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OS FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA DE JOHN DEWEY: UMA REFLEXÃO SOBRE A EPISTEMOLOGIA PRAGMATISTA

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Refl exões Acadêmicas

OS FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA DE

JOHN DEWEY: UMA REFLEXÃO SOBRE A

EPISTEMOLOGIA PRAGMATISTA

THE FOUNDATIONS OF PEDAGOGY BY JOHN DEWEY: A REFLECTION ON PRAGMATIST

EPISTEMOLOGY

Rodrigo Augusto de Souza

Doutorando em Educação pela UEM. Programa de Pós-Graduação em Educação

Universidade Estadual de Maringá (UEM) Maringá – PR – Brasil Endereço: Rua Cecília Meirelles, 153 Vila Esperança – Maringá - PR

CEP: 87020-640 E-mail: rodrigoaugustobr@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre os fundamentos do pensamento deweyano. Para uma compreensão das ideias de John Dewey (1859-1952), se faz necessário um estudo da epistemologia que permeia o seu pensamento. Sendo assim, esse estudo procura apresentar os fundamentos epistemológicos do pragmatismo deweyano. Para tanto, a obra de Dewey será entendida no contexto do pragmatismo norte-americano, no qual ele está inserido ao lado de Charles Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910). O pensamento deweyano pode ser compreendido a partir de muitas perspectivas, uma vez que o fi lósofo norte-americano teve uma vasta produção acadêmica. Suas obras tratam especifi camente de: fi losofi a, educação, política, sociologia, arte e psicologia. As ideias de John Dewey possuem certas especifi cidades frente ao pragmatismo. Seu pensamento pode ser entendido como um humanismo naturalista ou, ainda, como um naturalismo humanista. Essa refl exão pretende explicitar essas discussões a partir do pensamento deweyano.

PALAVRAS-CHAVE: Pensamento Educacional. Pragmatismo. John Dewey.

ABSTRACT

This paper presents a refl ection on the fundamentals of Deweyan thought. For an understanding of the ideas of John Dewey (1859-1952), a study of epistemology is necessary that pervades his thinking. This study therefore presents the epistemological foundations of Deweyan pragmatism. The work of Dewey will be understood in the context of American pragmatism, in which it is inserted alongside that of Charles Peirce (1839-1914) and William James (1842-1910). Deweyan thought can be understood from many perspectives, as the American philosopher had a vast academic production. His works deal specifi cally with: philosophy, education, politics, sociology, art and psychology. The ideas of John Dewey have certain characteristics in relation to pragmatism. His thoughts can be understood as naturalistic humanism, or even as humanistic naturalism. This refl ection aims to clarify these discussions based on Deweyan thought.

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KEYWORDS: Educational thought. Pragmatism. John Dewey.

INTRODUÇÃO

Uma compreensão da obra e do pensamento de John Dewey (1859-1952), que não leve em conta a fundamentação epistemológica de suas ideias, é, por sua vez, limitada e parcial. Nesse sentido, esse estudo ao encontro dessa necessidade de compreender o pensamento deweyano a partir dos seus fundamentos epistemológicos. As ideias deweyanas têm a marca do pragmatismo fi losófi co. Nesse estudo buscamos aprofundar a compreensão do que venha a ser essa escola fi losófi ca, de origem norte-americana. O entendimento de Dewey, vinculado aos demais pragmatistas do seu tempo Charles Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910), não dispensa uma incursão nas particularidades do pensamento do deweyano. Não há uma homogeneidade no pragmatismo fi losófi co, embora possamos falar de denominadores comuns entre os fi lósofos que originam esse novo modo de pensar e elaborar a fi losofi a. Para aprofundar essa análise, é muito útil a obra “Os Pioneiros do Pragmatismo Americano”, de John Shook, na qual o autor mostra os pontos de convergência e as especifi cidades dos fundadores do pragmatismo fi losófi co.

