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SARS-CoV-2 e COVID-19: Os Aspetos Virológicos de uma Pandemia

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SARS-CoV-2 e COVID-19: Os Aspetos

Virológicos de uma Pandemia

SARS-CoV-2 and COVID-19: Virologic Aspects of a Pandemic

José Miguel Azevedo-Pereira1

1. Host-Pathogen Interactions Unit, Research Institute for Medicines, iMed-ULisboa; Departamento de Microbiologia e Imunologia; Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

Autor Correspondente/Corresponding Author: José Miguel Azevedo-Pereira, miguel.pereira@ff.ul.pt Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa, Portugal

Recebido/Received: 21/05/2020; Aceite/Accepted: 16/06/2020; Publicado/Published: 21/07/2020 DOI: https://doi.org/10.25756/rpf.v12i1-2.237

© Autor(es) (ou seu(s) empregador(es)) 2020. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial. © Author(s) (or their employer(s)) 2020. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

Resumo

Em dezembro de 2019 uma infeção viral associada a pneumonia grave foi identificada. Esta infeção rapida-mente alastrou tornando-se numa pandemia que obrigou a situações de isolamento de pessoas e à alteração radical da vida social.

O agente causal desta infeção, um coronavírus (SARS-CoV-2), foi isolado e caracterizado. Em menos de seis meses acumularam-se dados sobre o vírus e sobre a doença que ele provoca (COVID-19) de tal forma abundantes que ao fim desse tempo já é possível fazer artigos de revisão sobre vários aspetos da pandemia. Neste artigo de revisão serão abordadas as características virológicas deste novo vírus humano. Desde as suas origens e disseminação, até ao seu diagnóstico.

Palavras-chave: COVID-19; Pandemia; SARS-CoV-2.

Abstract

In December 2019 a viral infection associated with severe pneumonia was identified. This infection quickly spread and became a pandemic, imposing quarantine, isolation of infected people and a radical change in social life.

The causative agent of this infection, a coronavirus (SARS-CoV-2), has been isolated and characterized. In less than six months, data on the virus and the disease it causes (COVID-19) have accumulated to such an extent that it is already possible to make review articles on several aspects of the pandemic.

In this review article, the virological characteristics of this new human virus will be addressed. From the origins and initial spread, to its diagnosis.

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Introdução

A emergência de novas infeções virais é uma situação que nas últimas décadas a comunidade científica tem presenciado com cada vez maior frequência. Estima--se que em média, por ano, sejam identificados cerca de três novos vírus na população humana.1 A maioria

deles têm como origem reservatórios animais não--humanos.

De facto, cerca de 60% dos agentes patogénicos que infetam os seres humanos são de origem zoonótica.2

isto é, doenças infeciosas cujos agentes causais po-dem ser transmitidos naturalmente entre animais e seres humanos. A sua ocorrência deriva da capacida-de que os vírus possuem, em particular os vírus com genoma constituído por cadeias de RNA, de acumu-larem mutações que lhes pode permitir a aquisição de novas propriedades fenotípicas (capacidade de infeta-rem células humanas, por exemplo). Por outro lado, es-tas zoonoses estão dependentes da interface entre hu-manos e animais reservatórios dos agentes virais. Esta interface traduz-se pela sobreposição de habitats entre seres humanos e animais e permite os contactos entre ambos ou com os respetivos dejetos e secreções. Se a acumulação de mutações nos vírus com genoma RNA é uma situação sempre presente e derivada da ausência de sistemas de correção de eros introduzidos aquando da replicação do genoma viral, já o contacto entre os nichos ecológicos de humanos e animais tem vindo a aumentar e a ser favorecido por várias ativida-des humanas. A ativida-desflorestação e consequente invasão de espaços até aí não habitados, a captura de animais selvagens para consumo ou companhia, as desloca-ções de e para zonas endémicas de várias infedesloca-ções, a crescente urbanização favorecendo a criação de gran-des metrópoles de elevada densidade populacional, e as alterações climáticas, entre muitas outras, criaram as condições para que vírus que até aí tinham como hospedeiro uma determinada espécie animal, possam infetar o ser humano e tornarem-se novos agentes pa-togénicos.

