ARTIGOS
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA
AOS ATOS ÍMPROBOS*
LUDMILA FERREIRA NALBANDIAN**
Resumo: o presente artigo buscará analisar os principais traços delineadores do
fenô-meno da improbidade administrativa para, em seguida, apreciar o atual debate acerca da admissibilidade ou não do emprego do princípio da insignificância no julgamento de atos ímprobos. Neste contexto, serão confrontadas as duas correntes divergentes, cada qual detentora de sólidos argumentos sobre o tema.
Palavras-chave: Improbidade. Princípio da insignificância. Aplicabilidade.
* Recebido em: 03.08.2014 Aprovado em: 24.08.2014.
** Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.Advogada.
A
honestidade na administração do patrimônio público, bem como a moralidade dos agentes públicos são, desde o Brasil Imperial até os dias correntes, alvos de intensas discussões entre os legisladores, juristas e aplicadores do Direito, uma vez que paira sobre o administrador grande responsabilidade na gestão dos serviços de maior relevância na sociedade, como saúde, segurança, justiça e seguridade social.Objetivando resguardar a boa administração, buscou o legislador penalizar condu-tas consideradas prejudiciais ao bom desempenho das atividades administrativas, como, por exemplo, a inobservância do dever de probidade. Atualmente, a improbidade administrativa encontra amparo legal, principalmente, no art. 37, § 4º da Constituição Federal de 1988, bem como na Lei nº 8.429/92.
Neste sentido, tratará o presente artigo de analisar o fenômeno da improbidade administrativa e suas repercussões na seara jurídica, especialmente quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, comumente aceito em outros ramos do Direito, mas cuja aplicação no julgamento de atos ímprobos ainda gera grandes divergências entre doutrinadores e tribunais.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: BREVES CONTORNOS Conceito
O termo “improbidade” é magistralmente conceituado pelas palavras do aclamado doutrinador figueiredo (2004, p. 41-2):
O termo improbidade, então, vem do latim improbitate, que significa desonesti-dade, sendo que na esfera jurídica o termo vem associado à conduta do agente público, amplamente considerado. É difícil para a doutrina especificar ao certo o que é a improbidade, fixando limites. Assim, de forma genérica, seria o ato do agente público ou particular que comete maus-tratos à probidade infringindo de tal maneira a moralidade administrativa. Diante disto será a probidade o corolário do princípio desta moralidade citada.
A respeito do tema leciona Pazzaglini Filho, Rosa e Fazzio Jr. (1999, p. 39):
Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o des-virtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo «tráfico de influência» nas esferas da Adminis-tração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.
Logo, entende-se por improbidade administrativa a conduta de agente público que contradiz a lei e as normas morais, pela carência de honradez e de ilibação, desvirtuando-se do comportamento normal esperado da Administração Pública, seja ela direta ou indireta, não se limitando ao Poder Executivo.
A improbidade administrativa é abordada pelo art. 37, § 4º da Constituição Federal de 1988, bem como pela Lei nº 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ou “Lei do Colarinho Branco”.
SUJEITOS PASSIVO E ATIVO
Os sujeitos passivo e ativo da conduta ímproba foram tratados pelo legislador nos arts. 1º e 3º da Lei nº 8.429/92. Como bem aponta Di Pietro (2012, p. 890) são passivas de improbidade administrativa:
[...] todas as pessoas jurídicas públicas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios); os órgãos dos três Poderes do Estado; a administração direta e indireta (esta contendo as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de econo-mia mista); as empresas que, mesmo não integrando a administração indireta e não tendo a qualidade de sociedade de economia mista ou empresa pública, pertencem ao Poder Público, porque a ele foram incorporadas; e também as empresas para cuja
criação o erário público concorreu com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.
Portanto, o sujeito passivo é a entidade pública ou particular (que possua, em seu patrimônio ou receita anual, participação de dinheiro público) contra a qual se direciona o ato ímprobo, ou seja, obrigatória é a relação do ato praticado com a entidade para a configu-ração de improbidade administrativa.
Por sua vez, o sujeito ativo, tratado pelo art. 2º da LIA, poderá ser os agentes públicos, independentemente da forma de sua vinculação à Administração Pública, e terceiros que contribuíram de alguma maneira para realização do ato ou de que deste se beneficiaram.
