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Profissionalização dos quadros superiores da Administração Pública – o caso dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental

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Academic year: 2020

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RSP

E N S A I O

P

ROFISSIONALIZAÇAO DOS QUAPROS

SUPERIORES DA ADMINISTRAÇAO

PUBLICA

- O Caso dos Espocialistas

om

Políticas Pública* o G ostão G o v c rn a m o n ta l

M a r ia H e le n a de C astro San to s M a r ia L ú cia de M o ra e s P in h e iro

É ric a M ássim o M ach ad o

In tro d u çã o

I d e a l i z a d a n o c o n te x to d o p ro gram a de Reforma Adm inis­ tra tiv a d o G o v e rn o S arney, a c a rre ira d o s E sp e c ia lista s em P o lític a s P ú b lic a s e G e stão G o v e rn a m e n ta l (EPPGG) foi efetivamente criada pela Lei n° 7.834, d e o u tu b ro de 1989, te n d o s id o a tr ib u íd a a se u s quadros a "execução de atividades de formulação, implem entação e avaliação de políticas públicas, b e m assim d e d ire ç ã o e a s s e s s o ra m e n to em e sc a lõ e s s u p e r io r e s d a A d m in istra ç ã o Direta e Autárquica" (art. I o). No c o n c u rs o p ú b lic o p a ra o ingresso na carreira, inscreveram- se 69.989 candidatos d e todo o Brasil, em disputa pelas 120 vagas e x is te n te s . Aos a p ro v a d o s foi m inistrado, pela Fundação Escola Nacional de Administração Pública - ENAP, um curso de formação de 2.800 horas, d u ran te o perío d o q ue se estendeu de agosto de 1988 a ja n e iro d e 1990. Foram n o m e a d o s p a ra c ca rg o d e Especialista em Políticas Públicas

E

ste artigo a v a lia ta n to o curso d e fo r m a ç ã o d e p r o fis s io n a is p a r a e s c a lõ e s s u p e r io r e s d a burocracia f e d e r a l m in istr a d o p e la ENAP, como o desem penho profissional dos egressos da Escola, m em b ro s d a carreira dos Especialistas em Políticas P ú b lica s e G estão G o v e rn a m e n ta l, especialm ente criada p a r a a absorção daqueles p ela m á q u in a burocrática. Q uanto ao prim eiro, identificaram -se pontos tanto positivos com o negativos. No que se refere a o segundo, pode-se dizer que os m em bros da carreira que p e r m a n e c e r a m e m B r a s ília tê m o c u p a d o p o s iç õ e s d e p r e s tíg io n a b u r o c r a c ia fe d e r a l , s e n d o s e u desem penho p o sitiva m e n te a v a lia d o p e la s c h e fia s, o q u e é g e r a lm e n te associa d o ao p e r fil g e n e ra lista d o s egressos. P or f i m , a p a r t i r d e s s a s a v a lia ç õ e s , a s a u to r a s o fe r e c e m sugestões p a ra a fo rm u la ç ã o de u m a política de profissionalização p a ra os escalões su periores d a b u ro c ra c ia federal, ad otando com o referência os m odelos polares d a École N a tio n a le d ’A dm inistration e da John F. K ennedy School o f Government.

e Gestão G overnam ental os 103 aprovados no curso, sendo que apenas 91 deles chegaram a ser empossados.

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M aria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achado

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essentindo-se da falta de apoio governamental e das d e sc o n tin u id a d e s ad m i­

nistrativas, a carreira passou por inúm eras dificuldades, chegando

m esm o a te r am eaçada sua sobrevivência. Além de não estar sendo alimentada pela realização de nov o s c o n c u rso s, a carreira já p e rd e u n ú m ero significativo de quadros devido, principalmente, à fru stra ç ã o com a situ ação p ro fissio n a l e fu ncio n al a eles im p o sta , aí in clu íd a a baixa remuneração salarial. A carreira tem h o je 68 m em bros em exercício efetivo1, acusando, portanto, uma perda de 25% em relação aos 91 que tomaram posse. A expectativa é de, caeterisparibus, registrarem- se perdas progressivas dos quadros da carreira.

Os objetivos deste artigo são: (i) e x a m in a r a e x p e riê n c ia da ENAP, e n q u a n to E scola d e G overno, através da análise do c u rs o d e fo rm a çã o p a ra um a c a rr e ir a s u p e rio r, a d o s Especialistas em Políticas Públicas e G estão G ov ern am ental, bem com o o processo de criação e a trajetória dessa carreira;

(ii) d a r s u b s íd io s e fo rn e c e r s u g e s tõ e s às a g ê n c ia s g o v e r­ n a m e n ta is , e s p e c ia lm e n te à S e c re ta ria d e A d m in istra ç ão Federal-S A F, com vistas à

form ulação de um a p o lítica de profissionalização de servidores públicos para atuar nos escalões superiores da burocracia federal. Após detalhar os procedim entos

m eto d o ló g ico s se g u id o s, re c u ­ pera-se a origem d o p ro jeto de Escola de Governo e da carreira d os EPPGG’s, tam bém referid a co m o d o s G e s to re s G o v e rn a ­ m e n ta is , id e n tif ic a n d o - s e os p ro b le m a s e p e rc a lç o s d e s s e processo. Em seguida, analisa-se a im p le m e n ta ç ã o d o c u rs o d e fo rm a çã o d o s g e s to r e s , d es- c re v e n d o -se su a s e ta p a s e in c o r p o r a n d o - s e as c rític a s colhidas nas en trev istas com o corpo técnico e dirigente da ENAP, ex-alunos e chefias. A trajetória fu n c io n a l d o s EPPG G ’s é analisada, procurando-se avaliar seu desem penho profissional e sua eventual associação com o perfil g e n e ra lis ta . F in a lm e n te , n a s conclusões, trazem-se sugestões r e fe re n te s a um a p o lític a d e p ro fissio n a liz aç ã o d e q u a d ro s superiores da burocracia, ten do co m o p a râ m e tro s os m o d e lo s francês e am ericano de Escola de Governo. P r o c e d im e n t o s m e to d o ló g ic o s tiliz a ra m -se os s e g u in te s d a d o s e p ro c e d im e n to s m e to ­ dológicos:

1 - D a d o s d a A sso ciaçã o N a c io n a l d o s E sp e c ia lista s c m P o lític a s P ú b lic a s c G e s tã o G o v e r n a m e n ta l - ANESP, ju n h o d e 1994.

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Profissionalização dos quodros superiores da adm inistração pública

(i) análise de docum entos vários, re g is tro s d a Escola, legislação pertinente, relatórios e trabalhos p ro d u z id o s , d e n tr o e fora da ENAP, aí in c lu íd o s d a d o s e docum entos fornecidos pela Asso­ ciação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e G estão Governamental - ANESP;

(ii) entrevistas com ex-alunos do curso, com técnicos e dirigentes da ENAP q u e p articip aram de sua concepção e/ou im plem entação, com dirigentes da Secretaria da A dm inistração Pública - SEDAP (atual Secretaria da Administração Federal - SAF) à época da criação da carreira e da estruturação do p ro g ra m a d e form ação, e com dirigentes do óigão de lotação dos EPPG G ’s (S e c re ta ria d e Pla­ nejam ento, Orçamento e Avaliação - SEPLAN);

(iii) realização de workshop sobre a carreira e o curso de formação dos EPPGG’s, com a participação de ex- alunos, representantes de Escolas de G overno estaduais, dirigentes e técnicos da ENAP, representantes da SAF e da SEPLAN, no qual discutiu- se docum ento elaborado a partir dos dados coletados nas etapas (i) e (ii) acima;

(iv) entrevistas, detalhadas e e m profundidade, com 12 ex-alunos, s e g u n d o um a am o stra e stra ti- ficada, correspondendo a 13% do

universo dos 91 que efetivamente tom aram posse, bem com o com chefias selecionadas dos EPPGG’s, antigas e atuais.

(v) aplicação de questionário a ex- alu n o s p ara a c o leta d e d a d o s complementares, p o r ocasião do seu retom o à Escola para o curso de "Aperfeiçoamento em Políticas Públicas e Gestão Governamental", para prom oção na carreira, tendo sid o re s p o n d id o s 41 q u e s tio ­ nários, correspondendo a 71% do total distribuído.

