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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – FAED

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Academic year: 2019

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DILMA LUCY DE FREITAS

DESVENDANDO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MASCULINO

:

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS, RELATOS ORAIS, PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS.

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DILMA LUCY DE FREITAS

DESVENDANDO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MASCULINO:

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS, RELATOS ORAIS, PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS.

Dissertação apresentada como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação e Cultura no Programa de Mestrado de Educação e Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Profª Dr.ª SÔNIA MARIA MARTINS DE MELO Orientadora

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DILMA LUCY DE FREITAS

DESVENDANDO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MASCULINO:

EXPERIÊNCIAS VIVIDAS, RELATOS ORAIS, PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS.

Dissertação apresentada como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação e Cultura no Programa de Mestrado de Educação e

Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora:

Profª Drª Sonia M ª. M de Melo – Orientadora/ UDESC

--- Profª Drª Maria Aparecida Lemos Silva - UDESC

--- Prof º Dr º César Aparecido Nunes - UNICAMP

---

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Guerreiro Menino

Gonzaguinha

Um homem também chora Menina morena Também deseja colo

Palavras amenas Precisa de carinho Precisa de ternura Precisa de um abraço

Da própria candura

Guerreiros são pessoas São fortes, são frágeis. Guerreiros são meninos

No fundo do peito Precisam de um descanso

Precisam de um remanso Precisam de um sonho Que os tornem refeitos

É triste ver este homem Guerreiro menino Com a barra de seu tempo

Por sobre seus ombros Eu vejo que ele berra Eu vejo que ele sangra A dor que traz no peito

Pois ama e ama

Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida

E a vida é trabalho E sem o seu trabalho Um homem não tem honra

E sem a sua honra Se morre, se mata Não dá pra ser feliz!

Dedico este trabalho a meu avô, a meu pai, a meu ex-marido, partilhando com eles suas dores de guerreiros meninos.

Hoje, posso sentir dentro do meu peito as muitas vezes em que esses homens precisaram de um remanso, sem nunca tê-lo tido, as muitas vezes em que sentiram seu peito sangrar e tiveram

vontade de gritar, mas não o fizeram, pois UM HOMEM NÃO CHORA!

Dedico ainda, muito especialmente, ao meu filho, com o desejo de que ele possa demonstrar todo o amor que traz dentro do seu peito, para que possa pedir colo sempre que assim o necessitar,

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Mulher (Sexo frágil) Composição: Erasmo Carlos - Narinha

Dizem que a mulher é o sexo frágil Mas que mentira absurda

Eu que faço parte da rotina de uma delas Sei que a força está com elas Veja como é forte a que eu conheço

Sua sapiência não tem preço Satisfaz meu ego se fingindo submissa

Mas no fundo me enfeitiça Quando eu chego em casa à noitinha

Quero uma mulher só minha Mas pra quem deu luz não tem mais jeito

Porque um filho quer seu peito O outro já reclama sua mão E o outro quer o amor que ela tiver Quatro homens dependentes e carentes

Da força da mulher Mulher, mulher

Do barro de que você foi gerada Me veio inspiração Pra decantar você nesta canção

Mulher, mulher

Na escola em que você foi ensinada Jamais tirei um 10

Sou forte, mas não chego aos seus pés.

Dedico este trabalho asminhas avós, aminha mãe, as minhas irmãs pelos seus exemplos de força e de coragem, lamentando profundamente que algumas delas não tenham tido o privilégio de

se enxergarem dessa forma, nem de terem sido assim vistas por seus parceiros.

Dedico ainda as minhas filhas, com o desejo de que elas recuperem o que foi perdido por muitas de nós: a alegria e a valorização de ser MULHER! E, principalmente, dedico-lhes a possibilidade

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POEMA EM LINHA RETA

Fernando Pessoa Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Dedico este trabalho a Pedro, José, João, Raimundo, Manuel e Joaquim, grata pela grandeza da colaboração preciosa de cada um.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por toda proteção, força e amparo que a mim sempre dedicou, permanecendo ao meu lado nas horas boas, mas, principalmente, nas horas mais difíceis em que me sentia fragilizada e sem vontade ou condições de ir adiante.

À profª Drª Sonia Mª. M. de Melo, minha orientadora, agradeço pela competência, empenho e carinho com que me acompanhou durante todo o processo de pesquisa. Seu exemplo de mestre, de profissional sempre atenta e presente e seu senso de justiça e de ética serão para sempre seus exemplos mais significativos para minha vida pessoal e profissional.

À Irmã Norma Feuser, ex-diretora geral do Colégio Coração de Jesus, agradeço pela

confiança que sempre depositou em mim e pela e oportunidade que me deu de colocar em

prática o projeto para trabalhar a disciplina Educação e Sexualidade, tendo desta forma me

aberto um espaço de experiência sem igual.

À querida amiga Nara Lisboa Modesto, ex-diretora pedagógica do Colégio Coração,

agradeço também pela confiança e pela força que sempre me deu para que meu projeto

fosse executado, tendo sido sempre o apoio seguro nas horas em que necessitava.

Aos pais, mães e outros responsáveis pelos(as) alunos(as) do Colégio Coração, pela

confiança em mim depositada ao trabalhar com seus(suas) filhos(as) um tema tão delicado

e polêmico quanto a sexualidade. E, em especial aos meus queridos(as) ex alunos(as) pela

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constante nos nossos encontros e pela confiança que em mim depositavam, confiando-me

sua dúvidas, suas angustias e, em muitos momento, os seus segredos.

Às minhas amigas do coração: Tânia, Janete, Sônia, Patrícia, Vera e, em especial a querida

amiga Rossana (in memoriam) pelas muitas conversas que tivemos sobre “os homens” e

pelas muitas trocas e contribuições significativas que estas conversas me trouxeram.

À profª Drª Maria Aparecida Lemos Silva e ao profº Drº César Aparecido Nunes por honrar

as Bancas de Qualificação e Defesa com suas presenças.

À UDESC e ao Mestrado de Educação e Cultura pela oportunidade oferecida e pelo apoio dispensado durante esta pesquisa.

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SUMÁRIO

RESUMO ABSTRAT INTRODUÇÃO

O MUNDO VIVIDO: OS CAMINHOS QUE ME LEVARAM A DESVENDAR O FENOMENO DA MASCULINIDADE 01

CAPÍTULO I

DESVENDANDO A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO MASCULINO

 Fazendo uma breve retrospectiva histórica dos papéis sexuais masculinos 13

 Caminhando por conceitos que auxiliam na compreensão da construção da identidade masculina 37

CAPÍTULO II

O CAMINHO PREFERENCIAL

 A Fenomenologia como suporte metodológico no desvendar da

masculinidade. 52

 Traçando o roteiro da caminhada. 58

CAPÍTULO III

ESSÊNCIAS E DIMENSÕES: A REVELAÇÃO DA PERCEPÇÃO DA MASCULINIDADE

I Amasculinidade construída a partir da relação intersubjetiva: a importância do Outro. 70

 O encontro com a mulher/ esposa.  O encontro com a mulher/ amante.  O encontro com os filhos/ as.  O encontro com os amigos.

II A masculinidade ressignificada por papéis sexuais estereotipados. 95  O protetor/ provedor

 O homem viril/ másculo/ potente sexual/ corajoso – o protótipo do macho.

III A masculinidade ressignificada na dignidade do trabalho. 122

 O bom profissional

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CONCLUSÃO

O trabalho de educação sexual emancipatória como caminho para novas percepções de ser homem, de ser mulher, de ser humano. 133

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RESUMO

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ABSTRACT

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emancipatory sexual education as a way for new perceptions of being a man, a woman, a humanbeing.

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INTRODUÇÃO

O MUNDO VIVIDO: OS CAMINHOS QUE ME LEVARAM A DESVENDAR O FENOMENO DA MASCULINIDADE

Quanto mais leio e procuro compreender a questão da percepção da masculinidade, mais interessada fico pelo assunto. Interesse esse que me dá a certeza de que não poderia ter escolhido outro tema para pesquisa no mestrado. Não foi por acaso que senti o desejo de aprofundar o conhecimento sobre a masculinidade, como não é por acaso que as pessoas dirigem seu foco de interesse para esta ou aquela pesquisa, como nos diz Bueno (2003, p.11) falando da fenomenologia: “o impulso da investigação fenomenológica deve partir das próprias coisas”.

