ANEURISMA DA ARTÉRIA CEREBELAR
ÂNTERO-INFERIOR
Relato de caso
Juan Oscar Alarcón Adorno
1, Guilherme Cabral de Andrade
2RESUMO - Os aneurismas intracranianos do sistema vértebro-basilar representam cerca de 5 a 10% de todos os aneurismas cerebrais. Os aneurismas da artéria cerebelar ântero-inferior (AICA) são considerados raros, podendo causar síndrome do ângulo ponto cerebelar, com ou sem hemorragia subaracnóidea. Desde 1948, foram descritos poucos casos na literatura. Apresentamos o caso de uma paciente, de 33 anos, na qual, após investigação de quadro de hemorragia subaracnóidea, diagnosticou-se aneurisma sacular da AICA esquerda. Foi submetida a clipagem do aneurisma, com ótimo resultado pós operatório.
PALAVRAS-CHAVE: aneurisma cerebral, artéria cerebelar ântero inferior, hemorragia subaracnóidea. Aneurysm of the anterior inferior cerebellar artery: case report
ABSTRACT - The intracranial aneurysms of the posterior circulation have been reported between 5 and 10% of all cerebral aneurysms and the aneurysms of the anterior inferior cerebellar artery (AICA) are considered rare, can cause cerebello pontine angle (CPA) syndrome with or without subarachnoid hemorrhage. Since 1948 few cases were described in the literature. We report on a 33 year-old female patient with subarachnoid hemorrhage due to sacular aneurysm of the left AICA. She was submitted to clipage of the aneurysm without complications.
KEY WORDS: cerebral aneurysms, anterior inferior cerebellar artery, subarachnoid hemorrhage.
Serviço de Neurocirurgia do Hospital Municipal Dr Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo), São Paulo SP, Brasil: 1Doutor em
Neurocirurgia pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), Chefe do Serviço de Neurocirurgia;
2Neurocirurgião Assistente, Pós Graduando da UNIFESP-EPM.
Recebido 26 Abril 2002, recebido na forma final 20 Junho 2002. Aceito 8 Julho 2002.
Dr. Guilherme Cabral de Andrade - Avenida Dr. Altino Arantes 865/62 - 04042-000 São Paulo SP - Brasil. E-mail:cabralnec@uol.com.br
Os aneurismas cerebrais da circulação posterior têm sido relatados com frequência que varia de 3,3 a 29,5% de todos os aneurismas, com média em torno de 15%1-4. Destes, os mais comuns são os loca-lizados: na bifurcação e tronco da artéria basilar; na artéria cerebelar postero inferior (PICA) e sua junção com a artéria vertebral; na artéria cerebelar superior e sua junção com a artéria basilar; e, finalmente, os aneurismas localizados na artéria cerebelar ântero-inferior (AICA). Aneurismas da AICA são descritos desde 1948, quando foi relatado o primeiro caso por Schwartz1, porém são extremamente raros e atin-gem de 0,1 a 0,5% de todos os casos de aneurismas da circulação posterior2. A maioria dos casos de aneu-risma da AICA possui localização distal, na região do ângulo ponto cerebelar e apenas 3 casos dos des-critos na literatura possuíam localização no segmen-to medial da AICA em território da artéria auditiva
interna (IAA). Até 2002, existem duas revisões da literatura2,4 com o total de 61 casos relatados. A mai-oria destes aneurismas, excluindo os da junção da artéria basilar com a AICA, causam hemorragia suba-racnóidea (HSA). Clinicamente apresentam-se com quadro de HSA, podendo associar-se com sinais cere-belares, medulares ou de nervos cranianos baixos. Porém, alguns casos mimetizam uma síndrome do ângulo ponto cerebelar, fazendo com que faça par-te do diagnóstico diferencial da síndrome do ângulo ponto cerebelar. Acrescentamos mais um caso aos já relatados, além de realizar nova revisão da literatura.
