas as etapas, desde o processo de concepção de linguagem, escolha de equipamento e pós-produção.

Nesta pesquisa nos deparamos com a problemática de entender por que os fotógrafos se organizam em coletivo. A questão não poderia ser tão simplória como a que me fez juntar os alunos em duplas na disciplina de fotojornalismo, deveria haver algo maior que isso. Foi então que se iniciou a busca por entender as relações societais e questões como afeto e amizade se fizeram importantes.

Para compreender o que acontece nos coletivos, fez-se necessário recorrer a metodologias de pesquisa específicas, a fim de compreender da melhor maneira como se organizam. Para isso, optamos pela fenomenologia, especificamente a proferida por Michel Maffesoli (1998), que, por meio da descrição, intuição e metáforas, substitui o “porque” para o “como”, a fim de não encerrar o assunto. Para o professor e sociólogo, ao se preocupar em responder questões relativas a fenômenos complexos, caímos no erro de encerrar o assunto e desconsideramos as subjetividades dos elementos.

Ao entender que as relações de amizade e laços afetivos criados nos coletivos são questões complexa, os estudos sobre pensamento complexo de Edgar Morin (2011) se fizeram necessários, não só por entender que a ciência é campo fértil da complexidade, mas por compreender que o homem, por ser complexo, jamais poderia ter atitudes simplificadoras.

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faz sua passagem pela política, e mais tarde retorna ao seio da família. mas que hoje serve para nominar aqueles que queremos por perto. Como definido por Aristóteles, o sentimento de amizade “é um relacionamento ético entre indivíduos que buscam o bem um do outro como de si mesmos”. Os estudos sobre a genealogia da amizade do professor Francisco Ortega (2002), foram fundamentais para essa pesquisa.

As questões sobre amizade, conduziram para um entendimento da sociedade como um todo. Portanto, além das questões de amizade, o conceito de sociedade e de indivíduo, a partir da obra de Norbert Elias (1994) se mostraram fundamentais para compreender o papel de cada membro do coletivo. Assim, procuramos elucidar as questões de sociedades e como as questões relativas às sociedades são formadas, o que nos levou a tentar entender em que momento vivemos, os “espaços antropológicos” de Pierre Lévy (1998).

Para o sociólogo francês, vivemos atualmente no “espaço do saber”, mas antes dele, outros três espaços antropológicos conduziram às formas de pensar e agir da sociedade: a “terra”, o “território” e o das “mercadorias”. No espaço da terra, a conexão do indivíduo era com o cosmos, os rituais, os devires e os começos tinham seus espaços aí. O que se modifica no espaço do território é que a terra agora é demarcada e passa a ter proprietários, já não é mais de todo mundo. No espaço das mercadorias, nasce o comércio, a noção de troca, fluxo, massa, etc., e é conduzido para o espaço que vivenciamos hoje, que é o espaço do saber. No espaço do saber, a inteligência é compartilhada, todas as formas de inteligências são aproveitadas, o ambiente é virtual e opera no campo da cibercultura.

Por fim, encerrando a parte sobre a amizade e os laços afetivos, buscamos nos estudos sobre primatologia do norte-americano Frans de Waal (2010) encontrar as relações possíveis entre os instintos presentes nos primatas que se repetem nos humanos. Através de pesquisas fundamentadas em importantes cientistas como Darwin (1981) apud Wall (2010), podemos estabelecer as conexões a fim de reforçar que o ser humano é um animal social, e que precisa do outro não somente para sobreviver, mas também para desenvolver suas atividades de forma mais confortável e agradável. As relações de amizade segundo Aristóteles entram aí.

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Encontramos em Roland Barthes (2004) e Michel Foucault (2001) importantes informações sobre o surgimento da autoria no período moderno. Por uma necessidade, a princípio, política, era necessário saber quem escrevia determinados textos contra as classes dominantes da época, mas que de certa forma conduziram para uma valorização da pessoa que produz a obra. Nesse momento nasceu a ideia de proteger os direitos dos autores, momento histórico em que o indivíduo era destacado da sociedade.

Uma outra demanda que se fez relevante, foi reconhecer o que é criado pelo autor. Em vista disso, para caracterizar a obra recorreremos a Bourdieu (2003, 2008) para abranger como se dá o mercado de obras de arte e a produção da crença, afinal para se ter uma obra é necessário saber o que se faz e, segundo Bourdieu, existe todo um mercado de bens simbólicos em que o produto de criação do autor está inserido.

Esbarrando com a questão do surgimento do conceito de autor na modernidade, pretendemos fazer uma viagem na história das artes para descrever de que maneira outras iniciativas artísticas se desenvolveram de forma coletiva. Partindo do texto de Alan Moore (2002), que versa sobre os coletivos artísticos na modernidade, identificamos várias formas de criar em grupo, partindo do movimento artístico Bohemio, passando pelas vanguardas artísticas, até chegar às iniciativas coletivas específicas em fotografia no final do século XX até os dias atuais.

Em fotografia, nos balizamo-nos pelos casos dos coletivos institucionais (institucionais porque foram conduzidos pelo governo de seus respectivos países): Farm Security Administration, nos Estados Unidos da América, DATAR, na França, e Nordestes Emergentes, no Brasil. Essas três inciativas ocorridas em épocas e em países diferentes, podem proporcionar relevantes contribuições para discutir a autoria nos coletivos fotográficos enquanto modelos relevantes de agrupamento de fotógrafos e outros profissionais na concepção de projetos que envolvem a fotografia diretamente.

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ENTENDENDO O FENÔMENO COLETIVO

Imagem 1: Sem título, Mídia NINJA, 2013.