Desde que fiz o curso de Especialização em Educação Sexual na Universidade do Estado de Santa Catarina/ UDESC e iniciei minha primeira caminhada teórica com relação às questões da sexualidade humana, tive vontade de estudar a masculinidade. Como a maioria das mulheres, tinha muitas queixas e insatisfações em relação ao poder masculino. Tendo vindo de uma família de cinco irmãs, no meu mundo vivido, o contato mais íntimo com os homens, até os 43 anos, restringiu-se a alguns poucos familiares desse gênero. Tendo sido estes homens, como modelos típicos de homens de seu tempo e do seu mundo vivido, um tanto quanto rígidos e autoritários, sentia por eles em algumas ocasiões uma grande admiração e até uma identificação e, em outros momentos, a revolta e um sufocar pelo poder que eles tinham sobre mim e sobre as mulheres da minha família. Razões essas pelas quais a figura masculina sempre despertou em mim um misto de admiração e antagonismo.

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época; ou seja, tentava ser competitiva, participando de jogos e competições na escola, era sempre a líder da turma, procurando tomar as decisões, procurava ser destemida, aprendendo a dirigir automóveis cedo, com 13 anos, com meu próprio pai e me interessando por carros. Enfim, procurava fazer coisas que fizessem com que meu pai se orgulhasse de mim e que, de certa forma, preenchessem a falta do seu “filho homem”. Este comportamento, além de me aproximar mais dele, fez com que eu realmente fosse construindo a minha identidade com algumas características consideradas masculinas, ou seja: ter uma certa racionalidade, uma capacidade de tomada de decisões de forma mais fria, um certo poder de liderança sobre grupos, dentre outras características mais. Este jeito de ser, “poderoso” , como me dizia algumas vezes um dos familiares anteriormente citados, causava-me muitos problemas nos relacionamentos, em alguns momentos no meu local de trabalho e noutros momentos causava problemas para mim mesma, pois ficava cansada de ter que ser sempre essa pessoa durona, forte, que dava conta de tudo o que tinha que ser feito como mãe, esposa e profissional, de forma impecável e infalível. Era um peso muito grande!

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comunicação” (p.38). Pelo fato de ser a linguagem esta “criação de sentido” é que considero significativo tomar consciência da necessidade do desvelamento das questões da sexualidade em qualquer espaço educativo, pois como nos diz Nunes (1997, p.26):

A atitude de esquiva ainda reserva alguma perplexidade, mas o prejuízo maior advém daqueles que tratam a sexualidade no nível do senso comum, expondo concepções superficiais e pessoais como verdades acabadas, mesclando elementos da sua órbita de valores como universais, enfim, abordando a sexualidade de maneira simplista, primária, pseudocientífica e, em geral, altamente eivada de preconceitos.

Esforçando-me para superar o senso comum, concluí a especialização nessa área e comecei então a trabalhar as questões da sexualidade de uma forma desvelada, intencional e mais intensiva com crianças e jovens no Colégio1 onde trabalhava. Sobre este trabalho, teria inúmeras histórias para relatar. Histórias essas muito ricas e que me proporcionaram experiências marcantes e inesquecíveis. Porém, vou tentar sintetizar aqui algumas delas para que possa chegar mais objetivamente no fato que desencadeou a certeza de que, dessa vez, iria pesquisar no mestrado a questão da masculinidade.

No período em que fazia a Especialização em Educação Sexual atuava como Coordenadora Pedagógica, como já foi registrado anteriormente. Neste momento, comecei a tentar realizar um trabalho intencional de educação sexual na escola, mas começaram a aparecer as primeiras dificuldades. Uma delas foi a resistência das colegas que atuavam comigo na Coordenação. Eram muitas as reuniões que fazíamos, mas também eram muitos os assuntos considerados mais importantes para tratar sobre as disciplinas que seriam as ditas como realmente significativas na escola. Frente a isso, é claro, não sobrava tempo para tratar das questões da sexualidade, “ainda mais com crianças tão pequenas”. Não havia como chamar estas professoras em outros horários para estudar o tema, pois já

1 Colégio Coração de Jesus, dirigido por Irmãs da Divina Providência, localizado em Florianópolis. Trabalhei neste

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estavam por demais sobrecarregadas com vários outros compromissos que o colégio lhes impunha. Nestes momentos lembrava-me dos desafios lançados por Foucault (1993 p.75): “não há porque não colocar a questão: porque o sexo é assim tão secreto? Que força é essa que durante tanto tempo o reduziu a silêncio e mal acaba de ceder, permitindo-nos questioná-lo, mas sempre, a partir e através de sua repressão?”

Por estar à época ainda em alguns espaços fortemente atrelados ao silêncio, nesse momento do trabalho, meu desejo de implantar um projeto de educação sexual emancipatória não pode ser realizado da forma como desejaria que fosse. Fazia o que era possível quando podia, quando apareciam “os ditos problemas”. Coloco aqui a palavra problema entendendo como Bernardi (1992) ser a educação sexual um “falso problema”. Quando uma criança aprende a andar, a falar, a comer sozinha, a descobrir o mundo das mais variadas formas, é tudo muito bem aceito pelos adultos que a cercam. Mas quando a criança descobre seu corpo, sua genitália ou ainda, se descobre o prazer de se tocar, isso passa a ser um grande problema para os adultos que querem ser eles mesmos a ensinar sobre isso para as crianças, com o intuito de reprimi-las, de dessexualizá-las, de educar seus corpos e aí inventamos a educação sexual, pois segundo esse mesmo autor, “a dessexualização das crianças e jovens produz, enfim, um fenômeno marginal, porém importante para uma sociedade conservadora: a docilidade e maleabilidade dos educandos” (p.17).

Lembro-me de que uma proposta interessante realizada nesta época, que tinha como um dos objetivos desconstruir os papéis masculinos e femininos, foi a proposta de não mais separar os meninos e as meninas nas aulas de Educação Artística. Passamos a colocá-los em grupos mistos. Estes grupos começaram a fazer atividades iguais, tanto os meninos quanto as meninas. Antes, as meninas costumavam apenas bordar (atividade considerada típica de moças, em muitos colégios de religiosas) enquanto os meninos serravam, martelavam, pintavam, cortavam e faziam atividades muito mais diversificadas do que elas.

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meninas “pintavam e bordavam”. Porém tomamos o cuidado de ir com delicadeza e sensibilidade junto aos pais, pois numa perspectiva de educação sexual emancipatória, sempre procuramos respeitar os valores de cada família em relação aos seus valores nas construções da sexualidade.Para não causar estranheza à família pelo fato dos meninos estarem bordando, usamos a estratégia de dar-lhes telas de tapeçaria com diferentes emblemas de times de futebol. As crianças adoraram a experiência e a aceitação por parte dos alunos foi tranqüila. Porém, muitos dos responsáveis começaram a vir ao colégio questionar a nova proposta. Destaco aqui um fato muito interessante: compareceu ao colégio apenas um pai contrariado para nos dizer que não aceitaria que seu filho bordasse. No entanto, vieram muito mais mães preocupadas com o fato de seus meninos bordarem. Uma delas, bastante angustiada me dizia: “pois é “tia”, meu filho está bordando. E o pior, ele está gostando”!

Situações como estas parecem apontar para algumas questões a serem refletidas sobre à construção dos papéis sexuais nos dias atuais. Vemos que a educação dos filhos ainda continua mais relacionada à mulher. Apenas um pai e várias mães vieram ao colégio para tratar desse assunto que os estava incomodando. Percebemos que a preocupação de algumas mães com o fato de seus filhos bordarem, pode de certa forma, estar contribuindo para a manutenção do sexismo quando, essas mães, ao educarem seus meninos, continuam separando as atividades de acordo com o sexo ou com os papéis sexuais a eles atribuídos pela nossa cultura. Percebemos também o grande medo velado de um pretenso encaminhar-se para a homossexualidade, em relação àqueles meninos. Mas, quanto às meninas, não veio pai ou mãe reclamar pelo fato de que suas filhas estavam pregando ou martelando! Ao pensar na importância do papel das mães na educação dos meninos e na possibilidade de manter ou modificar esta educação, reporto-me a Pollack (1999, p.110) dizendo que:

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dividido de masculinidade; que, portanto, imbui os garotos de um sentimento de confiança no fluxo dos sentimentos, do comportamento e de experiências formadoras de um homem emocionalmente satisfeito e equilibrado.

