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CONTATO LINGUÍSTICO ENTRE O PORTUGUÊS DO BRASIL E O ESPANHOL DA REGIÃO DO RIO DA PRATA: O (PRE)CONCEITO DO APORTE DAS LINGUAS AFRICANAS

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CONTATO LINGUÍSTICO ENTRE O PORTUGUÊS DO BRASIL E O ESPANHOL DA REGIÃO DO RIO DA PRATA: O (PRE)CONCEITO DO APORTE DAS

LINGUAS AFRICANAS

PASTAFIGLIA, M., UNESC – CRICIÚMA; SCHNEIDER, C. I. UFSC – FLORIANÓPOLIS

Introdução:

As línguas espanhola e portuguesa possuem uma longa história de contato lingüístico e de empréstimos mútuos. No caso do português do Brasil e do espanhol da Argentina, por sua proximidade geográfica e por seu desenvolvimento histórico-social, observa-se que ambas as línguas possuem parte do seu léxico em comum, particularmente no que se refere ao aporte das línguas africanas introduzidas nessa região no período da escravidão. É com o olhar voltado para esse contato linguístico e para os empréstimos lexicais que o presente trabalho promove um estudo de caso: a análise de alguns empréstimos lexicais das línguas africanas no português do Brasil e no espanhol do Rio da Prata.

Para o melhor entendimento de como os vocábulos de uma língua são incorporados à outra, propõe-se, primeiramente, uma visão ampla sobre os tipos de empréstimos linguísticos. Em seguida, apresenta-se um breve histórico do contato linguístico entre o português do Brasil e o espanhol do Rio da Prata a fim de contextualizar esses empréstimos lexicais. Por fim, faz-se um estudo de caso de um conjunto de palavras de origem africana, incorporadas tanto ao português quanto ao espanhol da região estudada, analisando os principais dicionários etimológicos de ambas as línguas e verificando os campos semânticos aos quais estão relacionadas. Pretende-se, assim, assinalar a situação de interação destas diferentes línguas, em especial, os empréstimos lexicais.

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Nas situações de contato linguístico, há sempre interação de comunidades lingüísticas nas quais membros de uma comunidade interagem com membros de outra. Pode acontecer que o contato entre diferentes comunidades lingüísticas ocorra, em grande parte, sob condições de desigualdade social resultantes de guerras, conquistas, ou escravidão. Em tais situações, geralmente, a comunidade linguística minoritária sofre a imposição da língua do grupo dominante. Mattoso Câmara Júnior (2000, p. 104-105), baseando-se no linguista norte-americano Leonard Bloomfield, classifica os empréstimos lingüísticos em três tipos:

a) Os empréstimos lingüísticos culturais: aos que pertencem todos os vocábulos adquiridos por meio de relações políticas, comerciais ou culturais entre povos de países diferentes.

b) Os empréstimos lingüísticos íntimos: aqueles apreendidos quando duas ou mais línguas coexistem num mesmo território,

c) Os empréstimos lingüísticos dialetais: que resultam de falares de uma mesma língua, ou seja, da variabilidade lingüística regional, das variantes sociais e jargões especializados.

Dentre os empréstimos íntimos, pode ser considerada a imposição lenta e gradual da língua dos conquistadores, quando a língua dos vencedores é imposta aos vencidos que permaneceram dentro do seu esquema social, assimilando a nova língua e cultura. Nesse caso, também acontece que da língua do povo vencido, reste parte do léxico, que passa a ser denominado “substrato lingüístico”, e que, por sua vez, passa à língua dos vencedores, sendo considerado um tipo de empréstimo íntimo. Von Wartburg e Ulmann (1975, p. 103-104), observam que esse substrato que fica das línguas dominadas e que se incorpora à língua dominante, geralmente se manifesta só em “determinados” campos semânticos, geralmente relacionados a conceitos de baixo prestigio social, no que pode ser considerado um caso de “preconceito” linguístico.