FONTE: http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/06/por-causa-de-manifestacoes-seguranca-do-congresso-bloqueia-areas-de

De quem é essa foto? Essa pergunta, aparentemente simples, se complexifica à medida que é feita sobre um produto concebido por um grupo e sem autoria individual definida, como é o caso dessa fotografia de uma das manifestações que ocorreram em Brasília em 2013 e de autoria atribuída ao Mídia NINJA. A questão da autoria, que usualmente é imputada ao indivíduo, é ressignificada ao passo que esse tipo de organização coletiva se torna frequente nos campos da fotografia e da comunicação.

Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (NINJA) é uma rede de comunicadores que produz e distribui informação e que aposta na experiência colaborativa de produção e compartilhamento de conteúdos, fenômeno característico da cibercultura. Entre as principais pautas do Mídia NINJA, estão as lutas sociais, articulações das transformações culturais, políticas, econômicas e ambientais.

No “espaço antropológico” que vivemos hoje, o “espaço do saber”, como proposto pelo filósofo Pierre Lévy (1998) na obra A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, o período Noolítico1, situado no ciberespaço, que trata da economia do

1

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conhecimento, propõe uma nova visão da comunicação, onde não há mais a necessidade de um intermediário para repassar a informação, essa troca agora pode ser feita diretamente de pessoa para pessoa.

Nesse novo espaço surge o ambiente peer-to-peer (P2P), onde a rede usual centralizada baseada em servidores é substituída pelo sistema sem uma infraestrutura central, como sugere o próprio nome, que traduzido para o português simplesmente como “ponto-a-ponto”, as pessoas não só recebem, mas também produzem informações, com a possibilidade de construir opinião e compartilhá-la no ambiente virtual. Nesse contexto, os cidadãos multimídia surgem e se conectam aos acontecimentos, produzindo e compartilhando informação.

Imagem 2: Sistema P2P sem uma infraestrutura central. FONTE: Elaborada pelo autor

Em março de 2013 surge o Mídia NINJA, que ganha reconhecimento mundial a partir da cobertura e transmissão ao vivo dos protestos de junho do mesmo ano, fazendo coro com as inciativas também coletivas de mídia independente ao redor do mundo que tratam principalmente de questões sociopolíticas e insatisfações advindas das classes mais oprimidas da sociedade.

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cultura: “os velhos intermediários não têm condições de enxergar o novo” (https://ninja.oximity.com/partner/ninja/history). Nos dois anos anteriores ao lançamento do

Mídia NINJA, o Fora do Eixo foi responsável por desenvolver laboratórios de cobertura multimídia em tempo real, incluindo transmissões ao vivo, vídeos, fotografias e posts em redes sociais, sempre com a perspectiva de construção de uma nova rede de comunicação independente.

Todavia, a questão que se fez no início dessa pesquisa ainda não teria resposta fácil, afinal responder apenas que a foto é de autoria do Mídia NINJA, não contempla as mais variadas questões de autoria vigentes na contemporaneidade.

Nos dicionários o autor é “sempre a pessoa que fez, que criou”. Na lei No 9.610 de fevereiro de 1998, que regulamenta o direito autoral no Brasil, ainda que seja citada a questão da coautoria e da produção coletiva em grande parte de sua redação, refere-se ao autor como sujeito individual: “Art. 11 - Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” (BRASIL, 1998, s/p). Quando a produção coletiva é citada, é para assegurar as participações individuais dentro do coletivo: “Art. 17 - É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas” (BRASIL, 1998, s/p).

Pois bem, como será exposto no decorrer do trabalho, nem sempre a autoria é de apenas uma única pessoa. Defenderemos aqui a perspectiva de que autoria é um processo complexo que pode envolver mais de um indivíduo e que a escolha por assinar a obra de forma coletiva é uma questão de afirmação enquanto coletivo, prática que pode ser vista e está sendo aceita em concursos e trabalhos profissionais com certa frequência.

Sobre a autoria dos conteúdos do coletivo Mídia NINJA, percebem-se dois tipos de produtos, os com assinaturas individualizadas mas com a menção à rede "Nome do Autor/Mídia NINJA" e os que somente citam “Mídia NINJA” nos créditos. Ora, a pergunta que logo surge, mas que já adiantamos que não será respondida aqui, é: “Por que a autoria se dilui em alguns casos e em outros não?”

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1.1 DESCREVENDO O QUE REALMENTE IMPORTA

“Para onde você vai? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões inúteis. Fazer tábula rasa, partir ou repartir do zero, buscar um começo ou fundamento, implicam uma falsa concepção da viagem e do movimento”

(DELEUZE & GUATARRI, 1995, p. 36)

Quando Michel Maffesoli propõe utilizar a descrição como ferramenta necessária para compreender fenômenos complexos e subjetivos, como é o caso das interações possíveis entre os diversos membros de um coletivo, ele introduz a possibilidade de abordar a pesquisa com o que chama de “pensamento acariciante” (MAFFESOLI, 1998, p. 113). É então que ele sugere o “método erótico”, que orienta deixar de lado a necessidade ocidental de querer concluir. “Não se trata de uma conclusão mas sim de uma abertura” (MAFFESOLI, 1998, p. 114).

Voltando à pergunta sobre o Mídia NINJA, nessa perspectiva de explicar por que a autoria se dilui seria concluir o fenômeno e não é o interesse desta pesquisa, mas sim perceber o que de fato acontece em uma interação complexa como a dos coletivos.

Para isso a fenomenologia de Maffesoli (1998) introduz a noção de "perspectivação", onde se promove a ideia de horizonte, algo que não se encerra, fica aberto, permite compreender aspectos do infinito, do incerto, do complexo, das situações humanas, das significações entrecruzadas que não se reduzem a uma simples explicação causal.

A causa dos acontecimentos é abandonada nessa perspectiva, não se pergunta “por que tal coisa aconteceu?”, pois isso seria a causa. Pergunta-se “a que fim ela aconteceu?”. Desse modo, na presente pesquisa evitar-se-á tentar encontrar explicações para o motivo de as formações coletivas analisadas existirem ou por que agem de determinada maneira. O que se pretende fazer aqui é descrever como as relações acontecem.