A a m o s tra d o s e x -a lu n o s entrevistados, conform e descrito no item (iv) acima, foi constituída a partir da classificação final p o r eles obtida no curso de formação, sendo definidos três estratos: o p rim e iro d e le s in c lu iu o s d e z prim eiros colocados no curso; o s e g u n d o , foi c o n s titu íd o p o r alunos colocados entre o 47° e o 56° lugares, o que, em relação aos 103 q u e c o n c lu íra m o c u rs o , re p re s e n ta o e s tra to m ed ia n o ; fin a lm e n te , d o ú ltim o e s tr a to p a rtic ip a ra m a q u e le s a lu n o s classificados entre o 94° e o 103° lugares. E n tre ta n to , o le v a n ta ­ m e n to d a a tu a l lo c a liz a ç ã o funcional dos ex-alunos, realizado j u n to à ANESP, in d ic o u q u e m etade dos gestores aí incluídos estavam em exercício profissional fora d e B rasília, fato q u e , p o r limitações de tem po e recursos, d e te r m in o u su a e x c lu s ã o d a

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amostra. Além disso, dentre os que re s p o n d e ra m , nem sem p re foi possível precisar sua localização f u n c io n a l. Essas d ific u ld a d e s fiz e ra m , e n tã o , com q u e se a lte ra s s e o lim ite in fe rio r d o ú ltim o estrato, incluindo-se ex- alunos com classificação final igual ou superior ao 90° lugar. A seleção final dos que seriam entrevistados (quatro em cada estrato) foi feita d e m o d o q u e estivesse r e p r e ­ sen tad a na am ostra final, tan to quanto possível, a diversidade de situações em que se encontram a tu a lm e n te os EPPGG’s no m ercado de trabalho.

O c r ité r io d e a m o stra g e m , estratificação por classificação final d o s eg re sso s, visava c o n tro la r possíveis efeitos do desem penho no curso sobre a análise e avaliação dos ex-alu no s so b re o p ró p rio curso e carreira. Testava-se ainda a hipótese de que o desem penho no curso afetaria as oportunidades e p e rfo rm a n c e profissio n al do egresso.

Para a realização das entrevistas com as chefias, foram privilegiadas aquelas q u e haviam trabalhado com um núm ero expressivo de ex- alunos, já que, presumivelmente, elas seriam as mais credenciadas p a ra a n a lis a r o d e s e m p e n h o p ro fis s io n a l d o s EPPGG’s enquanto grupo.

O rig e n s d a E N A P e da C a rre ira dos E sp e cia lista s em Políticas P ú b lica s e G e stã o G o v e rn a m e n ta l: concepções e im p a sse s

criação da ENAP, em 1986, deu-se n o contexto da Reforma Administrativa do Governo Samey, cujo com ando estava a cargo da Secretaria de A dm inistração da P re sid ê n c ia - SEDAP. A e n tã o recém-criada Comissão Geral de R eform a havia id e n tif ic a d o a necessidade de se criar no Brasil um a Escola de G overno q u e se dedicasse à preparação de quadros d e nív el s u p e r io r p a ra a a d m in is tra ç ã o , com v ista s a p ro m o v e r a m o d e rn iz a ç ã o e a eficiência do aparelho de Estado. Na verdade, a idéia de se criar no Brasil um a Escola de Governo já vinha se d e lin e a n d o há algu m tempo. Em 1982, o D epartam ento Administrativo do Serviço Público - DASP solicitou ao em baixador Sérgio Paulo Rouanet, através do Ministério das Relações Exteriores, um e s tu d o q u e p r o p ic ia s s e a elaboração de d ire triz e s gerais para a implantação de uma Escola S u p e rio r d e A d m in is tra ç ã o Pública.

O R elatório R ouanet. Após um a análise com parada dos m odelos francês e alemão, propostos pelo 38

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

francês e alemão, propostos pelo próprio DASP, com os resultados d a in v estig ação d e um a faixa representativa de instituições de fo rm a ç ã o e tre in a m e n to de a d m in is tr a d o r e s p ú b lic o s já e x is te n te s n o Brasil, e d e sua a rticu la çã o com o ap a re lh o de Estado, conclui Rouanet que : (i) o s is te m a a tu a l b ra s ile iro ou a p e rfe iç o a f u n c io n á rio s já r e c r u ta d o s , ou o fe re c e u m a fo rm a ç ã o d e s v in c u la d a d o r e c r u ta m e n to , ou seja, com a e x c e ç ã o d a s in s titu iç õ e s q u e formam os futuros integrantes de carreiras específicas, não existe q u a lq u e r re la ç ã o e n tr e os p r o c e s s o s d e g e ra ç ã o e de absorção dos recursos humanos; (ii) o siste m a fran cês, p o rq u e articula ensino e acesso à máquina burocrática, "está mais próximo do s is te m a q u e d e s e ja ría m o s im plantar para o Brasil", quando com parado com o sistema alemão, em que pese o (desejável) caráter g e n u in a m e n te m u ltid iscip lin a r deste últim o2.

Rouanet apresenta, então, projeto d e ta lh a d o para a fu tu ra Escola S u p e r io r d e A d m in istra ç ã o Pública, o qual, tendo por base o m o d e lo da École N a tio n a le d ’Administration - ENA, incorpora elem entos das instituições alemãs, com o a formação interdisciplinar, e p r o p õ e a lg u m a s a lte ra ç õ e s

exigidas p elo d istin to co n tex to cultural-administrativo brasileiro. O Relatório Rouanet sugere, assim, em prim eiro lugar, q ue a Escola a ser criada deveria concentrar-se no recrutam ento e na form ação de q u a d ro s s u p e rio re s d a a d m i­ n istração pú b lica, d e ix a n d o as funções d e a p e rfe iç o a m e n to e reciclagem , em to d o s os níveis hierárquicos, para outros centros, sobretudo a Fundação C entro de Formação do Servidor Público - FUNCEP. Caracterizava-se, dessa forma, um a divisão de trabalho com relação à profissionalização d o s s e rv id o re s p ú b lic o s . O R elató rio p ro p ô s a in d a q u e a Escola fosse instalada inicialmente na s e d e da FUNCEP, com a vantagem de redução dos custos d o p ro je to , já q u e, e m b o ra de n a tu re z a d is tin ta , as d u a s in stitu içõ e s p o d e ria m c o m p a r­ tilhar alguns serviços. C onstam tam b é m d o te x to s u g e s tõ e s quanto ao processo de ingresso, a estrutura curricular e pedagógica d o c u rs o d e fo rm a ç ã o , a constituição do corpo docente, os critérios de alocação dos egressos na m áq u in a b u ro c rá tic a e su a form a d e in se rç ã o n o siste m a administrativo.

Q uanto à alocação dos egressos da Escola na burocracia, enfatiza o E m baixador: "Toda a [análise] anterior seria um simples exercício intelectual, se o governo, ao criar

2 - ROUANET, S ég io P au lo , R e la tó rio , C ria ç ã o n o B rasil d e u r r a E sco la S u p e r io r d e A d m in istra ç ã o P ú b lic a , s. d.

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a Escola, não adotasse m edidas paralelas para assegurar a inserção e fe tiv a d o s se u s a lu n o s n o aparelho de Estado"5. O Relatório R o u a n e t d e d ic a , e n tã o , c o n si­ d e rá v e l e s p a ç o ao exam e d o sistema administrativo brasileiro, com para-o ao sistem a francês , re fe re -s e ao siste m a a le m ão , concluindo:

(i) o s is te m a a d m in is tra tiv o brasileiro não poderia absorver os alunos da Escola, em condições co m p a tív e is com seu nível de q u a lific a ç ã o , sem q u e se m udassem as regras do jogo; (ii) a e s tra té g ia d e m u d a n ç a d e v e ria s e r c rite rio s a m e n te e s c o lh id a , p o d e n d o -s e c ria r carreiras superiores em todos os órgãos federais que ainda não as tivessem (carreiras múltiplas) ou, a lte rn a tiv a m e n te , um a ú n ica carreira superior, a de agente do serviço federal, à semelhança do m odelo do adm inistrador civil, no sistema francês.

As sugestões do Relatório Rouanet com relação à criação de uma Escola S u p e rio r d e A dm inistração e a p ro fissio n a liz aç ã o d o serv id o r público baseavam-se, portanto, em dois princípios básicos:

(i) integração entre formação e inserção no sistema administrativo; (ii) d iv isã o dc tra b a lh o e n tre

i - Ib id e m , p . 83.

form ação d e q u a d ro s d e nível s u p e r io r e tr e in a m e n to e reciclagem de servidores de todos os níveis.

Com re la ç ã o ao p r in c íp io d a integração form ação-inserção na m áquina burocrática, vale n o tar que Rouanet em presta conotação negativa à alocação dos egressos d e E scolas d e G o v e rn o p e lo mercado, característica distintiva dos sistemas am ericano e inglês, que ele não chega a analisar. Q uanto ao princípio da divisão de tra b a lh o e n tr e fo rm a ç ã o e rec icla g e m , há q u e a v a lia r a viabilidade político-institucional de sua aplicação ao caso brasileiro, levando-se em conta o sistema de fo rm a çã o e tre in a m e n to d e a d m in is tra d o r e s p ú b lic o s já e x iste n te no país. R ouanet, a p artir da análise de instituições re p re s e n ta tiv a s s e le c io n a d a s , conclui que um a Escola Superior d e A dm inistração Pública, n o s moldes da ENA francesa, teria um espaço próprio de atuação, sem se sobrepor às atividades e funções das d em ais in stitu içõ e s co n g ê ­ neres do país. Assim se expressa o Embaixador:

"Dada sua ênfase so b re a fo rm a çã o , [a E scola] se distinguiria dos centros de a p e rfe iç o a m e n to já em atividade. Ao contrário das

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

p re p a ra m p a ra c a rre ira s e sp ec ífic as, ela fo rm aria funcionários polivalentes, e ao contrário das instituições oficiais ou acadêmicas que transmitem conhecim entos n ã o re la c io n a d o s com o acesso à função pública, ela e s ta r ia e x p re s s a m e n te o r ie n ta d a p a ra o f o rn e ­ cim ento ao Estado dos seus futuros quadros superiores. Dada a especificidade do seu cam p o , os riscos de c o n flito s ju ris d ic io n a is seriam m ínimos, havendo um amplo escopo para uma c o o p e ra ç ão m u tu a m e n te fecunda com a Universidade e outros centros de ensino e treinam ento"4.