Assim, são considerados agentes públicos, todos aqueles que prestem serviço ao Estado, quais sejam: agentes políticos (parlamentares, Chefes do Poder Executivo, Ministros e Secretários dos Municípios e dos Estados), servidores públicos (os quais mantém com o Estado vínculo empregatício), militares e particulares em colaboração com o Poder Público (pessoas que atuam sem existência de vínculo empregatício, espontaneamente ou através de requisição ou delegação).
Com relação a terceiros, podem ser estes beneficiários diretos ou indiretos, con-forme assinala Martins Júnior (2002, p. 289-90), sendo o beneficiário direto aquele que obtém vantagem com a realização do ato de improbidade administrativa, geralmente, um terceiro alheio ao quadro da Administração Pública e que se torna responsável solidário pelo ressarcimento do dano; e o indireto, que é aquele que se aproveita de forma reflexa do ato de improbidade, cujos efeitos trazem para este repercussões positivas. Há ainda, segundo o autor, a figura do partícipe, igualmente desempenhada por terceiros, o qual induz ou concorre, de qualquer forma, para a prática do ato de improbidade.
ESPÉCIES
Além dos sujeitos envolvidos no ato de improbidade, relevante é conhecer as moda-lidades de ato ímprobo trazidos pela Lei nº 8.429/92, a qual dividiu os atos de improbidade administrativa em três categorias distintas, segundo o valor jurídico atingido pela conduta: enriquecimento ilícito (art. 9º), danos ao erário (art. 10) e violação a princípios (art. 11).
Oportuno destacar que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) ao estabelecer que determinadas condutas referentes à ordem urbanística fossem tratadas pela Lei de Impro-bidade Administrativa, criou uma quarta categoria.
Contudo, examinaremos aqui somente as três primeiras categorias, para as quais o legislador apresentou, em um rol exemplificativo, condutas que se enquadram em cada uma delas.
Quanto à primeira espécie, trazida pelo art. 9º da Lei nº 8.429/92, o enriquecimen-to ilícienriquecimen-to ocorre quando o auenriquecimen-tor “aufere qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencio-nadas no art.1º” desta lei.
Neste sentido, assevera o ilustre doutrinador Fazzio Junior (2007, p. 85) que: “re-ceber vantagem patrimonial indevida é auferir qualquer modalidade de prestação, positiva
ou negativa, comissiva ou omissiva, direta ou indireta, não respaldada em lei ou por ela re-provada”. Além disso, com bem aponta Bertoncini (2007, p. 223), não é necessário que haja o efetivo dano econômico ao Erário, de modo que haverá enriquecimento indevido com a simples venda de favores legais pelo agente público.
A segunda espécie de improbidade é definida pelo art. 10, da LIA, como sendo “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apro-priação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º” da mesma lei.
Note-se que, nesta modalidade de conduta ímproba, há a admissibilidade do dolo e da culpa, ou seja, responsabiliza-se tanto o agente que agiu intencionalmente quanto aquele que agiu com impudência, negligência ou imperícia com a coisa pública. Não se pode con-fundir, contudo, a culpa com o erro profissional, ou seja, a inabilidade, como bem elucida o seguinte acórdão do STJ:
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DE PREFEITO - CONTRATA-ÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PREJUÍ-ZO. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei nº 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido.8.429 (213994 MG 1999/0041561-2, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA, Data de Julgamento: 16/08/1999, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 27.09.1999 p. 59)
Há de se mencionar também que, por mais competente que se mostre o agente pú-blico, poderão surgir situações imprevisíveis, como demonstra Fazzio Junior (2007, p. 121) ao expor que “o impacto de reviravoltas financeiras, as guinadas da política econômica nacio-nal e as crises creditícias podem atingir gestores diligentes, sobretudo nas empresas estatais que militam no mercado”.
A última categoria de improbidade administrativa prevista pela Lei nº 8.429/92, é o atentado aos princípios da Administração Pública, disposto no art. 11, da referida lei, uma modalidade residual conceituada como “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.
Na análise deste dispositivo, é relevante mencionar que a simples violação de prin-cípio da Administração Pública não é suficiente para configuração de Improbidade Admi-nistrativa nos moldes do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, pois, se assim fosse, bastaria um ato ineficiente ou desatento do agente público ou de terceiro para que este fosse considerado ímprobo, o que geraria uma grave insegurança jurídica.
