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Capítulo 10 CONSERVANDO AS TARTARUGAS NA BACIA DO RIO NEGRO

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Academic year: 2021

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CONSERVANDO AS TARTARUGAS

NA BACIA DO RIO NEGRO

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CONSERVANDO AS TARTARUGAS NA BACIA DO RIO NEGRO

Larissa Schneider¹ ², Camila R. Ferrara¹, Richard C. Vogt¹, Joanna Burger³

¹Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Av. André Araújo, 2936, Aleixo, Caixa Postal 478, CEP 69060-001, Manaus, AM; ²Institute for Applied Ecology. University of Canberra. Austrália. ³Department of Ecology, Evolution, and Natural Resources, and Environmental and Occupational Health Sciences Institute, Rutgers University, USA.

Apesar das tartarugas serem bem protegidas pelas leis brasileiras, em muitos lugares da Amazônia essas leis são ignoradas. O consumo histórico e tradicional das tartarugas e o intenso comércio ilegal na Bacia do Rio Negro revelam que as espécies podem ser levadas à extinção futuramente. No entanto, alternativas práticas podem ser levadas em consideração pelo governo, ONGs e pesquisadores para mudar esta realidade e preservar as populações de tartarugas do Rio Negro para as gerações futuras.

A floresta Amazônica é uma das maiores riquezas naturais do mundo com um con- junto único de diversos seres vivos. Devido a isso, a floresta Amazônica possui um reco-nhecimento internacional como uma reserva de serviços ecológicos não somente para seus habitantes locais, mas também para o resto do mundo. No entanto, muitas pessoas sem cons-ciência ambiental agem de forma errada, levando as espécies amazônicas nativas à extinção por não valorizarem a riqueza natural do ambiente em que vivem. Por exemplo, apesar do tráfico ilegal de animais selvagens ser considerado um crime sério no Brasil, na Amazônia ainda existe contrabando de animais silvestres em larga escala. O contrabando de animais silvestres é o terceiro maior tráfico no Brasil, depois do de drogas e de armas, movimentando milhões de dólares em comercialização (WWF 1995).

Infelizmente, a maioria das pessoas que são contra o consumo de animais silvestres e se preocupam somente com doenças e contaminantes, e não com a proteção dos animais. No entanto, o consumo de animais silvestres tem conseqüências, não somente para o con-sumo humano, mas para os próprios animais. Como exemplo disso é possível citar a domes-ticação de animais, como o gato doméstico que os colonizadores europeus levaram para os Estados Unidos centenas de anos atrás. Desde aquele tempo, os gatos se multiplicaram e em alguns casos os animais de estimação passaram a ser animais indesejados e predadores semi--selvagens (Coleman; Temple; Craven, 2008). Apesar de serem considerados um problema nas residências, os gatos de vida livre afetam outros animais, geralmente distante da visão das pessoas. Um segundo problema que o homem cria ao usar a vida selvagem é a sobre caça/ pesca, que leva, freqüentemente, a perda de biodiversidade irreversível. Sem dúvida nenhuma

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este é o efeito humano mais significante para as espécies animais da Amazônia, e em muitos casos, a destruição humana ou uso de uma espécie ultrapassa a habilidade da espécie repopu-lar seu habitat natural.

A superexploração dos animais freqüentemente acontece quando estes são aprecia-dos pelos humanos, seja para consumo ou para entretenimento. Essa apreciação pode surgir por interesses pelos animais para a de caça amadora ou profissional, tais como patos, veados, tigres e outros animais bem como uma apreciação como iguaria, como é o caso das tartaru-gas da Amazônia. O fato de as tartarutartaru-gas serem animais muito apreciados como alimento tem gerado um mercado negro e contrabando fora de controle ao longo da Amazônia e o governo tem conduzido políticas públicas insuficientes para combater esse tráfico. As opera-ções de contrabando não são somente cruéis, com muitos animais morrendo neste processo especialmente nas etapas de transporte (Figura 1), mas também coloca populações selva-gens em perigo porque a superexploração para o mercado ilícito pode rapidamente causar a extinção (Sharma, 2002). As tartarugas são transportadas em engradados, dentro de sacos de estopa, ou camufladas em condições precárias. Alguns indivíduos morrem durante este processo antes de chegar ao destino final. Mesmo considerando que o mercado negro de tartarugas apresenta um risco considerável para o ecossistema Amazônico, existem poucos estudos descrevendo a extensão do comércio ilegal nesta área.