A origem de SARS-CoV-2

A pandemia provocada por SARS-CoV-2 é o exemplo mais recente desta capacidade inata de vírus passa-rem a “barreira de espécie”. Em finais de dezembro de 2019, a República Popular da China comunica a existência de um surto de doença respiratória aguda em Wuhan, uma cidade com cerca de 11 milhões de habitantes da província de Hubei (zona central/su-deste da China). Após os receios iniciais de ser uma

re-emergência do coronavírus associado à SARS (do inglês, severe acute respiratory syndrome), em janeiro de

2020 o genoma do novo vírus foi divulgado no reposi-tório de genomas, GeneBank. Esta divulgação precoce

de um dado que tradicionalmente é sigiloso e alvo de muito secretismo, permitiu vários avanços importan-tes. O primeiro foi concluir-se que o novo vírus (pos-teriormente denominado SARS-CoV-2) era um coro-navírus tal como o SARS-CoV-1 (severe acute respiratory syndrome-coronavirus 1; associado ao surto de síndroma

respiratório agudo severo em 2002-2003), e MERS--CoV (Middle East respiratory syndrome-coronavirus;

as-sociado a surtos esporádicos de infeções respiratórias graves). O segundo dado importante é que por análise do seu genoma foi possível verificar que tinha uma identidade de 80% com o SARS-CoV-1 mas 93% de identidade com um coronavírus que infeta os mor-cegos, BatCoV RaTG13. Esta semelhança tão elevada indica claramente que SARS-CoV-2 teve a sua origem a partir deste coronavírus dos morcegos, o qual, por via direta ou através de um hospedeiro intermediário, adaptou-se à espécie humana.3

Características estruturais

de SARS-CoV-2

Tratando-se de um membro da família

Coronaviridade, subfamília Coronavirinae e género Betacoronavirus, SARS-CoV-2 é um vírus que possui

invólucro, com genoma de RNA (+) de cadeia sim-ples, poliadenilado na extremidade 3’ e com CAP na extremidade 5’. Este RNA tem cerca de 30 000 pares de bases e codifica para 13 proteínas.

Estruturalmente existem dois factos importantes de realçar. O primeiro tem a ver com a grande densida-de densida-de proteínas presentes no invólucro viral; ao todo são três as proteínas que decoram a bicamada lipídi-ca que constitui o invólucro viral: a glicoproteína S (spike), a proteína M (membrane) e a proteína E

(envelope). Destas, a mais abundante é a glicoproteína

S, a qual é responsável pela ligação do vírus à célula e de dar início ao processo de fusão do invólucro viral com a membrana celular e consequentemente ao ciclo replicativo do vírus.4 Esta glicoproteína é constituída

por duas subunidades (S1 e S2) que se tornam inde-pendentes após clivagem por proteases celulares da proteína precursora S. As funções destas duas subu-nidades da glicoptroteína S (S1: ligação ao recetor; S2: fusão com a membrana celular) fazem dela um alvo particularmente importante quer de anticorpos quer de moléculas inibidoras.

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O segundo aspeto estruturalmente relevante é a enorme dimensão do seu genoma: quase 30 kb (kilobases). Os coronavírus são uma clara exceção no contexto dos vírus com genoma RNA, os quais raramente ultrapassam 10-15 kb. Este facto excecio-nal tem a ver com a existência de um domínio com atividade 3’-5’-exorribonuclease, dentro do complexo proteico que assegura a replicação do genoma viral. Esta atividade permite corrigir os erros de transcri-ção que a RNA polimerase RNA-dependente natural-mente introduz, aquando da cópia do molde de RNA genómico.5 Ao possuir este mecanismo de correção

de erros, Os coronavírus vêm diminuída uma caracte-rística intrínseca a todos os vírus RNA: a capacidade de acumularem mutações que contribuem para a sua evolução e adaptação; no entanto, ganham em estabi-lidade genómica que impede um excesso de mutações que seriam catastróficas em particular num genoma tão extenso.

Ciclo replicativo e tropismo

de SARS-CoV-2

O ciclo replicativo de SARS-CoV-2 inicia-se pela liga-ção da glicoproteína S (porliga-ção S1) ao recetor celular ACE2 (angiotensin-converting enzyme 2). Esta ligação, no

entanto, não é suficiente para que a fusão do invólucro viral com a membrana celular ocorra. Para tal aconte-cer a glicoproteína S tem de ser clivada em dois locais (local da junção S1/S2 e local S2’) para se tornar fuso-genicamente ativa. Esta proteólise pode ser mediada por dois tipos de proteases celulares: pela TMPRSS2 (transmembrane protease serine 2) presente na membrana

citoplasmática de algumas células e/ou pelas catepsi-nas B/L presentes em vários compartimentos celula-res nomeadamente nos endossomas. Esta clivagem, ao individualizar a subunidade S2, permite que esta me-deie a fusão entre as duas estruturas bioquimicamente semelhantes: o invólucro viral e membrana da célula. A libertação da cápside viral (contendo o genoma) no citoplasma da célula ocorre após fusão com a mem-brana do endossoma (entrada por endocitose) ou por fusão direta ao nível da membrana citoplasmáti-ca. Dados laboratoriais indicam que estas duas vias alternativas dependem da presença ou ausência de TMPRSS2 na membrana citoplasmática da célula.6

Assim, caso exista esta protease, a entrada pode ocor-rer por qualquer das duas vias; no entanto, se a célula não expressar esta protease a entrada terá de ocorrer por endocitose de modo a permitir a ativação da gli-coproteina S por parte de catepsinas B/L presentes no endossoma.