Desta forma, o ato de improbidade administrativa violador dos princípios da Administração Pública configura-se pela ação ou omissão atentatória a princípio consti-tucional norteador da Administração Pública (ressaltando-se que aqueles previstos no art. 11 da LIA são meramente exemplificativos) praticada dolosamente com desonestidade, deslealdade, desvio de finalidade ou má-fé e que não acarrete meramente o enriquecimen-to ilícienriquecimen-to ou lesão ao Erário, pois, nestes casos, ainda que haja atentado aos princípios da Administração Pública, pelo princípio da especificidade, haverá tipificação da conduta nos artigos 9º e 10 da LIA.
SANÇÕES
As sanções aplicáveis aos atos de Improbidade Administrativa possuem caráter civil e estão previstas pelo art. 12, I a III, da LIA. Cada um dos incisos traz as penalidades aplicá-veis para cada modalidade de improbidade, de modo que o inciso I refere-se às aos atos de enriquecimento ilícito; o inciso II, aos atos lesivos ao Erário; e, por fim, o inciso III que prevê as sanções aplicáveis nos casos de violação aos princípios administrativos.
As espécies de sanções previstas pela Lei nº 8.429/92 são basicamente as mes-mas para cada categoria de improbidade, sofrendo pequenas variações, conforme aponta Car-valho Filho (2010, p. 1184-95), em função de tempo ou de valores. Assim temos, segundo classificação proposta pelo autor, as seguintes penalidades: 1ª) perda de bens e valores acres-cidos ilicitamente ao patrimônio; 2ª) ressarcimento integral do dano; 3ª) perda da função pública; 4ª) suspensão de direitos políticos; 5ª) pagamento de multa civil; 6ª) proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
A aplicação das referidas sanções poderá se dar cumulativamente e deverá levar em consideração os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, porquanto indis-pensável a correlação entre a gravidade da conduta e penalidade imposta. Nesse contexto, enriquecimento ilícito, seguido dos atos de danos ao Erário e, com sanções mais leves, os atos de violação a princípios da Administração.
Importante realçar que todas as sanções só poderão ser aplicadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, poderão ser tomadas medidas transitórias, como afastamento cautelar do servidor, quando imperativas à adequada instrução do processo. O PRINCÍCIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Conceito e Aplicação do Princípio da Insignificância no Direito Penal e em Outros Ramos do Direito Brasileiro
A origem do princípio da insignificância, segundo o entendimento majoritário da dou-trina, é o conhecido brocardo jurídico, oriundo do Direito Romano, de minimis non curat praetor. Conforme os ensinamentos de Rebêlo (2000, p. 31), esta máxima jurídica “significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis”.
Assim, pelo princípio da insignificância ou princípio da bagatela, uma conduta só será punida se, além de estar prevista em lei (princípio da legalidade), lesar ou pôr em risco, de forma relevante e efetiva, bens jurídicos tutelados pelo Direito.
Inicialmente, o princípio da bagatela estava vinculado unicamente aos crimes que possuíam natureza patrimonial. Entretanto, atualmente, o referido princípio é aplicado aos mais diversos ramos do Direito.
Na esfera Penal, o princípio da insignificância constitui-se em um verdadeiro prin-cípio de política-criminal, por meio do qual, condutas causadoras de mínima lesão a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal não devem ser por este abrangidas.
Consoante a este raciocínio, é o entendimento do STF, tal como se observa em trecho de acórdão, abaixo transcrito:
O postulado da insignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas
provoca-doras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carceirização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pes-soa quanto aos interesses societários em geral (STF HC 100177, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Primeira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-03 PP-00575).
Contudo, tal princípio tem sido o objeto de vários estudos, principalmente no tocante à ausência de limites claros do que vem a ser penalmente irrelevante, ficando essa valoração, muitas vezes, ao puro arbítrio do julgador.
Neste sentido, manifestou-se o STF, em brilhante lição do Ministro Celso de Mello: [...] O postulado da insignificância - que se qualifica como expressivo instrumento de política criminal - subordina-se, quanto à sua incidência, à presença, a ser cons-tatada em cada situação ocorrente, de determinados vetores, que assim podem ser identificados: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma peri-culosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comporta-mento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF HC nº 97.927/RS, Relator (a): Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 02/06/2009). Assim, não deve o aplicador da lei se orientar por critérios puramente subjetivos na utilização do referido princípio, ou seja, deverão ser verificados, no caso concreto, baixos graus de ofensividade, periculosidade e reprovabilidade da conduta do agente, bem como a inexpressividade da lesão provocada por essa conduta.