Como o impacto humano está aumentando sobre o meio ambiente em escala local, regional e global, é necessário que surjam estratégias regionais para proteger a biodiversidade face ao crescimento demográfico humano e ao desenvolvimento econômico. Neste sentido, é importante examinar os efeitos do consumo humano na viabilidade de manutenção de populações de animais selvagens.

Figura 1. Extrativismo animal de tartarugas e transporte ilegal em caixas expostas ao sol, para o mercado

con-sumidor da cidade de Manaus, AM. Foto: Joanna Burger.

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Na Amazônia, o uso de animais selvagens pela população freqüentemente está em desarmonia com as estratégias de conservação. Embora a extinção das tartarugas afete di-retamente a comunidade local, nesta região é muito claro observar que o crescimento da população local ao longo dos rios e a necessidade de dinheiro para comprar comida para as grandes famílias, alimentam um mercado ilegal lucrativo de tartarugas o qual cresce a cada dia, de acordo com o aumento populacional.

Durante os dois anos de pesquisas desenvolvidas no Projeto Fronteira, a equipe de pesquisadores de quelônios do INPA executou estudos de ecologia, coletando informações sobre o uso das tartarugas em 12 afluentes do Rio Negro para entender a dinâmica de suas populações nestas áreas e fornecer alternativas para que as tartarugas possam existir para as gerações futuras (Figuras 2 e 3). A equipe de quelônios trabalha na região do Rio Negro há 15 anos e a partir das histórias e tendência do consumo das tartarugas foi possível analisar o atual padrão de exploração e efetividade das leis brasileiras na região. Foram levantadas su-gestões para a conservação das tartarugas, incluindo a necessidade de melhoria da legislação e sua implementação.

Figura 2.

Pesquisadoras do Projeto Fronteiras coletando irapucas com o uso de malhadeiras no Rio Itu (afluen-te do Rio Negro) para estudo de ecologia da população de quelônios. Foto: Richard C. Vogt.

Figura 3. Pesquisador tomando medidas biométricas em uma iaçá durante uma das expedições do Projeto

Fronteira, em São Gabriel da Cachoeira, AM. Foto: Joanna Burger

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hISTÓRIA DO CONSUmO DAS TARTARUGAS NA AmAzôNIA

Na Amazônia brasileira, existem 15 espécies de tartarugas aquáticas, 13 das quais ha-bitam a Bacia do Rio Negro. Nesta Bacia, as espécies de interesse comercial são a tartaruga--da-amazônia (Podocnemis expansa), o tracajá (P. unifilis), a irapuca (P. erythrocephala), a iaçá (P. sextuberculata) e o cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) (Vogt, 2008) (Figura 4 e 5).

A colonização da Amazônia pelos europeus foi um marco para as tartarugas da Ama-zônia. Antes dos europeus invadirem a Bacia Amazônica, as tribos indígenas dispersas vive-ram por milênios explorando as abundantes populações de tartarugas, sem efeito negativo aparente sobre suas populações. Os índios não tinham a necessidade, tecnologia e nenhuma outra razão para caçar mais do que eles poderiam consumir. As populações de tartarugas foram então exploradas em uma base sustentável, não porque era planejado, mas porque a

população humana não era grande o suficiente para causar impactos significativos que resul-Figura 4. As quatro espécies de tartarugas do gênero Podocnemis que ocorrem no Rio Negro. Acima à esquerda:

iaçá, acima à direita: tartaruga-da-amazônia, abaixo à esquerda: tracajá e abaixo à direita: irapuca. Fotos: Joanna Burger e Camila Ferrara.

