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Deixe-os na praia. capa

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Academic year: 2021

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Deixe-os na praia

A maioria dos animais marinhos que aparecem no litoral gaúcho e são levados

a centros de reabilitação não necessita de tratamento e pode sofrer danos durante o deslocamento

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odos os anos, é comum que veranistas e morado-res das praias gaúchas se deparem ocasionalmente com ani-mais marinhos na costa litorânea. Muitas pessoas, inclusive, têm o impulso de tentar empurrá-los de volta para a água ou transportá--los para centros de reabilitação como o Centro de Estudos Cos-teiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) em Imbé. Na maioria dos casos, a justificativa para a re-tirada é a negligência dos órgãos competentes e dos próprios cen-tros. A atitude, provocada princi-palmente pela vontade de ajudar e falta de conhecimento, acaba submetendo esses animais a via-gens muitas vezes desnecessárias e pode comprometer sua saúde. Ignacio Moreno, professor do Departamento de Ciências Bio-lógicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que grande parte dos ani-mais marinhos que chega ao lito-ral vem devido a causas naturais. “Por estarmos em meio a uma zona de convergência subtropical, temos a influência de duas corren-tes marinhas, a das Malvinas, que se desloca do sul, e outra corren-te que vem do Equador e acaba se dividindo em duas: uma vai para o Ceará e outra desce a cos-ta, deixando as águas mais quen-tes e empurrando a das Malvinas".

Nos meses de inverno, outono e primavera, muitos animais saem das suas colônias mais ao sul do continente e vem parar aqui, já que esta é uma área muito rica em alimento. Geralmente são ani-mais jovens, nos primeiros anos de vida, que ainda estão aprendendo a se virar sozinhos. Isso é normal no processo de aprendizagem, mas no meio do caminho eles podem aca-bar morrendo por causas naturais, justamente pela inexperiência.

Como nosso litoral é muito ex-tenso, diferentemente de uma enseada, é mais fácil ver as car-caças trazidas pelo mar. Por isso as pessoas se espantam com a quantidade. “Morrem muitos ani-mais de causas naturais todos os anos, e isso provoca estranheza. As pessoas dizem: “pinguim mor-to”, “ai, como tá morrendo bicho agora”. Não, sempre morreu. A gente tem acompanhamento de mais de 20 anos aqui do litoral pelo Gemars (Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul)", conta o biólogo

do Ceclimar, Maurício Tavares. Os motivos são diferentes, de-pendendo do grupo. A toninha, por exemplo, é um animal que está em extinção e quando é en-contrada, geralmente foi aciden-talmente capturada em alguma rede de pesca e morreu. Esta é considerada uma causa antrópica.

Já as tartarugas verdes, tam-bém muito encontradas no lito-ral gaúcho, são animais que só saem do mar para desovar (as fêmeas). Só que o Rio Gran-de do Sul não é uma área Gran-de Gran- de-sova, e as tartarugas quem vem parar na praia ainda são jovens. O que acontece é que elas estão ingerindo lixo que é jogado no mar e que muitas vezes se mistura com a vegetação ou é confundido pelos animais. Quando tartarugas verdes aparecem na praia, já debilitadas, é porque estão com o estômago tomado por pedaços de plástico. Segundo Tavares, nas tartarugas que acabaram morrendo no Cecli-mar, se encontrou canudinhos de refrigerante, embalagens de chiclete,

EssE aumEnTo Da TEmpEraTura Do mar é o rEsponsávEl

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Têm as praias gaúchas como

habi-TaT naTural sE avEnTurEm para cá.

Leão-marinho sendo

marcado para monitoramento em Tramandaí

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botões, pedaços de brinquedos. “A gente tem recebido muitas e a maioria morre. E não é por fal-ta de atendimento, é porque não tem mais como ajudar o animal” - acrescenta ele. “Também não adianta ficar tratando o bicho por meses. Não temos como reverter o quadro, o lixo fica tão compacta-do que obstrui o trato e não pas-sa nem comida. Mas mesmo que conseguíssemos, seria para depois soltar a tartaruga no mar poluído e acontecer tudo de novo. Como biólogos, nós temos que resolver o problema, e não ficar fazendo pa-liativos”. As estatísticas apontam que, em 2 anos, aumentaram em 300% os ca-sos de lixo no estômago destes animais. Os pinguins-de-magalhães cos-tumam aparecer nos meses de in-verno. Eles fazem deslocamentos anuais, logo após a época de repro-dução, vindos do extremo sul do continente. Estes animais entram em correntes marítimas mais fortes em busca de alimento e não con-seguem voltar. Acabam chegando à costa brasileira muitas vezes já cansados pela viagem, feridos, fra-cos e até com hipotermia (redução da temperatura corporal) e acabam morrendo. Isto faz parte do pro-cesso de seleção natural, em que os humanos não devem intervir. Porém também acontecem casos em que estas aves chegam com óleo nas penas, causado por al-gum derramamento no mar. Este é um caso de influência humana, em que os animais devem ser leva-dos ao centro de reabilitação para receber tratamento. O processo é desgastante. O óleo na plumagem é removido por meio de um banho. Com isso, os pinguins perdem a impermeabilização natural das pe-nas e tem que ficar em cativeiro até que ela se refaça naturalmente.