Além do Direito Penal, outros ramos do Direito permitem a aplicação do princípio da insignificância. É o que ocorre no âmbito do Direito de Trânsito, em cuja jurisprudência encontra-se, por exemplo, o entendimento de que lesões corporais de natureza leve não deve-rão configurar crimes, ainda que ensejem responsabilidade civil. Vejamos:
CRIMINAL. LEVISSIMA LESÃO CORPORAL CULPOSA. PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA. AÇÃO PENAL. - FALTA DE JUSTA CAUSA. INDISCU-TIVEL A INSIGNIFICANCIA DA LESÃO CORPORAL CONSEQUENTE DE ACIDENTE DO TRÂNSITO ATRIBUIDO A CULPA DA MÃE DA PEQUE-NA VITIMA, CABE TRANCAR-SE A AÇÃO POR FALTA DE JUSTA CAUSA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL.(3557 PE 1994/0010696-3, Relator: Ministro JOSÉ DANTAS, Data de Julgamento: 20/04/1994, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.05.1994 p. 10016RSTJ vol. 59 p. 107RT vol. 705 p. 381) No campo do Direito Tributário, podem-se citar os casos de contrabando e des-caminho em que é desconsiderado o crime quando o tributo suprimido for considerado de valor ínfimo. Neste sentido, tem se pautado a jurisprudência:
PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABI-LIDADE.1. Esta Corte assentou ser aplicável, na prática de descaminho, o princípio
da insignificância quando o valor do tributo suprimido é inferior a R$ 10.000,00 (Recurso Especial Repetitivo nº 1.112.748/TO, Relator o Ministro Felix Fischer, DJe 13/10/2009).2. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (1105186 PR 2008/0270703-0, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 18/02/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/03/2010)
Há, igualmente, uso do princípio da bagatela no Direito Ambiental, apesar da ex-cepcionalidade na sua aplicação. É o que se verifica pela leitura do seguinte julgado:
PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA. LEI N.º 9.605/1998, ARTIGO 34. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE, EM GRAU DE EXCEPCIONALIDADE. RECURSO MINISTERIAL DES-PROVIDO. 9.605341. Em tema de direito ambiental, a regra é a de que não se aplica o princípio da insignificância; mas, excepcionalmente, à vista das circunstân-cias do caso concreto, é dado reconhecer a bagatela. 2. Cuidando-se de pesca de um quilograma de peixe, praticada por lavrador desempregado, com baixa escolaridade, pai de seis filhos e ínfima renda mensal; e constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provo-cada, é dado proferir sentença absolutória com base no princípio da insignificância. 3. Apelação ministerial desprovida. (3614 SP 2001.61.25.003614-3, Relator: DE-SEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 23/02/2010, SEGUNDA TURMA).
Destarte, verifica-se que variados ramos do Direito admitem a aplicação do princí-pio da insignificância, mesmo que em caráter excepcional. Cabe-nos, portanto, analisar, em seguida, a possibilidade desta aplicação no quanto ao atos de improbidade administrativa. DEBATE ACERCA DA POSSIBILIDADE DO USO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA NO JULGAMENTO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Caso Concreto
A fim de analisar a aplicabilidade do princípio da insignificância aos atos de impro-bidade administrativa, oportuno trazer à baila, inicialmente, um caso concreto, o qual tornará este estudo mais sólido.
Para tanto, eis um trecho do julgamento do Recurso Especial nº 892.818 - RS (2006/0219182-6):
Na origem, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra João Amaro Borges Silva, que, na função interina de Chefe-de-Gabinete do Município de Vacaria/RS, ter-se-ia aproveitado da força de tra-balho de três servidores municipais, membros da Guarda Municipal, bem como utili-zado veículo de propriedade do Município, para carregar utensílios de uso particular.
Admitindo os fatos que lhe foram imputados, João Amaro pediu exoneração do cargo e ressarciu aos cofres públicos a importância de R$ 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos), referente ao combustível utilizado no percurso de 3 km que se apurou ter o veículo do Município percorrido.
Com fundamento no Inquérito Civil, o Ministério Público imputou ao réu as con-dutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei de Ação Civil Pública e requereu a suspensão de seus direitos políticos por dez anos, a proibição de contratar com o Poder Público por três anos, além de pagamento de multa civil de cem vezes o valor da remunera-ção por ele percebida.