Em síntese, é evitar o “por quê?” e usar o “como?”.

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" Nome do coletivo " País de origem " Descrição " Tipo de coletivo " Como assinam " Temas recorrentes " Número de integrantes

" Estética predominante e mídias utilizadas " Ano de fundação e de término (quando houver) " Comentários relevantes

" Gênero fotográfico

A partir do levantamento desses dados, o panorama das características principais dos coletivos analisados estará traçado e a próxima etapa da pesquisa será relacionar os dados para assim entender sobre o que falam os coletivos e como funcionam as diversas possibilidades autorais na contemporaneidade.

1.2 INTUIÇÃO E SOCIABILIDADE DAS RELAÇÕES

As relações humanas são intuitivas, as pessoas se relacionam porque intuem que aquela união será de alguma forma compensadora. As uniões não são gratuitas, elas acontecem a partir de interesses, de melhoria pessoal e individual a partir do contato com o outro. O ser humano acredita que unido é mais forte, que com cúmplices estará mais protegido das adversidades do mundo.

Para o primatólogo Frans de Waal (2010), assim como os primatas, o homem é um animal gregário, altamente cooperativo e sensível às injustiças e que se relaciona, a princípio por instinto, com membros de sua própria família, mas que também possui além de um lado social um lado egoísta.

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Ora, uma vez que experimentos científicos comprovaram que o vínculo social é um elemento fundamental para nossa espécie, como saber com quem se relacionar? Inicialmente com a família, o indivíduo tem em sua genealogia esse instinto familiar responsável pelo desenvolvimento da sociabilidade, afetividade e construção dos laços sociais. De acordo com Francisco Ortega, “amizade e parentesco estão em perfeita união na modernidade” (2002, p. 117) e “toda dinâmica de grupo é no fundo uma dinâmica familiar” (p. 123).

Outra questão fundamental é o que diz respeito à moralidade, afinal esses agrupamentos de indivíduos se reúnem em busca de uma ética. Na concepção aristotélica, amizade é entendida como um relacionamento ético entre indivíduos que buscam o bem um do outro como o de si mesmo. “A base da moralidade está nos sentimentos” (WAAL, 2010, p.21).

Que relação será mais prazerosa ou fará com que cada indivíduo do coletivo lucre mais? Seriam então todas as relações movidas por interesse?

No caso dos coletivos fotográficos, onde não existe uma situação de parentesco, pelo menos não entre os coletivos analisados nesta pesquisa, existe uma relação de amizade e de interesses. Saber com quem se juntar, com quem criar laços de amizade ou iniciar um negócio, envolve os sentimentos e é isso que Maffesoli propõe sobre a intuição ao dizer que a união de pessoas em relações afetivas demanda um pouco de intuição; é preciso reconhecer sentimentos, que são subjetivos.

A “intuição intelectual”, como afirma Maffesoli (1998), dá conta da vida sensível integrando a parcela de racionalidade a da dimensão subjetiva inerente a toda reflexão sobre o fato social, além do que:

[...] essa “potência de inteligência intuitiva” é a cristalização, num indivíduo, de um gênio coletivo; que o instinto poético só é possível se estiver enraizado num substrato que o supere; em suma, que a criação própria a uma subjetivação pessoal não existe senão em ligação com esse amplo reservatório, esse lençol freático, que é a subjetividade de massa. (p. 142)

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1.3 METAFORIZANDO OS COLETIVOS

Segundo Maffesoli (1998), outra maneira de entender a diversidade societal é por meio de metáforas. Para o autor metáfora bem escolhidas não é sinônimo de pensamento vazio, como sugeriria Aristóteles (1991): “metáforas não passam de jogos de espíritos, sinal de debilidade, mais do que força do pensamento”. Para Maffesoli (1998), como a metáfora não tem pretensões científicas, talvez seja mais neutra em relação às descrições que “contentando-se com descrever, ela auxilia a compreensão sem, por isso, pretender à explicação.” (p. 148).

O uso das metáforas faz-se necessário principalmente no campo artístico, onde é imprescindível o olhar novo, sem pré-concepções. Fala-se de um processo de análise que vem “de baixo”, que se apoia na empiria e progride, “passo a passo”, a partir de induções, e, por fim, utilizando metáforas, que como peças de quebra-cabeça, ajustam-se, por vezes com dificuldade, até construir uma figura significante.

A fenomenologia sugere que é preciso considerar que os fenômenos não podem ser modelados à vontade de cada um. O ambiente social e o natural já estão aí e resistem a uma imposição racionalista, ou pelo menos tentam relativizá-la.

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Imagem 3: Brie, França, junho de 1968, Cartier-Bresson/Magnum Fonte: www.magnum.com

1.4 A COMPLEXIDADE SOCIETAL

Esta pesquisa versa sobre coletivos fotográficos. Pressupõem-se que, em coletivos há interação entre indivíduos. Coletivo é grupo, sociedade, relações que envolvem laços, afetos, gostares, quereres. Podem culminar em amores, ódios, paixões. Os coletivos iniciam-se por interesses, necessidades, afinidades diversas. Eles findam por motivos de brigas, traições, mudança de interesses, etc..

Coletivo vem do latim collectivus, que quer dizer algo que abrange ou compreende muitas coisas ou pessoas, logo, coletivos fotográficos é todo agrupamento de pessoas que fotografam ou trabalham em alguma etapa do processo fotográfico.

Os coletivos fotográficos são formados por seres humanos, que são seres complexos. Ora, se o indivíduo já é um ser complexo por natureza, o que podemos dizer das interações entre eles?

