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Desafios no ensino da língua de herança: o italiano em Pedrinhas Paulista

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Academic year: 2020

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Desafios no ensino da língua de herança: o italiano em Pedrinhas

Paulista/Challenges in heritage language teaching: the Italian in

Pedrinhas Paulista

Fernanda Ortale Vinicio Corrias Rosangela M. L. Fornasier*

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo sobre o processo de implantação do ensino de italiano como língua de herança em Pedrinhas Paulista, uma ex-colônia italiana, e tem como foco os desafios encontrados durante as fases de planejamento do curso e de elaboração do material didático. Do ponto de vista teórico, a pesquisa apoia-se na Pedagogia Pós-Método e nos estudos sobre políticas linguísticas e línguas de herança. Os resultados preliminares apontam para a importância de criar espaços formais de aprendizagem da língua de herança e também da existência de políticas linguísticas familiares para a sua manutenção em contextos informais. O trabalho corrobora ainda, a ideia de que o ensino de língua de herança distingue-se do ensino de uma língua estrangeira, aponta as especificidades da revitalização linguística e cultural de comunidades após o processo de reterritorialização.

PALAVRAS-CHAVE: Língua de herança; Imigração; Políticas linguísticas ABSTRACT

This article presents a study about the process of creation of an Italian as a Heritage Language course in Pedrinhas Paulista, a former Italian colony, and focuses on the challenges faced during the two steps of course planning and preparation of didactic material. The theoretical framework is based on Post-Method Pedagogy and studies on language policies and heritage language. The preliminary results indicate the importance of creating formal spaces for Heritage Languages learning and show that family language policies are important for Heritage Languages maintenance in informal spaces. The study also corroborates the idea that Heritage Languages teaching differs from Foreign Language teaching, and observes the specificity of the communities’ cultural and linguistic revitalization process after the reterritorialization. KEYWORDS: Heritage language; Immigration; Language policies

1 Introdução

Este artigo apresenta uma discussão sobre o processo de concepção de um curso de italiano como língua de herança em Pedrinhas Paulista, uma cidade peculiar por ter em sua

Universidade de São Paulo – ortale@usp.br

 Universidade de São Paulo – niciocorrias@yahoo.it  Universidade de São Paulo – romaria@yahoo.it

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história marcas do tempo em que foi uma das últimas colônias italianas do pós-guerra, constituídas por acordos bilaterais entre o Brasil e a Itália.

O convívio das identidades brasileira e italiana pode ser notado desde a chegada à Pedrinhas Paulista, nas bandeiras dos dois países que decoram as duas extremidades do portal da cidade. Além disso, outros traços aparentes marcam a italianidade à primeira vista: os habitantes que chegaram durante a fundação da colônia e que conversam em italiano na praça principal, os nomes das duas únicas avenidas da cidade que se cruzam – as avenidas Brasil e Itália -, as cores da bandeira italiana pintadas em cada poste da cidade, os espaços urbanos e os traços arquitetônicos: a Praça Roma, a estátua da loba com Rômulo e Rema, o Memorial do Imigrante e a Igreja San Donato. É fácil constatar, portanto, que a cidade construiu uma identidade intercultural que se reflete ainda hoje na língua, nos hábitos, nas tradições da comunidade e em seu espaço arquitetônico. A comunidade de Pedrinhas Paulista criou para si um “terceiro espaço” (LO BIANCO, LIDDICOAT; CROZET, 1999, p. 5), constituído por um quadro de referências ligado às suas origens culturais italianas, mas também, pelas referências culturais e linguísticas dos brasileiros.

Ao mesmo tempo em que a italianidade está presente nessa cidade tão singular, com cerca de 3.000 habitantes, há um movimento de perda progressiva da língua italiana e dos dialetos, uma vez que a geração da faixa entre 70 e 90 anos, em sua maioria, fala italiano ou dialeto1 com seus filhos, mas a primeira geração nascida no Brasil não usa nem o italiano, nem o dialeto nas interações cotidianas com seus filhos. É, portanto, nesse espaço intergeracional que ocorreu a quebra na transmissão da língua de herança como parte da cultura familiar.