CASO
Mulher de 33 anos, foi admitida em 18/agosto/2000, com história de cefaléia súbita de forte intensidade, em repouso. Possuía antecedente de hipertensão arterial es-sencial em tratamento com o uso de anti-hipertensivo (ini-bidor da ECA). Durante a admissão, encontrava-se
sono-lenta porém orientada, com abertura ocular aos estímulos verbais, sem déficits apendiculares, pupilas isocóricas, PA de 170x120mmHg, com avaliação pela escala de Hunt & Hess grau III. A paciente foi submetida a tomografia com-putadorizada de crânio (TC) (Fig 1A e 1B) que evidenciou HSA difusa, inundação ventricular com presença de sangue no interior do III e IV ventrículos, com classificação do grau de sangramento grau IV na escala tomográfica de Fischer. Evoluiu com melhora do nível de consciência e Glasgow de 15 pontos. Realizou angiografia cerebral (Fig 2A) que evidenciou um aneurisma sacular da AICA esquerda em seu segmento medial. Em 18/setembro/2000, a paciente foi a abordagem cirúrgica direta da lesão. A paciente foi colocada em posição de ¾ de prona, realizando-se o acesso a fossa posterior através de craniectomia retromastóidea esquerda, com microdissecção da AICA e domus do aneu-risma e do seu colo, além do VII e VIII nervos cranianos. Realizou-se a clipagem direta do colo aneurismático (Fig 3A e 3B, 4A e 4B ). No período pós-operatório apresentou
alteração da marcha com dificuldade para deambular e discreta paresia do VII nervo esquerdo.
Recebeu alta hospitalar em 27/setembro/2000 em óti-mas condições clínicas, sem a déficits neurológicos. Reali-zou angiografia de controle pós operatório (Fig 2B) mos-trando exclusão total do aneurisma.
DISCUSSÃO
Os aneurismas da circulação cerebral posterior compreendem em média 15% de todos os aneuris-mas intracranianos. Dentre estes, os menos comuns são os aneurismas da AICA, com frequência inferior a 1%. Anatomicamente, a região do ângulo ponto cerebelar é variável, porém a AICA possui dois ra-mos importantes: a artéria auditiva interna (IAA) e a artéria labiríntica. A IAA localiza-se próxima ao “loop” da AICA, que por sua vez encontra-se próximo ao VII e VIII nervos cranianos. O “loop” da AICA pode
Fig 1A e 1B. Cortes axiais de tomografia computadorizada de crânio, que mostra hemorragia subaracnóidea difusa com hemoventrículo e Fisher de IV.
Fig 2A e 2B. Angiografia cerebral da artéria vertebral esquerda, mostrando dilatação aneurismática sacular da artéria cerebelar antero inferior (Fig 2A), e angiografia pós operatória, mostrando o clipe aneurismático (Fig 2B).
Fig 3A. Foto microcirúrgica mostrando a região do ângulo ponto cerebelar esquerda, visualizando-se dilata-ção aneurismática sacular em artéria cerebelar antero inferior (AICA).
estar presente em 45 a 87% dos pacientes5,6. A sua origem na artéria basilar pode ser simples em 72% dos casos, duplicada em 26% e triplicada em 2%6.
Atikinson7 notou uma inversão da relação do ta-manho da PICA e AICA, podendo auxiliar o cirurgião quando necessita decidir qual delas possui o maior fluxo sanguíneo não só para as estruturas do ângu-lo ponto cerebelar como também da ponte e
cere-belo. Os aneurismas de AICA em sua maioria se origi-nam em torno da IAA, na região do ângulo ponto cerebelar, às vezes com extensão para o conduto au-ditivo interno. Desta maneira, a maioria dos casos apresenta como sinais mais comuns a disfunção de nervos cranianos, sendo os mais acometidos o VII e o VIII nervos cranianos. O V e VI nervos cranianos são raramente acometidos. Há relato de dois casos cuja sintomatologia decorreu exclusivamente do
Fig 3B. Desenho esquemático do campo cirúrgico da região do ângulo ponto cerebelar esquerda, com as estruturas anatômicas indicadas pelas setas.
Fig 4B. Desenho esquemático da Fig 4A, após clipagem do aneurisma.
cometimento do V nervo: os pacientes apresentaram trigeminalgia8,9, sendo um deles o único caso relata-do de aneurisma gigante da AICA9. Casos que se apre-sentaram clinicamente com hemiespasmo facial tam-bém são referidos10. Os nervos cranianos mais baixos, IX, X, XI e XII, raramente são acometidos.
Outros sinais e sintomas como cefaléia, náuseas, vômitos, nistagmo e HSA são também frequente-mente encontrados. São relatados distúrbios da IAA,
como também a erosão ou alargamento ósseo do conduto auditivo interno causados por pulsação aneu-rismática11,12. Dalley e col.11 sugerem dividir os aneu-rismas da AICA em duas categorias: 1) aqueles que evoluem com HSA e envolvimento do VII e VIII ner-vos cranianos e 2) os insidiosos, que geralmente se apresentam com sintomas de processo expansivo da região do ângulo ponto cerebelar. A média de idade dos casos descritos foi 44 anos, variando dos 20 aos 69, não havendo diferença significativa entre homens
Fig 4A. Foto microcirúrgica da região do ângulo ponto cerebelar esquerda, mostrando clipagem do colo aneurismático de aneurisma da AICA.