Outro animal que aparece muito

frequentemente é o lobo-marinho. Os que vêm pra cá geralmente es-tão no primeiro ano de vida e vem de ilhas rochosas no Uruguai. “O litoral do Rio Grande do Sul só tem dois pontos de parada no mar: em Rio Grande e em Torres. Toda essa extensão de centenas de qui-lômetros entre os dois pontos não tem nada para parar no mar. Então um bichinho desses, que está no primeiro ano de vida, pode se sen-tir cansado e o lugar onde ele vai parar é a praia” explica Tavares.

Até mesmo alimentar pode ser um problema, pois só alguém especializado sabe qual o tipo de peixe um bicho desses come e qual pode fazer mal. “No in-verno, às vezes aparecem seis, sete lobos-marinhos na beira das praias ao longo do litoral norte, e as pessoas ficam ligando, mas às vezes eles não têm nada. São raros os casos, talvez só 1%, em que realmente precisa tirar um lobo-marinho da praia para tratar”.

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lém das mortes ocorri-das por causas naturais, o impacto do ser humano na natureza também influencia - e muito - na morte de animais na cos-ta litorânea. Para Ignacio Moreno, a pesca, o consumo desenfreado e a poluição são as ações antrópicas que mais colaboram para a mor-talidade dos animais marinhos.

Como nossa indústria pesquei-ra é muito forte, os navios che-gam a lançar redes com mais

muiTas vEzEs o animal só EsTá DEscansanDo, mas as

pEssoas vêEm E quErEm capTurar, Dar comiDa, jogar DE

volTa para a água.

Cartaz educativo do CECLIMAR sobre pinípedes

Funcionários do CECLIMAR realizam a soltura de pinguins na praia de Tramandaí

Biólogos capturam para estudo pinguins mortos em Tramandaí

Soltura de lobo-marinho tratado no CECLIMAR

O CECLIMAR atende e trata animais marinhos, faz monitoramento de espécimes, e realiza campanhas, além de estudos na área da biologia.

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de 20 km de extensão. Por não

serem seletivas, elas recolhem peixes menores e sem valor co-mercial, que serão descartados.

Os consumidores também não exigem o cumprimento das leis que proíbem a pescaria em épocas de reprodução de espécies ameaça-das. "Se os clientes começassem a dizer que não vão comprar aquele peixe porque ele está ameaçado, os empresários não teriam razões para vendê-lo, mas não é isso que acon-tece", comenta Ignacio Moreno.

O consumo desenfreado também é um fator que impulsiona a morte de animais marinhos pelo incenti-vo à produção de plástico e à uti-lização de substâncias nocivas ao meio ambiente. Segundo Moreno, ainda não chegamos ao estado de consumo consciente: "Falta ainda essa atitude de 'esse computador sai mais barato, mas está me cus-tando um pedaço da floresta, então eu não quero'", lamenta. Moreno destaca que o impacto desses fa-tores na costa litorânea não é tão imediato, ele vai se acumulando ao longo dos anos: "Esse lixo que nós encontramos nas tartarugas pode ser de 10 anos atrás e con-tinua sendo jogado. As redes são cada vez maiores pela ganância da

indústria que precisa de mais pei-xes, sendo que existem cada vez menos. Vendo a longo prazo, va-mos percebendo o quanto isso está desestruturando a cadeia trófica". Mesmo com as atitudes humanas que aumentam os danos às espé-cies marinhas, o pesquisador vê a situação com otimismo: "O im-pacto humano está cada vez maior, mas a consciência também está".

Hoje em dia, com a mídia, as pessoas têm mais acesso à in-formação e se mobilizam para salvar algumas espécies. O ho-mem está percebendo que não se trata só de salvar o golfi-nho, o pinguim, mas ele mesmo.

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lguns animais que chegam ao litoral vêm apenas para descansar ou, em casos em que já se encontram debilita-dos, para morrer tranquilamente evitando afogamentos. Nessa últi-ma situação, é comum que as pes-soas queiram transportar o animal para um dos centros de reabilita-ção, mas não há mais nada a ser feito. "A maioria dos animais que recebemos no Ceclimar não

ne-cessita de tratamento. As pessoas se revoltam achando que não es-tamos fazendo nada para ajudar e colocam os bichos dentro do por-ta-malas para levar ao centro por conta própria. Só que os animais não resistem à viagem e acabam chegando mortos" relata Moreno. Trazê-los para os centros tam-bém representa um risco, já que são lugares aos quais o animal ma-rinho não está adaptado, podendo contrair uma bactéria e transmitir aos demais quando retornar ao convívio da espécie. "Às vezes, na tentativa de salvar um indivíduo, podemos acabar dizimando uma espécie. É isso que muitos não entendem. Nós, biólogos, pensa-mos em terpensa-mos de espécie. Um indivíduo se perde, mas se salva a espécie" explica o pesquisador. Para Tavares, “se o animal pegou uma doença, não tem que ir lá in-jetar remédio. Ele vai se virar e se conseguir se curar ele sobrevive e volta pra colônia. Então ele vai ter uma resistência que vai pas-sar adiante para o resto da espé-cie”. E se não sobreviver, é algo que também faz parte da natureza.