Pedrinhas Paulista foi fundada em 1952 e viveu como núcleo colonial até 14/05/1980, quando foi elevada a Distrito e alcançou a sua emancipação político-administrativa em 30/12/1991. O município está situado na Alta Sorocabana, à margem paulista do rio Paranapanema, a 550 km da cidade de São Paulo.

1Neste trabalho refiro-me a dialetos de acordo com a acepção de Sobrero e Miglietta (2007, p. 57-62), que os

definem como variedades linguísticas não usadas em todo o território nacional e que não estão vinculadas à obrigatoriedade de respeito a normas gramaticais estabelecidas oficialmente (SOBRERO; MIGLIETTA 2007, p. 57-62).

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A fim de promover a colonização do interior do Brasil, e também para resolver as questões pendentes do Tratado de Paz de 10/02/47, foi firmado um acordo entre Brasil e Itália, em 08/10/1947. A partir de 1949, o Governo Italiano encaminhou a Missão Técnica Agrícola para realizar estudos de reconhecimento territorial e de fertilidade em áreas rurais de diversos países da América do Sul. No Brasil, foram escolhidas as cidades de Joinville (SC), São Geraldo (GO) e Pedrinhas Paulista. A única colônia que obteve êxito, supostamente graças à fertilidade das terras do Vale do Paranapanema, foi a de Pedrinhas Paulista. (BORGES PEREIRA, 2002, p. 47)

A Companhia Brasileira de Colonização e Imigração Italiana, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 7.967, promulgado em 1945, realizou o processo de transporte de famílias italianas para Pedrinhas Paulista. Os imigrantes, diferentemente do que ocorreu para maioria dos que chegaram no início do século XX, receberam condições e assistência para empreenderem nas terras que lhes foram conferidas. A Companhia, que permaneceu até 1984 no local, planejou a colonização em duas etapas: a primeira consistiu na implantação da infraestrutura, idealizada por técnicos e engenheiros italianos, que tinham a tarefa de construir casas e tornar o pequeno núcleo de infraestrutura capaz de receber os primeiros imigrantes que iriam trabalhar como agricultores.

Após a fundação da colônia, em 13 de novembro de 1952, Pedrinhas Paulista recebeu um grupo de imigrantes italianos composto de 28 famílias provenientes de diversas regiões da Itália. Nos anos sucessivos, outros imigrantes desembarcaram rumo a Pedrinhas Paulista, totalizando 236 famílias de imigrantes até 1968 (BORGES PEREIRA, 2002, p. 55).

O pagamento do empréstimo feito aos imigrantes pela Companhia de Imigração para aquisição do lote e da casa foi pago pelos italianos no prazo de 10 anos. Segundo um dos entrevistados, no início a parcela era significativa, mas com a inflação, aos poucos, o valor mensal a ser pago tornou-se irrisório.

A convivência dos italianos com os brasileiros, o processo de escolarização e as práticas sociais cotidianas propiciaram a aquisição do português por parte dos imigrantes e de seus filhos. Atualmente, as famílias são constituídas pela união de descendentes de italiano com pessoas de diferentes origens. As línguas presentes são dialetos italianos de

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diferentes regiões da Itália, o português (língua dominante), o italiano e a variedade ítalo-pedrinhense (CASTRO, 2002).

2 Língua de imigração: identidade e herança

No Brasil, línguas de países que tiveram movimentos de diásporas no final do século XIX, como o italiano, o alemão e o japonês, não estão organizados politicamente ou representados em forma de associações que declarem o empenho para preservar ou manter essas línguas minoritárias no Brasil como línguas herança.