O contexto histórico que origina o pragmatismo é igualmente importante. Há um horizonte cultural e histórico que permite o surgimento de tal escola fi losófi ca. Devemos situar o surgimento do pragmatismo nos Estados Unidos do fi nal do século XIX, no período pós-guerra civil americana, fase de desenvolvimento e consolidação do capitalismo industrial. Do ponto de vista epistemológico é importante estabelecer a relação entre a Inglaterra e os Estados Unidos, principalmente pelo fato das colônias inglesas da América do Norte serem consideradas a “Nova Inglaterra”. A Inglaterra é o berço do empirismo, de Francis Bacon, John Locke e Thomas Hobbes. Ainda, é o lugar do protestantismo de matriz anglicana, metodista, puritana e congregacionalista. A família Dewey imigrou da Inglaterra para os Estados Unidos. O solo das antigas colônias inglesas da América do Norte foi fecundo aos ideais fi losófi cos, religiosos e culturais dos colonizadores. Podemos dizer que, considerando o pragmatismo um novo empirismo, ou um “empirismo reformado”, ele é, em parte, expressão desse processo colonizador sofrido pelos Estados Unidos.

Quando William James denominou “pragmatismo”, um novo nome para um velho método de pensar, não sei se ele estava expressamente pensando em Francis Bacon, porém, até no que concerne ao espírito e a atmosfera do conhecimento, Bacon pode ser considerado como profeta de uma concepção pragmática de conhecimento. (OZAMON& CRAVER, 2004, p. 132).

Considerando a relação existente entre empirismo inglês e pragmatismo norte-americano, podemos encontrar, de certo modo, as origens epistemológicas da fi losofi a de Peirce, James e de Dewey. Apesar disso, não devemos incorrer na tentação de uma análise muito simples da realidade. Embora Bacon seja considerado o “profeta” de uma concepção pragmática de conhecimento, os pragmatistas endereçam ao fi lósofo inglês inúmeras críticas. O próprio Dewey não poupa Bacon de suas críticas. Tais críticas são encontradas em: “Democracia e Educação”, “Experiência e Natureza” e “A Filosofi a em Reconstrução”, entre outras obras.

O PRAGMATISMO FILOSÓFICO

Na obra de John Shook, “Os Pioneiros do Pragmatismo Americano”, que já citamos em nosso trabalho, o autor faz uma distinção entre os fi lósofos pragmatistas. Ele considera que Charles Peirce foi o responsável pelo rigor científi co e metodológico do pragmatismo. Segundo Shook, Peirce era uma fi gura controvertida e de difícil convivência, por conta disso tinha difi culdades para lecionar nas universidades norte-americanas. Ainda, Peirce procurava se distanciar dos demais pragmatistas, denominando sua fi losofi a de “pragmaticismo”.

Ao descrever a personalidade de Charles Peirce, Shook ironiza, dizendo que se dependesse de Peirce, o pragmatismo jamais teria se difundido e popularizado como fi losofi a nos meios acadêmicos norte-americanos. Não obstante sua genialidade, Charles Peirce sobreviveu boa parte de sua vida com doações realizadas por seus amigos, entre eles James e Dewey. A importância do pensamento de Peirce se dá para além do pragmatismo, abrangendo também os estudos de lógica, fi losofi a da

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linguagem e de semiótica. É importante o estudo “O Método Anticartesiano de Charles Sanders Pierce”, de Lúcia Santaella. Nessa obra, a autora apresenta a epistemologia de Peirce se contrapondo ao racionalismo cartesiano.

De radical importância é a contribuição que Peirce traz para a discussão das fundações epistêmicas dos métodos, algo que a maioria das metodologias, preocupada com a efi cácia imediata de seus meios, esquece-se de indagar. A grande novidade da teoria peirceana dos métodos está na sua demonstração de que, para negar as mazelas de um racionalismo exclusivista não temos que partir para a glorifi cação emocional e da irracionalidade. Peirce mostra que as vias que vão do instinto à razão e vice-versa não estão separadas por fronteiras intransponíveis. (SANTAELLA, 2004, p. 28).

A obra de Peirce pode ser entendida por aquilo que se convencionou chamar de “primeiro pragmatismo”. Voltando à análise de John Shook, a popularização do pragmatismo se deu pela atuação de William James, com suas célebres conferências publicadas sob o título de “Pragmatismo”. De família rica e infl uente, radicada em Nova Iorque, James teve uma formação intelectual esmerada. Seu irmão, Henry James, foi um dos mais importantes escritores da literatura norte-americana. O próprio William James reconhece textualmente a importância de Peirce para o pragmatismo. Explica o fi lósofo acerca da nova fi losofi a:

O termo deriva da mesma palavra grega “pragma”, que signifi ca ação, do qual vêm as nossas palavras: prática e prático. Foi introduzido pela primeira vez em fi losofi a por Charles Peirce, em 1878, em um artigo intitulado “Como tornar claras nossas idéias”, publicado no “Popular Science Monthy”, de Janeiro daquele ano. (JAMES, 1979, p. 10).