As relações humanas também são complexas, falar de coletividade, onde se presume falar de relações humanas requer altas doses de compreensão sobre o que é o pensamento complexo e como a complexidade vem sendo estudada na ciência.

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como complicado, difícil, incômodo, trabalhoso. Complexo é o oposto de simples, do claro, do fácil e deve ser evitado.

Complexo é sinônimo de dificuldade, confusão, desordem, incerteza. É a incapacidade de exprimir de modo simples ou com clareza o nosso pensamento (MORIN, 2011). Essa problemática inicial vem de uma pesada carga semântica atribuída ao que se entende por complexo. A incumbência do conhecimento científico foi, durante muito tempo, e continua sendo, a de dissipar qualquer dificuldade de entendimento dos fenômenos, ou seja, tornar o complexo simples, “resolver” os problemas, com o intuito de revelar a ordem simples a que obedecem (MORIN, 2011, p.5).

Para Morin (2011), os modos simplificadores de conhecimento mutilam mais do que descrevem as realidades dos fenômenos; eles cegam mais do que elucidam. Por esta razão, sustentaremos o fenômeno dos coletivos como fenômenos complexos.

A noção de complexidade nos coletivos fotográficos permeia a multiplicidade, que segundo Deleuze & Guatarri (1995) são rizomáticas. “O princípio da multiplicidade é quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo” (DELEUZE & GUATARRI, 1995, p. 15). Segundo os autores, há também sempre algo de genealógico no método do tipo rizoma e isso faz com que seja necessário analisar a linguagem efetuando um descentramento sobre outras dimensões e outros registros.

Ainda segundo Morin (2011), há duas ilusões, que é necessário desmontar para se compreender o real problema do pensamento complexo. A primeira é sobre a simplicidade: a complexidade não conduz à eliminação da simplicidade; ela surge onde o pensamento simplificador falha, mas integra em si tudo que põe ordem, clareza, distinção precisão no conhecimento. O pensamento complexo engloba todas as formas simples de pensar, mas recusa as mutilações de pensamento, redutoras, simplificadoras, unidimensionais, e finalmente ofuscantes, que só consideram o reflexo do que há de real na realidade.

A outra ilusão que é necessário desmistificar é da complexidade como sinônimo de completude, ou seja, o pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional; ele dá conta das articulações entre os diversos campos disciplinares que são desmembrados pelo pensamento simplificador; o pensamento simplificador isola o que separa, oculta o que religa.

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reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento” (MORIN, 2011, p.7)

A complexidade propõe um pensamento multidimensional, jamais se encerra, onde um objeto não se isola em seu contexto, considera-se seus antecedentes ou seus devenires. Não reduz as incertezas e as ambiguidades, aceita-as como parte do fenômeno, abre, jamais fecha. “Trata-se de evitar a visão unidimensional, abstrata. Para isso é preciso, antes de mais nada, tomar consciência da natureza e das consequências dos paradigmas que mutilam o conhecimento e desfiguram o real” (MORIN, 2011, p. 11).

O objeto de estudo desta pesquisa se apresenta de forma complexa, portanto essa complexidade será abordada de maneira natural, sem recorrer a tentativas de “simplificar” as relações entre os indivíduos que compõem os coletivos.

Entender como operam os coletivos fotográficos requer um exercício de seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa (distingue) ou une (associa, identifica), assim como hierarquiza e centraliza as noções-chave do fenômeno. Chama-se aqui fenômeno, à junção de indivíduos no mesmo coletivo e aos procedimentos adotados para elaboração de seus trabalhos.

Reconhecer a complexidade não é limitar-se a dizer que as coisas são assim porque sim, mas é fundamentar, por meio do método fenomenológico, que as interações sociais são fenômenos complexos, que se comportam como se fossem teias, em que um elemento pode alterar toda a formação social preestabelecida. A complexidade é uma espécie de trama orgânica, que pode gerar qualquer resultado, independente do formato da equação.

O método genealógico, criado por Nietzsche no final do século XIX e desenvolvido por Michel Foucault e Jonathan Crary forneceu importantes contribuições para os estudos em Comunicação e Cultura, segundo Maria Cristina Franco Ferraz (2013). Em seu artigo, Ferraz ressalta as importâncias dessa metodologia aplicada aos estudos em teorias da comunicação e nos estudos culturais, e nos aponta importantes contribuições para o desenvolvimento dessa pesquisa.

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2

PARA ALÉM DA AMIZADE

Os coletivos se caracterizam por envolver pessoas, indivíduos que se relacionam e estabelecem relações de afetividade, constroem laços e, como consequência possível, seus integrantes tornam-se amigos, ou se constituem justamente por já haver uma situação de amizade. Por esse motivo, entender em que consiste a amizade e como esse tipo de envolvimento social se desenvolve ao longo da história é etapa fundamental nessa pesquisa.

Amizade é um relacionamento ético entre indivíduos que buscam o bem um do outro como de si mesmos, conforme a definição aristotélica. É também uma virtude extremamente essencial à vida. Virtudes morais são adquiridas através do hábito, e segundo Aristóteles (1991) consistem em equilibrar vícios da falta e do excesso. A amizade é uma virtude necessária no compartilhamento da felicidade.

Amizade vem do latim amicitia (amizade), amicus (amigo), amare (amar), que provavelmente derivou de amore; amar, refere-se a uma relação afetiva que envolve conhecimento mútuo, afeição, além de lealdade e uma certa dose de altruísmo. Mas encontraremos também na Grécia seu sentido. Amizade é a tradução do grego philia, que no tratado de Ética a Nicômaco de Aristóteles assim aparece.

Francisco Ortega (2002), em seu amplo estudo realizado sobre a amizade e suas genealogias, elucida que o conceito de philia só surge com Heródoto no século V a.C. Nos poemas homéricos, o adjetivo phílos, o verbo philein e o substantivo philotès aparecem todos ligados a uma variedade de significados mas que as relações pessoais seriam uma ligação entre todos. Philos é utilizado por Homero com duplo sentido, possessivo e afetivo, mas é no sentido afetivo quedá a ideia de proximidade das relações de parentesco, usada como forma afetuosa para se referir aos membros de uma família.

