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CORPO E PSIQUISMO: A PULSÃO COMO CONCEITO POTENCIAL. O presente texto discorre sobre a questão do corpo e da natureza na metapsicologia freudiana.

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“CORPO E PSIQUISMO: A PULSÃO COMO CONCEITO POTENCIAL”

Julia Trevisan

Eixo: Corpo na teoría

Palavras-chave:​ metapsicologia, corpo, pulsão.

Resumo:

O presente texto discorre sobre a questão do corpo e da natureza na metapsicologia freudiana. A partir de uma impressão inicial equivocada da autora, de que aprofundar-se no estudo desta obra significaria afastar-se do universo do corporal e instintivo, assim como da natureza, o trabalho revisa alguns escritos de Freud que falam destes temas, centrando-se particularmente no aspecto limite do conceito de pulsão. Propondo ser, este, fundamental para a continuidade da investigação psicanalítica contemporânea que vise a entender um pouco mais sobre a integração psicossomática, salienta que, para Freud, o corpo é parte da mente. Finalmente, traz algumas contribuições de André Green ao assunto, entre elas a proposição de rever toda a metapsicologia sob o ângulo do limite, e de conferir ao conceito de pulsão um lugar de importância central para a psicanálise, assim como Freud o fizera.

​“I’m not interested in how people move, but in what moves them”

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(Pina Bausch)

Introdução

Ao iniciar a minha formação neste instituto, como aluna do primeiro ano de seminários, tinha comigo a expectativa de aprofundar-me no belo universo da metapsicologia freudiana. De fato, assim foi, e vem sendo, esta agradável experiência. Contudo, algo me gratificou em particular. Eu pensava, e já agora me pergunto por que, encontrar uma metapsicologia desligada do corpo e das leis da vida. Trazia na lembrança, por exemplo, as críticas que ouvi ao “biologismo” de Freud. Talvez por minha formação médica, talvez por uma curiosidade mais genérica sobre o que nos move, gostei de me deparar com conceitos e teorias envolvendo o biológico, o corporal e o instintivo. Pretendo neste texto comentar alguns destes aprendizados, particularmente aqueles encontrados no estudo do termo ​Trieb, ass

​ im como trazer de que maneira algumas idéias de André Green enriqueceram minha

compreensão do tema.

Desenvolvimento

Foi a partir do corpo que Freud decolou para o universo da psicanálise. A beleza de seus escritos mostra este movimento, do somático para o psíquico, da sexualidade do corpo para a sexualidade da mente. Um de seus conceitos fundamentais, a pulsão, ou ​Trieb, reúne em si estes dois sentidos. Por toda a obra, até mesmo nos últimos escritos, o corpo está sempre presente. Por que razão então, teria eu imaginado que o estudo da metapsicologia me distanciaria dele? Esta é uma pergunta que procuro compreender.

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A partir de um entendimento de que cada teoria precisa ser respeitada em sua especificidade, a fim de obter-se dela seu melhor alcance explicativo e que o aprofundamento no estudo de uma ciência exige discriminá-la em um campo próprio, parecia-me necessário aquele distanciamento.

Em seu Projeto para uma Psicologia Científica (1950b[1895]), Freud faz uma tentativa de situar a psicanálise dentro de um modelo biológico, físico- químico. Esboça então o vértice econômico de sua metapsicologia, descrevendo as Qn(s), quantidades de energia interna. Estes postulados, que tratam os processos psíquicos como fenômenos de natureza físico-química no interior dos circuitos neuronais, permeiam a totalidade dos escritos técnicos do autor. As quantidades de energia, por exemplo, vêm a ser o complexo e abrangente conceito de pulsão.

Freud instalou a psicanálise em um campo próprio de estudo. O genial pesquisador desistiu de introduzir a psicologia no âmbito das ciências naturais. Em suas cartas a Fliess diz: ​“Não estou (...)nem um pouco predisposto a deixar a psicologia no ar sem uma base orgânica (...) mas preciso me conduzir como se somente o psicológico estivesse sob consideração”.