Morello (2012, p. 13) lembra que apenas em 2010, o Decreto 7.387 do Governo Federal instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística com o intuito de reconhecer como patrimônio cultural imaterial as línguas brasileiras presentes no país. Graças a essa iniciativa, línguas de herança foram cooficializadas em diferentes estados do Brasil. As línguas de imigração fazem parte de uma das categorias elencadas no Relatório de Atividades (2006-2007) do Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDLB, 2008, p.3):

No Brasil de hoje são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 180 línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes cerca de 30 línguas (chamadas de línguas alóctones). Além disso, usam-se pelo menos duas línguas de sinais de comunidades surdas, línguas crioulas, e práticas lingüísticas diferenciadas nos quilombos, muitos já reconhecidos pelo Estado, e outras comunidades afro-brasileiras. (GTDLB, 2008 p.3): Em contextos formais de ensino, as línguas de imigração - que são, em muitos casos, línguas de herança -, recebem o mesmo status de línguas estrangeiras. Essa perspectiva contribui para o apagamento das necessidades de políticas de preservação linguística e das especificidades relacionadas a afetividade, motivação e processos identitários.

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No caso da Itália, por exemplo, embora tenha havido um êxodo maciço em direção ao Brasil, entre o final do século XIX e o início do século XX, não existem materiais específicos para o ensino da língua com enfoque específico para descendentes, ou que considere a língua sob a perspectiva de aprendizes de herança, pertencentes a comunidades em que essa língua era ou ainda é usada.

O ano de 2017 parece representar um marco nos estudos sobre línguas de herança no Brasil, pois houve em um só mês, dois eventos: o I Congresso Mundial de Bilinguismo

e Língua de Herança - realizado de 15 a 17/08 na Universidade de Brasília -, e Línguas de Herança: novo recorte científico, um campo promissor de reflexão – realizado na

Universidade de São Paulo nos dias 23 e 24/08. Em ambos os eventos, duas discussões tiveram destaque: a primeira sobre as ações realizadas para a manutenção do português como língua de herança em países que acolheram imigrantes brasileiros, e a segunda sobre as diversas definições do termo língua de herança ao longo das últimas décadas

(FISHMAN, 2001; KONDO-BROWN, 2003; VAN-DEUSEN SCHOLL, 2003;

CARREIRA, 2009; LO-PHILIP, 2010).

Em nosso contexto de pesquisa, adotamos um conceito de língua de herança que não está necessariamente vinculado ao fator de ancestralidade:

Língua de herança é a língua com a qual uma pessoa possui identificação cultural e sentimento de pertencimento a determinada comunidade que a usa, seja por laços ancestrais, seja por convivência no mesmo ambiente sociocultural com falantes dessa língua. (ORTALE, 2016, p. 27)

Consideramos, por exemplo, que o italiano pode ser uma língua de herança para os habitantes de Pedrinhas Paulista que possuem ou não origem italiana. O critério central nessa para a definição de língua de herança é, portanto, o sentimento de afiliação identitária em relação à língua e à cultura de determinado país.

Cientes de que “nenhuma definição de língua de herança é inequívoca ou neutra, mesmo quando pretende ser”2 (HORNBERGER, 2005, p. 608), a definição apresentada,

2 None of the terms for heritage language is in fact ever straighforward or neutral, even when it is originally

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procura contemplar a forma como analisamos a relação que a comunidade de Pedrinhas Paulista estabelece com a língua italiana e o papel da língua e da cultura italiana nesse contexto histórico e sociocultural.

3 Desafios no ensino de línguas de herança

Estudiosos (WILEY, 2001; VAN DEUSEN SCHOLL, 2003; ENNSER-KANNANEN; KING, 2013) afirmam que se o planejamento e a implantação de um curso de língua estrangeira para um público geral trazem sempre à tona a questão da análise das necessidades e interesses do público-alvo, com muito mais razão, quando se trata de ensino de língua de herança, a especificidade do contexto de ensino e da formação de professores deveria ser considerada.

Iniciativas em políticas linguísticas apontaram que transpor características do ensino de qualquer língua estrangeira para um cenário de ensino de uma língua de herança não é adequado, pois desconsideraria as especificidades contextuais (ENNSER-KANNANEN; KING, 2013). Esse aspecto havia sido levantado por Van Deusen-Scholl (2003), quando afirma que o contexto de ensino de língua de herança exige especificidades quanto aos materiais didáticos, ferramentas de avaliação e formação de professores.