Essa avaliação d e um a divisão harm oniosa do espaço político- institucional entre as instituições d o sis te m a d e fo rm a çã o e treinam ento pré-existente no país se provaria, contudo, por demais otimista.

O Relatório Rouanet, direta ou in d ir e ta m e n te , e x p líc ita ou implicitam ente, exerceria grande influência tanto na concepção da f u tu r a E scola N acio n al d e A d m in is tra ç ã o P ú b lica -ENAP com o na carreira dos Especialistas em Políticas Públicas e G estão G overnam ental, que se criariam alguns anos mais tarde.

- Ib id e m . p p . 2 \ - 25.

O processo d e cria çã o da EN A P e d a c a rre ira dos E P P G G s

C ^ u a i r o a n o s d e p o is d e divulgado o Relatório Rouanet, era c ria d a a E scola N a c io n al d e A d m in istra ç ã o P ú b lic a , p e lo D e c reto n °. 9 3 .2 7 7 , d e 19 d e setem bro de 1986, que, em seu artigo 2o, define como objetivo da Escola "p la n e ja r, c o o rd e n a r e avaliar as atividades de formação, a p e rfe iç o a m e n to e p r o f is s io ­ nalização do pessoal civil de nível s u p e r io r d a A d m in is tra ç ã o F ed eral". C o n fo rm e s u g e riu Rouanet, a ENAP foi acolhida nas instalações da FUNCEP. A Escola, c o n tu d o , foi a b s o rv id a n a e s tr u tu r a a d m in is tra tiv a d a Fundação, to m a n d o -se um a de suas Diretorias.

A divisão de trabalho aludida por R o u a n e t, e n tr e fo rm a ç ã o e rec icla g e m , e s ta b e le c e u -s e , p o r ta n to , n ã o e n tr e d u a s instituições distintas, mas e n tre d u a s D ire to ria s d a m esm a instituição (FUNCEP) - a ENAP, e n c a rre g a d a da fo rm a ç ã o d e quadros superiores da burocracia e o Centro de Desenvolvimento da Administração - CEDAM, respon­ sável pelo a p e rfe iç o a m e n to d e servidores públicos de todos os níveis, criadas sim ultaneam en te pelo decreto acima indicado.

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á quem identifique, nessa origem in stitu c io n a l da ENAP, o g e rm e de

d ific u ld a d e s q u e m arcariam significativamente a trajetória da

Escola. Assim, as vantagens em term os de custos do projeto ENAP, pro ven ien tes da utilização das in sta la ç õ e s da FUNCEP, foram s u p e r a d a s p o r u m a sé rie d e d e s v a n ta g e n s d e d is tin ta s naturezas, das quais pelo menos duas merecem destaque especial: (i) a dependência administrativa e financeira da nova Escola, o que afe tav a p ro fu n d a - m e n te sua autonom ia decisória;

(ii) a coexistência conflituosa da

ENAP com a FUNCEP e,

especificamente, com o CEDAM, o q u e criav a, na m e lh o r das hipóteses, um a série de problemas operacionais e de com unicação e n tr e as trê s e s tr u tu r a s , te r m in a n d o p o r p re ju d ic a r o funcionam ento da Escola.

Vale a pena fazer uma referência mais detalh ada à relação pouco h a rm o n io sa e n tre a Escola e a in stitu ição q u e a acolheu. Se o CEDAM destacou-se da FUNCEP, se n d o criado ao m esm o tem po que a ENAP, na prática, os dois p rim e iro s p artilhavam de um a mesma cultura organizacional que já se e n c o n tra v a e s tr u tu r a d a q uando a Escola foi instituída. A ENAP foi, assim, percebida como um enclave, e cedo desenvolveria sua própria cultura institucional.

A constituição da equipe técnica para levar a cabo a m issão da Escola foi fa to r q u e re fo rç o u significativam en te o d ista n c ia ­ m ento entre as duas instituições. Desde o início, ficou claro para os d irig e n te s d a rec é m -c ria d a Escola que a estruturação de um a instituição voltada para a formação e aperfeiçoam ento dos q u a d ro s s u p e rio re s da a d m in is tra ç ã o pública exigiria da sua e q u ip e técnica o dom ínio de habilidades e c o n h e c im e n to s e s p e c ífic o s b a s ta n te d is tin to s d a q u e le s requeridos para o funcionam ento do CEDAM, já que este voltava-se para o treinam ento e reciclagem d e c u rta e m é d ia d u ra ç ã o d e s tin a d o s , b a s ic a m e n te , a servidores de nível operacional e interm ediário. Dessa forma, seja pelo seu reduzido núm ero, seja pela capacitação inad equ ada do q u ad ro técnico pré-existente, a Escola viu-se obrigada a contratar sua equipe externam ente, dando preferência a profissionais com nível mínimo de mestrado, na área de ciências humanas, e experiên­ cia p rév ia n o s e to r p ú b lic o . Q uanto à proposta pedagógica e c u rr ic u la r d a E scola, s e u s d irig en tes p ro ce d e ram im e d ia ­ ta m e n te a um a s é rie d e providências.

Em primeiro lugar, representantes da SEDAP e da ENAP visitaram Escolas d e G o verno d e p a íse s selecionados (Argentina, Canadá, Espanha, Portugal e França) e 42

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

procederam a exame comparado d e seus m odelos d e formação de quadros superiores da burocracia. A escolha recaiu, como no caso de R o u a n e t, n o m o d e lo da ENA fran cesa, s e n d o c e le b ra d o um a c o rd o d e c o o p e ra ç ã o técnica entre as duas Escolas. O modelo fra n c ê s in flu e n c ia ria , assim , profundam ente a ENAP, tanto no q u e se re fe re à c o n c e p ç ã o pedagógica e curricular dos cursos d e fo rm a ç ã o , c o m o a sua o rg a n iz a ç ã o a d m in is tra tiv a . Influenciaria também a concepção d a c a rre ira q u e a b so rv e ria os e g re s s o s da Escola. A ENAP receberia regularm ente, ao longo d o s p rim e iro s a n o s d e sua e x istê n cia , a visita d e um dos Diretores da ENA, a qual acolhia, em contrapartida, dirigentes da ENAP p a ra o b se rv a r in loco o m o d e lo a s e r s e g u id o . Vale observar que a ENA velava, p o r assim d iz e r, p a ra q u e sua congênere brasileira se afastasse o mínimo possível do seu m o d elo 5. A aplicação p o u c o flexível do m o d e lo francês em am b iên cia cultural, social e política tão distinta e sua superposição a um sistema e d u c a c io n a l e a d m in istra tiv o diveigente e, no caso do último, mal estru tu rad o , p o de ser apontada com o outra das dificuldades de origem que marcariam a evolução do projeto ENAP.

Com o m o d e lo fra n c ê s c o m o referência, a ENAP contratou uma equipe de consultores, sobretudo das áreas de Administração e de Ciência Política, da Universidade d e B rasília, p a ra a c o n c e p ç ã o pedag ó gica d o cu rso . A ENAP, contudo, terminou por não aceitar a proposta dos consultores, po r c o n s id e rá -la e x c e s s iv a m e n te acadêm ica, d e sen v o lv e n d o seu próprio projeto. Nesse processo, pouco participaram as instituições a c a d ê m ic a s com c u rs o s d e graduação e pós-graduação nas áreas de Administração e Políticas P ú b licas e os c e n tr o s d e tr e in a m e n to e fo rm a ç ã o d e servidores públicos já existentes no país. No meio acadêmico, as críticas com relação ao p ro je to ENAP concentravam -se tan to na concepção pedagógica do curso de formação como na propriedade da c o n s titu iç ã o d e E sco las d e G o v e rn o fora d o sis te m a universitário. Registra-se, in clu ­ sive, movimento nesse sentido do C o n s e lh o R egional d e A d m i­ n istra ç ã o 6. As in stitu iç õ e s q u e p re p a ra v a m p a ra c a rr e ir a s específicas da b u ro c ra c ia e os cen tros de ap erfeiço am ento de se rv id o re s p ú b lic o s viam com d e sco n fian ç a a cria çã o d e um espaço institucional cujos limites consideravam imprecisos, tem en­ do a superposição de jurisdições. C ontrariam ente ao previsto p o r

- E n tre v is ta c o m d irig e n te s d a EiNAI’, ju lh o d e 199'í.