Essas ideias infl uenciaram o pensamento de John Dewey. Para o fi lósofo e educador norte-americano, o pragmatismo surge com a intenção de reparar o atraso da fi losofi a em relação ao mundo moderno. O mundo moderno é palco de inúmeras revoluções. Podemos citar entre elas: a revolução científi ca, protagonizada por Bacon, com o método científi co e a fundação da ciência moderna; a revolução industrial, ocasionada devido ao avanço do capitalismo aliado com o desenvolvimento da ciência; e a revolução política, representada pelo pensamento democrático e pelo liberalismo. Afi rma Dewey:

Uma fi losofi a ajustada ao presente deve tratar daqueles problemas que resultam de mudanças que se processam num setor humano-geográfi co em escala cada vez mais ampla e com poder de rapidez e de penetração cada vez mais intenso; eis aí uma indicação bem marcante da necessidade que se faz sentir de uma espécie da reconstrução diversa, em todos os sentidos, daquela que está agora em evidência. (DEWEY, 1958, p. 3).

A fi losofi a, bem como as demais experiências humanas, segundo a visão do pragmatismo e também deweyana, deve ser reconstruída, isto é, pensada sob o viés utilitário, pragmático, que até então permaneceu distante do universo do conhecimento. Para Dewey e os pragmatistas, o conhecimento, que até então era visto em si mesmo, distante de sua signifi cação útil, e ainda justifi cado por uma lógica racionalista que o legitimava, deveria se aproximar da experiência cotidiana. Tratava-se da superação das dicotomias geradas pelo dogmatismo gnosiológico que buscava para si uma fundamentação supranatural. Contra isso afi rma o pragmatismo a necessidade da substituição desse modelo de dogmatismo pelo método experimental.

A EPISTEMOLOGIA PRAGMATISTA

O termo epistemologia, de origem grega, do ponto de vista etimológico, quer dizer: episteme (ciência)+logos (discurso/saber); assim, teríamos discurso científi co ou saber científi co. Nossa opção, no entanto, é entendê-la como refl exão fi losófi ca das teorias, conceitos ou discursos das ciências. Nesse sentido, seria a epistemologia a especulação crítica e refl exiva dos enunciados científi cos que se pretendem verdadeiros.

A epistemologia, como disciplina fi losófi ca, é uma refl exão contemporânea. Um pensamento destinado à crítica das proposições científi cas não pode se adequar a outro momento histórico, senão o atual. Assim, a novidade trazida pela epistemologia não é somente o crivo da refl exão crítica para o conhecimento científi co, mas também a sua historicidade.

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Como vimos, a epistemologia se ocupa com a produção do conhecimento e com os processos do conhecer. Não ignoramos as raízes sociais da produção do saber científi co, porém a epistemologia procura analisar criticamente as teorias científi cas. O pragmatismo se preocupa com a produção do conhecimento. Isso está presente principalmente no pensamento Peirce e Dewey. Os estudos sobre lógica e as noções de experiência e de problema ocupam boa parte da atenção dos fi lósofos pragmatistas. Em Dewey, encontramos a obra “Lógica: A teoria da investigação”, na qual ele expõe a novidade de sua concepção lógica e metodológica para a produção do conhecimento. Seu pensamento não recorre aos modelos lógicos tradicionais, como a lógica formal aristotélica. Tampouco se aproxima da lógica matemática, muito difundida no fi nal do século XIX.

Na epistemologia pragmatista e também deweyana, os objetos estão inter-relacionados, a partir da lógica, no processo de construção do conhecimento. Isso permite a conexão de uns com os outros, o que levaria à aplicabilidade pragmática, uma vez que conhecer se trata de perceber essas conexões que ligam os objetos com um fi m útil. Assim, a fi losofi a não deve apenas evitar os dualismos: razão/experiência, ideal/ real, teoria/prática, indivíduo/sociedade, mas combatê-los, já que o conhecimento se dá na continuidade da experiência e não apenas em sua fragmentação. A inteligência investigativa ou pensamento refl exivo é que deve estabelecer essas relações que (re) ligam os objetos naturais. Considera Dewey:

A aplicabilidade de alguma coisa ao mundo não signifi ca a aplicabilidade àquilo que já é passado e fi ndo, o que fi ca fora de questão pela natureza do caso; signifi ca aplicabilidade ao que está ainda sucedendo, ao que ainda não está estabelecido no cenário mutável de que fazemos parte. (1959, p. 373).