Maurício Tavares mostra tartaruga verde que não consegue afundar na água devido ao lixo no estômago

“o consumiDor poDE-ria pEDir por um pEixE

quE TEm pEsca mEnos prEjuDicial, mEsmo

quE cusTassE mais caro. é muiTo fácil Dar valor para

a naTurEza com o DinhEiro Dos ouTros, Difícil é DizEr para o

EmprEsário quE ElE não poDE ganhar” complEmEnTa.

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À

s vezes estes animais marinhos podem mor-rer por interferência hu-mana, tanto na beira da praia quanto no cativeiro. As pessoas querem ajudar, mas podem estar fazendo justamente o contrário. Para evitar que isso aconteça, os profissionais do Ceclimar fa-zem campanhas e trabalhos para levar informações à população.

As orientações dadas para quem encontrar um animal na praia são

basicamente isolar o local, man-ter distância para não estressá-lo, não alimentar, não tentar empur-rar o animal de volta para a água nem tentar transportá-lo, pois apenas profissionais podem fazer isso. E, é claro, avisar as autori-dades como o Ceclimar, a Patru-lha Ambiental da Brigada Militar (PATRAM) ou a Secretaria do Meio Ambiente do município.

Mesmo assim, segundo Ignacio Moreno, o processo de

conscien-tização é muito lento, e temos que modificar as ações cotidianas.

“Se as pessoas leigas souberem que estes animais vêm pra cá to-dos os anos, elas começam a au-xiliar da forma certa. Elas estão preocupadas em ajudar o meio ambiente, assim como nós” ex-plica Tavares. Segundo o biólogo, a melhor forma de ajudar é prati-cando a coleta seletiva em casa, jogar lixo no lixo e procurar dimi-nuir a geração de resíduos sólidos.

Do litoral norte ao sul, a mesma situação

O Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM) é o responsável pelo trato dos animais no litoral sul do esta-do, abrangendo uma área de aproximadamente 350 km, da praia de Mostardas até o Chuí. Segundo Rodolfo da Silva, ve-terinário do CRAM, a situação no litoral sul não é diferente do litoral norte: “A gente con-segue ver que há um crescente aumento na agressão aos ani-mais que chegam até o centro. Muitos dos que precisam de tratamento é por culpa da irres-ponsabilidade do ser humano”.

A ação humana irresponsável contra o meio ambiente é uma das principais causas de mor-te dos animais. A ingestão de lixo jogado no mar, redes de pesca que prendem e machu-cam os animais e o derrama-mento de óleo estão entre os principais fatores para os ani-mais irem até o centro, assim como ocorre no litoral norte. Segundo da Silva, é preci-so conscientizar a população de que o simples ato de jo-gar lixo na praia pode trazer

consequências muito gran-des para a vida marinha.

O veterinário reforça que as pessoas não devem transportar por contra própria os animais até o centro, já que acabam piorando a situação devido ao transporte inadequado e que em muitos dos casos nem precisariam de trata-mento. Porém, da forma correta, é muito importante a ajuda da população para saber a locali-zação dos animais. “O aumento da população nas praias tem nos ajudado bastante para sabermos onde eles estão. É muito im-portante que as pessoas partici-pem desse processo, por isso é necessária a conscientização da comunidade” afirmou Rodolfo. Outro avanço importante para

o tratamento dos animais no li-toral foi o convênio do CRAM com a Petrobras, em que os profissionais do centro dão treinamentos por todo o país para as equipes de emergên-cia das empresas de perfura-ção de petróleo, o que aumenta a chance de sobrevivência no caso de derramamento de óleo.

Após a parceria também foi possível disponibilizar unida-des móveis de unida-despetrolização de fauna, que podem apoiar no tratamento dos animais afetados pelo óleo em qualquer lugar que o acidente aconteça, permitindo uma ação mais rápida e precisa.

Um dos principais objetivos do centro de recuperação, além de ajudar e salvar os animais marinhos, é conscientizar a po-pulação e investir na educação das futuras gerações. Da Silva diz que a conscientização das pessoas está maior atualmente, mas ainda é muito importante lutar pelo fortalecimento das leis de fiscalização e educar a população e as empresas sobre as consequências dos seus atos contra o meio-ambiente.

Pinguim-de-magalhães sujo de óleo encontrado em Rio Grande

Referências

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