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Maria Helena C . Sanlos / Moria Lúcia M. Pinheiro / Érico M. M achado

Rouanet, portan to , não ocorreu um a redistribuição harmoniosa do e s p a ç o p o lític o - in s titu c io n a l o c u p a d o p o r in s titu iç õ e s congêneres ou atuantes em áreas a fin s à da ENAP. A leg islação prom ulgada não seria suficiente para garantir à nova Escola lugar d e d e s ta q u e n o siste m a d e fo rm a ç ã o e tre in a m e n to d e s e rv id o re s p ú b lic o s d o p aís, forçando-a a buscar seu próprio espaço, para além das definições fo rm a is-le g a is. Esse fato consum iria parte substancial da a te n ç ã o e e n e rg ia d o p ro je to nascente de Escola de Governo. Q uanto à definição das formas de acesso dos egressos da Escola à m áquina burocrática, o caminho foi longo e penoso. A criação da carreira e da Escola não foram, de form a algum a, processos sim ul­ tâ n e o s , c o n fo rm e fo rte m e n te sugerido por Rouanet.

De fato, em bora a preocupação com a c ria ç ã o d e c a rg o s de natureza especial para o exercício d e a tiv id a d e s d e d ire ç ã o , supervisão e assessoramento nos escalões superiores da burocracia su rg isse c o n c o m ita n te m e n te à criação da Escola, passa-se mais d e um an o e n tre a sanção do p ro je to q u e criava a ENAP e o e n v io p e lo E x ecutivo ao Congresso do primeiro dispositivo legal relativo à m atéria em tela (Projeto de Lei n°. 243, 27/10/87),

e m ais d e d o is a n o s a té a regulam entação da carreira qu e absorveria os egressos da Escola (Decreto n° 98.895, 30/01/90). Vale notar que a data do Decreto é p o s te rio r à h o m o lo g ação d o re s u lta d o final d o c u rs o d e formação da prim eira turm a da Escola.

O longo processo de legalização da carreira seria marcado po r idas e v in d as, m arc h as e c o n tr a ­ m arch as, q u e in c lu e m , e n tr e outros, a extinção, antes mesm o de serem criados, da m aior parte dos cargos vinculados à carreira (Lei n ° 7 .8 0 0 /8 9 ) e o s u r p r e ­ e n d e n te velo p re s id e n c ia l ao Projeto de Lei n° 243/87, em 8 de setem bro de 1989. O exam e da legislação pertinente ilustra bem esse ponto.

Note-se, em prim eiro lugar, que o Projeto de Lei n° 243 (PL 243/87) p ro p õ e a criação, n ã o d e um a carreira, mas de cargos de natureza e sp e c ia l. A v in c u la ç ã o d e s s e s cargos a carreiras só será proposta um ano depois, no Substitutivo do Relator ao PL. Aí, a proposição é vincular os egressos da Escola a determ inadas carreiras d e nível s u p e rio r, s e n d o o n ú m e ro d e cargos a serem preench ido s em cad a c a rre ira d e te r m in a d o anualm ente pelo M inistro-Chefe da SEDAP, d e a c o rd o com "as n e c essid ad es d o serviço". Essa form a de inserção na m áq u in a 44

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

b u r o c r á tic a a s se m c lh a -se à concepção de "carreiras múltiplas", analisada no Relatório Rouanet. A concepção de carreira única só ap a re c eria n o tex to da M edida P ro v is ó ria n ° 84, d e 15 d e setem bro de 1989. Neste texto, a carreira assumia o mesmo nom e d o s c a rg o s re s p e c tiv o s de provim ento efetivo - "Especialista em Políticas Públicas em Gestão Governamental". Os cargos, como nos demais instrum entos citados e n o s q u e se s e g u iria m , habilitavam os funcion ário s ao e x e rc íc io d e a tiv id a d e s d e fo rm u la ç ã o , im p le m e n ta ç ã o e avaliação de políticas públicas, b e m assim d e d ire ç ã o e a s s e s s o ra m e n to em e sc a lõ e s superiores da burocracia.

Ao longo do tempo e dos sucessivos in stru m e n to s legais anotam -se: m udança do nom e do cargo (de "Técnico em Políticas Públicas e Gestão Governamental", PL 243/87, p a ra "Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental", Substitutivo de junho de 1988 ao PL 243/87,denominação mantida nos d e m a is in s tru m e n to s q u e se seguem); diminuição do número de cargos (de 990 cargos, PL 243/ 87, para 960, Substitutivo ao PL 243/ 87); extinção e recriação de 768 cargos, equivalentes estes a 80% dos caigos vagos em Io de janeiro de 1990 (antes mesmo da criação da carreira, a Lei n° 7800,10/07/89, extingue os caigos, recriados pela Ix.‘i 7.834, 6/ 10/89, novam ente extintos pelo

Decreto n° 99.011,2/03/90, e defini­ tivam ente recriados pela Lei n° 8.460,17/09/92); ampliação dos loci d e a tu a ç ã o d o s EPPGG’s (in icialm ente re strito s à Adm i­ nistração Direta, PL 243/87, passam a incluir as Autarquias Federais, Substitutivo ao PL 243/87 e demais in stru m e n to s p ro p o s to s ); alternância entre a restrição das áreas de atuação dos egressos às áreas-m eio da a d m in is tra ç ã o pública, difícil- m ente compatível com as atividades de formulação, imple- m entação e avaliação de políticas públicas, e a abertura para incluir as áreas-fim (o Substitutivo ao PL 243/87 restringe a atuação dos EPPGG’s "preferencialm ente" às áreas sistêm icas d e re c u rso s hum anos, serviços de a d m in is­ tração g eral, m o d e rn iz a ç ã o e in form ática, c o n tro le in te rn o , p la n e ja m e n to , e s ta tís tic a e orçamento; a Medida Provisória n° 84 mantém a restrição; o Parecer da Comissão Parlamentar Mista sobre a MP é contrário a essa restrição, sendo transformado na Lei n° 7.834, 6/10/89; volta a restrição no Decreto n° 98.895, 30/1/90).

Esse tu m u ltu a d o p ro ce sso de le g a liz a ç ã o da c a rr e ir a d o s EPPGG’s pode ser atribuído a um conjunto de causas: resistências das c o rp o ra ç õ es d e se rv id o re s p ú b lic o s, c o n flito s in te r b u ro - cráticos e d istin tas co ncep çõ es so b re a form a d« inserção dos egressos da Escola no aparelho de Estado.

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M aria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achado

S

e g m e n to s d a m á q u in a , o rg a n iz a d o s ou n ão cm carreiras específicas, mas ten do cm comum o fornecim ento d e q u adro s d e alto nível para a burocracia, já haviam, por assim d ize r, e sta b e le c id o um tn o d u s vivendi, a partir de espaços de p o d e r p ré -d e fin id o s e barganhados. Anotam-se, assim, d u ran te o processo de criação e r e g u la m e n ta ç ã o d a c a rre ira , m anifestaçõ es d e desconfiança d e s s e s s e g m e n to s a um nov o parceiro do jogo. Essa disputa de e s p a ç o p o lític o - in s titu c io n a l d e n tro da m áquina burocrática e x p lic a ria , p o r e x e m p lo , a m u d a n ç a d a c o n c e p ç ã o de carreiras múltiplas, pela qual os e g re s s o s d a ENAP seriam in c o r p o r a d o s aos e sca lõ es s u p e r io r e s d e a lg u m a s das carreiras já existentes, para a de carreira única, que possivelmente r e s ta ria iso la d a d e n tr o da b u ro c ra c ia fed e ra l. E xplicaria também as tentativas de redução do núm ero de vagas da carreira e o seu confinam ento, p o r assim dizer, a d eterm in ad as áreas da a d m in is tra ç ã o . R eg istram -se, ainda, nesse período, resistências da área econômica do governo à n o v a c a rre ira , em n o m e da c o n te n ç ã o d e g a sto s g o v e rn a ­ m e n ta is . O e p is ó d io d o veto governam ental ao Projeto de Lei n° 243/87, que criava os cargos de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, pode ser

im putado à oposição da Fazenda e do Planejamento.

A reforma ministerial do Governo Sarn ey , q u e tra n s fo rm a a S e c re ta ria d e A d m in is tra ç ã o (SEDAP), vinculada à Presidência, em u n id a d e d a S e c re taria d e Plan ejam en to e C o o rd e n a çã o - SEPLAN, num m ovimento de forte desprestígio para o órgão, seria um a c a u sa fu n d a m e n ta l d o acidentado processo em análise. A ENAP é, na ocasião, transferida para a jurisdição da SEPLAN. Esse m o v im ento a fe taria p r o fu n d a ­ m ente a história tanto da Escola como da carreira dos Especialistas em Políticas Públicas e G estão Governamental.