Após descapsidação, o RNA genómico viral fica livre para ser transcrito e replicado pela RNA polimera-se RNA-dependente dando origem aos diferentes RNAm (RNA mensageiro) bem como a novas cópias do RNA genómico. Os primeiros serão traduzidos nas respetivas proteínas que, por incorporação deste último RNA, formarão as novas partículas virais que saem da célula por um processo de gemulação ao nível da membrana citoplasmática.

Devido à necessidade de se ligar ao recetor ACE2, o tropismo celular de SARS-CoV-2 (isto é o tipo de células que o vírus é capaz de infetar) é determinado pela gama de células ACE2+. Em concreto, as células suscetíveis de serem infetadas por SARS-CoV-2 in-cluem: células endoteliais de artérias e veias, enteróci-tos, células epiteliais do trato respiratório e ainda cé-lulas dendríticas, monócitos e macrófagos alveolares.

Patogénese da infeção

por SARS-CoV-2

O conhecimento dos mecanismos de patogénese é fundamental para a compreensão da patologia indu-zida por SARS-CoV-2, além de permitir identificar alvos potenciais para moléculas inibidoras capazes de minorar esses efeitos patológicos.

Transmissão e período de incubação

A infeção por SARS-CoV-2 num novo indivíduo inicia-se com a entrada do vírus no novo hospedei-ro. Esta entrada pode ocorrer pelo nariz ou garganta, no contexto da inalação de gotículas provenientes de secreções respiratórias de alguém infetado, ou pela inoculação de partículas virais que, estando presen-tes nas referidas secreções respiratórias, contamina-ram mãos ou objetos que são levados à boca, nariz ou olhos e, dessa forma, permitem o acesso do vírus às células epiteliais aí presentes.

Como acontece com quase todas as infeções respi-ratórias agudas provocadas por vírus, o período de incubação é em geral curto: em média 4-5 dias após contágio. Durante esta fase de incubação, o vírus re-plica-se nas células epiteliais que revestem as muco-sas do nariz e garganta, as quais expressam o recetor ACE2 bem como a protease TMPRSS2.7 Este dado é

particularmente relevante e diferenciador das infe-ções por SARS-CoV-2 e SARS-CoV-1: ao contrário do que se verifica com SARS-CoV-1, o indivíduo infetado com SARS-CoV-2 já é transmissor da infeção antes de desenvolver qualquer tipo de sintoma. Epidemio-logicamente este facto permite explicar a facilidade e rapidez com este vírus se propagou, uma vez que os

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indivíduos infetados só apresentam sintomas alguns dias depois de já serem potenciais disseminadores da infeção.

Igualmente importante na transmissão de SARS--CoV-2 é o facto do vírus se acumular em grandes concentrações nas mucosas nasais e da garganta.8

Este é mais um aspeto diferenciador da infeção por SARS-CoV-1, na qual as cargas virais mais abun-dantes localizavam-se no trato respiratório inferior (brônquios e pulmões). Uma concentração elevada de vírus no nariz e garganta facilita obviamente a trans-missão de SARS-CoV-2. Por fim, importa ainda saber durante quanto tempo o indivíduo infetado possui partículas virais nas suas vias respiratórias. Embora hajam ainda poucos dados sobre este aspeto, um estu-do recente revela que nos indivíduos diagnosticaestu-dos o tempo médio durante o qual se detetou a presença de vírus foi de 17 dias desde o início dos sintomas.9

Mecanismos de patogénese

A infeção por SARS-CoV-2 pode ter uma expressão clínica muito diversa: desde assintomática, até formas graves e mortais de COVID-19 (coronavirus disease 19;

nome dado à doença provocada por SARS-CoV-2) que exigem cuidados hospitalares.

Numa percentagem ainda desconhecida de casos, ao fim do período de incubação o indivíduo desenvolve um conjunto de sintomas que englobam geralmente: febre, tosse seca, garganta inflamada, cefaleias e mial-gias.