O pragmatismo foi acusado de reduzir a verdade ao utilitário. Contudo não é o pragmatismo uma fi losofi a vulgar. Aquilo que os fi lósofos pragmatistas entendem por prático, por útil, deve ser bem compreendido para evitar equívocos conceituais. Os critérios de utilidade e praticidade defendidos por eles nada mais são do que a vida, como experiência humana. Em outras palavras, a aplicabilidade do conhecimento à vida prática. Isso Dewey defendeu com sua fi losofi a. O conhecimento, para o pragmatismo, se dá por uma atitude antiintelectualista, isto é, negando qualquer tipo de razão transcendental, racionalismo ou idealismo. Lembremo-nos de que o pragmatismo é um tipo de empirismo, mas não preso às emoções e aos fatos observáveis e às leis científi cas a partir deles formuladas. Sendo assim, o pragmatismo retira o conhecimento do plano metafísico e o coloca nas mãos dos indivíduos, vinculando-o ao plano pragmático, útil à vida. Embora sendo empirista, o pragmatismo não é um tipo de positivismo.

Ao empreender o raciocínio transcendentalista, a fi losofi a assumiu uma tarefa desnecessária, visto que a própria experiência humana, por causa das relações que estabelece com o meio, é sufi ciente para desenvolver as noções intelectuais e morais de que necessita para se justifi car. Além disso, trata-se de uma tarefa impossível, pois a fi losofi a não constitui um modo privilegiado de acesso à verdade. (CUNHA, 1998, p. 28).

Voltar o pensamento para a utilidade da vida cotidiana parece, em uma análise superfi cial, subestimar o pensamento refl exivo, mas não ao contrário. Com sua perspectiva de utilitarismo, Dewey procura defi nir que a experiência deve estar vinculada aos problemas da existência humana. Quando o homem experimenta o mundo ou a realidade, ele não procura somente empreender uma ação contra eles, mas resolver seus problemas existenciais.

Quando se fala em universalidade das teorias científi cas, é necessário compreender que não se está aludindo a um conteúdo inerente fi xado por Deus ou pela natureza, mas ao âmbito de sua aplicabilidade – da capacidade de tirar os casos de seu isolamento aparente com o fi m de ordená-los em sistemas que (a exemplo do que ocorre com todos os seres vivos), provém sua qualidade vital, pelo gênero de mudança que se denomina crescimento. (DEWEY, 1958, p. 10).

Há o risco de se considerar o pragmatismo uma teoria da verdade. Para o pragmatista, o termo verdade possui muitos signifi cados. A natureza da verdade depende de opiniões pessoais a respeito do termo verdade. Não se trata de uma espécie de subjetivismo irresponsável, mas sim de uma verdade que responde aos apelos e aos questionamentos vitais dos indivíduos.

O PENSAMENTO DEWEYANO

Alguns conceitos são fundamentais na compreensão adequada do pensamento deweyano. Eles são como que “chaves de leitura” para o entendimento da obra do fi lósofo e educador. Trataremos

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agora de apresentá-los, ainda que em forma sintetizada, com a intenção de possibilitar um referencial básico à análise e à interpretação do pensamento de Dewey.

Segundo Cunha (1998, p.13), o pensamento deweyano está intrinsecamente relacionado com sua concepção de conhecimento. O pensamento de John Dewey nasce de sua epistemologia. A concepção epistemológica deweyana integra o pragmatismo norte-americano, que, por sua vez, é apresentado por William James como método fi losófi co. Dewey acrescentaria que o pragmatismo não é apenas método, mas instrumento de adaptação do homem como organismo vivo em seu ambiente natural, com a intenção de transformá-lo segundo seus interesses individuais e também coletivos. O conhecimento é uma percepção das conexões de um objeto, que o torna aplicável em uma dada situação (DEWEY, 1959, p. 373).

A fi losofi a deweyana é um pensamento que se percebeu na tentativa de conectar o pensamento refl exivo com os acontecimentos da experiência diária. O método empírico, do qual o pragmatismo faz parte, requer da fi losofi a que os métodos refi nados sejam submetidos à experiência primária, que está no plano da relação com as emoções e as impressões primeiras. Suas conclusões devem ser trazidas à experiência ordinária, em toda a sua rudeza, a fi m de serem verifi cadas, assim a fi losofi a se torna uma crítica de preconceitos.