Em prim eiro lugar, vale notar que, implícita na concepção da carreira q u e se d e lin e a v a , e sta v a a fo rm a çã o d e um p ro fis s io n a l gencralista, capaz de um a visão a b ra n g e n te e um a p e rsp e c tiv a sistê m ic a e in te g r a d a d o s c o m p le x o s p ro b le m a s da a d m in istra ç ã o p ú b lic a , c o n sti- tu in d o -s e n o e lo e n tr e os g o v e rn a n te s e a m á q u in a burocrática. Esses profissionais atuariam de forma matricial, não devendo ter um locus exclusivo de atuação dentro da m áquina, mas ao contrário, seguindo o m odelo da ENA francesa, guardariam um grau razo áv el d e m o b ilid a d e institucional. Essa concepção do p e rfil d o s q u a d ro s d e nível 46

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Profissionalização dos quadros superiores da administração pública

superior da administração pública, se era inteiram ente apoiada pela SEDAP, sofria fortes restrições da SEPLAN.

De fato, os dirigentes da SEPLAN p o s ic io n a v a m -s e c la ra m e n te contra a concepção generalista de carreira p ública, ficando claro, desde o início, q ue não haveria espaço para a formação de uma segunda turma de Especialistas em P o lític a s P ú b licas e G e stão G o v e rn a m e n ta l. E stabelece-se, então, um a cuidadosa negociação entre os dirigentes da ENAP e da SEPLAN, p ela q u a l a p rim e ira procurava garantir a legalização da carreira para os egressos do curso de formação, já em seu segundo ano, e abrir espaço para oferecer o u tro s cursos de form ação para q u a d ro s d e nível s u p e rio r da burocracia. Note-se que a ENAP nasce v inculada à carreira do s Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, já que a leg islação re fe re n te à c arreira c o n fe re à Escola a fu n ç ã o de m inistrar o curso de formação dos quadros dessa carreira (Projeto de Lei n° 243/87, Lei n° 7.834/89). Embora, o Decreto n° 93-277/86, q u e cria a ENAP, não a vincule e x c lu s iv a m e n te à fo rm a çã o e a p e rfe iç o a m e n to d o G e sto re s Governamentais, na prática era a própria existência institucional da Escola q u e estava em jogo. No final, a SEPLAN não im pede a legalização da carreira, nom eia os

egressos da Escola aprovados no curso para o cargo de Especialista em Políticas Públicas e G estão G overnam ental, lota-os cm seu quadro de pessoal e os distribui e n tr e os d iv e rso s ó rg ã o s da administração Direta e Autárquica. A ENAP não conseguiria, contudo, abrir concurso para um a segunda turma de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Sua estratégia de sobrevivência passaria por delicadas negociações com os dirigentes da Secretaria do Tesouro Nacional, e da Secretaria de Orçamento e Finanças, órgãos aos q u a is se v in cu la v am , respectivamente, os quadros das carreiras de Analista de Finanças e C o n tro le e d e A n a lista d e O rç a m e n to . A p a r t i r d e s sa s negociações, a ENAP assum iu a responsabilidade de m inistrar o c u rs o d e fo rm a çã o p a ra os aprovados em concurso para as duas carreiras, atribuição que, até então, não lhe competia. A Escola form aria três turm as para essas carreiras específicas, mas tanto a d u ra ç ã o d o c u rs o c o m o seu co n te ú d o de cu n h o gen eralista seriam drasticam ente reduzidos7. Com a m udança de governo e a reform a a d m in istra tiv a q u e se s e g u iu , a q u a l, e n tr e o u tr o s , p ro ib ia c o n c u rso s p ú b lic o s , a ENAP s u s p e n d e u p o r lo n g o tem po sua função de form adora d e q u a d ro s p a ra os e s c a lõ e s

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M aria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achado

s u p e r io r e s d a b u ro c ra c ia . A FUNCEP, da qual a ENAP era uma D ireto ria , p asso u a se cham ar F u n d a ç ã o Escola N acio n al d e A d m in istra ç ão Pública, com a m esm a sigla a n te rio r, ENAP. A antig a ENAP foi absorvida pela D iretoria d e Ensino, dep o is de Treinam ento e Desenvolvimento, tam bém encarregada de cursos de aperfeiçoam ento e reciclagem, de c u rta e m é d ia d u ra ç ã o , p a ra funcionários públicos de todos os níveis. A tualm ente, além desses cursos, cogita-se, no âmbito dessa D iretoria, retom ar os cursos de formação para quadros de nível superior.

Q uanto à carreira de Especialista em Políticas Públicas e G estão Governamental, esta percorreria, na nova administração, caminho acidentado semelhante ao descrito acim a, re fle tin d o a m esm a combinação de causas. Uma breve descrição da trajetória da carreira após a nom eação dos egressos da ENAP será oferecida adiante. Os A lunos C hegam à Escola. Um an o e m eio dep ois d e criada a Escola, o Congresso discutia o Substitutivo ao Projeto de Lei n° 243/87, c ria n d o os cargos de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. A Escola, p o r sua vez, ainda trabalhava para c o n s o lid a r seu p ro je to para o p rim eiro curso de form ação de

q u a d ro s d e nível s u p e r io r d a b u ro c ra c ia , d e ta lh a n d o su a proposta pedagógica e curricular. O p ro je to ENAP, aí in c lu íd a a criação da carreira generalista que absorveria seus egressos, tom ara- se, contudo, o projeto-vitrine da SEDAP, seu Secretário à frente, que pretendia implantá-lo ainda antes do final da administração Samey. D essa form a, a in d a q u e in co m pletos esses processo s, resolve a Secretaria abrir concurso público para o prim eiro curso de fo rm ação da Escola. A SEDAP procurava, assim, criar um fato co n su m ado q u e, calculava, lh e tra ria v a n ta g e n s n a d is p u ta interburocrática pelo controle do e sp aço in stitu c io n a l relativo à form ação d e q u a d ro s d e nível superior da burocracia e, portanto, na red e fin iç ão das ju risd iç õ e s c o rr e s p o n d e n te s . P ro c u ra v a , ainda, abrir caminho para a nova c a rre ira , em c o n tra p o s iç ã o às c o rp o ra ç õ e s d e s e rv id o re s públicos já bem estabelecidas na máquina burocrática8.

Os 120 aprovados n o concurso nacional, selecionados entre quase 7 0 .0 0 0 c a n d id a to s d e to d o o 13rasil, chegam à Escola em agosto de 1988, com altas expectativas q u a n to ao c u rso e sua fu tu ra carreira. Atendiam à convocação da Escola para a capacitação d e u m a e lite a d m in is tra tiv a , oferecendo curso d e form ação

Entrevistas com m embros da equipe técnica e dirigentes da ENAP, ju lh o de 1993.

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

p rim o roso, com corpo d o cen te a lta m e n te q u a lific a d o , em instalações fisicas excelentes, além d e bolsa de estudos d u ran te os d e z o ito m eses d o c u rso . Seu ingresso no setor público estaria assegurado, desde que aprovados no curso de formação, através de cargos de natureza especial, que seriam exercidos nos altos escalões da burocracia em atividades de assesso ram en to e direção. Sua m issã o e ra c o n tr ib u ir p a ra a fo rm a ç ã o d e um a b u ro c ra c ia m oderna, estável e com petente, compatível com os desafios do país e da nova democracia.

Os a lu n o s chegam à Escola e s o fre m g r a n d e re v e rsã o d e expectativas: o valor da bolsa é a m etad e do esperado, a carreira que os absorveria ainda não está legalizada e as primeiras etapas do curso sofrem de improvisação. Os a lu n o s c e d o se o rg a n iz a m . Mobilizam-se para a aprovação da c a rre ira e criticam a e s tru tu ra c u r r ic u la r d o c u rs o . Seu relacionam ento com a Direção da Escola é difícil. Vale notar que a ENAP já estava em seu segundo Diretor-Geral e segundo Diretor d e E stág io q u a n d o os a lu n o s chegaram à Escola. Ao todo foram q u a tr o d ire to re s -g e r a is , d o is d ir e to r e s d e e n s in o e q u a tr o diretores de estágio até o fínal do c u rso de form ação. Seis m eses após o início do curso, os alunos, re u n id o s em assem bléia geral,

aprovam docum ento de avaliação sobre o curso até então m inistrado e as p e rs p e c tiv a s d e i n s t i t u ­ cionalização da Escola. Propõe o d ocum ento um a reorganização c u rric u la r, ta n to d e c o n té u d o c o m o d e fo rm a, d e m o d o a re c o n c ilia r a ENAP com se u s o b je tiv o s in ic ia is, c o n fo rm e explicitado no decreto de criação da Escola e no edital do concurso. Diz o docum ento:

" (...) o papel da Escola é capacitar os pro fission ais q u e p o r ela p assam p ara servir o Estado, buscando o p e rm a n en te a te n d im e n to do interesse público. Trata- se de formar gestores que, h a b ilita d o s p a ra fa z e r leituras compreensivas das re la ç õ e s c o n tid a s n o c o m p le x o E stad o -S o c ie- d a d e , sejam c a p a z e s d e p a rtic ip a r a tiv a m e n te d o processo decisório no qual e s tiv e re m in s e r id o s , in te ra g in d o com o m eio a m b ie n te , c o n s tr u in d o a lia n ç a s e a g e n d a n d o questões estratégicas. (...) [t]om a-se necessária [por­ ta n to ] a c ria ç ã o d e co n d içõ es q u e p e rm ita m desenvolver nos alunos uma visão ampla e globalizante d a s p r in c ip a is p r o b le ­ m áticas d o E stad o e das q u e s tõ e s c rític a s q u e permeiam as relações dele

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M aria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achodo

com a Sociedade Civil. A rc o r ie n ta ç ã o d o c u rso v isa n d o a d e q u á -lo aos p re c e ito s a n te rio rm e n te m e n c io n a d o s to rn a -se , p o rta n to , u rg en te para a viabilização dos objetivos que constituem a razão de ser da Escola."9.