Figura 5. Cabeçudo, espécie de tartaruga aquática com desova individual em meio ao igapó.

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tassem nas extinções locais das espécies. Mas foi depois do início da colonização européia que a comercialização de tartarugas e de seus ovos se intensificou: óleo, gordura e carne se tornaram bens de valores e fonte de renda, entre outros benefícios.

As formas de comércio mercantil europeu resultaram em um drástico declínio das populações naturais e hoje muitas espécies de tartarugas estão quase em ponto de extinção local. Apesar de todas as espécies de tartarugas serem protegidas atualmente, estas leis não são rigidamente seguidas e as pequenas cidades e vilas do interior da Amazônia têm um mer-cado negro de tartarugas vibrante. As tartarugas da Amazônia ainda estão entre os animais mais populares para consumo, uma vez que elas são uma fonte de proteína tradicional para a população local, bem como pela sua elevada posição nas festividades regionais e comemora-ções familiares.

O PADRãO DE EXPLORAÇãO E AS LEIS BRASILEIRAS

Na história do Brasil, um dos primeiros registros do uso de tartarugas foi no final do século XVIII, quando o governador de São José do Rio Negro, o coronel Manoel da Gama Lobo d’Almada, estabeleceu pesqueiros reais para atender às necessidades de carne das vilas da capitania, inaugurando o comércio de peixes salgados e tartarugas no Amazonas. As Capi-tanias, durante o Império Português, eram as divisões administrativas criadas com o objetivo de colonização e exploração de determinadas áreas a particulares, através da doação de lotes de terra. Com o crescimento dos pesqueiros reais, a comercialização de peixes e tartarugas salgadas teve início no Rio Negro.

A proteção legal pelo Governo Federal Brasileiro iniciou com o estabelecimento do DRNR (Departamento de Recursos Naturais Renováveis), o qual em 1967 mudou para IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal), através do Decreto nº 60.721, de 12 de Maio de 1967. Desde então, a proteção das tartarugas passou a ser responsabilidade do IBDF. No entanto, havia um número de funcionários e fundos insuficientes para proteger as diferentes espécies de quelônios da forte exploração.

No início dos anos 70, a tartaruga-da-amazônia e o tracajá foram relacionados na lista brasileira de animais ameaçados de extinção, mas esta lista nunca foi transformada em lei. Quando a primeira listagem de animais em risco foi elaborada em 1973 (Portaria IBDF nº 3.481 em 31 de Maio de 1973), as espécies de tartarugas não foram incluídas. Mais tarde, o IBDF elaborou um trabalho denominado Preservação da Tartaruga Amazônica, que des-crevia as primeiras políticas públicas de proteção das tartarugas. A partir deste trabalho, um grupo de pesquisadores foi formado para conduzir um levantamento das praias de nidifica-ção das tartarugas (IBDF 1978). Este levantamento forneceu informações da distribuigrupo de pesquisadores foi formado para conduzir um levantamento das praias de nidifica-ção e das principais ameaças para essas tartarugas. Em adição, este estudo recomendou a inclusão da tartaruga-da-amazônia e do tracajá na lista do CITES (Convenção sobre Comércio Inter-nacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção).

Em 1979, o Projeto de Proteção e Manejo dos Quelônios da Amazônia foi criado, sob a coordenação do IBDF. Este projeto estabeleceu uma metodologia básica para a pro-teção e manejo das tartarugas. Em 1989, o IBDF se tornou IBAMA (Instituto Brasileiro de

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Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o qual surgiu a partir da fusão de três organizações (SEMA, SUDHEVEA e SUDEPE). Estas instituições eram: a Secretaria de Meio Ambiente, a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha e a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. Nesta ocasião, o IBAMA tornou-se a Organização Federal responsável pelas políticas ambientais em nível nacional. Antes da criação do IBAMA, a proteção e conservação eram divididas entre várias agências federais, tornando-se difícil pro-teger as tartarugas com sucesso.