Tabela 1 . Resumo dos casos de aneurismas de artéria cerebelar antero inferior, desde a primeira publicação (1948) até o ano de 2002.
Autor Ano Idade Sexo Apresentação
1 Schwartz 1948 27 fem Cefaléia,vômitos,ataxia,nistagmo, V eVII nervos 2 Krayenbühl e Yasargil 1957 69 ? Tinitus, V e VII nervos
3 Castaigne e col. 1967 62 fem Cefaléia, vômitos,tinitus,VII nervo
4 Weibel e col. 1967 61 fem Cefaléia,confusão mental,covulsão,disfasia,diplopia, VII nervo 5 Hitselberg e Gardner 1968 ? ? VII nervo
6 Glasscock 1969 49 masc V e VIII nervos
7 Hori e col. 1971 35 fem Cefaléia,vômitos,nistagmo,VII e VIII nervos 8 Malter e Robertson 1971 41 fem Hipertensão intracraniana, VI ao XII nervos 9 Porter e Eyster 1973 20 fem Cefaléia,hemiparesia direita,VII e VIII nervos 10 Benedetti e col. 1975 49 fem Cefaléia,náusea,latero pulsão, VII VIII nervos
11 Johnson e Kline 1978 54 masc Cefaléia,náuseas,vômitos,rigidez nucal,VII e VIII nervos
12 Mori e col. 1978 48 masc VIII nervo
13 Higuchi e col. 1978 53 masc Cefaléia,náuseas,vômitos,VIII nervo 14 Takara e col. 1980 56 fem Cefaléia,náuseas,vômitos,VIII nervo 15 Zlotnik e col. 1982 44 fem Cefaléia,vertigem,V e VIII nervos 16 Pelliccioli e col. 1982 ? ? Cefaléia,VIII nervo
17 Cantore e col. 1982 35 masc V,VII e VIII nervos
18 Nishimoto e col. 1983 48 fem Cefaléia,náuseas,vômitos,rigidez nucal,VIII nervo Cefaléia,náuseas,vômitos,VII e VIII nervos 1983 63 fem Dor orbital,diplopia,VII e VIII nervos
1983 40 masc HSA
19 Gács e col. 1983 28 fem HSA,diplopia,sindrome cerebelar e medular 1983 59 fem HSA,sindrome cerebelar
20 Nakagawa e col. 1984 40 fem Cefaléia,vômitos,vertigem,VIII nervo
21 Matsubara e Sakamura 1985 47 fem Cefaléia,vômitos,sinais cerebelares,V e VIII nervos 22 Dalley e col. 1986 21 fem VII e VIII nervos
23 Ueki e col. 1986 54 fem Síndrome de Horner
24 Uede e col. 1986 51 masc Vertigem,VIII nervo
1986 42 fem Cefaléia,náuseas,vômitos,VII e VIII nervos 25 Kamano e col. 1986 58 fem Cefaléia,vertigem,rigidez nucal,VII e VIII nervos 26 Nowak e col. 1986 63 fem Cefaléia,náuseas
27 Fukuia e col. 1987 60 masc Cefaléia,vertigem,náuseas,rigidez nucal,nistagmo, VIII nervo 1987 72 fem Cefaléia, V,VII e VIII nervos
28 Kaech e col. 1987 44 masc HSA
29 Inoue e col. 1987 43 fem HSA,VIII nervo
30 Ookura e col. 1987 61 fem HSA
31 Gleeson e col. 1989 57 fem VIII nervo
32 Kiya e col. 1989 64 fem Cefaléia,vômitos,VII e VIII nervos 33 Kamii e col. 1989 20 fem Cefaléia,vômitos,convulsão 34 Kumon e col. 1990 38 fem Cefaléia,vômitos
35 Takase e col. 1990 46 masc HSA
36 Sugawara e col. 1991 46 fem HSA
37 Oana e col. 1991 44 fem Cefaléia,vômitos
38 Zager e col. 1991 25 fem Cefaléia,nauseas,rigidez nucal,V nervo
39 Fuse e col. 1992 53 fem Cefaléia,vômitos
1992 48 fem Cefaléia,vômitos
40 Rinehart e col. 1992 25 masc Cefaléia,vômitos,rigidez nucal
41 Hada e col. 1993 62 fem HSA
42 Mochida e col. 1993 72 fem HSA
43 Pritz 1993 33 masc Cefaléia crônica intratável
1993 21 masc Cefaléia,náuseas,vômitos,rigidez nucal
1993 41 masc Cefaléia, náuseas,vômitos,meningismo,confusão mental
44 Matsumoto e col. 1993 49 fem HSA
45 Kamiya e col. 1994 60 masc Cefaléia,náuseas 1994 71 masc HSA.VIII nervo
46 Honda e col. 1994 62 fem HSA
47 Yokoyama e col. 1995 38 fem HSA
48 Kyoshima e col. 1995 61 fem HSA
49 Spallone e col. 1995 46 fem HSA
50 Ildan e col. 1996 43 fem V nervo
51 Banczerowski e col. 1996 49 fem Cefaléia occiptal,náuseas,vômitos
52 Mizushima e col. 1999 55 fem Crise convulsiva tônico-clônica generalizada
e mulheres. Não ocorre também diferença entre a lateralidade dos aneurismas, sendo praticamente igual entre os lados direito e esquerdo2,4.