Neste período de minha vida, como profissional, paralelo ao cargo de coordenadora pedagógica, comecei a atuar como professora de educação sexual, juntamente com outra professora da disciplina de Educação Física, que foi na verdade a pioneira no trabalho de educação sexual intencional no colégio. Trabalhávamos num projeto denominado Atividades Complementares, onde os alunos (as) de 5ª a 8ª Série escolhiam dentre as muitas atividades oferecidas, qual a que queriam realizar.

Muitas outras histórias teria para contar dessa experiência vivida, mas destaco também aqui um fato que considerei relevante.

Como os (as) alunos (as) podiam escolher a atividade que queriam realizar, no início deste projeto, apenas as meninas procuravam as aulas de educação sexual que aconteciam uma vez por semana. Na medida em que o tempo foi passando, foi aumentando o número de meninas neste grupo, e começaram então a vir os primeiros meninos. Foi nesta etapa que entrei para trabalhar junto com a professora Leda. Ao perguntarmos informalmente aos meninos porque não participavam das aulas, ouvíamos uma reposta: preferiam as atividades esportivas, onde podiam se agitar mais. Porém indagávamos se não haveriam outras razões para que eles não procurassem as aulas de educação sexual, razões essas que não foram sendo realmente explicitadas por eles.

Constatamos isso ao perceber, pelos poucos meninos que foram chegando, a dificuldade que era para eles estar ali naquele grupo para aprender coisas que todos os meninos já “deveriam saber”, pois os meninos não precisam aprender sobre sexo, “eles já devem nascer sabendo o básico”2. Havia, na verdade, discriminação, cobrança e as “piadinhas” dos próprios amigos, fatos esses que, de certa forma, dificultavam para os meninos o acesso a estes encontros.

2 “O básico” aqui se refere ao saber sobre o ato sexual.Outros pontos importantes relacionados à sexualidade

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O tempo foi passando, mais meninos foram chegando e um outro fato gratificante foi acontecendo. Como fazíamos reuniões com os responsáveis pelos alunos para conversar sobre sexualidade, muitos pais começaram a se dar conta de que seu (sua) filho (a) não estava participando desses debates por estarem fazendo outra atividade. Começaram então a pedir que o projeto se ampliasse para todos o corpo discente. Foi a partir daí que deixei a coordenação pedagógica e comecei a atuar somente como professora de Educação Sexual de 5ª a 8ª Série do Ensino Fundamental e em todo Ensino Médio, abrindo-me assim uma grande possibilidade de poder implantar o tão sonhado projeto no colégio. Mas, a partir daí, novas dificuldades se colocaram.

Apesar de contar com o total aval da direção geral e da direção pedagógica, o mesmo não acontecia com algumas colegas da coordenação e com alguns /algumas colegas professores (as), principalmente os da área de Educação Religiosa. Foram dez anos de luta por um espaço real. A perspectiva pedagógica proposta de educação sexual emancipatória era de tentar fazer um trabalho integrado, de forma transversal com as outras disciplinas. Mas muito pouco espaço foi conseguido neste sentido. Reconhecia - me sozinha e muitas vezes senti vontade de desistir. No entanto um fator forte me prendia: os alunos (as). Cada vez que tínhamos os encontros como educadora, saía fortalecida para enfrentar as dificuldades que surgissem fora da sala de aula. A alegria daqueles jovens quando começava a aula, os debates que aconteciam, a empatia e a amizade que começaram a surgir no grupo davam-me a certeza de estar no caminho certo.

E foi também através deste trabalho que comecei a perceber as dificuldades de entendimento que havia e ainda hoje há, entre os jovens rapazes e moças. Ao refletir sobre as questões relacionadas à sexualidade humana, sugeridas pelos próprios alunos e alunas, observei, independente do assunto sobre o qual conversávamos, que quase sempre acabávamos discutindo assuntos que tinham a ver com os papéis masculinos e femininos na atualidade. E aí parecia recomeçar a tão antiga guerra dos sexos! Comecei a perceber que os

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mesmos conflitos que havíamos vivido no nosso tempo de adolescentes continuavam muito presentes na vida desses jovens. Estavam presentes as mesmas discriminações por parte dos garotos com relação às garotas não virgens, com relação às garotas mais soltas, extrovertidas; ou ainda com relação à tomada de iniciativa nos encontros por parte das garotas. Havia também a discriminação por parte das garotas e dos próprios garotos em relação aos mais tímidos, aos menos arrojados. A cobrança do grupo das garotas com relação às “mentiras” que os garotos contam na hora de conquistar as garotas e assim por diante.

Diante dos fatos que estávamos vivendo hoje, pleno século XXI - e vendo acontecer em relação à vivência sexual deles, com a aparente “liberação sexual” 3 -, imaginei que as coisas houvessem mudado e melhorado mais no relacionamento entre rapazes e moças. Imaginava, à época, que os rapazes estivessem mais abertos, menos preconceituosos com relação à maneira como as moças agora vivem um pouco mais abertamente a sua sexualidade; imaginava que as moças estivessem valorizando mais a sensibilidade masculina e que preferissem os rapazes que agissem desta forma. Ledo engano.

Estamos no ano 2005 e as coisas continuam iguais? Será possível que essa nova geração ainda vai cantar, como Elis Regina na composição de Belchior: “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?”. Parece que no fundo, as coisas mudaram muito pouco, mas como diz Farrel(1986, p.26), “para determinarmos se alguém mudou é preciso que revolvamos a água debaixo da superfície. Ambos os sexos têm apresentado mudanças superficiais: no fundo os valores continuam os mesmos.” Dizemos com freqüência que as mulheres mudaram e que os homens estagnaram. Com certeza houve mudanças para ambos os sexos. Sabemos também que as mulheres conseguiram grandes mudanças através das lutas políticas e que os meninos, na maioria das vezes,

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continuam a ser educados para desempenhar o modelo de papel sexual tradicional.

Talvez por essas razões, à época, encontrava nas falas daqueles jovens as mesmas queixas e reclamações por parte das moças com relação ao comportamento dos rapazes: “Os rapazes são insensíveis!” “Eles só querem sexo!” “Os rapazes não querem compromissos sérios!” “Eles só sabem contar vantagens da sua vida sexual!” “A iniciativa da conquista? É claro que tem que partir do moço!” “Quem deve pagar as contas? O rapaz é claro, pois isso demonstra sua educação e delicadeza!” “Parece que eles não ouvem o que nós falamos!” Muitas são as reclamações das jovens! Reclamações essas, que a maioria de nós, mulheres sempre o fizemos e parece ainda o faremos, se não houver uma intervenção qualitativa no processo.

Mas nesses encontros com esses jovens, comecei a observar as queixas e as reclamações também dos rapazes: “As moças gostam mesmo é dos caras grossos; os caras muito carinhosos elas chutam logo”! “Elas são umas “Marias gasolina”, só querem os caras com carrões”! “É, para namorar, a gente prefere as moças que não são galinhas ”, senão a gente acaba levando chifre depois”!(sic)

Percebia também nas falas e nas posturas de muitos desses rapazes a angústia que sentiam diante delas, sem saber como se portarem. Se colocassem posturas muito machistas, elas prontamente demonstravam sua oposição. Mas, se apresentassem possibilidades de posturas mais delicadas e românticas, elas também diziam não gostar, pois não se agradavam de rapazes muito “melosos” que viviam “pegando no pé”. Neste sentido considero relevante a pergunta de Farrel (1986, p.26): “Será que terá modificado o que as mulheres querem dos

homens? Ou será que elas esperam mais dos homens simplesmente porque os homens têm dado mais?” Parece ser importante refletirmos sobre isso.

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amigas. Eles, ao contrário, vinham sempre sozinhos e até meio receosos de serem vistos pelos outros colegas. Talvez por receio do que iriam pensar os outros rapazes: “ele tem dúvidas sobre sexo? Que bobão!” Pois parece que os rapazes não precisam aprender sobre isso, eles já devem nascer sabendo tudo sobre sexo!