O juízo de 1º grau julgou o pedido parcialmente procedente. Reconheceu que os fatos configuravam ato de improbidade administrativa, na forma dos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/1992, para cominar multa de R$ (um mil e quinhentos reais), afastando a pena de suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público. O Ministério Público do Estado não apelou da sentença.
O réu, por sua vez, recorreu para pleitear que a multa civil fosse relevada em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O Tribunal de Justiça, considerando que o dano ao Erário foi apurado em R$ 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos), de pronto ressarcido pelo réu, bem como seu pedido de exoneração da Chefia de Gabinete, concluiu que a conduta, embora típica, não atingia de modo relevante o bem jurídico protegido. Assim, aplicou à hipótese, por analogia ao Direito Penal, o princípio da insignificância para reformar a sentença e julgar improcedente a Ação Civil Pública. [...]
No caso em tela, verifica-se a configuração de improbidade administrativa, pelo réu, servidor público, pelo fato de o mesmo ter-se utilizado da força de trabalho de três servidores municipais e de veículo do Município para realizar transporte de utensílios particulares. Deste modo, houve desvio de finalidade, sendo tal conduta tipificada pelo Ministério Público, em Ação Civil Pública, pelos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação de princípios da Ad-ministração Pública) da Lei de Improbidade Administrativa.
Como se constata, o juízo singular julgou parcialmente procedente os pedidos for-mulados pelo Ministério Público na inicial, de modo a condenar o réu ao pagamento de multa no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) pela prática de conduta ímproba.
Entretanto, inconformado com a sentença de primeiro grau, o réu recorreu ao Tri-bunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, entendendo ser a conduta do acusado penalmente irrelevante, julgou extinta a referida Ação Civil Pública, pelo princípio da insignificância.
O Ministério Público, por sua vez, recorreu da sentença interpondo, perante o Su-perior Tribunal de Justiça, Recurso Especial. Analisemos, a seguir, trecho da ementa, conten-do a decisão proferida por esta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA MORALI-DADE ADMINISTRATIVA. IMPROBIMORALI-DADE ADMINISTRATIVA. MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂN-CIA. DISTINÇÃO ENTRE JUÍZO DE IMPROBIDADE DA CONDUTA E
JUÍZO DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO. (...) 5. Nem toda irregularidade ad-ministrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e va-lores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado - sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por «insignificância» se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos - evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas. [...] 12. Recurso Especial provido, somente para restabelecer a multa civil de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), afastadas as sanções de suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, pretendidas originalmente pelo Ministério Público. (892818 RS 2006/0219182-6, Relator: Ministro HER-MAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 11/11/2008, T2 - SEGUNDA TUR-MA, Data de Publicação: DJe 10/02/2010, grifo nosso).
Observa-se da leitura desta ementa que o entendimento do STJ é no sentido de que há uma incompatibilidade entre o princípio da insignificância e os atos de improbidade administrativa, contrariamente ao que afirmou o TJ-RS, no julgamento do mesmo caso.
Esta polêmica acerca da admissibilidade de aplicação do princípio da bagatela às condutas ímprobas é questão de intensos debates entre Tribunais, julgadores, hermeneutas e juristas, no geral. Passemos, portanto, nas subseções seguintes, à exposição dos fundamentos que embasam cada um dos posicionamentos acerca do assunto.
CORRENTE CONTRÁRIA À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA AOS ATOS ÍMPROBOS
Para esta corrente, majoritária, a inaplicabilidade do princípio da bagatela às con-dutas ímprobas advém de duas razões principais: primeira, a legislação não almejou resguar-dar somente o patrimônio público, mas, também, a moralidade administrativa; e segunda, o princípio da indisponibilidade do interesse público faz com que a conduta dos agentes públicos esteja pautada exclusivamente na lei, rechaçando relativizações.
Neste contexto, sábios são os ensinamentos de MEIRELLES (2011, p. 89) ao expor que “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na Admi-nistração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na AdmiAdmi-nistração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.” Tal entendimento sintetiza a noção de que a conduta do agente público deve estar estritamente vinculada à moralidade administrativa.
Destarte, aqueles que praticam atos de improbidade lesam bem jurídico fundamen-tal ao funcionamento normal da Administração Pública, ou seja, a moralidade. Sendo assim, não há ofensa que seja insignificante em relação à moralidade administrativa, considerando-se que a mesma não admite relativizações e que a indisponibilidade do interesse coletivo e da moralidade é baluarte da própria essência da gestão pública.