Para aumentar os esforços protecionistas, o Projeto Quelônios da Amazônia foi fun-dado em 1990 pelo CENAQUA (Centro Nacional de Quelônios da Amazônia) através da Portaria IBAMA nº 870/90. Em 2001, CENAQUA se tornou RAN (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios), o qual administra e autoriza as atividades de manejo e con-servação dos répteis e anfíbios brasileiros. O CENAQUA foca particularmente em espécies ameaçadas e de interesse comercial. No entanto, em 2008 o IBAMA foi dividido em duas instituições, o RAN tornou-se parte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiver-sidade – ICMBio - com a autoridade agora limitada para as espécies ameaçadas e em perigo de extinção e para as populações existentes em áreas protegidas: Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Reservas Biológicas. Somente as praias de desova dentro das áreas de proteção estão sobre a jurisdição do ICMBio. Já o IBAMA retém as medidas regulatórias, aplicação de leis e manejo de praias de desova fora das áreas de conservação, e regulação e monitoramento da vida silvestre, incluindo tartarugas criadas em cativeiro. A divisão do IBAMA foi definiti-vamente um retrocesso para a conservação e manejo das tartarugas de água doce. A presente realidade do projeto de tartarugas está em jogo até que esses obstáculos burocráticos sejam resolvidos.

Atualmente, a Lei 9.605/98 protege as tartarugas no Brasil e ela permite o consumo de tartarugas somente para saciar a fome, mas este não é o caso em muitas partes da Ama-zônia, uma vez que os peixes são mais abundantes e fáceis de coletar do que as tartarugas. Nas Reservas Extrativistas, existe um plano de manejo que permite o consumo de tartarugas, mas dentro de uma estratégia de manejo específica para cada unidade de conservação. Muitos ambientalistas e conservacionistas não concordam com esta situação uma vez que muitas espécies de tartarugas estão em perigo de extinção e não devem ser exploradas nem mesmo nas Reservas Extrativistas.

Apesar de o Governo Federal devotar considerável esforço para proteger legalmente as tartarugas, não há aplicação suficiente para reduzir a exploração. Como resultado, existe a caça ilegal, exploração continua deste recurso animal e um intenso mercado negro de ovos e tartarugas para as grandes cidades. O comércio ilegal de ovos de tartaruga é muito mais danoso para as espécies, por afetarem a variabilidade genética e impedir o surgimento de novas gerações de quelônios reduzindo suas populações já naturalmente submetidas a inten-sa predação natural especialmente na fase juvenil, nos rios que eles habitam. A situação na Amazônia Brasileira é crítica: a comercialização de tartarugas e a pesca ilegal levam as popu-lações tradicionais a uma vida de crime permanente ao traficarem tartarugas e outros animais selvagens.

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A SITUAÇãO ATUAL DAS TARTARUGAS DA BACIA DO RIO NEGRO

A Bacia do Rio Negro (Figura 6) não possui praias de desova protegidas. Portanto, espécies as quais tem a maior parte de sua distribuição nas águas negras da Bacia do Rio Negro, tais como a irapuca e o cabeçudo não são protegidas enquanto nidificam (Figura 7). O município de Barcelos (a primeira área no Rio Negro onde os portugueses fundaram uma cidade) teve uma exploração comercial de tartarugas que mobilizou a coleta de milhões de ovos nas praias do Rio Unini, para produção de óleo. Apesar da coleta massiva de ovos ter diminuído o cabeçudo e a irapuca podem ser vistos frequentemente sendo assados sobre o carvão em frente a residências e restaurantes em Barcelos (Figura 8). Outros pesquisadores atuando em outras partes da Bacia Amazônica registraram que a coleta comercial em grande--escala resultou em um constante declínio das populações de tartarugas. Atualmente, um exemplar adulto de tartaruga-da-amazônia é um item de luxo para a alta sociedade e não mais um alimento para a subsistência para a população tradicional a qual consome as espécies menores com menor demanda.