Essas queixas dos garotos, tanto os de 5ª e 8ª Série, quanto os do Ensino Médio com os quais trabalhava foram para mim um grande desafio. Percebi ser necessário compreender o porquê dos rapazes continuarem a agir dessa forma. Por que continuavam a repetir comportamentos que já não combinavam mais com as suas falas, com o tempo histórico em que estavam vivendo ou mesmo com os sentimentos que demonstravam, muitas vezes até sem se darem conta disso?

Pude sentir como mãe e como professora, a insegurança e até mesmo, em muitos momentos, o que parecia ser a solidão desses rapazes! Sobre isto Nolasco, (1993, p.35) nos diz que: “os homens conquistaram a autonomia para viver, mas talvez nunca tenham tido, como hoje, uma representação de si calcada em tamanha solidão”.

Como pesquisadora comecei a perceber que tudo aquilo que parece ser preconceito hegemônico das mulheres sobre os homens tinha que ser melhor investigado e compreendido. Percebi também que, muitas vezes, aqueles seres que em vários momentos pareciam a nós, mulheres, insensíveis e até desumanos, não passavam de “artistas” figurando no palco da vida, usando as “máscaras” que a própria cultura ocidental judaico-cristã, branca e heterossexual lhes confeccionou e que ainda continua lhes confeccionando, assim como para nós, mulheres. Não podemos deixar de ressaltar aqui que essa vida concreta vivida por homens e mulheres nada mais é que o mundo vivido, as nossas experiências, e de que os artistas somos nós mesmos e o outro, todos seres no mundo, encarnados, construindo-se e sendo construídos na intersubjetividade.

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dois sexos como nos confirma novamente Nolasco (1995, p.20,) dizendo que “as exigências de desempenho em uma sociedade como a nossa (capitalismo avançado) impõem performances de desempenho rigorosas para ambos os sexos”.

Foram essas muitas experiências vividas, nas trocas com o outro, no processo de intersubjetividade que me ajudaram a refletir um pouco mais sobre esse fenômeno para mim tão instigante. Fenômeno esse que impulsionou-me a realizar essa pesquisa, tendo como área temática a educação sexual e como tema específico,a questão da masculinidade. Neste momento busquei compreender: o que significa ser homem? Qual a percepção de masculinidade entre os homens na atualidade? Esta foi a questão central norteadora desta pesquisa, pois pensei que, com o objetivo central de buscar compreender qual a percepção de masculinidade em homens heterossexuais de 20 a 70 anos, poderia atingir também meu objetivo específico de delinear alguns indicadores e princípios de ação que pudessem fornecer subsídios para planejar um trabalho de educação sexual intencional numa perspectiva emancipatória. Ouvir estes homens para rever os conceitos e pré-conceitos e, conseqüentemente “reaprender a ver o mundo e, nesse sentido uma história narrada pode significar o mundo com tanta ‘profundidade’ quanto é um tratado de filosofia”.(MERLEAU-PONTY citado por BUENO, 2003, p.37).

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sobre todas essas questões, poderemos, quem sabe, compreender melhor os motivos que estão levando, se não de forma concreta, mas pelo menos no discurso atual vigente, ao enfraquecimento do modelo hegemônico de masculinidade e, dessa forma, procurar novos caminhos para a sua superação, bem como descobrir novas possibilidades na educação de meninos e meninas das novas gerações.

O caminho metodológico escolhido para ser trilhado na busca das percepções das questões colocadas acima foi a fenomenologia. Se entendermos como Martins, citada por Bueno (2003, p.13) que a fenomenologia é a “a ciência do fenômeno, daquilo que se mostra por si mesmo, que procura abordar diretamente o fenômeno, interrogando-o, tentando descrevê-lo e procurando captar sua essência”, penso que nesse momento da caminhada não poderia ter escolhido outro caminho diferente. Mergulhar nas essências do fenômeno da masculinidade, através da percepção expressa nas entrevistas realizadas com homens heterossexuais com idades entre 20 e 70 anos, por meio de entrevistas de cunho fenomenológico, é o que busco com essa pesquisa. Através dela, espero entrar em contato com as percepções destes homens, ao mergulharem no seu interior como seres corporificados neste mundo/ vida, procurando compreender nas essências por eles desveladas, qual o significado de ser homem.

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Registro a citação de Pollack, (1999, p.438) como uma possibilidade de refletir ainda melhor sobre tudo o que expusemos até aqui:

Cerca de 40 anos atrás, a sociedade começou a descartar as velhas regras em relação às meninas e às mulheres, que as mantinha atadas às obrigações tradicionalmente femininas e maternais. Parece que a sociedade começa a estar pronta para começar um processo equivalente para a liberação dos meninos e dos homens. Estamos começando a revisar o velho código dos meninos, que por anos dividiu meninos e homens em dois, pedindo-lhes que suprimissem seu amor, a sensibilidade e o lado emocionalmente expressivo para, então, cobrar deles a falta dessas qualidades quando adultos, especialmente em seus relacionamentos com as mulheres.

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CAPÍTULO I

DESVENDANDO A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO MASCULINO Breve retrospectiva histórica dos papéis sexuais masculinos

Procurando buscar compreender e revisar o “velho código dos meninos” de que nos fala Pollack (1999), sinto ser necessário uma sintética leitura do mundo vivido4 por milhares de homens através da história, buscando talvez responder afinal: quais foram os papéis desempenhados pelos homens em diferentes momentos da história? Que tipo de identidade os homens já tiveram em função dos papéis sexuais que lhes foram atribuídos? Por que estes papéis foram mudando? Qual a sua relação com os papéis sexuais femininos? Será que é somente neste momento histórico que a identidade masculina está em crise? São sobre estas e outras questões que iremos pesquisar nesse capítulo, fazendo uma breve retrospectiva histórica buscando, em cada período da história, fatos que possam estar nos desvelando um pouco mais da construção sócio-histórica da masculinidade.

Iniciamos nossa retrospectiva fazendo uma passagem pelo período primitivo. Sabemos que, no período paleolítico, o homem era nômade, vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Basicamente, o papel do homem neste período era o de caçador e coletor. Havia uma divisão sexual do trabalho, muito bem estabelecida: as mulheres teciam , cuidavam das plantações e faziam cestos enquanto os homens caçavam, pescavam, sem que isto significasse a superioridade de um ou de outro sexo, pois o que importava era a sobrevivência de todo o grupo. Não havia distinção social entre os membros do grupo, todos trabalhavam para o sustento do mesmo e o produto do trabalho era consumido igualmente por todos, como nos confirma Nunes (1997, p.58), colocando que “a

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propriedade coletiva baseada na caça, na pesca e na coleta produzia uma sociedade coletiva, organizada sob a divisão sexual do trabalho, sem uma estrutura de poder que não fosse o funcional e organizador da sobrevivência coletiva.” Alguns autores, dentre eles Morgan (1877), Engels (1884), Nunes (1997) e Cabral (1995), alegam que neste período, por não haver uma compreensão por parte dos homens, do processo da fecundação humana e, pelo fato dos homens estarem grande parte do tempo fora do grupo em busca da caça, viveu-se um período que alguns autores chamam de matriarcado. Eram as mulheres quem governavam os clãs. No entanto, outros autores não concordam com este pensamento justificando, como Schilling5 que:

Pesquisas antropológicas feitas com mais rigor no século XX concluíram que jamais houve uma sociedade matriarcal. Isso não significa negar que em várias tribos ou civilizações as mulheres fossem altamente consideradas (como por exemplo, na Grécia arcaica). A presença de mulheres nos tronos ou em alguns postos de mando, porém, foram quase sempre fatos isolados, eventuais e vinculados aos direitos dinásticos, pois elas na sua totalidade nunca conduziram ou dominaram inteiramente uma sociedade.

Com a possibilidade de polir a pedra e criar instrumentos mais eficientes e mais bem acabados e ainda com a escassez da caça e dos frutos, o ser humano começa a se tornar sedentário. A partir daí, o homem começa a tomar conta da agricultura, já “inventada” pelas mulheres e inicia a criação de animais, além da produção da cerâmica e da tecelagem. Devido ao aumento da produção de alimentos, surgiram as primeiras aldeias e desenvolveu-se a vida comunitária. As moradias começaram a ser feitas de barro, madeira e pedra. Neste momento da história, o homem começa a perder sua identidade de caçador e uma nova identidade começa a ser construída, a identidade do camponês.