Na Grécia homérica a amizade não aparece com uma forma definida, existindo inúmeros tipos e noções. Os tipos de amizade derivam-se principalmente à noção de parentesco, eis a sua origem, mas sobretudo “trata-se de relações institucionalizadas e ritualizadas” (ORTEGA, 2002, p. 23).

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hospitalidade, que adota um caráter quase jurídico, uma ética fortemente codificada, na qual ‘o honor vira o único elemento afetivo’” (FRAISSE, 1974 apud ORTEGA, 2002, p.17).

Considerando esse sentido de segurança atribuído ao philos, a ideia de fidelidade é fundamental, principalmente em se tratando de um universo bélico em que Homero está inserido. Nesse caso, o que garante a sobrevivência são as amizades, o amigo é o que protege. Já na ontologia platônica da philia, a amizade se baseia na procura pela verdade, que é característica da filosofia. A discussão platônica sobre a amizade está diretamente ligada às reflexões sobre o amor, à procura de dar ao “amor dos rapazes” (paidikon eros) uma forma moralmente aceitável na polis, situação que é explicada na erótica grega, que devido à divisão dos sexos, as relações afetivas eram desenvolvidas entre os homens. Para Platão “devemos ter um com o outro um trato filosófico [...] pois juntos temos de conhecer a verdade sobre o bem e o mal e também a aparência e a verdade da natureza com muito trabalho e muito gasto de tempo”. Platão considera as comunidades filosóficas como constituídas por um grupo de amigos num ambiente de amor sublimado, de amor-philia.

Considerava-se a ausência de vínculos maritais mais estreitos e de amor conjugal, afinal existiam lugares específicas para cada sexo, com o baixo estatuto da mulher e sua reclusão à esfera doméstica (o oîkos). A consequência foi o privilégio do culto da amizade e do amor somente entre os homens.

A partir do século XII, surge uma virulenta hostilidade com a homossexualidade impulsionada por uma vontade de uniformidade manifestada pelas instâncias eclesiásticas. Essa vontade de uniformidade culminou não somente na consolidação do poder civil eclesiástico com a criação da inquisição como instrumento de uniformização dogmática que proporcionou as cruzadas, expulsão de judeus, tentativas de eliminar a feitiçaria e a repugnância da homossexualidade. Segundo Boswell (1997) havia uma “furiosa e obsessiva preocupação negativa com a homossexualidade significando o mais horrível dos pecados” (p. 262 apud ORTEGA, 2002, p. 89).

Nesse períodos, acreditava-se que a segurança da Europa cristã estava ameaçada pelos mulçumanos e pelos hereges, ambos inclinados à sodomia. Não existia um limite claro que diferenciasse amizade de homossexualidade, ambas envolviam um vínculo emocional que exigia intimidade física. Numerosas acusações de sodomia feitas na alta idade média e no renascimento correspondiam a um comportamento que teria sido qualificado de amizade em outra época.

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sexual mesmo. Imaginar um ato sexual que não seja conforme a lei da natureza, não é o que inquieta as pessoas. Mas que indivíduos comecem a se amar: aí está o problema” (FOUCAULT, 1981, p. 2).

Foucault versa também sobre o desenvolvimento da problemática da homossexualidade para o problema da amizade. Foucault afirma que em relações homossexuais o que há de mais genuíno, que se sobrepõem ao prazer imediato, e o que é capaz de fazer a relação dar certo, é a ideia da amizade: “terão de inventar de A a Z uma relação ainda sem forma que é a amizade: isto é, a soma de todas as coisas por meio das quais um e outro podem se dar prazer” (FOUCAULT, 1981, p.2).

Para Aristóteles, a amizade é, pois, uma virtude extremamente necessária à vida. Mesmo que possuamos diversos bens, riqueza, saúde, poder, ainda assim, não será suficiente para nossa realização plena, pois nos falta a essencial e indispensável amizade. Na ética aristotélica, quanto mais influência e poder um homem tiver, mais necessidade ele terá de ter amigos. A justiça e a amizade possuem os mesmos fins, mas considera-se a amizade superior à justiça, pois a justiça é utilizada para contornar nossos atos em relação ao próximo que não conhecemos. Com os nossos amigos não precisamos de justiça, pois a natureza da amizade nos é completa, como mais autêntica forma de justiça.

A amizade não é apenas necessária, mas também nobre, pois louvamos os homens que amam os seus amigos e considera-se que uma das coisas mais nobres é ter muitos amigos. Ademais pensamos que a bondade e a amizade encontram-se na mesma pessoa. (ARISTÓTELES, 1991, p.173)

É condição fundamental para se formar uma amizade o conhecimento de outra pessoa, que desejem reciprocamente o bem, assim como é condição específica para ser objeto de amor ter um caráter bom, agradável e útil.

Aristóteles acrescenta ainda que deve existir mais de uma forma de amizade. Apresenta então três espécies de objetos de amor: o que é bom, o agradável e o útil. O que é motivado pelo bem está em situação de superioridade, pois é duradouro, baseia-se na admiração mútua. A agradável está relacionada aos jovens, está fundamentada no prazer mútuo. E a terceira parece existir principalmente entre pessoas idosas, pois nessa idade buscam não o agradável, mas o útil, nesse caso, busca-se a vantagem mútua.

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ele pode proporcionar algum bem. A amizade é utilizada para conseguir outra coisa, de modo que o amigo é tido como um meio e não como fim.