A comercialização de tartarugas na Bacia do Rio Negro, especialmente no Rio Bran-co (Figura 6), representa uma das mais importantes fontes de suprimento de tartarugas para a cidade de Manaus. O cabeçudo pode ser coletado o ano inteiro enquanto que a irapuca, iaçá, tracajá e tartaruga-da-amazônia são mais restritos à estação de seca. Com o rápido declínio da espécie tartaruga-da-amazônia na Bacia do Rio Negro, causada pela superexploração de ovos e adultos, mais pressão tem sido colocada na comercialização do tracajá e do cabeçudo.

Já a irapuca, a menor espécie, é prontamente consumida nas casas dos moradores ao longo do Rio Negro. As grandes tartarugas geralmente não são consumidas pela população tradicional porque elas têm mais valor no mercado negro e tornam-se uma fonte de recursos

Figura 6. Localização da Bacia do Rio Negro, no mapa do Brasil, evidenciando o Rio Branco como um de seus

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e capitalização das famílias. Ao invés disso, eles consomem as menores espécies, juntamente com alguns ovos. As tartarugas maiores são vendidas aos intermediários, que transportam as tartarugas geralmente de barco, para vender em Manaus ou Belém, onde eles comercializam com altos preços. Sob o ponto de vista das comunidades ribeirinhas locais, não é que prefi-ram a iaçá ou a irapuca para seu próprio consumo, mas é mais econômico para eles consumi-rem as espécies menores.

Apesar do tráfico de quelônios ser significante na Bacia do Rio Negro, não há infor-mações sobre a taxa de captura de tartarugas na região. Essas inforApesar do tráfico de quelônios ser significante na Bacia do Rio Negro, não há infor-mações são extremamen-te necessárias para enextremamen-tender o impacto quantitativo na área. No Rio Negro, alguns barcos comercializam ilegalmente tartarugas em grande escala para revender em Manaus. Este fato foi presenciado durante o trabalho de campo dos pesquisadores pelo Projeto Fronteira. Os pescadores de Barcelos e pequenas vilas vendem tartaruga-da-amazônia e tracajá para os atravessadores donos de barcos que lucram com esse comércio. Por exemplo, um adulto grande de tartaruga-da-amazônia, pesando cerca de 50 kg ou mais, pode ser comprado do

Figura 7. Tartarugas-da-amazônia em praia de desova no Rio Branco.

Foto: Camila Ferrara.

Figura 8. Iaçá sendo assada em fogueiras de carvão em frente a residências na cidade de Barcelos, AM.

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pescador por cerca de R$ 70,00 e revendida em Manaus por até R$ 500,00. O IBAMA aplica penalidades aos donos dos barcos por cada tartaruga transportada ilegalmente (cerca de R$ 5.000 para cada tartaruga-da-amazônia e para cada tracajá transportados. No entanto, apesar de os traficantes serem multados, as multas geralmente não são pagas e a maioria volta, na primeira oportunidade, às suas atividades ilegais no mercado negro de animais silvestres. As penalidades não possuem um efeito significante no trafico ilegal de tartarugas no Rio Negro. Os portos da região têm uma infra-estrutura escassa e não há pontos de inspeção ao longo do Rio Negro. Como conseqüência, os barcos transportando tartarugas não são pesquisados e monitorados, facilitando o transporte ilegal de tartarugas a serem vendidas nos maiores centros. Muitos barcos preferem chegar de noite em Manaus para evitar inspeção, as quais não são rigorosas neste horário e são mais freqüentes durante o dia. Além disso, con-forme se aproximam de Manaus, voadeiras (barcos menores) vão ao encontro dos grandes barcos para levar as tartarugas para um local seguro livres da inspeção. Essas tartarugas são vendidas nas residências em Manaus para clientes já formados e nas feiras populares escon-didas em freezers (Figura 9), ou em caixas de isopor para não serem apreendidas por fiscais.