Assim, não há de se falar em atos “um pouco imorais”, pois, a moralidade da Ad-ministração Pública não pode ser maculada, mesmo por um ato aparentemente ínfimo, visto que não há espaços para desvio de conduta do administrador.
Consoante é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, como já apresentado no caso concreto examinado na seção anterior. Segundo o entendimento desta Corte, não há possibilidade de relativização de conduta de agente público que lese a moralidade e a ética, ine-rentes ao cargo que ocupe ou função que exerça. Vejamos, a seguir, outro julgado deste Tribunal: PENAL. PREFEITO. UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO PÚBLICO. APLICA-ÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.1. Não é possível a aplicação do princípio da insignificância a prefeito, em razão mesmo da própria condição que ostenta, devendo pautar sua conduta, à frente da muni-cipalidade, pela ética e pela moral, não havendo espaço para quaisquer desvios de conduta. 2. O uso da coisa pública, ainda que por bons propósitos ou motivado pela “praxe” local não legitima a ação, tampouco lhe retira a tipicidade, por menor que seja o eventual prejuízo causado. Precedentes das duas Turmas que compõem a Terceira Seção. 3. Ordem denegada. (148765 SP 2009/0188500-0, Relator: Minis-tra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 11/05/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/05/2010)
Além do STJ, outros Tribunais vêm negando o emprego do princípio da insignifi-cância aos atos de improbidade administrativa:
APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - COMPRA DE PNEUS E MATERIAIS DE CONSTRU-ÇÃO - DESVIO DA FINALIDADE PÚBLICA DOS BENS - CONFIGURA-DO - USO PARTICULAR CONFIGURA-DOS BENS - COMPROVACONFIGURA-DO - 1. ATOS DE IM-PROBIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADOS ATRAVÉS DE PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL - 2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE - 3. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CONDENAÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIO-NAL - RECURSOS DESPROVIDOS.1. O ato de improbidade administrativa constitui-se como aquele que causa lesão ao erário, e decorre da conduta ilegal do agente público, ativa ou omissa, dolosa ou culposa, no exercício de sua função pública.2. A relação entre o dever da Administração Pública de atuar e o fim alme-jado pela lei, não pode dispensar a observância da lealdade e da boa-fé, conceitos formadores do princípio da moralidade.3. O princípio da insignificância não pode ser aplicado para afastar as condutas judicialmente reconhecidas como ímprobas. (6990334 PR 0699033-4, Relator: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, Data de Julgamento: 22/02/2011, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 587) ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SER-VIDORAS PÚBLICAS. FALSIFICAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE ATESTADOS FALSOS. JUSTIFICAÇÃO AUSÊNCIA AO TRABALHO. ATO DE IMPRO-BIDADE CONFIGURADO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SANÇÕES APLICADAS. PRINCÍPIO DA PROPOR-CIONALIDADE ATENDIDO.1. As provas coligidas aos autos demonstram que a requerida servidora pública federal utilizou-se de atestados médicos falsos
forne-cidos pela requerida servidora pública estadual para justificar ausência ao trabalho, condutas que causou prejuízo ao erário e ofendeu a moralidade pública.2. Inaplicável ao caso o princípio da insignificância. A moralidade administrativa foi afrontada.3. As sanções impostas às rés mostram-se proporcionais e adequadas ao ato de improbidade pelo qual foram condenadas, considerando que já foram fixadas em observância aos parâmetros estabelecidos no art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa.12IILei de Improbidade Administrativa4. Apelações improvidas. (6247 AM 0006247-59.2005.4.01.3200, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEI-ROZ, Data de Julgamento: 02/10/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 181 de 16/10/2012)
Desta forma, para esta corrente, tratando-se de improbidade, não poderá o aplica-dor da lei deixar de apenar o mau administraaplica-dor com as devidas sanções, ainda que pareça mínima a conduta por ele cometida, uma vez que a improbidade sempre comprometerá a moralidade administrativa, atributo fundamental e imaculável da Administração Pública. CORRENTE FAVORÁVEL À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA AOS ATOS ÍMPROBOS
Embora não seja a posição majoritária, há uma corrente defensora da aplicabilidade do princípio da bagatela às condutas ímprobas, sob o argumento de que, apesar da morali-dade administrativa ser caractere indispensável à conduta do administrador, é imperioso que haja uma adequada correspondência entre a conduta ímproba e sua sanção.