A próxim a seção analisará, à luz dessas dificuldades de origem, o curso de formação, suas etapas, seu c o n te ú d o program ático e a estrutura organizacional da ENAP, ao m esm o tem p o em q u e será trazida a avaliação desses itens segundo entrevistas com alunos, m em bros da eq u ip e técnica da Escola e alguns de seus dirigentes. A nalisará tam b ém o perfil dos alunos que ingressaram na Escola e o p ro c e s s o d e alocação dos aprovados no curso na máquina burocrática.

O curso d e fo rm açã o

P ro cesso seletivo . O processo seletivo para o ingresso na carreira d e E sp e c ia lista em P o líticas Públicas e Gestão Governamental c o n s titu iu -s e d e d u a s fases: a primeira, um concurso público c a s e g u n d a , a c o n c lu s ã o , com ap ro v ação , d o cu rso "Políticas Públicas e Gestão Governamental", m inistrado pela ENAP. O concurso

foi re a liz a d o ao lo n g o d o I o semestre de 1988, sendo as 120 vagas oferecidas para a prim eira tu rm a d is tr ib u íd a s e q u ita ti- vamente entre a clientela externa (dem anda social) c a clientela in te rn a (ex clu siv am en te serv i­ dores públicos).

Dos candidatos foram exigidas as s e g u in te s c o n d iç õ e s p a ra a participação no concurso:

(i) scr brasileiro;

(ii) possuir formação com pleta de nível su p erio r, para a clien tela externa, e certificado de conclusão de 2o grau, para a clientela interna; (iii) estar em dia com as obrigações eleitorais e, para os candidatos do sexo m a sc u lin o , e s ta r em dia tam b ém com as o b rig a ç õ e s militares; c

(iv) idade máxima de 35 anos, à d a ta d o e n c e r r a m e n to d a s inscrições, para a clientela externa, não havendo limite de idade para a clientela interna.

O concurso foi desenvolvido em trê s e ta p a s . A p rim e ira d e la s c o n s titu iu -s e d e um a p ro v a objetiva sobre os seguintes temas: H istó ria A dm inistrativa e Eco­ nôm ica do Brasil, e n o çõ es de Administração, Economia, Ciência

- R e la tó rio d o S e m in á rio d c A valiação d a E scola N a c io n a l d c A d m in is tra ç ã o P úbli-c a . 1 9 8 9 . p . 4.______________________

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

Política c Direito. A segunda etapa era com posta de q u atro provas d isc u rsiv a s: um a s o b re A dm i­ nistração e Economia; outra sobre Ciência Política e Direito; outra sobre língua po rtu g u esa e uma prova de língua estrangeira (inglês o u fra n c ê s). A ú ltim a e ta p a com punha-se de entrevista p o r um a banca examinadora, análise de currículo e exame médico. O c o n c u rs o foi c o n s id e r a d o rigoroso pelos entrevistados, e já o rie n ta d o para o tipo de perfil condizente com o profissional que a Escola deveria formar.

P e r f il e f u n ç ã o d o e g r e s s o . Com base no papel reservado à c a rre ira d e E sp e c ia lista em P o lític a s P ú b licas e G e stão G o v e rn a m e n ta l e te n d o com o re fe rê n c ia o m o d e lo d a ENA fra n c e sa , o p la n o d e c u rso elab o rad o para a form ação dos EPPGG’s definia como atributos do perfil do egresso:

"- C o n te x tu a liz a ç ã o : se r capaz de analisar e avaliar as a ç õ e s d o s e to r p ú b lic o b r a s ile iro f re n te aos c o n te x to s n a c io n a l e internacional; - Visão p r o s p e c tiv a : se r capaz de a d o ta r a titu d e s p ró -a tiv a s fre n te às transformações d o am bien­ te in te rn o e e x te rn o das organizações; - D im ensão institucional-. s e r c a p az d e a n a lis a r a estrutura das organizações públicas, avaliando o seu desem penho em term os de eficiência e eficácia;

- D im ensão d a s p o lític a s p ú b l i c a s : s e r c a p a z d e p a rtic ip a r a tiv a m e n te na form ulação, im p le m e n ta ­ ção, controle e avaliação de políticas públicas;

- Sensibilidade a d m in istra ­ tiva-. ser capaz de identificar e d e fin ir p r o b le m a s administrativos, p ro p o n d o alternativas d e solução que sejam a d e q u a d a s ao s recursos disponíveis e aos condicionantes da conjun­ tura econôm ica, política e social;

- H a b ilid a d es gerenciais-, s e r cap az d e o tim iz a r a ad m in istração d o s re c u r­ sos hum anos, m ateriais e financeiros;

- D im e n s ã o ética-, s e r capaz de conduzir, d e n tro d o s p rin c íp io s é tic o s , o relacio n am en to in te rp e s ­ so a l e o t r a to d a c o is a pública;

- Espírito crítico-, ser capaz de perceber a realidad e a ser analisada em todos os se u s a s p e c to s e c o n tr a ­ dições" l0.

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M aria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achado

O

projeto de formação dos Gestores Governamentais era ambicioso e a estru­

tura curricular do curso deveria privileg iar a con stru ção d e um

perfil generalista, nos moldes do descrito acima, compatível com as fu n çõ es q u e os egressos iriam exercer na m áquina burocrática. D esta form a, foi p rev ista um a form ação inter e m ultidisciplinar q u e c a p a c ita s s e os a lu n o s a identificar problem as e gerenciar soluções, convocando e interm e­ diando as diversas competências especializadas requeridas, in ter­ p r e ta n d o e a n a lis a n d o as p ro p o sta s dos especialistas. Os e g re sso s da ENAP n ão seriam , assim, eles mesmos especialistas o u e s p e c ia liz a d o s em tem as determ inados.

Note-se que a própria estrutura do concurso para ingresso na carreira foi m ontada de forma a favorecer candidatos que já apresentassem um perfil generalista aproximado, na m edida em que eram testados n a s m ais d iv e rsa s á re a s d e conhecim ento u .

Perfil dos alunos. Homologado o resultado da prim eira etapa do processo seletivo para ingresso na c a rre ira , a Escola e n fre n to u o desafio de form ar profissionais, com o perfil generalista descrito a c im a, a p a r tir d e um g r u p o 11 12 c a ra c te riz a d o p e la h e te ro - geneidade. Os d a d o s a q u i c o n s id e r a d o s referem -se aos 103 alunos que, aprovados no concurso, m atricu­ laram-se e concluíram com êxito o curso de formação oferecido pela ENAP, não havendo informações d isp o n ív e is s o b re o s 17 q u e desistiram , foram ex cluíd os ou reprovados.

E n tre os 103 a p ro v a d o s , 47 pertenciam à clientela interna, e 56, à clientela externa. A grande maioria dos alunos era d o sexo masculino, 90, e apenas 13 eram d o sexo fem in in o . À é p o c a da realização do concurso, 67% dos alu n o s estavam na faixa e tá ria e n tre 25 e 35 an o s. E n tre os menores de 25 anos, contavam-se 17 alunos. Não sendo estabelecido lim ite m áximo de id ad e para a c lie n te la in te rn a , a n o te -se 15 alunos na faixa entre 36 a 45 anos, sendo dois deles m aiores de 45 anos n .

C o n s id e ra n d o -s e a á re a d e fo rm a çã o , 33 a lu n o s h aviam concluído curso de graduação em Engenharia; 23 em Economia; 19 em Administração; dez em Direito; se is em H is tó ria ; q u a tr o em A rq u ite tu ra . Os d e m a is d is tr i­ b u ía m -se e n tr e as á re a s d e M atem ática, E statística, Física,

• Ib id e m .

- O s d a d o s s ã o d a G e rê n c ia d c A p o io E scolar, ENAP.