Por esta altura, a resposta imunológica entretanto desencadeada consegue, na grande maioria dos casos, anular a infeção seguindo-se uma fase de convales-cença e cura. Esta vem associada ao desenvolvimento de anticorpos neutralizantes que evitam reinfeções durante um período de tempo ainda desconhecido mas que, se for análogo ao verificado para outros vírus humanos da mesma família, mantêm uma capacidade neutralizante durante 1-3 anos após a infeção inicial que lhes deu origem.

No entanto, caso essa resposta não seja eficaz nesta fase inicial, segue-se uma disseminação da infeção para os pulmões, onde o vírus irá infetar as células epiteliais que formam as mucosas alveolares. Tem as-sim lugar a pneumonia que caracteriza as formas mo-deradas e graves de COVID-19.

O processo de replicação viral leva à destruição das células epiteliais infetadas mas induz também uma ativação de monócitos, macrófagos e células dendrí-ticas, resultando na libertação de grandes quantida-des de mediadores pró-inflamatórios, nomeadamente

IL-6. Estes por sua vez amplificam esta resposta pró--inflamatória levando à síndrome de libertação de citocinas (SLC) sistémica (também denominada de “tempestade de citocinas”) que caracteriza as formas graves de COVID-19.10

As consequências desta exagerada resposta pró-in-flamatória são sentidas em vários órgãos e sistemas. Desde logo a nível pulmonar, mais concretamente nos alvéolos pulmonares e nas células endoteliais dos ca-pilares a eles associados. É por esta interface, célula epitelial alveolar-célula endotelial capilar, que as tro-cas gasosas (O2/CO2) se estabelecem e permitem a oxigenação. Em consequência da infeção e dos danos provocados pela SLC, esta interface é destruída, com invasão do lúmen alveolar de fluido e células sanguí-neas, e incapacidade de efetuar as referidas trocas ga-sosas. A dispneia e a síndrome de dificuldade respira-tória aguda são por isso observada em praticamente todos os casos graves.

Por outro lado, em consequência da apoptose dos lin-fócitos induzida pela SLC, verifica-se uma linfopenia bem evidente nos exames laboratoriais dos doentes com formas graves de COVID-19.

A SLC tem ainda efeitos no sistema cardiovascular, quer ao nível dos vasos sanguíneos (explicada pela capaci-dade do vírus infetar as células endoteliais de artérias e veias) quer ao nível do coração.11 Além disso, parece

ha-ver uma elevada predisposição para o desenvolvimento de coágulos devido à SLC e ainda à hipóxia e imobiliza-ção dos doentes. Estes coágulos são responsáveis pelas embolias e tromboses verificadas nestes doentes.12

Finalmente a SLC induz alterações graves em outros órgãos e sistemas para além dos já referidos. Rins, cérebro, fígado e intestino são dos que mais frequen-temente têm sido reportados, reforçando a falên-cia multi-órgão que caracteriza as formas graves de COVID-19.13–19

Em resumo: (i) a patogénese da infeção envolve efei-tos virais direefei-tos e efeiefei-tos devido à resposta pró-in-flamatória exacerbada desencadeada pelas células infetadas e/ou ativadas por SARS-CoV-2; (ii) os ca-sos graves resultam da tempestade de citocinas re-sultante da SLC; (iii) esta é claramente uma infeção com duas fases em termos de patogénese: uma fase inicial onde é a replicação viral e a infeção de novas células a principal protagonista, e uma segunda fase que tem como principal processo patológico a respos-ta pró-inflamatória exacerbada em termos de tempo e amplitude, que conduz à SLC e às formas graves de COVID-19.

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patogénicos ao longo da infeção, é também claro que qualquer intervenção tardia, se direcionada à inibição da replicação viral, terá pouco efeito no contexto das formas severas de COVID-19. Nessa fase avançada os mecanismos que devem ser bloqueados são os que se relacionam com a imunopatologia verificada. Ao in-vés, os antivirais terão muito maior impacto no con-trolo da infeção se administrados precocemente, logo após o surgimento dos primeiros sintomas.

Marcadores laboratoriais

Em consequência do processo patogénico descrito verifica-se alterações em vários órgãos e sistemas que têm reflexo direto nas provas laboratoriais. Nestas há um conjunto de parâmetros que consistentemente aparecem alterados nos doentes com as formas graves e moderadas de COVID-19.16

Os parâmetros laboratoriais que se apresentam mais significativamente alterados nos doentes com formas graves de COVID-19 são: leucocitose associada a lin-fopenia (em particular linfócitos T-CD4+ e T-CD8+); transaminases elevadas (ALT, alanina aminotransfe-rase; AST, aspartato aminotransferase); hipoalbumi-némia; aumento significativo dos níveis de ferritina, dímero D e de proteína C reativa; aumento genera-lizado de várias citocinas, nomeadamente: interleu-cina (IL)-2R, IL-10, IL-6 e fator de necrose tumoral (TNF)-α.