Um pouco mais adiante na história, com a descoberta dos metais, houve um maior aprimoramento da agricultura, das artes da guerra e da caça. Os

5 SCHILLING, Voltaire. História por - Artigos. Disponível em:

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homens passaram a produzir excedentes e, em função disso, surgiu a propriedade privada, a desigualdade social, e os que possuíam mais bens materiais passaram a impor sua vontade ao restante da população por meio do Estado. Para Nunes (1997, p.60):

É nessa passagem que em muitas sociedades há a submissão da mulher e sua semi-escravização. As funções das mulheres são usurpadas pelos homens e em decorrência surgem as representações simbólicas do poder masculino, os deuses são machos, as leis, funções e organizações militar e religiosa são privilégios exclusivos dos homens.

Segundo este mesmo autor, “as três fontes fundamentais desse patriarcalismo ocidental são, grosso modo, a tradição religiosa e moral hebraica, a

cosmovisão e estrutura social greco-romana e as instituições familiares bárbaras medievais” (p.67).

Quando os patriarcas deram início à prática dos casamentos por conveniência, que com o passar do tempo proliferaram ainda mais, quando se somaram aos motivos patrimoniais os motivos políticos, temos, como nos coloca Nunes, a “fonte das instituições familiares bárbaras medievais”. Encontramos

ainda esta mesma “fonte” quando entendemos como Lobo6 que:

O patriarcalismo teve início antes mesmo da formação da civilização ocidental (LERNER, 1993, p.3). "Gradualmente, ele institucionalizou os direitos dos homens para controlar e se apropriar dos serviços sexuais e reprodutivos das mulheres", estabelecendo formas de dominação, tais como a escravidão e instituindo um sistema funcional complexo de relacionamentos hierárquicos, tecendo um verdadeiro sistema de idéias (idem). A partir desta ordem social e ideológica, o homem se estabeleceu como a norma, e a mulher como o desvio.

6 LOBO, Luiza. Mulheres e Literatura - A Gênese da Representação Feminina na Literatura Ocidental: Bíblia Cabala,

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Continuamos baseados nas “instituições familiares bárbaras medievais

como uma das fontes do patriarcado, quando entendemos, como Engels (1984), que os machos passaram a exigir fidelidade sexual das mulheres porque não aceitavam ter de legar os seus bens, obtidos com sangue e pela exploração do próximo, a um descendente que não fosse seu filho legítimo, gente do seu próprio sangue.

Constatamos a fonte da “tradição religiosa e moral hebraica” através da

linguagem bíblica que é toda voltada para o domínio do homem, ou quando entendemos conforme Cabral (1995, p.65) que:

A crença da superioridade masculina no pensamento ocidental tem seu aval mais significativo, com base na concepção de um Deus todo-poderoso, único, onipotente e onipresente cria o mundo, todas as coisas e o próprio homem feito a sua imagem e semelhança.

Esta breve caminhada teórica sobre a construção do sistema patriarcal nos faz rever a organização deste sistema, e nos leva a pensar que houve sim formas de dominação e escravização dos homens sobre as mulheres, mas houve também uma forma de escravização dos homens sobre eles mesmos, da qual durante muito tempo nem eles próprios, nem nós mulheres, nos demos conta.

Porém, como estamos procurando esclarecer um pouco mais sobre a questão da masculinidade, não podemos deixar de citar a contribuição de Nolasco (2001) com relação ao patriarcado. Ele traz contribuições de alguns autores que fazem críticas e discussões sobre a possibilidade de que este tipo de sistema não seja apenas uma construção cultural. Estas críticas acontecem pelo fato de que, segundo estes autores, este tipo de organização social se encontra presente em todo o mundo; razão pela qual Wrangham & Peterson, citados por Nolasco, (2001, p.61) dizem ser o patriarcado uma produção biológica. Estes autores “compreendem a cultura como um desdobramento da biologia” e para eles:

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temperamento dos homens, dos seus esforços de origem evolutiva para controlar as mulheres e, ao mesmo tempo, ser solidários com seus companheiros na competição com os de fora.Contudo, as forças evolutivas certamente também moldaram as mulheres, na mente e no corpo, de modos tais que, simultaneamente, contestam e contribuem para o sistema patriarcal. Se todas as mulheres seguissem o chamamento de Lisístrata7 e

repelissem seus maridos, elas poderiam de fato efetuar mudanças. Mas elas não o fazem. O patriarcado tem sua origem primeira na violência masculina, e têm suas fontes nos interesses evolutivos de ambos os sexos. (Ibidem p. 61)

Temos aqui uma visão do patriarcado como sendo uma questão que depende apenas de aspectos biológicos. Mesmo não partilhando desta visão, penso que não podemos deixar de registrá-la, sob o risco de omitir dos leitores desse trabalho mais esta possibilidade de pensar sobre a questão do patriarcado. Considero também importante colocar que, segundo Nolasco (2001), uma das razões pelas quais a violência masculina vem aumentando, tem a ver com a descaracterização dos valores trazidos pelo patriarcado e, conseqüentemente, da representação de masculinidade ligada aos valores da cultura patriarcal. São abordagens a serem pesquisadas e debatidas pelos estudiosos da área.

Dando continuidade a nossa retrospectiva histórica, chegamos no período denominado Antiguidade e, baseado na “cosmovisão e estrutura social

greco-romana”; observamos que nessa época aumentam os poderes masculinos e a

inferiorização da mulher. Na Antiguidade Clássica, principalmente na Grécia, período compreendido entre os séculos V a.C. e VI a.C., houve uma supervalorização do homem, que passou a ser o ideário de beleza, da perfeição e da superioridade. Tanto que na arte, o nu era exclusivamente masculino. A mulher era mera reprodutora de filhos.

Em Roma, não diferentemente da Grécia, a autoridade máxima do poder familiar estava direcionada ao Pater-família. O pai, além de encarnar a lei, a

autoridade, tinha quase um poder de um deus. Isto, no entanto, não significava a

7 Foi uma comédia grega apresentada em 411.a.c. onde as mulheres das cidades envolvidas na Guerra do

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participação, ou mesmo a presença desses homens na vida das crianças. Elas eram, afetivamente falando, abandonadas pelo pai e criadas exclusivamente pela mãe.

Por outro lado, essa autoridade máxima do poder masculino; essa super valorização do homem e esta exigência sobre a performance masculina entendemos como bastante desumana. Como exemplo, registro o caso dos meninos dórios que, aos 7 anos eram afastados do convívio familiar e levados para viverem num ambiente rigoroso de caserna, onde permaneciam até os 30 anos, quando só então podiam constituir sua família.

Mas vemos que, desde o início do patriarcado até os dias de hoje, ser homem continua tendo como uma das características primordiais a virilidade. Segundo nosso entendimento de virilidade, como encontramos no Novo Dicionário Aurélio, é a: “1.qualidade ou caráter de viril; masculinidade.2.Idade de homem entre a adolescência e a velhice. 3. Vigor, energia. No entanto, a visão de virilidade nestes períodos históricos eram bastante diferentes daquela que temos hoje. Foucault citado por Nunes (1997, p.70) diz que:

A linha de demarcação entre um homem viril e um homem efeminado não coincide com a nossa oposição entre hetero e homossexualidade (...).Ela marca a diferença de atitude em relação aos prazeres; e os signos tradicionais dessa feminilidade -preguiça, indolência, recusa das atividades um tanto rudes de esporte, gosto pelos perfumes e pelos adornos, lassidão...(malakia) – não designarão forçosamente aquele que será chamado no século XX “o invertido”, mas aquele que se deixa levar pelos prazeres que o atraem: ele é submisso aos próprios apetites assim como aos dos outros.

Também Cabral (1995, p.112), ao falar sobre a virilidade entre os povos antigos afirma:

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passo que a passividade num homem adulto era tida como defeito moral e político. A falta de virilidade masculina era vista com desprezo.

Assim podemos deduzir, que “ser homem” pode ter diferentes significações de acordo com a época ou com a cultura na qual eles estão inseridos. Mesmo dentro do sistema patriarcal ou dentro de uma mesma cultura, as características do “ser homem” não são iguais em todos os tempos, tampouco em todas as culturas. Dando suporte a esta afirmação, temos a contribuição de Connell (1995, p.189) dizendo que:

Diferentes masculinidades são produzidas no mesmo contexto social; as relações de gênero incluem relações entre homens, relações de dominação, marginalização e cumplicidade. Uma determinada forma hegemônica de masculinidade tem outras masculinidades em torno dela.