Ainda segundo Aristóteles (1991), é essencial para uma amizade “a consciência, a qual só é possível se duas pessoas são agradáveis e gostem das mesmas coisas”, e que a amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na virtude, ou seja, é necessário haver reciprocidade de caráter e de objetivos e, como exigência peculiar, o tempo e intimidade. A verdadeira amizade é invulnerável à calúnia. A ética aristotélica sugere que a vida humana se baseia nas relações intersubjetivas da amizade, e que é uma condição necessária e indispensável para uma vida feliz.

Porém, há momentos na história em que o conceito de amizade se enfraquece, justamente pelas mudanças de paradigmas que ocorrem, por exemplo, com a ascensão do cristianismo. No cristianismo o conceito de amizade, que surgiu no mundo bélico, dilui-se justamente porque se amplia. A máxima cristã: “Ama o teu próximo como a ti mesmo” surge, e com isso, a ideia de que “todos somos irmãos”, utilizando o vocabulário cristão, equivale dizer que todos devem ser tratados como amigos.

Porém, a funcionalidade desse conceito ideal encontra barreiras no mundo real, por motivos óbvios, afinal a amizade perde a seletividade, não podemos escolher os nossos amigos, todos devem ser tratados da mesma forma, afetos e desafetos. Por determinação de uma lei divina todos são iguais, amigos ou inimigos, todos devem ser entendidos como próximos.

Em Kant (1978 apud ORTEGA, 2002), essa máxima cristã será expressa mais tarde como a lei da razão, mesmo contra nossos desejos, deveremos tratar nosso próximo como a nós mesmos, por ser um dever moral.

Voltando à origem latina de amizade, apesar de aparentemente a amizade se manifestar da mesma forma, existem diferenças significativas entre a philia grega e a amicitia

romana. Para os romanos a amicitia é por um lado uma relação baseada na afeição livre, o que exclui associações econômicas, comunidades religiosas e jurídicas e relações de parentescos. Porém, as associações políticas estabelecidas entre os nobres para se apoiarem em assuntos de política interna e externa eram consideradas amicitia. Os aristocratas romanos precisavam de amigos para se impor politicamente.

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que não precisa de qualidades objetivas; um prazer espiritual que não diminui com sua satisfação, mas aumenta.” (ORTEGA, 2002, p. 94)

Montaigne também dissocia amizade de família ao criticar a ausência de liberdade e de escolha, o que se modifica no período do romantismo, pois nessa época as amizades se recolheram da esfera pública para a esfera privada; o espaço público, que favorecia o encontro dos amigos, foi substituído pela casa, o lar. Com isso, os laços de amizade voltam-se para a família, perdendo o caráter de livre escolha. Os amigos passam a ser o cônjuge ou algum parente próximo. Houve uma restrição da amizade para o ambiente doméstico e, nas relações de trabalho, passou a predominar a competitividade em detrimento dos laços de solidariedade. Porém, além das relações familiares, existiam vários outros laços afetivos na modernidade. Na época moderna, a família não esgotava a esfera do privado, nem de afetividade, o indivíduo não vivia em família até atingir a idade adulta, a amizade podia representar um amplo vínculo que absorve relações sociais e profissionais:

A vida social se organiza a partir de vínculos pessoais, e dependência de patronagem, e também de ajuda mútua. As relações de serviço e as relações de trabalho eram relações de homem, que evoluíam da amizade ou da confiança para exploração ou o ódio. Jamais se instalavam na indiferença ou anonimato. Passava-se de relações de dependência às de clientelas, de comunidade, de linhagem e às escolhas mais pessoais. Vivia-se, portanto, um uma rede de sentimentalidade difusa e também aleatória determinada apenas de modo parcial pelo nascimento e pela vizinhança e como que catalisada pelos encontros casuais, pelas paixões à primeira vista. (ARIÈS, 1985, p. 87 apud ORTEGA, 2002, p. 116)

Na modernidade, o indivíduo encontrava-se imerso numa rede de sociabilidades de solidariedade que o acompanhava durante toda a vida, todas as relações sociais e profissionais são antes de tudo relações de amizade. Na Europa, os meios políticos, as hierarquias cavalheirescas, as comunidades religiosas, confrarias, famílias de alta sociedade e até associações de eruditos mantinham relações de amizade e consideravam importante a base afetiva, e empregavam o termo “amigo” para designar um indivíduo do mesmo corpo social.

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Observa-se assim que o conceito de amizade se transforma em toda sua história, porém está sempre voltando aos mesmos significados, não deixa de ser a busca pelo bem do próximo como de si mesmo, assim como um encontro entre pessoas com interesses similares. Passa pelo amor, pela política, pela família e pelas relações de trabalho. Essas relações profissionais movidas por interesses comuns é o que sustenta a maioria dos coletivos fotográficos contemporâneos. O que se faz fundamental ainda é entender que essas relações atualmente se dão também de maneira virtual, o que se explicará à medida que falarmos dos espaços antropológicos, mas antes abordaremos o papel do indivíduo no coletivo e o conceito de sociedade.

2.1 O PAPEL DO INDIVÍDUO NO COLETIVO

Coletivos são agrupamentos sociais, motivados muitas vezes por relações de amizades e afetos, que, obtiveram conceitos diferentes, porem complementares, em toda sua genealogia. A questão que se faz importante agora, para melhor entender o fenômeno contemporâneo dos coletivos artísticos e fotográficos, é o que se entende por “indivíduo” e “sociedade”.

Para Norbert Elias (1994), essa relação ainda não é clara, as noções de singularidade e pluralidade do indivíduo parecem ser duas entidades ontologicamente diferentes.

A sociedade é entendida, quer como mera acumulação, coletânea somatória e desestruturada de muitas pessoas individuais, quer como objeto que existe para além dos indivíduos e não é passível de maior explicação. (p. 7)

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A questão fundamental é entender que, apesar de coletivos fotográficos serem junções de fotógrafos, cujos objetivos possam até coincidir, cada coletivo é único, porque os indivíduos são singulares e cada união possível pode configurar uma sociedade diferente.