Fatores de risco de infeções graves

Dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais re-velam uma tendência clara dos casos graves de COVID-19 ocorrerem em determinados grupos de in-divíduos.

Os principais fatores que parecem favorecer a ocor-rência de uma infeção grave são: idade avançada (>60 anos), hipertensão, diabetes, doença cardiovas-cular, doença respiratória crónica e cancro. Como se-ria de esperar, esta maior ocorrência de casos graves nestes grupos de indivíduos tem reflexo na taxa de letalidade verificada.20

Resposta imunológica

Até ao momento e devido ao pouco tempo passado desde os primeiros casos terem surgido, pouco se sabe sobre a resposta imunológica criada pelo hospe-deiro em consequência da infeção por SARS-CoV-2. Várias questões carecem de resposta, nomeadamente: os indivíduos que recuperam da infeção ficam imunes a reinfeções? Se sim, durante quanto tempo? A res-posta imunológica pode, em alguns casos, exacerbar

uma futura reinfeção? Existem parâmetros imunoló-gicos que possam prever a maior ou menor gravidade ou suscetibilidade à infeção?

Na ausência de respostas concretas provenientes de casos de infeção por SARS-CoV-2, a abordagem possível passa por ter em conta os dados acumula-dos para outros coronavírus humanos: SARS-CoV-1, MERS-CoV ou ainda os endémicos CoV-229E e CoV-OC43. Com base nestes dados podemos con-cluir que após infeção por qualquer um destes vírus resulta a produção de anticorpos neutralizantes, em-bora em geral com um período de proteção curto. Por outro lado, a imunidade celular parece desem-penhar um papel fundamental na cura e proteção de novas infeções, quer no caso de SARS-CoV-1, quer no MERS-CoV.21,22 O mesmo parece acontecer no caso

da infeção por SARS-CoV-2.23

Quanto à cinética de aparecimento da imunidade hu-moral, os poucos dados disponíveis sugerem que após a infeção ter tido início há a produção de anticorpos da classe das IgM e IgG sendo que 100% dos indiví-duos com COVID-19 têm IgG específicas ao fim de 17-19 dias após o início dos sintomas.24

A capacidade neutralizante destes anticorpos está ainda por aferir. É expectável que essa capacidade exista, pelo menos em alguns dos indivíduos que re-cuperam da infeção.25 Este facto tem sido aliás usado

como argumento para o uso de plasma destes duos para imunização passiva e tratamento de indiví-duos com COVID-19.26,27

Diagnóstico laboratorial

A infeção por SARS-CoV-2 é diagnosticada laborato-rialmente pela deteção do genoma viral em amostras biológicas colhidas com zaragatoa ao nível das muco-sas nasal, nasofaríngea ou da garganta. Esta deteção é feita por amplificação através de técnica de PCR (polymerase chain reaction) precedida de uma reação de

retrotranscrição por forma a converter o RNA genó-mico de SARS-CoV-2 numa dupla cadeia de DNA. Os protocolos para esta reação de amplificação fica-ram disponíveis logo após a publicação do genoma viral e permitem a obtenção de resultados com ele-vado grau de sensibilidade e especificidade. Os raros falsos negativos derivam de colheita mal-executada sem a quantidade necessária de material biológico. A quantificação da carga viral, embora pouco requisi-tada nestes tempos de grande urgência na obtenção do diagnóstico, tem vantagem em termos de se perce-ber as cinéticas da replicação viral, nos processos de transmissão e acima de tudo como possível marcador

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de prognóstico da infeção. De facto, em relação a este último aspeto, tem sido referido uma correlação dire-ta entre cargas virais elevadas e formas mais graves de COVID-19.28

Em alternativa à deteção do genoma viral, o diagnósti-co pode ser feito por pesquisa de antidiagnósti-corpos presentes no soro do indivíduo. Esta deteção de IgM e IgG espe-cíficas tem a vantagem de ser mais barata e em certos casos mais rápida do que a deteção do genoma viral. No entanto, a sua deteção só ocorre 5-10 dias após o início dos sintomas29 e, numa significativa proporção

de casos, os anticorpos só são detetáveis após 14 dias (30). Não é, portanto, um método de diagnóstico ade-quado para a fase aguda inicial da infeção.

Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

Fontes de Financiamentos: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissiona-do; revisão externa por pares.

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Funding Sources: This work has not received any contribution grant or scholarship.

Provenance and Peer Review: Not commissioned; externally peer reviewed.

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