Mas, analisando a retrospectiva histórica realizada através da Antiguidade, percebe-se que durante este período, a identidade masculina hegemônica esteve diretamente ligada ao papel de homem como guerreiro, forte, ativo, mantenedor da família e da ordem social.

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submissão e desvalorização da mulher, a repressão sexual e a respectiva regulamentação da conduta sexual”.

Na Idade Média, com o controle rígido da Igreja, mudam as normas para o relacionamento amoroso entre homens e mulheres. “Todo relacionamento afetivo, amoroso e sexual fora do casamento é considerado pecado contra a carne” conforme diz Cabral (1995, p.106).”O casamento passa a estar ligado com interesses econômicos familiares; eram arranjados. Nem mulheres, nem homens podiam escolher seu parceiro ou parceira livremente e o amor não estava relacionado ao casamento. Esta mesma autora nos diz que o “sentimento de amor era reconhecido como fraqueza nos homens, cujas virtudes esperadas eram: a resistência, a bravura e a coragem”(p.116). Interessante trazer aqui a afirmação de Kollontai, citada por Cabral (1995, p.116), sobre a visão do tipo de amor valorizado entre os homens:

O amor, como fator social, só era valorizado quando se tratava dos sentimentos de um cavalheiro pela mulher do outro, sentimentos que serviam de impulso para a realização de valentes façanhas. Quanto mais inacessível se achava a mulher escolhida, maior era o esforço realizado pelo cavalheiro para conquistar os seus favores, com as virtudes e qualidades apreciadas no seu mundo (intrepidez, resistência, tenacidade e bravura).

Talvez na permanência de algumas destas concepções, possamos encontrar, ainda hoje, algumas das muitas razões pelas quais um grande número de homens, em alguns momentos, têm dificuldades em expressar seu amor, seus sentimentos. Expressar seu amor parece torná-los vulneráveis ao poder feminino, sem o controle da situação, ou até mesmo de sua própria vida.

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instituição do casamento monogâmico, o homem continuou infiel, pois de certo modo lhe era cobrada uma postura de macho”. (CABRAL, 1995, p.118).

Com base nos fatos demarcados até aqui, podemos deduzir que a construção da identidade do homem medieval foi bastante conflitiva, pois como registra Pereira8 (2000):

O homem medieval quando absorvia a cultura greco-romana-cristã, procurava vivê-la na totalidade das potências de sua alma, tornando-se um sábio, um santo, um herói, um mártir, ou pelo menos, uma boa ovelha do rebanho de Cristo.Quando, entretanto não absorvia, continuava sendo um bárbaro cruel, impiedoso, ignorante, brutal.Os dois tipos do homem medieval acotovelavam-se na plebe, na nobreza, na realeza e até no clero; acotovelaram-se na mesma família e às vezes dentro do mesmo homem; neste último caso, nunca ao mesmo tempo (pois aí teríamos o homem contemporâneo), mas sim em fases diferentes da vida dele, entremeadas de grandes perversões ou de grandes conversões.

Pereira retoma aqui as diferentes masculinidades existentes num mesmo contexto social e dentro de um mesmo homem, como já nos disse anteriormente Connel.

Mas, em meio a toda essa repressão sobre as mulheres e, de forma diferente, também sobre os homens, em virtude de processos econômicos e sociais, começa a nascer um movimento cultural através das artes, das ciências, da literatura e de importantes transformações políticas e sociais que modificam também as relações entre homens e mulheres. Era o Renascimento. Num sentido amplo, esse movimento, ocorrido na Europa durante os séculos XV e XVI, teve como objetivo maior, a valorização do ser humano (Humanismo) e da natureza,

8 . PEREIRA, Otto de Alencar Sá. IDADE MÉDIA, ÉPOCA DE TREVAS? A FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA E

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em oposição ao divino e ao sobrenatural, conceitos que haviam impregnado a cultura da Idade Média. Em função deste foco, segundo Cabral (1995), as mulheres e as crianças começam a ser tratadas com mais atenção e até mesmo com mais dignidade. Tanto que, segundo esta autora, “o corpo feminino passou a ser representado como expressão de beleza, contrapondo, deste modo, o velho dogma da inferioridade da mulher e a crença que o via como algo feio, sujo e lugar do pecado.”(p.124), A partir do século XVI também o casamento sofre algumas modificações significativas e a relação entre amor e casamento começa a ser estabelecida.

Este período foi importante, por ser considerado o legado de uma época cujos ideais se tornaram imprescindíveis para a evolução do pensamento ocidental, além de ser considerado o marco inicial da Era Moderna. O movimento renascentista, sem dúvida, trouxe uma grande contribuição para que se repensassem os conceitos e valores acerca do homem, da mulher e do casamento. Podemos concluir que, no fim da Idade Média, a partir das novas concepções de homem advindas do movimento renascentista, algumas mudanças ocorreram no papel sexual masculino e, segundo alguns autores, Leonardo da Vinci foi aquele que melhor personificou os padrões do homem renascentista, tendo sido pintor, escultor, arquiteto cientista e músico. O ideal de homem parece tornar-se aquele que questiona, que estuda, que se sensibiliza.

Mas, com o fim do sistema feudal e a ascensão da classe burguesa inicia-se um novo período na história: a Modernidade. A denominação Mundo Moderno ou Idade Moderna refere-se ao período histórico que se estende do século XV ao século XVIII-(1453-1789). Este período foi bastante marcante no tocante à questão da masculinidade, pois profundas transformações ocorreram nas relações entre homens e mulheres e, em especial, nas mudanças provocadas nos papéis sexuais masculinos. A partir desse período, nesse estudo, vamos trazer para esta reflexão apenas a questão do movimento iluminista.

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deixavam guiar pelas luzes da razão e que escreviam e agiam para dar sua contribuição ao progresso intelectual, social e moral e para criticar toda forma de autoritarismo, fosse ela de ordem política, religiosa ou moral. Este movimento foi importante, pois apresentou como palavras de inspiração e ordem: liberdade, fraternidade, igualdade, justiça e direito à propriedade, entre outros.

Com as novas idéias trazidas pelo movimento iluminista, algumas posturas começaram a ser modificadas e dentre elas destacamos o movimento realizado por um grupo de mulheres que, segundo Badinter (1993), foi um dos responsáveis pela primeira crise da masculinidade. Nos séculos XVII e XVIII, na França e na Inglaterra, “as preciosas” - como eram conhecidas as primeiras mulheres emancipadas, rebelaram-se contra os valores tradicionais da sociedade francesa e começaram a levantar questões acerca do papel do homem e da questão identidade masculina. Estas mulheres começaram a lutar por direitos iguais, por possibilidades de ascensão social; rebelaram-se contra o casamento a contra a autoridade do pai e do marido. Segundo essa mesma autora: “o significado do masculino é objeto de debates. As mulheres não se contentam em afirmar a igualdade de desejos e direitos: dizem também que querem homens mais suaves e femininos”. (p.13).

É ainda Badinter (1993, p.14) quem registra:

O Século das Luzes representa um primeiro corte na história da virilidade. É o período mais feminista da história francesa, antes da época contemporânea. Por um lado, os valores viris se esmaecem, ou pelo menos não são mais ostentados (...) Por outro lado, os valores femininos se impõem no mundo da aristocracia e da alta burguesia. A delicadeza das palavras e das atitudes suplanta as marcas tradicionais da virilidade.

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também pelo movimento dos próprios homens, mesmo sendo apenas de um pequeno grupo, no sentido de criticar o autoritarismo. Para Badinter (ibidem,p,13):

Apenas alguns homens – os preciosos – aceitaram as novas regras. Seu número era desprezível, mas sua influência nem tanto. Os preciosos adotaram uma moda feminina e refinada – perucas longas, plumas extravagantes, roupas com abas, pintas no rosto, perfumes, ruge – que foi copiada. (...) Sorrateiramente, os valores femininos progrediram na “boa sociedade”, a ponto de parecerem dominantes no século seguinte.