A escolha metodológica do nosso grupo de pesquisa foi planejar o curso de língua de herança constituído de 4 semestres e elaborar o material didático com base nos pressupostos da Pedagogia Pós-Método. O termo Condição Pós-Método foi cunhado pelo estudioso indiano, B. Kumaravadivelu, professor da San Jose State University. Suas ideias têm como ponto de partida o conjunto de trabalhos que expressava a insatisfação pelo

método (ALLWRIGHT, 1989; PENNYCOOK, 1989; PRABHU, 1990;

KUMARAVADIVELU, 1994; 2003; 2006; BROWN, 2002). Para ele, o método pode ser definido em sua dimensão política de imposição ‘de cima para baixo’, detentor de ideologias que perpetuam as relações de poder (PENNYCOOK, 1989, p.590), ou como

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“como um conjunto de pressupostos, concebido por especialistas, que determinam o fazer em sala de aula” (KUMARAVADIVELU, 2006, p.84).

A Pedagogia Pós-Método é definida ainda, como um sistema tridimensional, constituído pelos parâmetros da particularidade, da praticidade e da possibilidade (KUMARAVADIVELU, 2003, 2006, p. 171). O parâmetro da particularidade refere-se ao fato de que a pedagogia de línguas deve ser sensível ao grupo específico de professores e de alunos, aos objetivos, às particularidades do contexto institucional e do ambiente sociocultural. Kumaravadivelu (2001, p. 539) afirma que este parâmetro está baseado “na firme convicção de que toda pedagogia, assim como toda política, é local” e que “ignorar as exigências locais significa ignorar as experiências vividas”3.

O parâmetro da praticidade diz respeito à relação entre teoria e prática e tem como princípio a ruptura entre os especialistas como produtores e os professores como consumidores de teorias (KUMARAVADIVELU, 2012, p. 13). A ideia é que o professor deve gerar teorias a partir de sua prática e deve colocar em prática o que teoriza; para tanto, é necessário oferecer aos professores ferramentas para que possam desenvolver a autonomia necessária para criarem a própria teoria da prática sensível ao contexto.

O parâmetro da possibilidade, elaborado por Kumaravadivelu, com base em Paulo Freire, aponta a necessidade de ações que possibilitem transformações sociais, seja atenta às relações entre ensino e poder, e ainda, que leve em conta a identidade e as experiências trazidas pelos aprendizes.

Além dessas bases da perspectiva Pós-Método, o autor apresenta princípios e macroestratégias para o ensino de línguas, apresentando assim, um amplo referencial teórico para o trabalho de profissionais da área, e sua implementação requer uma postura reflexiva e investigativa. No percurso de conceber um curso de língua de herança na perspectiva Pós-Método, encontramos os seguintes desafios:

a) Os critérios para a produção do material didático

3 It is based on the firm belief that all pedagogy, like all politics, is local. To ignore local exigencies is to

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O respeito às particularidades contextuais esteve presente como um desafio em todo o processo em relação aos tipos de material-fonte, às características do público-alvo e à seleção de conteúdos e objetivos.

Convictos da ideia de que o material didático deveria ser construído a partir de insumos produzidos (ou coletados) junto à e com a comunidade, realizamos entrevistas gravadas em vídeo durante um ano (julho/2015 a julho/2016) com os italianos que chegaram na ocasião da fundação da colônia, em seguida, com a primeira geração nascida no Brasil e com pessoas que tiveram participação política na vida da comunidade.

As entrevistas focalizaram três temas: memórias e informações sobre a saída dos imigrantes da Itália, a chegada a Pedrinhas Paulista e as línguas ou dialetos falados no âmbito familiar dos entrevistados. Essas entrevistas foram didatizadas e inseridas no material didático do curso. Algumas pessoas da comunidade ofereceram à professora cartas, diários, cadernos de receitas, documentos e fotografias de família, que também fazem parte do material didático elaborado.

Outro aspecto da particularidade do contexto, e que foi cuidadosamente respeitada, refere-se à heterogeneidade do público-alvo. Kondo-Brown (2001, p. 2-3) afirma que um dos principais desafios dos professores de línguas de herança de imigrantes é a heterogeneidade dos aprendizes quanto às habilidades linguísticas na língua-alvo, mesmo entre membros da mesma geração. Esse aspecto foi constatado tanto nos questionários quanto após o início do curso. No grupo havia alunos falantes de dialeto e italiano, outros que falavam apenas dialeto ou apenas italiano e ainda, descendentes com um ótimo nível de compreensão oral, mas com dificuldades de produção oral. A valorização dos vários dialetos presentes na comunidade e, portanto, das várias configurações da proficiência dos alunos, foram uma preocupação constante durante todo o curso.