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Profissionalização dos quadros superiores da administração pública

Q u ím ic a , C iê n c ia s C o n tá b e is, Tecnologia Agronômica, Medicina, Letras, Estudos Sociais, Filosofia, Relações Internacionais, Ciência Política, C om unicação Social e P e d a g o g ia . Vale a ssin a la r q u e alguns alunos possuíam mais de um curso dc graduação B.

Q uanto à titulação, a maioria dos a lu n o s , 93, p o s s u ía fo rm ação universitária, 24 tinham curso de especialização, en q uan to apenas seis haviam concluído mestrado. R e c o rd e -se q u e d a c lie n te la i n te r n a foi e x ig id o a p e n a s certificado de 2o grau, anotando- se, e n tã o , n e s te s e g m e n to , a p re s e n ç a d e d e z a lu n o s n e sta situação w.

No q u e se refere à experiência profissional anterior ao curso, só estão disponíveis dados sobre 41 alunos, colhidos p o r ocasião de seu regresso à Escola, em março d e 1994, p a ra o C u rso d e A p e rfe iç o a m e n to em P olíticas Públicas e Gestão Governamental, com vistas à prom oção na carreira. A análise das infomações coletadas perm itiu as seguintes observações principais:

(i) concentração das experiências profissionais anteriores no setor p riv a d o , s e g u in d o -s e as no E xecutiv o F e d e ra l e E stad u al, devendo-se m encion ar tam bém

1J - Ib id c in .

14 - Ibidem .

núm ero significativo de atuações como profissionais liberais e/ou autônom os; e

(ii) apenas três alunos não haviam tido qualquer tipo de experiência profissional anterior.

A E stru tu ra O rg a n iz a c io n a l d a ENAP. Recorde-se que, quando do início do curso "Políticas Públicas e G estão G o v ern am en tal", em agosto de 1988, a ENAP constituía- se em uma Diretoria da Fundação Centro de Formação do Servidor Público - FUNCEP. A Escola estava o rg an izad a em um a D ireto ria G eral e d u a s D ire to ria s: a d e Ensino e Pesquisa e a de Estágio. Em março do ano seguinte, a partir da te rc e ira m u d a n ç a d a presidência da FUNCEP desde a sua criação, extingue-se a atividade d e p esq u isa d e n tro da Escola, passando a Diretoria de Ensino a te r a si v in c u la d a , a lé m d a Coordenadoria de Programação e A co m p an h am en to d e E nsino, re s p o n s á v e l p e la s e ta p a s d e Embasamento e Com plem entação do curso de formação (ver abaixo), a C o o rd en adoria d e D o cum en ­ tação, responsável p ela d o c u ­ mentação e material didático do c u rs o , a lém d e g e r e n c ia r a b ib lio te c a q u e serv ia a to d a FUNCEP. A Diretoria dc Estágio, q u e n ã o so fre u a lte ra ç õ e s , constituía-se de uma

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Coordena-M aria Helena C . Santos / Coordena-Maria Lúcia Coordena-M. Pinheiro / Érica Coordena-M. Coordena-M achado

d o r ia d c P ro g ra m a çã o e A c o m p a n h a m e n to d e Estágio, responsável pela etapa de Estágio do curso de formação (ver abaixo) e d e u m a C o o rü e n a d o ria d e In te rcâ m b io In stitu c io n a l que, ju n ta m e n te com a A ssessoria T é c n ic a d a P re sid ê n c ia da FUNCEP, p ro m o via e a co m p a­ nhava as atividades e os acordos de cooperação técnica celebrados pela Escola, aí incluído o acordo com a ENA francesa. A Escola contava ainda com um a Gerência d c A p oio E scolar, v in c u la d a diretam ente à Diretoria Geral. Essa estrutura organizacional da ENAP, à se m e lh a n ç a d a sua c o n g ê n e re fra n c e sa , levava a atuações bastan te autônom as e independentes das Diretorias de Ensino e Estágio, tanto entre si, q ue raram ente se comunicavam, c o m o a m b a s em re la ç ã o à D ire to ria G eral d a Escola. Tal situação estimulava a rivalidade entre essas unidades, muitas vezes c a u sa n d o d ificu ld ad es ao bom desenvolvimento do curso. Essas dificuldades de ordem estrutural, c o m b in a d a s às c o n s ta n te s m u d a n ç a s d o s d irig e n te s , refo rça v a m o is o la m e n to e a com petição en tre as Diretorias, term inan do p o r com prom eter a coerência e a integração entre as partes que com punham o curso de formação. Vale destacar, a esse re sp e ito , os p ro c e d im e n to s de

15

alocação dos alunos em locais de estágio, sem que a D iretoria de Estágio ouvisse ou se comunicasse com a Diretoria d e Ensino, a qual acum ulara co n h ecim en to sobre e sse s m esm o s a lu n o s - ta n to q u a n to à c o m p e tê n c ia c o m o quanto às características pessoais de cada um - durante os oito meses d e c o n v iv ê n c ia n a e ta p a d e E m b a sa m e n to 15. Essa c o m u n i­ cação p o s s iv e lm e n te e v ita ria m uitas das dificuldades iniciais e n fre n ta d a s p e la D ire to ria de Estágio (ver adiante).

Corpo docente. Não dispondo a ENAP de um corpo perm anente de professores, estes foram co n tra­ tados externam ente, recrutando- se experientes profissionais da á rea acad êm ica e, em m e n o r escala, da m áquina burocrática. A c o n tra ta ç ã o e x te r n a d o s docentes, aliada ao pouco tem po de que dispunha o corpo técnico da ENAP para o planejam ento do curso e a preparação dos m ódulos d e e n s in o , d e te r m in o u , na p rim eira e tap a - a de Em basa­ m ento - a excessiva in terru p ção das d isc ip lin a s e a fre q ü ê n c ia irregular das aulas, acom panhadas da n e c e s s id a d e d e c o n s ta n te reescalo n am en to d o s h o rário s. Essas dificuldades determ inaram que a etapa final do curso - a de Com plem entação - fosse organi­ zada em m ódulos intensivos. Em

Em revistas coin m embros da equipe lécnica da ENAP, dezem bro de

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

que pesasse os aspectos negativos, do pon to de vista pedagógico, da natureza intensiva dos cursos, essa d e c is ã o g a ra n tiu a p re s e n ç a integral dos professores durante cada m ódulo.

O s a lu n o s e n tre v is ta d o s acrescentam crítica im portante à natureza do corpo docente: para eles faltou a alguns professores m aio r e x p e riên c ia da m áquina b u ro c rá tic a , alem d e c o n h e c i­ m ento preciso sobre os objetivos da Escola e sobre o papel a ser d e se m p e n h a d o p elos egressos. Essas c a ra c te rístic a s d o c o rp o docente acabaram p o r conferir às d is c ip lin a s um c a rá te r d e m a s ia d a m e n te a c ad ê m ic o e teórico.

O curso d e “Po líticas P ú blicas e G e stã o G o vern am ental". O c u rs o d e "P olíticas Públicas e G e s tã o G o v e rn a m e n ta l" foi originalm ente estruturado em três etap as sucessivas e articuladas: E m b a sa m e n to , E stág io e Com plcm entação. O curso previa um a carga horária de 2.800 horas, desen v o lv id as ao lo n g o d e 18 meses.

A prim eira etapa - Embasamen­ to -, com 1.300 horas, tinha por objetivo a integração do aluno à ENAP e a ampliação da sua v isão d e m u n d o , a p a r tir d o aprofundam ento de estudos inter- d is c ip lin a r e s e d o d e s e n v o l­

v im e n to d e p rá tic a s e instrumentos de gestão capazes de assegurar a relação teoria/prática. Esta etap a dividia-se em vários blocos. O prim eiro deles, o bloco Integração, de c a rá te r in tr o d u ­ tó rio , b u scava a p ro x im a r os a lu n o s da e q u ip e d a ENAP e pretendia oferecer noções gerais sobre o quadro institucional do setor público brasileiro. Seguiam- se os b lo c o s F u n d a m e n to s (composto p o r várias disciplinas), I n s tr u m e n to s d e G e s tã o , Instrum entos de Pesquisa, Análise de Conjuntura, Prática de Políticas Públicas e Língua Estrangeira. Essa e ta p a c o m p re e n d ia , tam b ém , atividades de pesquisa, orientadas p a ra q u e s tõ e s e s p e c ífic a s , inerentes aos temas abordados no bloco Prática de Políticas Públicas. O Bloco Fundam entos foi o mais c ritic a d o p e lo s a lu n o s . Seu o b je tiv o e ra c ria r n o c o rp o d o c e n te u m a c u ltu r a m u lti- disciplinar, ao mesmo tem po em que servia ao propósito de nivelá- lo s, d a d a su a g r a n d e heterogeneidade no que se referia às áreas de formação, titulação e e x p e riê n c ia p ro fis s io n a l (v er acim a). D este m o d o , fo ra m e s tu d a d o s tem as r e f e re n te s à Filosofia (Ética), Adm inistração, D ire ito , C iê n c ia P o lític a , Economia, Estatística Aplicada e M e to d o lo g ia C ie n tífic a . C ada m ódulo tinha duração de 35 a 40 h o ra s /a u la p o r s e m a n a , d is ­ tribuídas em 17 semanas.