Não somente mudanças na aparência física foram ocorrendo com a influência deste movimento, mas também mudanças nos valores tidos como viris como ressalta Badinter (1993, p.14):

Por um lado os valores viris se esmaecem, ou pelo menos não são mais ostentados. A guerra não tem mais importância e o status de outrora. A caça torna-se uma distração. Os jovens fidalgos passam mais tempo no salão ou na alcova das mulheres do que se exercitando nos quartéis.(...) A delicadeza das palavras e das atitudes suplanta as marcas tradicionais de virilidade. Pode-se dizer que, nas classes dominantes, o unissexismo derrota o dualismo oposicional que habitualmente caracteriza o patriarcado.“

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seres do sexo masculino, pois mesmo diante desse documento, o movimento no qual as mulheres reivindicavam seus direitos também foi reprimido. Para Badinter (1993, p.14):

A Revolução de 1789 pôs termos a essa evolução. Quando as mulheres reivindicaram publicamente seus direitos de cidadãs, a Convenção, por unanimidade, os recusou. Os deputados, que não haviam conhecido as doçuras do Antigo Regime, reafirmaram com vigor a separação dos sexos e o diferencialismo radical. Proximidade, similitude e confrontação despertam horror entre eles e suscitam reações autoritárias, até mesmo ameaçadoras.

Esta reação foi reforçada com o “Código Napoleônico” 9, através do

despotismo de Napoleão10, mantendo assim o controle da situação durante mais um período, amenizando pelo menos em parte, a perda da identidade masculina.

A Revolução Francesa é considerada o marco que separa a Idade Moderna da Contemporânea, que continua até os dias de hoje. Outros importantes marcos desse período para nosso estudo são, além da Revolução Francesa, as duas guerras mundiais, e a Revolução Industrial, que transforma a estrutura social e econômica da sociedade. Importante também fazer uma referência sobre a era vitoriana que em muito influenciou na construção de novos papéis masculinos.

Após a Revolução Francesa a economia de alguns países europeus se desenvolvia rapidamente, o que veio a resultar na revolução industrial. Essa revolução consistiu num conjunto de mudanças tecnológicas profundas na economia, que transformaram a humanidade a partir do século XVIII, prolongando-se pelo XIX. O avanço tecnológico prolongando-sempre foi acompanhado, desde o Paleolítico,

9 Leis do Código Civil promulgada em 1804 por Napoleão Bonaparte. O Código procurava conciliar a legislação com os princípios da Revolução Francesa de liberdade, propriedade e igualdade perante a lei, ou seja, manteve o fim dos privilégios desfrutados pela Nobreza no Antigo Regime, mas favoreceu os privilégios conquistados pela burguesia.

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de intensas mudanças sociais, porém, nem sempre positivas para todos os seres humanos. A partir desse avanço, a máquina foi suplantando o trabalho humano e uma nova relação entre o trabalho e o capital se impôs, provocando grandes modificações econômicas, políticas e sociais. A mais importante delas para esse trabalho, refere-se à mudança no papel masculino, pois com a Revolução Industrial os homens (que eram a maioria dos artesãos) perderam sua autonomia. Tornaram-se trabalhadores assalariados, estando a partir daí submetidos às novas regras do mundo capitalista.

Há dois pontos interessantes para se observar aqui com o fortalecimento do capitalismo. De um lado vemos a exploração da mão de obra infantil e da mulher e um enfraquecimento do papel masculino, pois, com o número cada vez maior de fábricas surgindo e a necessidade de mão de obra, os homens passaram a realizar tarefas repetitivas, mecânicas e monótonas. Tarefas estas que não mais permitiam ao homem “realçar suas qualidades tradicionais. Nem força, nem iniciativa, nem imaginação são mais necessárias para ganhar a vida.” (BADINTER,1993,p.16).

Por outro lado, sabemos que são produzidas diferentes masculinidades num mesmo contexto social: o enfraquecimento do poder masculino em função da sua nova condição de trabalhador aconteceu somente com esse homem trabalhador. Com os novos burgueses, o que se viu foi justamente o fortalecimento do direito da propriedade de um ser sobre o outro e do velho preconceito da desigualdade entre homem e mulher, privilegiando assim a idéia da propriedade do marido sobre a mulher.

Para Cabral (1995, p.71) o que ocorreu como conseqüência do fortalecimento do modo de produção capitalista foi que:

A mulher, que durante séculos foi educada para ser esposa, mãe e dona de casa, assume uma nova condição oposta a tudo aquilo para o qual ela foi emocionalmente produzida.Disso lhe restou a dupla função: por um lado, o homem despreparado para conviver e aceitar estas novas

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exigências econômicas impostas sobre a mulher, e de outro, ela própria sem alternativas viáveis.

Parece que este despreparo do homem para conviver e aceitar estas

novas exigências econômicas impostas sobre a mulher e sobre ele mesmo, pode

ser sentido até hoje através das dificuldades existentes na maioria das relações entre homens e mulheres na vida cotidiana.

Em função da expansão econômica, outra situação que começou a se tornar comum no século XVIII foi a formação das “famílias extra-oficiais”.Devido a movimentação por parte dos homens em busca de novos trabalhos, esses nos seus deslocamentos, acabavam por formar novas famílias com uma segunda ou mesmo uma terceira mulher, na condição de amante, a quem também mantinha e sustentava economicamente, com filhos ilegítimos e tudo o mais. Segundo Tannahill, citada por Cabral (1994, p.143) “foi por volta de 1750 que a expressão “mulher mantida” começou a vigorar”. Esta situação era muito comum e até, de certa forma, aceita pela sociedade e pelas próprias mulheres, pois o importante para elas era ter um mantenedor. Se nada lhes faltasse em casa, não tinham do que reclamar. Era o homem reafirmando sua masculinidade, sua virilidade.

Porém, esta expansão econômica e científica da modernidade não deixou de lado as velhas idéias puritanas trazidas pelas idéias da Igreja Católica e Protestante. Ao contrário, um novo sistema moral que interessava em muito para nova classe burguesa, começa a tomar força através do movimento vitoriano.Neste período, que compreende a segunda metade do século XIX e primeira década do século XX, os movimentos sociais populares cederam lugar a um sistema social rigidamente controlado pelo Império Britânico, governado pela rainha Vitória (1819-1901). Foi uma época marcada pelo retorno obsessivo a valores éticos como respeitabilidade, polidez e ponderação, considerados as mais elevadas virtudes sociais. A rigidez, a excessiva repressão moral, a hipocrisia e o puritanismo moral foram a marca registrada do seu reinado.

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sexualidade, a pressão sobre os homens não ficou a dever. Valorizava-se a pureza da mulher a ponto de considerar a frigidez sexual como uma virtude moral; ou ainda tornando-as “indolentes e apáticas” (CABRAL, 1995, p.137). Seu lugar era dentro do lar e sua mais nobre função era a de ser esposa e de mãe. Cabe ressaltar aqui que este “lugar da mulher” servia somente às mulheres das camadas mais abastadas, pois para as mulheres pobres, aquelas que tinham que ajudar no sustento do lar, não existia este “lugar da mulher”, outro era o seu espaço.

No entanto, esperava-se agora dos homens, atitudes de cavalheirismo para com as mulheres de “boa família”. Além do que, “os esposos vitorianos eram aqueles convencidos de que o desejo e o prazer sexual são sentimentos jamais experimentados por uma mulher virtuosa”.(CABRAL, 1995, p.70). Eram orientados para fazer sexo com prostitutas e “acreditavam ainda fazer bem às esposas poupando-as e desviando seus excitamentos para com outras mulheres”.(ibidem, p.139).

A moral vitoriana ensinava a mulher a conter-se, a controlar seus desejos sexuais, impossibilitando-as o direito ao prazer, além de inibir os homens frente a tanta inocência, pois “para eles fazer amor com o “anjo do lar” era, antes de tudo, cumprir com o sagrado dever do matrimônio” (CABRAL, 1995,p.138).

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mulheres, que continuam reforçando muitas destas crenças e valores. Um exemplo típico diz respeito à virgindade da mulher, quando encontramos muitos jovens que se dizem modernos, contrários às idéias dos homens dominadores e que discriminam as mulheres, mas que na hora de “namorar sério”, ainda preferem as meninas virgens.