Outro desafio encontrado durante a concepção do curso foi decidir o lugar da explicitação gramatical, e se seria, de fato, necessário prevermos um conteúdo desse tipo. No questionário, a maioria dos alunos afirmou que desejava um curso “voltado para a conversação”. Esse dado foi ao encontro das reflexões do grupo sobre os objetivos do curso e sobre a abordagem de ensino mais apropriada para o contexto. O curso foi estruturado, então, com base em temas e não em tópicos gramaticais, e ainda, as regras gramaticais e as

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possíveis estruturas necessárias para as atividades comunicativas estão presentes de forma breve, na seção Comunicazione, da apostila.

Procuramos, portanto, respeitar as particularidades do curso no que diz respeito à seleção de conteúdos e objetivos. O fio condutor do curso são os temas e não a progressão gramatical. Durante as reuniões, ficou estabelecido, com base nas características da comunidade, o seguinte conteúdo temático para o primeiro semestre: Os italianos em Pedrinhas Paulista, Migrações na atualidade, Alimentação italiana e ítalo-brasileira, A Itália atual.

Uma última, questão ainda relacionada ao material didático, refere-se à delimitação do público-alvo: para qual geração seria oferecido do curso de italiano?

Após discussões entre membros do grupo de pesquisa, chegamos à conclusão de que o curso seria oferecido, preferencialmente, para a primeira geração de descendentes de italianos nascida no Brasil e a seus respectivos cônjuges (de origem italiana ou não). A motivação deve-se ao fato de que essa geração: a) representa uma ponte entre os mais velhos e a terceira geração, que não aprendeu italiano; b) declara não saber falar bem italiano, apenas dialeto; e c) poderia levar para casa práticas sociais de uso da língua italiana para o âmbito familiar e assim, envolver a terceira geração.

Para conhecermos melhor o público-alvo de inscritos, elaboramos um questionário anexado à ficha de matrícula, solicitando os seguintes dados: nome, idade, grau de ascendência italiana, região de origem, conhecimento da língua italiana ou dialeto, expectativas quanto ao curso e ao uso do italiano na comunidade.

Com a definição do público-alvo e com as histórias vida da comunidade coletadas, determinamos os objetivos do curso: revitalizar a língua italiana na comunidade, promover reflexões sobre a identidade ítalo-brasileira da comunidade, incentivar políticas linguísticas familiares de uso e valorização da língua italiana ou do dialeto de herança.

b) A autonomia da comunidade no processo de revitalização linguística

Um dos objetivos do projeto de pesquisa era envolver a comunidade no processo de resgate cultural e linguístico de forma que, ao concluirmos nosso trabalho, a comunidade continuasse a propor ações didáticas e políticas em prol da língua de herança.

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Kumaravadivelu (2012, p.39-49) afirma que as necessidades dos aprendizes não devem se restringir às habilidades linguísticas necessárias à comunicação, mas precisam contemplar também, a motivação, a autonomia e as dimensões afetiva, ideológica e política do contexto de ensino, com vistas às potencialidades emancipatórias de um curso de línguas.

Pensar, portanto, sobre “quais são os objetivos, por que/por quem foram formulados e em benefício de quem” é essencial quando se pretende elaborar um curso de línguas com viés emancipador, que considera a aprendizagem de uma segunda língua como um processo de formação pessoal, de reconstrução de identidades.

Outro aspecto do planejamento do curso é propiciar o desenvolvimento da autonomia da comunidade, de forma ampla. Kumaravadivelu (2006, p. 47), com base em Freire (2002), lembra que existem duas visões de autonomia: uma estreita, que visa ensinar o aluno a aprender a aprender; e outra ampla, que considera o aprender a aprender apenas como meio para o pensamento crítico e emancipação.