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Maria Helena C . Santos / Maria Lúcia M. Pinheiro / Érica M. M achado

E

ste bloco foi considerado, tanto por alunos como pela e q u ip e técnica da ENAP, r e p e titiv o em re la ç ã o aos conteúdos já exigidos no concurso para ingresso na carreira, além de excessivamente teórico, fragmen­ tado e superficial. Uma possível solução seria, conforme sugerido p o r a lg u n s e n tre v is ta d o s , a in s titu iç ã o d e um siste m a de créditos, conferindo às disciplinas u m c a r á te r o p ta tiv o , o q u e p r o p o r c io n a r ia ao a lu n o a lib e r d a d e d e e sc o lh a das disciplinas que desejasse cursar, considerando-se seu inieresse e área d e formação.

O B loco P rática d e P o lític a s Públicas foi o melhor avaliado pelo corpo discente, que destacou seu caráter aplicado. O bloco estava dividido em duas fases, sendo a prim eira relativa à elaboração dc u m p r o je to d e p e s q u is a e a segunda à execução deste projeto, o q u a l d e v e ria e s ta r em conform idade com as prioridades governam entais nas áreas sócio- p o lític a e e c o n ô m ic a , no s diferentes níveis da administração pública. A turma foi dividida em quatro grupos e cada um contava com a o r ie n ta ç ã o d e um coordenador, especialista no tema em questão, convidado pela ENAP exclusivamente para desenvolver essa atividade. O objetivo deste bloco era, através da identificação de g ran d es q u estões nacionais,

im p le m e n ta r os p r o p ó s ito s multissetoriais e interdisciplinares da Escola. Assinale-se, co n tu do, como fator restritivo ao alcance d o s o b je tiv o s p r e te n d id o s , a d ific u ld a d e em se m o n ta r os d o ssiê s q u e seriam u tiliz a d o s pelos alunos no desenvolvimento dos projetos.

Uma im portante crítica dos alunos à etapa de Em basam ento refere-se ao negligenciamento da dim ensão política, considerada essencial à form ação de g e sto re s g o v e rn a ­ m entais. Assim se ex p re sso u a turma:

"A d im e n s ã o p o lític a d o processo formativo encon- tra-se abandonada. Toma-se urgente a inclusão im ediata de atividades voltadas para a fo rm a çã o d e a d m in is ­ tra d o r e s p o lític o s . A prom oção de um co n tato intenso e sistem ático com parlam entares d e diversos partidos, lideranças em pre­ sariais e sindicais, dirigentes d e e m p re s a s e s ta ta is , au to rid ad e s p e rte n c e n te s aos três poderes, jornalistas e representantes de diversas instituições da sociedade, perm ite o desenvolvim ento d o s e n so c rític o c d o discernim ento necessários ao desem penho da função d e g e s to r. A p r o p o s ta c u rr ic u la r o rig in a l, d is ­ 56

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Profissionalização dos quadros superiores da adm inistração pública

tribuída cm agosto de 1988, previa um espaço para estas atividades n o m ódulo dc análise dc conjuntura, hoje relegado a segundo plano"l6. C o n s id e re -s e , a r e s p e ito da avaliação da e ta p a d e Em basa­ m ento, o fato de que a urgência d a SEDAP em p ro m o v e r o prim eiro curso de formação dos EPPGG’s determ inou a exigüidade d o te m p o com q u e c o n to u a e q u ip e técnica da D iretoria de Ensino tanto para a preparação da estrutura curricular quanto para a seleção e contratação d o corpo docente e a discussão do conteúdo program ático com os professores. A s e g u n d a e ta p a d o cu rso d e form ação, o Estágio, com 1.000 h o ra s p re v is ta s , p riv ile g iav a , f u n d a m e n ta lm e n te , a p rá tic a institucional, procurando viabili­ zar o a p re n d iz a d o m e d ia n te a p a r tic ip a ç ã o d o a lu n o em situações concretas de trabalho na adm inistração pública. Em termos de seus objetivos, esta etapa era assim definida:

"Objetivo Geral:

. Prom over o desenvolvi­ m ento pessoal c profissio­ nal do s estagiários num a si- tu a ç ã o c o n c r e ta d e trabalho. Objetivos Específicos: A valiar a e s tr u tu r a organizacional e as espe- c ificid a d es da a d m in is ­ tração pública; . D esenvolver um a c a p a ­ cidade de análise crítica e de c o m p re e n s ã o da o rg a n i­ zação na qual está inserido; . Possibilitar a avaliação e a aplicabilidade dos c o n h e­ cimentos adquiridos na fase de Embasamento;

. Exercitar sua capacidade d e s ín te s e e a n á lis e , dom ínio da com unicação, a p lic a ç ã o d e té c n ic a s básicas d c tra ta m e n to de dados quantitativos etc; . Desenvolver habilidades profissionais específicas, de acordo com seu Plano de Estágio;

.M an ter a titu d e s e c o m ­ p o rta m e n to s ético s com ­ patíveis;

. Produzir e contribuir com trabalhos p ráticos para o d e s e n v o l v i m e n t o in s titu c io n a l ou p a ra a implementação de políticas específicas"17.

Contudo, pouco antes do início da etapa de Estágio, a ENAP passaria, como indicado, por uma reestru­ turação de seu organogram a e de seus q u a d ro s d irig e n te s. Estas

16 - R e la tó rio d o S e m in á rio d e A valiação d a E scola N a c io n a l d e A d m in istra ç ã o P ú b li­ ca, s. d ., p . 4.

(24)

RSP

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m udanças determ inaram m odifi­ ca çõ e s n o p la n e ja m e n to e na e x e c u ç ã o d o p r o g ra m a d e estágio.

Algum as m udanças agradariam aos alunos, como o abandono dos p r o c e d im e n to s d e "d esp a ro - q u ia liz a ç ã o " e " d e sc o n te x tu a - lização" d o s e sta g iário s. Esses procedim entos, coerentes com-a concepção matricial da carreira c im p o r ta d o s d a ENA fra n c e sa , tinham po r objetivo subm eter os estagiários a um a ampla gama de experiências. Isto implicava em alocá-los, tanto quanto possível, em áreas de estágio distintas das su a s á re a s d e fo rm a çã o e em in s titu iç õ e s lo c a liz a d a s em unidades da federação que não a d e origem . À grande parte dos a lu n o s , c o n tu d o , in te re ssa v a retom ar, durante os oito meses de estágio, a seu estado de origem, em função de situações familiares, assim com o m u ito s preferiam in s titu iç õ e s q u e o fere c esse m estágio em áreas onde já tivessem alguma experiência profissionalIS. Esses argum entos eram utilizados em favor de um m e lh o r aproveitam ento do estágio. Q u a n d o , e n tr e ta n to , a nova Diretoria decide alterar as regras relativas ao processo de estágio, su a s re la ç õ e s com os a lu n o s tom am -se bastante tensas. Assim,

18

19

pelas novas regras, o ingresso dos alunos no estágio não estaria mais condicionado apenas à aprovação na e ta p a d e E m b a sa m e n to , p a s s a n d o a E scola a e x ig ir a elaboração e a defesa, perante um a banca, d e um Plano Inicial d e E stág io . T o d av ia, a p e s a r d o s intensos conflitos que se seguiram, q u e in c lu íra m m a n ife s ta ç õ e s c o le tiv a s d o s a lu n o s , to d o s ac ab a ram p o r a te n d e r a n ova exigência da Diretoria de Estágio, sem re g is tro s d e q u a lq u e r reprovação 19.

D urante o processo de estágio, cada aluno teria um orientador, da m á q u in a b u r o c r á tic a , e um supervisor, da equipe da Diretoria d e E stágio, re s p o n s á v e is p e la avaliação de seu d e se m p e n h o . Observações da própria equipe de estágio da Escola dão con ta de que, dado o pouco tem po com que contou a nova D iretoria para a preparação da etapa, esta foi m arcada pela im provisação, os p ro b le m as s e n d o reso lv id o s à medida que apareciam. Assim, se a Diretoria p rocuro u identificar "ilhas de excelência" d e n tro da máquina burocrática com o fim de garantir a qualidade d o estágio, a escolha destes locais baseou-se em c o n h e c im e n to s in fo rm a is d e co nsulto res e dos m em bros da equipe. Destacou-se, ainda, a falta de hom ogeneidade em term os do

• E n tre v ista s c o m m e m b ro s d a e q u ip e té c n ic a d a ENAP, d e z e m b r o d e 1993'. - E n tre v ista s c o m m e m b ro s d a e q u ip e té c n ic a d a ENAP, d e z e m b r o d e 1993.

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