Dewey critica as fi losofi as que se distanciaram da experiência ordinária: escolasticismo, sensacionismo, racionalismo, idealismo, realismo, empirismo, transcendentalismo e o próprio pragmatismo. Afi rma que: uma fi losofi a empírica é, de qualquer modo, algo como despir-se intelectualmente. Ao que poderíamos acrescentar, com a intenção de aproximar mais o pensar da vida prática, da experiência comum (DEWEY, 1958, p. 185).

O pensamento deweyano possui uma fi losofi a política e social bem signifi cativa. O conceito de democracia é uma preocupação constante de sua fi losofi a, bem como de sua pedagogia. Com Amaral (1990), Cunha (1998; 2001) e Shook (2002), podemos dizer que o conceito de democracia é fundamental na obra e no pensamento de Dewey. O Estado não é entendido por Dewey como luta por ambições pessoais. Se é verdade que as células não estão em interação vital uma com as outras, não poderiam elas vir a colocar-se em confl ito, mas tampouco estabelecer cooperação. Aqui reside também sua crença no liberalismo, uma vez que sua fi losofi a social está centrada no indivíduo educado para a vida democrática, isto é, vida associada. Não há separação entre política e teoria moral (DEWEY, 1958, p. 194).

A sociedade é o processo de estabelecer relações, transmitir experiência e valores em comum. Dewey percebe que a fi losofi a europeia surge à parte das tradições sociais que se consolidaram. Defende que a fi losofi a social e política devem estar em sintonia com os valores sociais da comunidade humana. Afi rma Dewey:

Sociedade é como dissemos, muitas associações, não uma organização simples! Sociedade signifi ca associação, reunião de pessoas para, através de inter-relações e ações, do melhor modo a levarem a efeito todas as formas de experiência, formas que ganham valor e vigor à medida que venham a ser mais e mais partilhadas. (1958, p. 200)

Dewey realizou também signifi cativas contribuições no campo da lógica. Chegou à constatação de que há um tipo de lógica que leva o pensamento a não se relacionar com o fato real. Para o pensamento deweyano, isso não é possível, embora o modelo considerado inadequado por Dewey afi rme que a lógica não precisa obrigatoriamente se relacionar com um fato real. Analisa a lógica formal, a lógica indutiva e a lógica dedutiva e percebe que as mudanças ocorridas nas concepções tradicionais das relações entre experiência e razão, ideal e real, devem afetar a lógica e promover uma reconstrução. A lógica se reveste de importância profundamente humana, precisamente por que se funda no empirismo e suas aplicações têm base na experiência (DEWEY, 1958, p. 143).

A moral e a ética são contempladas no pensamento deweyano. Para Dewey, a ética que surge com os gregos é orientada por uma lei suprema. Há uma variedade de ideais éticos: epicurismo, estoicismo, ceticismo e ecletismo. Todos afi rmam o bem único e fi nal para o agir ético. Dewey acredita que a experiência humana é sufi ciente para desenvolver a formação moral. Procurar a justiça é viver de acordo com a justiça. A ética demanda um modo de viver. Há uma lógica baseada na experiência aplicada à moral. A moral pragmática abrange a ciência natural e a ciência moral. Vejamos a organização da moral segundo Dewey: 1) o princípio moral passa a ser uma hipótese

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funcional; 2) a moral é difundida pela comunicação; 3) estabelecida por meio de processos de julgamento; 4) tem como objetivo processos de crescimento (DEWEY, 1980, p. 127-193).

Em sua obra: “Dewey: Filosofi a e Experiência Democrática”, Maria Nazaré de Conceição Amaral se vê instigada a conceituar o pensamento deweyano e, mais ainda, sai à procura do núcleo do seu pensamento, no qual todos os temas desenvolvidos pelo fi lósofo se articulam: Ponto comum entre o Dewey do papel social e democrático da escola, da moral instrumentalista da religião, da “democracia”, da “reconstrução da fi losofi a” e os outros Deweys. O problema da pesquisa de Amaral: É possível encontrar um ponto comum no pensamento de Dewey, em que se articulam todos os temas por ele desenvolvidos? (AMARAL, 1990, p. 20).