​ ​( Masson, 1985, p 326 in Sletvold)

A Interpretação dos Sonhos (Freud, 1900a) foi o corte epistemológico que fez nascer a psicanálise (Green, 2005). O sonho se apresenta como o grande representante do inconsciente, revelador de um estado vivo do corpo, orquestrando intimamente e com leis próprias os eventos físicos e psíquicos. Em Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria (Freud, 1905[1901]), a exuberância dos sintomas somáticos de Dora traz o corpo

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protagonizando a cena psicanalítica e comunicando algo que, não se sabe como, transbordou do psíquico.

Freud amplia o conceito de sexualidade. Diz ele: “O amor e a fome reúnem-se no seio de uma mulher”. (Freud, 1900, p 234). Ao tratar da existência de fontes de estimulação somática em zonas corporais específicas do desenvolvimento infantil, explica que no início de nossas vidas, as motivações de autoconservação e sexuais coincidem.

Considerado por Freud como o mais importante e também o mais obscuro objeto da pesquisa psicológica (1915, p 135), a pulsão pode ser um conceito chave para elucidar o incômodo e forçoso dualismo corpo e mente. A pulsão, do alemão ​Trieb

​ , é uma força que

nasce do corpo e quer satisfação, assim transmitindo-se para o psíquico. O estudo deste conceito revela que, para o pai da psicanálise, corpo e cérebro fazem parte da mente. Embora ele saliente que “​como pulsão, podemos entender,

a princípio (​grifo meu)​, apenas o

representante psíquico de uma fonte endossomática de estímulo que flui continuamente”

​ (Freud, 1905d, p159), a pulsão não é pensável sem corpo. A fonte (do alemão

Quelle

), ou seja, o soma, é por definição parte constituinte do ​Trieb (Green, 2005).

Em seus comentários introdutórios à edição brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud, Hanns (2004) explica que ​Trieb

​ , traduzido para o português por pulsão ou

instinto, é um termo comum da língua alemã, de ampla abrangência, com conotações ligadas às forças da natureza, à biologia, aos instintos e desejos.​Trieb

​ permite a Freud (1915) propor

um sistema complexo e dinâmico, em que as pulsões dançam entre o corpo, a psique, o consciente e o inconsciente. Trata-se de um termo com plasticidade para transpor o dualismo

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mente e corpo. Hanns salienta: ​“(...) Trieb emana da natureza, precipita-se historicamente nas espécies, ancora-se no somático e invade a vida psíquica arcaica como imperativo,(...) no psiquismo humano e na esfera da linguagem, ele as ultrapassa e se ressignifica, alterando-se profundamente,

sem jamais desligar-se do corpo” (grifo meu). (Hanns, 2004, p

143)

Em O Eu e o Id (1923b), Freud salienta que as sensações e os sentimentos corporais são a raiz do eu, embora pouco se conheça sobre esta relação. O inconsciente é muito mais do que o que foi apenas recalcado. É neste trabalho que está a famosa citação “ ​o Eu é sobretudo um Eu corporal”

​ . (Freud, 1923, p38). Ele diz: ​“Mas, se por um lado a relação das

percepções externas com o Eu é bastante evidente, por outro a relação das percepções internas com o Eu não o é(...). ( Freud, 1923, p35)

Mais adiante em sua obra (1940), ele explica que é como

se todos os fenômenos

humanos fossem pulsionalmente constituídos, e em todos os eventos psíquicos se encontrasse a erogeneidade do corpo. A citação é clara: “​O corpo inteiro é uma zona erógena”

​ (p 164).

“A Pulsão é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico”

(Freud

1905d, p159). André Green (1990), lembrando tradutores mais rigorosos, chama a atenção para o significado de ​Grenzbegriff

como conceito-limite e não conceito no limite. Para o

autor, isto é algo não muito compreensível, algo no “ ​limite do conceitualizável”, não sendo uma linha mas todo um território, e o limite em si devendo ser considerado como um conceito. Em suas Conferências Brasileiras, Green(1990) pergunta e responde: “ ​O que há de novo na psicanálise? Freud”