A problemática que se percebe é que existe uma forte corrente na ciência que acredita que “a sociedade é concebida, por exemplo, como uma entidade orgânica supra-individual que avança inelutavelmente para a morte, atravessando etapas da juventude, maturidade e velhice” (ELIAS, 1994, p.14).

Elias (1994) ressalta também que há vertentes da ciência que tratam o indivíduo singular como algo que pode ser completamente individualizado e que busca elucidar as estruturas de suas funções psicológicas independente de suas relações com as outras pessoas, divergindo dessa que não afere nenhum lugar apropriado às funções psicológicas do indivíduo singular. Isso ocorre principalmente na área de psicologia-social ou de massa, “anima coletiva” ou “mentalidade grupal”

Decerto nos apercebemos, ao mesmo tempo, de que na realidade não existe esse abismo entre o indivíduo e a sociedade. Ninguém duvida de que os indivíduos formam a sociedade ou que toda sociedade é uma sociedade de indivíduos. Mas, quando tentamos reconstruir no pensamento aquilo que vivenciamos cotidianamente na realidade, verificamos, como naquele quebra-cabeça cujas peças não compõem uma imagem integra, que há lacunas e falhas em constante formação em nosso fluxo de pensamento. (ELIAS, 1994, p.16)

O que falta, segundo Elias, são modelos conceituais capazes de tornar compreensível o que vivenciamos cotidianamente, algo que nos faça compreender de que modo um grande número de indivíduos que compõem entre si algo maior é diferente de uma coleção de “indivíduos” isolados formando uma “sociedade”, assim como identificar possibilidades de reconhecer e perceber as histórias individuais de cada pessoa que compõe uma sociedade.

Um modelo simples para compreender essa questão foi dado por Aristóteles (1991), que certa vez apontou a relação entre as pedras e a casa. Esse exemplo mostra como a junção de muitos elementos individuais forma uma unidade cuja estrutura não pode ser inferida de seus componentes isolados, assim como não se pode compreender a estrutura da casa inteira pela observação isolada de cada pedra que a compõe.

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Cabe aqui reconhecer que uma das metas desta pesquisa é elucidar que coletivos fotográficos são formados por indivíduos e que cada ser, individualmente, possui uma história, uma característica específica, que somada à dos demais indivíduos do coletivo promove um grupo com características únicas, incapaz de se repetir, entrando então na questão da fenomenologia que analisa os fenômenos subjetivos da sociedade.

2.2 O ESPAÇO DAS INTELIGÊNCIAS COLETIVAS

A fim de compreender as relações de amizade e interação do indivíduo no ambiente social e as formações coletivas, faz-se necessária a compreensão dos modelos antropológicos que vivenciamos e o modelo que surge atualmente para então compreender por que a questão da coletividade é tão importante.

Para isso, cabe então definir o que é espaço antropológico a partir dos estudos da obra do filósofo Pierre Lévy, que define que espaço antropológico é:

um sistema de proximidade (espaço) próprio do mundo humano (antropológico), e portanto dependente de técnicas, de significações, da linguagem, da cultura, das convenções, das representações e das emoções humanas” (LÉVY, 1998, p. 22)

Para Lévy (1998), as sociedades humanas sofrem constantes mutações antropológicas e a “terra” foi o primeiro grande espaço antropológico aberto a nossa espécie. A linguagem, a técnica e as formas de organizações sociais são as três características primordiais que distinguem o homo sapiens das outras espécies. Os modelos de conhecimento específicos desse primeiro espaço antropológico são os mitos e os ritos.

Na terra, a identidade se inscreve ao mesmo tempo no vinculo com o cosmo e na relação de filiação ou de aliança com outros homens. O primeiro item de nosso curriculum vitae é, em geral, nosso nome, ou seja, a inscrição simbólica numa linhagem” (LÉVY, 1998, p. 23).

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domesticá-la. É nesse momento, com a escrita, que se inicia a história e o desenvolvimento dos saberes. Neste caso, o vínculo com o cosmo não é mais o centro mas a propriedade, é pertencer a algo ou a uma entidade territorial. O endereço é nossa identidade no território, segundo Lévy.

O terceiro espaço só surge no século XVI e é denominado espaço das “mercadorias”. O princípio organizador desse espaço, que teve início com a conquista das américas, é o fluxo de energias, de matérias-primas, mercadorias, capitais, mão de obra e informação. A riqueza nesse espaço deixa de ser o domínio de territórios e passa a ser o controle dos fluxos. Daí por diante reina a indústria e a informação. A identidade social nesse espaço antropológico é a profissão.

Para Lévy (1998), o quarto espaço, único onde é possível obter uma identidade social mesmo que não se tenha “profissão”, ainda está mal percebido e incompleto. É o espaço que vivemos na pós-modernidade, o espaço da Inteligência e dos Saberes Coletivos. O Espaço do Saber é no sentido etimológico, uma utopia, um não-lugar. Ele não se realiza em parte alguma, é imensurável. É nesse espaço que vivemos hoje que a coletividade se destaca, justamente porque depende de um conhecimento compartilhado; são as inteligências coletivas. É dessa forma então que o coletivo humano deve se adaptar, aprender e inventar para viver melhor no mundo complexo e desordenado em que passamos a viver.

Nesse ambiente em que as trocas não são mais táteis, os espaços deixam de ser físicos, a identidade social pode ser virtual. Faz-se necessário compreender como os laços sociais se relacionam com o saber, principalmente com o saber coletivo.

Em nossa interações com as coisas, desenvolvemos competências. Por meio de nossas relações com os signos e com a informação adquirimos conhecimentos. Em relação com os outros, mediante iniciação e transmissão, fazemos viver o saber (LÉVY, 1998, p. 27).