Nossa hipótese inicial é que os africanismos presentes tanto no espanhol do Rio da Prata e no português do Brasil são produto do substrato de várias línguas e dialetos trazidos pelos escravos, tais como o quimbundo, quicongo, umbundo, etc., e que a maioria dos vocábulos pertencem a campos semânticos de menor prestigio social ou que adquiriram carga negativa ou preconceituosa por parte da sociedade.

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A história do contato linguístico entre o português e o espanhol é tão antiga que começa com o próprio surgimento destes dois idiomas. Esse contato e os consequentes empréstimos mútuos originados na Península Ibérica mantiveram-se também nos territórios coloniais de América do Sul, quando, a partir do século XVI, ambas as coroas expandiram seus impérios neste continente. É possível observar que tais empréstimos se realizaram, com particular riqueza, na região geográfica que abarca o sul do Brasil e a bacia do Rio da Prata. A essa realidade sul americana, que já começava a diferenciar-se das suas origens peninsulares, devemos acrescentar o aporte de outro grupo linguístico, o das línguas e dialetos trazidos pelos escravos africanos.

O aporte linguístico africano

Segundo Conde (2012, p. 210), as línguas que chegaram ao Brasil no período colonial, pertenciam em sua maioria ao grupo de línguas da família níger-congo ou bantú. Dentre elas, se destacam o nagú ou ioruba – do grupo guineo-sudanés – e o quimbundo, língua dos bantú do centro e norte de Angola. Por sua vez, na região do Rio da Prata, a maioria dos escravos introduzidos era originaria de Angola, Congo e Moçambique, trazendo consigo as línguas e dialetos do grupo lingüístico bantú. Encontramos assim, predominantemente na bacia do Rio da Prata, as seguintes línguas: o quicongo, originário do Congo e do norte de Angola, o quimbundo, falado na região central de Angola e o umbundo, falado no sul da Angola e na Zâmbia.

As coroas de Portugal e da Espanha tacitamente proibiam que os escravos falassem suas respectivas línguas de origem e com castigos corporais ou, reunindo grupos de diferentes procedências, desestimulavam a prática do idioma materno, por temor que a comunicação entre eles, sem poder ser compreendida pelos seus amos, favorecesse possíveis rebeliões. Dessa forma, como afirma Rossi (2001, p. 37), o idioma materno do escravo foi se perdendo, conservando-se apenas algumas palavras ou expressões, mas impossibilitando a permanência do domínio e da fluência nessa língua. O escravo chegado ao território colonial era impelido a se comunicar em português ou em espanhol, e aquele que não conseguia falar ou fazer-se compreender minimamente na língua dos amos, era chamado pejorativamente de “boçal” (em alusão ao boçal colocado nos animais para imobiliza-lhes a boca). Os tratantes de escravos portugueses difundiram este termo entre os espanhóis, e assim a palavra “bozal”, em espanhol, passou denominar o negro que “não sabe outra língua que não a sua” e por extensão a pessoa ignorante. No entanto, apesar das proibições, dos castigos, e principalmente do

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preconceito racial, um amplo léxico das diversas línguas africanas foi incorporando-se tanto ao português quanto ao espanhol desta parte de América, passando a integrar o léxico desses idiomas.

No processo de empréstimos linguísticos mútuos entre o português do Brasil e o espanhol da região do Rio da Prata, o grupo lexical de africanismos é bastante considerável. Se bem que, na maioria dos casos, considera-se que os africanismos primeiro foram adotados no português brasileiro para depois passar ao espanhol, como destaca Conde (2011, p. 209). No entanto, não é fácil determinar se um africanismo incorporou-se ao espanhol riopratense por intermédio do Brasil ou foi tomado diretamente dos escravos que também chegaram ao Rio da Prata.