. Ele propõe rever toda a metapsicologia sob o ângulo do limite,

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afirmando que esta noção é onipresente na obra de Freud. Para ele essa é “ ​a chave da metapsicologia freudiana” (Green, 1999, p28). Com uma visão inovadora, mostra que há aí um universo instigante a ser explorado, do qual a pulsão é um ótimo representante e diz que na psicanalise contemporânea não se fala suficientemente da barreira somatopsiquica. “​Parece ter ocorrido o desparecimento do corpo real na psicanálise”,

diz ele.​“A psicanalise

vem “sacrificando” a pulsão”. Green, alerta para um​“reducionismo psicologizante”

(2005 p

56) e diz que a discrição dos meios psicanalíticos perante os fenômenos que indicam a importância das questões biológicas no entendimento do psiquismo é espantosa. Ele questiona: ​“teriam sido eles afetados pelo retorno do recalcado?”

​ (2005, p76).

No mesmo trabalho, Green (1990) traz as contribuições de Winnicott (1975) para entendermos a noção de limite e de espaços. Este autor introduziu o psiquismo na categoria do paradoxal, quando nos disse haver uma área intermediária, um campo transicional, um espaço que não é nem dentro, nem fora, no qual falha a lógica aristotélica da não contradição, suspende-se o julgamento e aceita-se a dúvida (Ogden,1995). Pois bem, em se tratando dos conceitos que envolvem o corpo e o psiquismo, particularmente a pulsão, parece que o paradoxo surge e sugere um território potencial (Ogden,1995), aberto ao pensamento criativo da psicanálise. A pulsão transpõe, anima o “​território entre o anímico e o físico

” de Freud

(1905 p159), sendo representante do que ainda temos por compreender da complexidade do nosso universo de estudo, particularmente no que tange ao processo de integração psicossomática.

Para dar conta das dúvidas neste campo, Green (2005) sugere uma teorização complementar à metapsicologia, que seria uma biologia além da consciência, uma

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“metabiologia”. “​A metabiologia teria por função esclarecer o impensável da psicologia, o que a metapsicologia freudiana começara a fazer” (

p 76). A conclusão deste autor neste

artigo merece transcrição literal:​“(...)a razão principal que me incita a continuar defendendo o conceito de pulsão é porque somente ele fala daquilo que nos impele a viver, nos retém à vida, nos convida a explorar sua diversidade e põe em movimento nossa capacidade de investir em outros campos, alargando nossos horizontes, para que neles descubramos aquilo para o que nosso desejo é atraído”

​ (Green, 2005 p 81).

Conclusão

Compreendo que a psicanálise tenha se distanciado do corpo e da biologia, a fim de desenvolver-se como ciência autônoma e rica. Assim eu imaginei seriam os conteúdos estudados em meu primeiro ano de seminários neste instituto. Contudo, seu conceito fundamental, a pulsão, tem em si um elemento fecundo de estudo, quando fala da força que nos move e a situa como sendo corpo e sendo mente, ao mesmo tempo, numa definição onde falha a lógica e se apresenta o desconhecido. Ainda não conseguimos articular estes conceitos, embora o psíquico não seja concebível sem o corporal. Indo além, somos vividos por esta força (Freud 1923, O eu e o id) ​, que se movimenta através de nosso corpo, de nossa mente e de nossas relações.

Graças a Freud, as células iniciais da psicanálise (perdoem-me também o biologismo da metáfora) foram discriminadas, ganhando autonomia, vida própria e sofrendo sucessivas transformações, com adição de novas partes ao longo do tempo, chegando a um organismo amplo e complexo, talvez infinito. Talvez pela questão científica, talvez porque, como nos

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coloca Green, quanto a este assunto ainda tenhamos o recalcado, ou ainda porque sempre há desconforto na dúvida, eu tenha pensado daquela maneira. Felizmente me equivoquei. O conceito central de pulsão confere ao corpo, e também à natureza, seu lugar de origem no brotar da psicanálise. Corpo e mente na verdade são indissolúveis. De qualquer maneira, parece que é mesmo assim, no terreno da dúvida, do paradoxo e do inapreensível, que temos um lugar para a experiência criativa da ciência e da vida.

Referências Bibliográficas

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