Apesar da alta demanda para consumo de tartarugas e o vibrante mercado negro na região do Rio Negro, os barcos na maioria das vezes não são inspecionados e não há projetos de conservação permanente na região.

ESPÉCIES DE TARTARUGAS DA BACIA DO RIO NEGRO E SUAS AmEAÇAS

A principal ameaça para as tartarugas do Rio negro é o consumo humano. No entan-to, existem outras ameaças as quais serão comentadas para cada espécie. As tartarugas tam-bém são usadas na medicina tradicional e na fabricação de cosméticos. A gordura e a casca de ovos são utilizadas para tratar 16 tipos diferentes de doenças humanas, sendo a gordura o principal produto vendido. A demanda por estes produtos é desconhecida. No entanto, o uso das espécies de tartarugas com fins medicinais pode ter um considerável impacto nas

Figura 9. Venda ilegal de tartarugas na Feira da Panair em Manaus, AM.

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populações de tartarugas e deve ser levado em consideração para a conservação e manejo das espécies.

ImPLICAÇÕES PARA CONSERVAÇãO mEDIDAS DE CONSERVAÇãO RECOmENDADAS

Para conservação e incremento das populações naturais de quelônios, praias artifi-ciais podem ser criadas dentro de reservas protegidas onde estas se alimentam, protegendo as tartarugas que migram para desovar e precisam nadar em áreas onde há populações hu-manas. Além disso, a proteção in situ dos ninhos (ou seja, a preservação dos ninhos em sua

localização original), em áreas não ocupadas por humanos iria garantir que os predadores naturais não os destruam. No entanto, essa técnica não deve ser usada próxima de áreas habitadas por humanos porque os ninhos precisam ser marcados, o que facilitaria as pessoas encontrá-los e remover os ovos.

Para se determinar melhores estratégias para proteger a Bacia do Rio Negro, estudos devem ser feitos em áreas protegidas bem como em áreas não protegidas, comparando as duas áreas para entender o impacto do comércio ilegal. É necessário estabelecer áreas para proteger e manejar as espécies de tartarugas com maior risco enquanto elas ainda são abun-dantes e não sofrem degradação de habitat ou falta de alimento.

Para as espécies do gênero Podocnemis (iaçá, irapuca, tracajá e tartaruga-da-amazônia)

(Figura 10) que ainda não tem praias de proteção na região, um estudo é necessário para determinar se parte da população pode ser consumida, e em qual idade, sexo e classe de ta-manho.

A conservação de espécies de tartarugas não pode ser meramente legislada. As regu-lações lógicas devem ser levadas em conta para promover o uso racional destas espécies sem destruir a base da fonte. O cabeçudo não se agrupa para nidificar em praias como as espécies do gênero Podocnemis fazem (Figuras 11 e 12), então é possível que estejam menos vulnerável

a extirpação completa. No entanto uma estação de caça fechada, ou calendário de caça, de-veria ser estabelecido para possibilitar as fêmeas desovarem antes de serem consumidas.

Figura 10. Filhotes das quatro espécies do gênero Podocnemis (da esquerda para a direita): tracajá

(Podoc-nemis unifilis), tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), irapuca (Podocnemis erythrocephala) e iaçá (Podocnemis sextuberculata).

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ESTRATÉGIAS RECOmENDADAS PARA AUXILIAR ESfORÇOS DO GOVERNO

As estratégias para auxiliar os esforços do governo na proteção das tartarugas na região do Rio Negro incluem:

INVESTImENTO NA EDUCAÇãO

Para assegurar que esforços governamentais funcionem, é necessário implementar um programa de educação massivo nas escolas de ensino fundamental e médio. É necessário mostrar para as novas gerações as conseqüências do declínio das populações de tartarugas e o seu risco de extinção, ao invés de simplesmente proibir o consumo. Somente com a edu-cação imediata da população nos seus anos de formação haverá esperança de que atitudes e tradições do consumo das tartarugas pelos amazônidas sejam mudadas, já que este consumo é parte da cultura e tradição dos moradores.