Africanismos presentes no português brasileiro e no espanhol do Rio da Prata

Analisando os dicionários de Buarque de Holanda Ferreira (para o português) e de Barcia (para o espanhol), pudemos observar que o substrato linguístico de origem africana compartilhado por ambas as línguas, na maioria dos casos, pertence a campos semânticos particulares: vocábulos das religiões africanas (com traços semânticos relacionados à feitiçaria ou ao paganismo: macumba, mandinga, candomblé, etc.), de profissões (de baixa categoria social: mucama, capanga, etc.), de castigos físicos (marimba), de práticas festivas (com traços semânticos de desordem, prostituição ou indecência: quilombo, candombe, etc.), de características físicas ou morais das pessoas (com traços semânticos depreciativos: fulo, milonguero, etc.).

Analisaremos a continuação alguns dos exemplos mais divulgados:

Quilombo: do quimbundo “kilombo”, com o significado de “união”. Designa no Brasil o refugio dos escravos fugidos das plantações, como o famoso “Quilombo dos Palmares”. Passou ao espanhol riopratense com modificação semântica do termo, que adquire o significado de “prostíbulo”, e mais tarde de “desordem”, segundo Espíndola (2002, p. 417), de maneira preconceituosa, se acreditava em uma suposta falta de organização e de preceitos morais das comunidades quilombolas;

Batucada: do bantú “batchuque”, que significa “tambor”. No Brasil, segundo Buarque de Holanda (1975, p.193): “Ato de martelar, de fazer barulho”. Designação comum às danças negras acompanhadas por instrumentos de percussão. No espanhol riopratense, por extensão: manifestação musical pouco acadêmica com muito ruído ou barulho;

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Mandinga, no Brasil, com significado de “feitiço”, “bruxaria”. Provêm do nome de uma região da Guiné, na África, onde habitava o povo do mesmo nome. Estes eram tidos como grandes mágicos e curandeiros. “Feitiço”, “bruxaria”, que para a religião católica estava relacionada às práticas demoníacas, no Rio da Prata, passou a ser uma das denominações do “demônio”, segundo Barcia (2003, p. 384).

Marimba, do quimbundo “marimba”, é instrumento musical de percussão. Muito utilizado e conhecido no Brasil, passou ao espanhol coloquial com o significado de “dar golpes, castigar com golpes a alguém, castigo físico”, por relacionar aos golpes dados no instrumento para executá-lo.

Considerações finais:

À guisa de conclusão, ressaltamos que africanismos em quantidade considerável foram incorporados como substrato lingüístico ao espanhol do Rio da Prata e ao português brasileiro. Os dicionários analisados comprovam o que o uso efetivo de ambas as línguas tem perpetuado ao longo dos anos, pois, em um período em que os escravos negros sofriam toda sorte de maus-tratos, observa-se que o preconceito que sofriam por sua raça, por sua cor e seus credos alcançava até mesmo o campo semântico, pois muitas palavras de origem africana em nosso vocabulário designam seres ou objetos que recebem carga negativa ou preconceituosa por parte da sociedade em geral, como: mandinga, candombe/candomblé, macumba, entre outros, comprovando assim, nossa hipótese inicial. Obviamente não restaram apenas palavras pejorativas ou preconceituosas, mas observa-se que muitas delas, originalmente com uso diferenciado, passaram ao uso cotidiano do português e do espanhol das áreas estudadas trazendo consigo essa carga negativa.

Palavras-chave: contato lingüístico; português; espanhol;

Referências:

BARCIA, P. L. Diccionario del habla de los argentinos. Academia Argentina de Letras. 2° ed. Espasa Ed., Buenos Aires, 2003.

BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA. Novo Dicionário Aurélio. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1975.

CONDE, O. Lunfardo: un estudio sobre el habla popular de los argentinos.Taurus Ed., Buenos Aires, 2011.

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ESPINDOLA, A. Diccionario del lunfardo. Ed. Planeta, Buenos Aires, 2002.

MATTOSO CÂMARA Jr, J. Dicionário de lingüística e gramática. Editora Vozes, Petrópolis, 2000.

ROSSI, V. Cosas de negros. Taurus Ed., Buenos Aires, 2001.

VON WARTBURG, W; ULMANN, S. Problemas e métodos da linguística. Difel Ed., São Paulo, 1975.

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