O exame de escolha para o diagnóstico definiti-vo é a angiografia cerebral. Nos casos de alargamen-to do condualargamen-to auditivo interno, a TC é recurso usa-do para auxílio no diagnóstico diferencial da lesão. Os resultados cirúrgicos podem ser definidos como: excelentes, quando não há déficits neurológicos ou há regressão de déficits pré-existentes; bom, quan-do ocorre lesão parcial ou total de um único nervo craniano; ruim, quando mais de um nervo craniano é acometido; e óbito.
São poucos os casos descritos na literatura des-de 1948 (total des-de 61 casos), em duas revisões da literatura até a presente data2,4 (Tabela 1).
Em conclusão, os aneurismas de AICA, apesar de sua frequência pouco representativa no universo dos aneurismas cerebrais, menos de 1% destes, devem sempre ser considerados no diagnóstico diferencial da síndrome do ângulo ponto cerebelar. Uma vez diagnosticados, dois aspectos importantes devem ser considerados do ponto de vista cirúrgico: a íntima relação com o VII e VIII nervos cranianos, o que ele-va o risco de lesão destes durante a cirurgia; e o cuidado em preservar artérias terminais que tam-bém se originam na proximidade da região em que surge o maior número de aneurismas da AICA,
arté-ria auditiva interna e a artéarté-ria labiríntica. Este cuida-do é importante mesmo havencuida-do um sistema anastomótico entre o sistema carotídeo e o osso tem-poral porque este sistema pode suprimir o fluxo san-guíneo da cóclea e labirinto.
REFERÊNCIAS
1. Schwartz HG. Arterial aneurysm of the posterior fossa. J Neurosurg 1948;5:312-316.
2. Mizushima H, Kobayashi N, Yoshiharu S, et al. Aneurysm of the distal anterior inferior cerebellar artery at the medial branch:a case report and review of the literature. Surg Neurol 1999;52:137-142.
3. Fukuya T, Kishikawa T, Kudo S, Kuwano H, Matsumoto S, Fujii K.Aneurysms of the peripheral portion of the anterior inferior cerebellar artery; report of two cases. Neuroradiology 1987;29:493-496. 4. Banczerowski P, Sipos L, Vajda J. Aneurysm of the internal auditory
artery:our experience and review of the literature.Acta Neurochir (Wien) 1996;138:1157-1162.
5. Johnson JHJr, Kline DG.Anterior inferior cerebellar artery aneurysms: case report. J Neurosurg 1978;48:455-460.
6. Martin RG, Grant JL, Peace D,T heiss C, Rhoton AL.Microsurgical relationships at the anterior inferior cerebellar artery and the facial-vestibulocochlear nerve complex. Neurosurgery1980;6:483-507. 7. Atkinson WJ.The anterior inferor cerebellar artery: its variation, pontine
distribution and significance in surgery of cerebello pontine angle tumors. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1949;12:137-151.
8. Cantore GP, Ciappetta P, Vagnozzi R, Bazzao L.Giant aneurysm of the anterior inferior cerebellar artery simulating a cerebellopontine angle tumor.Surg Neurol 192;18:76-78.
9. Ildan F, Göcer AI, Bagdatoglu H, Uzuneyupoglu Z, Tuna M,Cetinalp E.Isolated trigeminal neuralgia secondary to distal anterior inferior cerebellar artery aneurysm. Neurosurg Rev 1996;19:43-46.
10. Gardner WJ.Concerning the mechanism of trigeminal neuralgia and hemifacial spasm. J Neurosurg 1962;19:947-958.
11. Dalley RW,Robertson WD,Nugent RA,Durity FA. Computed tomography of anterior inferior cerebellar artery aneurysm mimicking an acoustic neuroma. J Comput Assist Tomogr 1986;10:881-884. 12. Gleeson MJ, Cox TCS, Strong AJ. Aneurysm of the anterior inferor
cerebellar artery mimicking an intracanalicular acoustic neuroma.J Laryngol Otol 1989;103:107-110.