Amaral (1990, p. 22) chega à constatação de que, embora haja uma diversidade e multiplicidade temática nas obras de Dewey, podemos falar de unidade. Para a autora, os conceitos de fi losofi a instrumental e de experiência democrática são fundamentais no pensamento deweyano. “Dewey defendeu a concepção instrumental da fi losofi a. Propugnou a aplicação da crítica fi losófi ca à realidade circundante e com fervor salientou que a fi losofi a só pode ser relevante quando estiver em relação com o mundo”.

Um único princípio garante unidade ao pensamento deweyano: a continuidade. Dewey considera que a fi losofi a clássica isolou o eu do mundo, o conhecimento da ação e a teoria da prática. O pensamento deweyano, nesse sentido, como construção teórica, responde a uma necessidade eminentemente prática do mundo uno no qual crê o fi lósofo tão fervorosamente. Trata-se da necessidade de estabelecer uma organização social que estimule a fl exibilidade das interações entre os indivíduos. Esse ideal de continuidade está presente, entre outras obras, em “Democracia e Educação”, considerada sua obra-prima.

O pensamento deweyano quer a solidifi cação da medida prática no pensamento, quer justifi car e racionalizar a medida prática. O princípio de continuidade de Dewey afi rma que a mente tem lugar e função na natureza, por isso o mundo é uno, o homem pertence a ele e à natureza, não está isolado, como defendia a tradição fi losófi ca clássica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho quis mostrar a relação entre o pragmatismo fi losófi co e o pensamento de Dewey. Ele também teve a intenção de apresentar o pragmatismo deweyano, isto é, as especifi cidades do seu pensamento, aquilo que caracteriza o seu pensamento a partir das particularidades que lhe são próprias. A obra Dewey é vasta e complexa, bem como o seu pensamento. Não é tarefa simples classifi car o pensamento deweyano, nem foi essa a nossa intenção. Buscamos com esse trabalho realizar uma introdução possível ao pensamento de Dewey, procurando compreendê-lo pelo viés epistemológico.

É possível entender o pragmatismo como um tipo de empirismo. O pragmatismo fi losófi co é a atitude empírica. A grande indagação que tentamos responder com esse estudo foi: Que tipo de empirismo é o pragmatismo? Um empirismo à moda de Bacon? Uma espécie de positivismo? Mostramos que não. É o pragmatismo um novo tipo de empirismo. A noção de experiência, tão fundamental no pensamento de Dewey e no pragmatismo, é compreendida de maneira muito diferente em relação ao empirismo clássico de matriz baconiana. Os pragmatistas dirigem ao empirismo também suas críticas.

Podemos afi rmar que o pragmatismo teve uma abrangência muito maior do que o empirismo clássico. Exemplo disso é a obra de Dewey e suas incursões nos mais variados campos, como: fi losofi a, educação, política, sociologia, arte e psicologia, entre outros, que podem ser acrescentados por outras análises. O horizonte de repercussão do pragmatismo foi mais amplo do que o do empirismo. São tempos históricos e contextos completamente distintos. Ao mesmo tempo o pragmatismo é uma continuidade e uma ruptura com o empirismo. Essa compreensão do pensamento deweyano a partir de sua epistemologia, dos seus fundamentos, parece ser importante para orientar uma leitura e interpretação da obra e do pensamento de John Dewey.

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REFERÊNCIAS

AMARAL, Maria Nazaré de C. Pacheco. Dewey: Filosofi a e Experiência Democrática. São Paulo: Perspectiva/ Edusp, 1990.

BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

CUNHA, Marcus Vinícius. John Dewey: Uma Filosofi a para Educadores em Sala de Aula. Petrópolis: Vozes, 1998.

_____. John Dewey: A Utopia democrática. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. DEWEY, John. A Arte como Experiência. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

_____. A Filosofi a em Reconstrução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. _____. Como Pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953.

_____. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. _____. Experiência e Natureza. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

_____. Lógica: A Teoria da Investigação. São Paulo: Abril Cultural, 1980. JAMES, William. Ensaios de Empirismo Radical. São Paulo: Abril Cultural, 1979. _____. O Signifi cado da Verdade. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

_____. Pragmatismo. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

OZMAN, Howard A. & CRAVER, Samuel M. Fundamentos Filosófi cos da Educação. Porto Alegre: Artemed, 2004.

SANTAELLA, Lúcia. O Método Anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Editora UNESP, 2004. SHOOK, John R. Os Pioneiros do Pragmatismo Americano. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

Artigo recebido em 12/04/2011 Aprovado em 09/08/2011

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