Neste sentido, para os partidários desta corrente, a punição administrativa se insere no âmbito do poder punitivo estatal, de modo que a pena administrativa não deve ensejar uma sanção mais rigorosa do que ensejaria na esfera criminal, razão pela qual não se poderia deixar de aplicar, no Direito Administrativo, certos institutos do Direito Penal, como o prin-cípio da insignificância.
Tal posicionamento é corroborado por Mazzili (1993, apud PAZZAGLINI FI-LHO, 1999, p. 203), ao afirmar não ser necessário, em determinadas ocorrências de impro-bidade administrativa, a propositura de Ação Civil Pública, pelo Ministério Público:
É necessário antes preferir o caminho que combate a iniquidade, sim, mas dentro da legalidade. E a maneira correta de assim proceder é corajosamente estimular a mitigação da obrigatoriedade, sem quebra da legalidade, para casos específicos, res-tritivamente previstos em lei, quando verdadeiramente não haja interesse social na propositura ou no prosseguimento da ação pública. É o caso de pequenas infrações, quando o dano pôde ser integralmente reparado pelo agente ou quando a ação pú-blica ou a própria sanção objetivada mostrarem totalmente desnecessárias e às vezes até injustas ou em desarmonia com suas finalidades.
Ainda, de acordo com esta corrente, um simples processo disciplinar, em certos casos, já promove, por si só, efeitos educativos sobre o administrador ímprobo.
É possível encontrar na jurisprudência decisões que ratificam o entendimento desta corrente, como se verifica abaixo:
CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE
ADMI-NISTRATIVA - AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES SEM A DEVIDA
COMU-NICAÇÃO - RECEBIMENTO DE “PRO-LABORE” SEM A CONTRAPRES-TAÇÃO - VALOR DA MULTA CIVIL ARBITRADA - SANÇÃO QUE NÃO SE COADUNA COM A GRAVIDADE DO ATO - OBSERVÂNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA IN-SIGNIFICÂNCIA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1.Constitui ato
de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito a percep-ção da gratificapercep-ção de produtividade sem a correspondente prestapercep-ção do serviço (Lei n. 8.429/1992, art. 9º). 2. “Na imposição de sanções de qualquer natureza deve
o juiz considerar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e, notadamen-te, o da insignificância - que ‘surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima” (Resp nº 898.392, Min. Arnaldo Esteves Lima). A puni- nº 898.392, Min. Arnaldo Esteves Lima). A puni- A puni-ção do agente público ou político ímprobo deve ser proporcional à gravidade da sua conduta (intensidade do dolo), às consequências jurídicas do ato (montante do proveito econômico auferido e/ou do dano causado ao erário), à repercus-são e ao grau de reprovabilidade sociais» (AC n. , Des. Newton Trisotto).8.4299 (137029 SC 2009.013702-9, Relator: Newton Trisotto, Data de Julgamento: 08/06/2010, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. , da Capital, grifo nosso).
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO
CI-VIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PREGÃO
PÚBLICO:COMPRA DO BEM, DE TERCEIRO AUSENTE DO CERTA-ME, POR R$ 0,70 ABAIXO DO LANCE VENCEDOR, DE R$ 468,70 - IN-SIGNIFICÂNCIA.1. “De minimis, non curat praetor”. A eficácia dos sistemas jurídicos sempre dependeu do distanciamento mantido em relação às bagatelas, às insignificâncias e a outros signos representativos da irrelevância da infração. 2. É socialmente inútil a movimentação da pesada máquina judiciária, para a repressão de faltas ou comportamentos desprovidos, manifestamente, de potencial
ou efetiva aptidão para ferir bens tutelados pelo sistema normativo. (...) 5. Os
tribu-nais naciotribu-nais têm sujeitado a todos e a quaisquer valores jurídicos à ponderação do chamado princípio da insignificância. 6. A mais grave das transgressões, o crime,
inclusive o cometido contra a Administração Pública - a militar também, registre--se -, ainda quando relacionado à sobrevivência do próprio modelo de arrecadação das receitas públicas, como é o caso do delito fiscal, tem sido objeto de mediação pelo princípio da insignificância. [...] 8. Não cabe invocar o artigo 21, inciso I,
da LACPIA - “A aplicação das sanções previstas nesta lei independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público” -, porque tipicidade material e impo-sição de sanção não se confundem. É larga e conhecida a distância ritual entre os institutos. (...)11. Provimento ao agravo de instrumento de uma das indicadas
como rés e adoção da providência, de ofício, em relação aos demais.(AI 38686 SP 2009.03.00.038686-9, Relator(a):Desembargador Federal Fabio Prieto, Data do Julgamento:02/09/2010,Órgão Julgador: Quarta Turma, grifo nosso).