Figura 11. Filhotes de tracajá recém eclodidos indo à caminho da água do rio.

Foto: Larissa Schneider.

Figura 12. Filhote de tracajá recém eclodido, em uma praia de areia do Rio Negro.

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REVISãO DA LEI GOVERNAmENTAL

As políticas de manejo de tartarugas precisam considerar a necessidade das popula-ções tradicionais consumirem tartarugas como parte de sua cultura (Figura 13), bem como entender o processo chave do comércio ilegal de tartarugas. Isto significa examinar as regras ecológicas dos animais, as limitações biológicas das tartarugas (por exemplo: o crescimento lento, longo tempo para maturação e status de conservação). É necessário entender o uso das tartarugas, a capacidade institucional do governo regular o uso dos animais silvestres bem como os impactos sócio-culturais. Como Alves et al. (2007) escreveu - “Se a necessidade de conservação é para ser aceita por pessoas as quais tiram seu sustento da vida silvestre ou usam como alimento ou fins medicinais, então deve-se tomar cuidado para evitar abordagens com pouco ou nenhum apreço social”.

É importante que pesquisadores publiquem mais para que o governo possa reformar a le-gislação de acordo com a realidade. Além do mais, pesquisadores, ONGs e governo devem unir forças para manterem projetos de conservação a longo termo para a conservação das tartarugas do Rio Negro.

fOCO NOS ATRAVESSADORES DE TARTARUGAS

Apesar de o consumo de tartarugas pelas populações tradicionais impactarem de cer-ta forma as espécies, o maior problema são os atravessadores os quais compram as cer-tarcer-tarugas de moradores locais e revendem para moradores das grandes cidades. Moradores de peque-nas vilas e comunidades geralmente não têm dinheiro e nem estrutura para levar as tartarugas até a cidade, então os atravessadores (os donos de grandes barcos) são os que possibilitam o mercado negro. Durante o trabalho de campo, foi observado que os traficantes são mais ativos durante o período de nidificação quando as tartarugas estão em grupo para colocarem seus ovos. Esse deve ser o período chave para as estratégias de repressão e controle do tráfi-co.

Figura 13- Pai e filhos limpando e preparando iaçá para seu almoço.

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Quando o IBAMA flagra um atravessador transportando tartarugas, eles recebem uma multa alta a qual é praticamente impossível de pagar e, em muitos dos casos, seus barcos são detidos ou apreendidos. Isto faz o tráfico piorar porque depois o atravessador continua o tráfico ilegal em outro barco e mais confiante já que o pior já aconteceu. Eles já são infrato-res e sentem que nada mais pode acontecer. Eles criam confiança para continuarem a coletar tartarugas ilegalmente. A multa é a mesma para a população tradicional, mas estes raramente têm dinheiro para comprar outro barco e continuar traficando.

Além da falta de aderência às leis brasileiras, no Rio Branco a situação pode se tornar violenta. Em 2008, traficantes armaram uma emboscada para um barco do IBAMA com fiscais e voluntaries durante o dia. Um voluntário foi morto e um fiscal foi ferido pelos tra-ficantes. A situação é tal que os fiscais não se sentem confortáveis para trabalhar em uma área como essa. Uma grande melhoria que o IBAMA executou foi a parceria com a Marinha brasileira. Essas duas entidades governamentais executam fiscalizações de forma segura em alguns rios no Brasil. No entanto, durante os trabalhos de campo de nossa equipe no Projeto Fronteiras não houve registros de que o IBAMA e marinha tenham trabalhado como par-ceiros no Rio Negro. Esta bacia é uma das menos inspecionadas na Amazônia e o governo precisa melhorar o sistema de proteção ambiental nesta área.

AGRADECImENTOS

Ao Projeto Fronteira, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), CNPq e FAPEAM.

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SUGESTÕES BIBLIOGRÁfICAS

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Referências

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