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No coletivo inteligente a comunidade assume como objetivo a negociação permanente da ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a definição de seus objetivos. A inteligência coletiva propõe um novo humanismo, no qual se amplia o conhecimento de si mesmo, trocando o “conhece-te a ti mesmo” para “aprendemos a nos conhecer para pensarmos juntos”. É o entendimento de cada um enquanto indivíduo vivendo em sociedade.

A noção de hospitalidade, que tem origem lá na philia, como já descrito aqui, passa a assegurar a possibilidade de viajar, de encontrar, integrar, acolher. A hospitalidade tem a ver com amizade. A amizade é coletiva.

Em linhas gerais, o espaço do Saber propõe que, agora, a moeda de troca é o conhecimento, e o conhecimento é específico, particular, e para que tudo funcione, precisa ser compartilhado. Nosso modelo antropológico atual infere que tenhamos que compartilhar o conhecimento, e que todas as inteligências são necessárias para o desenvolvimento humano. O sujeito agora são os coletivos, a humanidade. Afinal “Os seres humanos não habitam apenas no espaço físico ou geométrico, vivem também, e simultaneamente, em espaços afetivos, estéticos, sociais, históricos: espaços de significação, em geral” (LÉVY, 1998, p 126).

2.3 INTERAÇÃO E LAÇOS SOCIAIS

Apesar dos espaços antropológicos serem de exclusividade dos seres humanos, o senso de coletividade não é exclusivo dos homens. Em estudo sobre primatologia, Frans de Waal (2010) traz importantes contribuições para o entendimento das interações e laços sociais na espécie humana, característica fundamental para compreensão do fenômeno amizade e do por que migramos para o espaço antropológico do saber.

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conseguir comida, proteger-se do frio, e que os cuidados aos recém-nascidos são essenciais para a permanência da vida.

A amizade, fundamental nesse modelo de vida de coletividade, pode ter como origem um instinto de sobrevivência da espécie, como a necessidade de proteger e ser protegido por outros seres, afinal, de acordo com Waal (2010) “os homens são animais gregários, altamente cooperativos e sensíveis à injustiça, belicosos às vezes, mas na maior parte do tempo amantes da paz” (p. 16).

Nossa espécie tem um lado social assim como um lado egoísta, mas o senso de cooperação e de proteção, característico das conexões sociais, são fundamentais para proteção e perpetuação da raça humana, como observou-se na genealogia da amizade.

O lado egoísta pode ser observado em Kant (apud WALL, 2010, p. 20) com a lei do dever. Para o filósofo, devemos cuidar do próximo e respeita-lo por ser um dever, por ser um comportamento lógico. Entretanto, a ideia da sociabilidade e de que a base da moralidade está nos sentimentos nos faz recorrer a Darwin que afirma, em seu livro The descente of man

(traduzido para o português como A origem do homem), que a moralidade humana se origina da sociabilidade animal:

Todo e qualquer animal dotado de instintos sociais bem definidos [...] inevitavelmente adquirirá senso ou consciência moral assim que suas faculdades intelectuais se tenham tornado tão bem desenvolvidas, ou quase tão bem desenvolvidas, quanto no homem. (DARWIN, 1871, p. 71-2 apud

WAAL, 2010 p. 21)

Essa sociabilidade foi comprovada no início do século XX com experimentos extremamente cruéis baseados na teoria da psicologia do comportamentalismo2. John Watson (apud WAAL, 2010, p. 26), pai dessa corrente, sonhava com um “criadouro de bebês” sem a presença dos pais, onde os recém-nascidos fossem educados segundo os princípios científicos. Lamentavelmente esses criadouros existiram e foram experiências mortíferas, segundo Waal (2010). Neles, os psicólogos estudaram os órfãos mantidos em berços separados por lençóis brancos, privados de estímulos visuais e de contato corporal, os adultos jamais se dirigiam com ternura a essas crianças. O resultado foram bebes parecidos com zumbis, com

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O nome dessa teoria reflete a crença de que o comportamento é tudo o que a ciência pode observar e conhecer, e, por essa razão, a única coisa a ser levada em conta. A mente, caso exista, equivale a uma caixa preta. (WAAL, 2010, p. 26)

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rostos imóveis e olhos arregalados e sem expressão. Se a teoria de Watson estivesse correta, esses bebês deveriam apresentar um ótimo desenvolvimento, mas na verdade, eles não apresentaram nenhuma resistência a doenças.

Por outro lado, nos dias de hoje, o psicólogo Harry Harlow (apud WAAL, 2010, p. 29) decidiu comprovar que o amor materno faz diferença, inclusive para os primatas. Em um laboratório ele demonstrou que os macacos criados em isolamento manifestavam perturbações mentais e sociais e comprovou, sem deixar dúvidas, que a privação do contato corporal é algo que não combina com os mamíferos.

Dessa forma concluíram que o vínculo é um elemento essencial para a nossa espécie, assim como o senso de cooperação, que nas teorias evolucionistas modernas levam a crer que os grupos cooperativos de animais ou humanos desenvolvem a capacidade de operar em grupo e de construir uma rede de sustentação mais evoluída, fazendo dessa uma habilidade de sobrevivência decisiva.

O princípio das inteligências coletivas estudado por Lévy (1998) nos leva a uma reflexão sobre a importância da coletividade na nossa sociedade, que é complexa por natureza. Para Waal (2010) a maioria de nós reconhecemos a necessidade de preservar certos serviços e instituições sociais e estamos dispostos a batalhar por isso. Há um “motivo social” nos animais que vivem em grupos que nos conduz a lutar por uma sociedade que funcione bem como um todo.

Ser coletivo é um “modo de vida”, como apontado por Foucault (1981):

Um modo de vida pode ser partilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar a relações intensas que não se pareçam com nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética. (p.3)

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