Neste sentido, também já se posicionou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes:
Para que seja razoável concluir, em um caso concreto, no sentido da tipicidade, mister se faz a conjugação da tipicidade formal com a tipicidade material, sob pena de abandonar-se, assim, o desiderato do próprio ordenamento jurídico criminal. Evidenciando o aplicador do direito a presença da tipicidade formal, mas a ausência da tipicidade material, encontrar-se-á diante de caso manifestamente atípico. Não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e
do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância típica a subtração de objetos da Administração Pública, avaliados no montante de R$ 130,00 (cento e trinta reais), e quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade. (STF - HC 107370/SP - 2ª T. - Rel. Min. Gilmar Men-des - DJe de 22.6.11, grifo nosso).
Destarte, observa-se que, por esta linha de pensamento, o simples fato de o patri-mônio lesado pertencer à Administração Pública, mesmo havendo violação a preceitos éticos e morais, não pode revestir com intangibilidade os delitos de improbidade.
É certo que os crimes contra a Administração Pública, possuem gravidade e grau de reprovação bem superiores aos crimes comuns. Entretanto, isso não deve obstar a aplicação do princípio da insignificância àqueles crimes. Caso contrário, situações irrelevantes, como a do agente público que toma para si canetas da repartição pública, poderiam ensejar sanções de repercussão e implicações extremamente graves e desproporcionais para este administrador.
Assim, para esta corrente, inexistindo relevância da conduta, admissível é a aplica-ção do princípio da bagatela, reconhecendo-se a atipicidade da conduta e, por conseguinte, resguardando-se a justiça na aplicação das penas.
CONCLUSÃO
O desvirtuamento da atividade pública, pela prática de conduta ímproba, extingue um dos pilares da democracia que é a confiança da população no governo e nas instituições. Aqueles que praticam atos de improbidade lesam bem jurídico basilar ao normal funciona-mento da Administração Pública: a moralidade.
Contudo, apesar da moralidade administrativa ser caractere indispensável à condu-ta do administrador, é imperioso que haja uma adequada correspondência entre a conducondu-ta ímproba e sua sanção.
Atualmente é notório o crescimento do endosso à aplicabilidade do princípio da insignificância às condutas ímprobas, em razão, principalmente, de uma propensão dos jul-gadores em, cada vez mais, se valerem da razoabilidade e da proporcionalidade na apreciação do caso concreto. Ora, é fato que o agente público tem sua conduta carregada de grande responsabilidade, vez que, ao agir em nome do poder público, é essencial que se paute pela
moralidade e boa-fé. Contudo, é imperiosa uma adequada correlação entre meio e fim na imposição de toda e qualquer sanção.
Não é qualquer conduta que ofende efetivamente a moralidade pública. Nestes ca-sos, diante do reduzidíssimo grau de reprovabilidade desta conduta e da inexpressividade da lesão jurídica causada por ela, o indivíduo ímprobo poderia ser penalizado de maneira mais coerente e proporcional, administrativamente, por exemplo, por meio de uma advertência.
Além disso, é de se notar que a simples experiência de um processo disciplinar tem o condão de provocar profundos efeitos sobre o agente, visto que o processo por si só já repre-senta um mal, muitas vezes mais assolador do que o mal gerado pela pena.
Enfim, o ato, para ser grave, deve ser desonesto e molestar de forma contundente a moralidade pública. Uma conduta de leveza extrema deve ser considerada mera irregularida-de administrativa, pela qual não se mostra razoável ou proporcional movimentar a máquina Judiciária. Desde modo, imprescindível a apreciação das particularidades do caso concreto, a fim de que, averiguados baixos graus de reprovabilidade, periculosidade e ofensividade da conduta do agente, bem como diminuto grau de expressividade da lesão provocada por esta conduta, configure-se a plausibilidade de aplicação do princípio da insignificância.
APPLICABILITY OF THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE IN ADMINISTRA-TIVE MISCONDUCT
Abstract: this article will analyze the administrative misconduct’s main features to then debate on
the admissibility or otherwise of the use of the principle of insignificance in the trial of administra-tive misconduct. In this context, the article will show both diverging viewpoints, each one based on solid arguments.
Keywords: Misconduct. Principle of insignificance. Applicability. Referências
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