As transformações que ocorreram a partir do início do projeto de pesquisa, em julho de 2015, que nos permitem afirmar que o parâmetro da possibilidade está em desenvolvimento são:

- o reconhecimento da importância dos dialetos por parte da comunidade; - a organização de evento mensal, Pomeriggio Italiano;

- a implantação do programa, 5 minuti d’Italia, na Rádio América, organizado pela professora e apoiado pelo responsável pela rádio;

- o planejamento e divulgação do curso de italiano oferecido à segunda geração; - a continuidade da produção de material didático a partir de documentos produzidos junto à comunidade;

- a reativação de um grupo local de música italiana;

- a reativação de um grupo de Tarantella, formada por jovens da comunidade;

- o ingresso da professora do curso de Italiano como Herança em um Programa de Pós-Graduação em Língua Italiana.

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Em nosso contexto de pesquisa, a autonomia dos aprendizes rumo à formação de comunidades de prática que lhes garantam a revitalização cultural e linguística nos parece fundamental. Nesse sentido, consideramos que a participação da comunidade na elaboração do conteúdo e do andamento do curso tenha sido de fundamental importância. Tanto o material didático quanto a forma de estruturar o curso e a relação entre a universidade e a comunidade de Pedrinhas Paulista favorecem o desenvolvimento da autonomia emancipatória por parte da comunidade. A perda da história e da língua italiana nas famílias de descendentes dos fundadores da colônia, certamente, representariam o silenciamento de parte da identidade ítalo-pedrinhese presente na comunidade

4 Considerações Finais

É cada vez mais necessário nos debruçarmos em pesquisas no contexto línguas de herança de comunidades imigrantes que, ao se engajarem em programas de acolhimento e integração na sociedade brasileira, deixam de lado suas línguas de origem, um patrimônio cultural imaterial a ser preservado.

Neste estudo, vimos que os parâmetros do Pós-Método podem contribuir para o processo de planejamento e de elaboração de materiais didáticos para esse contexto específico, no qual a língua-alvo não é estrangeira, nem materna para a maioria da comunidade. Esse nos parece um campo promissor de pesquisas e para o qual, infelizmente, ainda não foram lançados programas governamentais e esforços da comunidade acadêmica. Como afirma Montrul (2015, p. 304) sobre o contexto norte-americano, na década de 1980, a aquisição da língua de herança passou a ser vista como um direito e, nas palavras de Hornberger (2005, p. 608), representa “a possibilidade de expressar nossas múltiplas identidades, identidades plurais e transculturais que se recusam a desaparecer mesmo diante da difusão única do inglês americano no mundo”4.

4 (...) the possibility of expressing our multiple identities, plural transcultural identities that refuse to disappear

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Nesse sentido, em consonância com Oliveira (2008, p.7), acreditamos que o interesse pela diversidade linguística deveria estar presente nas universidades e, a nosso ver, com especial atenção durante disciplinas relacionadas à formação de professores, a fim de contribuir para que comunidades desenvolvam ações de manutenção e de desenvolvimento de suas línguas.

A preservação dessas línguas não depende apenas de leis governamentais de proteção e de cooficialização. Um pressuposto mencionado nos estudos sobre políticas linguísticas é que a comunidade deve ser agente participante no planejamento das ações que dizem respeito à forma como suas identidades e heranças culturais poderão ser revitalizadas. É de acordo com esse pressuposto que esta pesquisa sobre ensino de italiano como língua de herança está sendo realizada; no entanto, o trabalho de resistência a favor da manutenção do italiano e dos dialetos estava presente na comunidade antes do início desta pesquisa. Se assim não fosse, a língua e a italianidade que encontramos nos núcleos familiares não estariam mais presentes após mais de meio século da fundação da colônia. Como afirma Canagarajah (2013, p. 57), grupos que zelam pela manutenção das identidades de herança, ao mesmo tempo em que adotam outra língua e outros valores, preferem não perder suas identidades de origem e constroem, assim, identidades translocais, transitam em diversas comunidades, mas mantêm uma base de valores e interesses. Este é o caso dos imigrantes de Pedrinhas Paulista.

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Recebimento: 30/10/2017 Aceite: 27/11/2017

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