Talvez possamos pensar que como conseqüência desta repressão sexual a que também os homens foram submetidos, tenhamos, por exemplo, parte da explicação do porquê muitos homens se apresentem como se não tivessem sensibilidade para demonstrar seus sentimentos, como reclamam muitas mulheres. Ou talvez venha desta repressão a dificuldade que muitos homens têm de se relacionarem “intimamente” com as mulheres. Podemos pensar também que, em conseqüência desta dupla moral sexual (com “a esposa” e com “as mulheres da rua”) a que os homens tinham que se submeter, tendo que evitar viver com a esposa os prazeres da vida sexual, ficou naturalizada11 a questão da traição masculina. Podemos talvez encontrar aí também a explicação do porquê algumas mulheres ainda desejarem ser sustentadas pelos homens, pois, por mais emancipadas que muitas delas se digam, ainda buscam o seu provedor, aquele que poderá pagar as suas contas!

Mas, voltando a nossa síntese histórica, percebemos que na Idade Contemporânea, a masculinidade sofreu algumas transformações com o movimento da revolução industrial, com a nova moral vitoriana e com os movimentos feministas. Segundo Badinter (1993), a segunda grande crise da masculinidade deu-se na virada dos séculos XIX e XX, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América, pela intensificação dos movimentos feministas, com o surgimento de uma nova mulher, através do acesso de muitas delas à educação, trazendo como conseqüência a possibilidade de se tornarem profissionais formadas nas mais variadas áreas, podendo assim reclamar por espaços de

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trabalho fora do lar e por salários iguais aos dos homens. Esses acontecimentos fazem com que a maioria dos homens reaja com grande hostilidade por sentirem-se “ameaçados em sentirem-seus poderes, sua identidade e sua vida cotidiana”. (BADINTER, 1993, p.16).

Estas idéias vêm reforçar o que já havíamos falado anteriormente com relação a importância das mudanças nos papéis sexuais masculinos em função das novas exigências do capitalismo. Estas mudanças econômicas geraram grandes perturbações na vida familiar e nos valores até então existentes, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.Porém, as mulheres americanas rebelaram-se com mais intensidade contra as regras existentes, fazendo com que os homens americanos se sentissem ainda mais vulneráveis a ponto de que “o americano médio da década de 1900 não sabia mais como ser um homem digno deste nome” (BADINTER, 1993, p.21).

Ainda sobre a questão do enfraquecimento do masculino, temos a contribuição de Nolasco (1993, p.22) trazendo a posição de outros autores, com concepções diferentes daquelas trazidas por Badinter. Apresenta, por exemplo, os trabalhos de Jaques Le Rider, onde este autor coloca como sendo a “modernidade vienense” o momento em que se intensificam as transformações sociais iniciadas no século XVII, “ancorando na Modernidade o cerne das questões contemporâneas que hoje estariam dando suporte a uma reflexão sobre a identidade dos homens”. Nolasco destaca também a importância dos movimentos de contracultura12 ocorrido nos anos 60, aonde o movimento hippie vem também questionar a rigidez dos papéis sexuais imposta pelo contexto social vivido e a necessidade de reflexão acerca da realidade social. Necessidade esta porque, segundo Werebe (1998, p.27) “na medida em que os estereótipos dos papéis sexuais são impostos, até certo ponto aceitos, eles se transformam em identidades psicológicas”. E Nolasco conclui, dizendo que “restringir a transição vivida hoje pelos homens a particularidades e à história do movimento de

12 Ou movimento

hippie, foi um movimento político-cultural surgido nos anos 60, por jovens da América do Norte em

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mulheres é negar que o próprio movimento das mulheres também decorre das transformações sociais iniciadas no século XVII”.(1993, p.23).

Em meio a esta crise da masculinidade, veio a 1ª Guerra Mundial e fez com que, voltando a exercer o seu antigo papel de guerreiro, as angústias masculinas fossem minimizadas e a sua identidade, até então ameaçada, fosse momentaneamente resgatada. Segundo Badinter (1993, p.22), “convencidos de que se batiam por uma boa causa, os homens podiam ao mesmo tempo dar vazão à sua violência represada e provar para si próprios, finalmente, que eram verdadeiros machos”.

Porém, a guerra resolveu o problema do enfraquecimento da masculinidade apenas naquele momento. Badinter (1993) nos diz também que estratégias das mais variadas foram sendo utilizadas pela sociedade capitalista no sentido de resgatar a masculinidade perdida, investindo assim nos cuidados com a educação do menino, na separação dos sexos, na intensificação e valorização dos esportes como o futebol e beisebol (esportes eminentemente masculinos), na instituição do escotismo; no ressurgimento dos heróis e dos caubóis. Mas registramos novamente que, a guerra apenas mascarou os problemas essenciais da masculinidade, pois:

Desde o cataclisma da Segunda Guerra Mundial, quando a hipervirilidade se mostrou em todas a patologia, a guerra parece não mais ser o remédio para o enfraquecimento da masculinidade. Eis-nos de novo confrontados com a questão do homem, sem escapatória no horizonte. Uma verdadeira polêmica, inaugurada pelas diferentes correntes feministas introduziu-se no seio das ciências “do homem”. O que está em jogo é crucial para todos. As conseqüências do ponto de vista vencedor atingirão a pedagogia, a relação entre os sexos e, portanto, a política.(BADINTER, 1993, p.22)

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primeiras crises da identidade masculina. No entanto, busco mais nesse momento resgatar as razões pelas quais ela ressurge hoje, com toda intensidade. Como educadora, acredito que através do processo educativo, tanto na família quanto na escola, poderemos buscar novas saídas, novas possibilidades de discursos, ao educar nossos meninos e meninas com o intuito não só de colaborar na compreensão da crise da identidade masculina inserida na crise do ser humano, como também o de tentar contribuir para a construção de uma relação mais saudável, harmônica, entre homens e mulheres, através de mudanças no processo educativo de ambos os sexos.

Ao fazermos esta breve retrospectiva histórica dos diferentes papéis masculinos, podemos entender que eles vinham mudando no decorrer desta história conforme nos confirma Werebe (1998, p.27) dizendo que: “as representações das diferenças sexuais são ambíguas, contraditórias ou conflitivas, bem como os códigos legais que as regem, segundo as épocas, as sociedades, as classes sociais, as regiões geográficas, as crenças religiosas e muitos outros fatores socioculturais”. Observamos também nesta retrospectiva, que uma coisa era comum a estes papéis sexuais: a dominação do homem sobre a mulher. Quando falamos em dominação masculina, não podemos deixar de trazer aqui a contribuição de Bourdieu (1999) sobre esta questão. Para este autor, esta dominação masculina se constitui de maneira simbólica, sendo assimilada pelas mulheres e transmitida ou perpetuada pelas próprias mulheres através da educação de seus filhos. Werebe (1998 ibidem) também nos faz repensar esta dominação dizendo:

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Não se pretende nesse trabalho negar a real dominação masculina historicamente construída, mas apenas relativizá-la e melhor compreendê-la. O que estamos vendo acontecer neste momento, é que a constituição deste poder parece desmoronar-se e resta no ar a pergunta: o que resta da masculinidade? O que realmente significa ser homem hoje?

Atualmente os homens perderam parte do seu espaço no mercado de trabalho para as mulheres que conseguiram ocupar maiores espaços fora do “lar” e disputam cada vez mais vagas no mercado de trabalho, espaço público esse anteriormente predominantemente masculino. E toda esta luta acabou por fortalecê-las, pois sabemos que, quando está tudo fácil as pessoas se acomodam, como parece ter acontecido com os homens, por estarem no poder há muito tempo. Mas as mulheres tiveram que lutar pelo seu espaço. E nessa busca de conquistas de novos espaços por parte das mulheres, houve uma significativa possibilidade de avanços em terrenos até então ditos como masculinos. Mas registre-se que, apesar dos avanços obtidos, muito ainda há que se lutar ainda para se conquistar um real espaço de igualdade com os homens no mercado de trabalho. Segundo Werebe (1998), no mundo inteiro as condições de trabalho para as mulheres ainda são bem inferiores às condições dos homens, mesmo nos países mais avançados.Constata-se que o número de mulheres no mercado de trabalho cresceu muito neste final de século, enquanto o número de homens permaneceu estável. Como conseqüência disto Werebe (1998, p.35) retrata uma preocupação masculina, citando Barsted e Lavinas que atestaram que:

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