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PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC/FAPEMIG FACULDADE CATÓLICA DE UBERLÂNDIA

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PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

PIBIC/FAPEMIG FACULDADE CATÓLICA DE UBERLÂNDIA

A ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NAS CIDADES DE UBERABINHA E

PATOS DE MINAS: EDUCAÇÃO E CIVILIZAÇÃO (1888-1930).

Profa. Dra. Luciana Beatriz de Oliveira Bar de Carvalho.

Uberlândia-MG.

2011

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RESUMO

Transcrevendo as Atas da Câmara Municipal de Uberabinha (Uberlândia, a partir de 1929), encontramos uma preocupação decisiva pela instrução pública, de tal forma que as 4 primeiras leis aprovadas pela primeira edilidade em 1892 (o município é de 1888), referem-se todas à educação, incluindo Lei de Instrução e Regulamento Escolar, além de determinações com relação às aulas noturnas e à divisão do município em circunscrições literárias. Ou seja, encontramos um “plano de educação”, caracterizando o município como um território pedagógico e não apenas político-administrativo. O município pedagógico é, provisoriamente, entendido como uma entidade político-administrativa possibilitada no final do séc. XIX pela presença de uma legislação descentralizadora da gestão do ensino e a extensão da responsabilidade para com a instrução primária aos seus limites, levando à regulamentação local dessa obrigação. No âmbito da crença no poder regenerador da educação e da difusão dos sistemas escolares, as elites locais fazem uso desse processo para a definição de uma identidade municipal e para a defesa de objetivos particulares. Esta concepção nos motivou a avançar o estudo da formação do sistema de instrução pública no Brasil para além da análise estadual, estendendo essa investigação aos municípios, no caso, tomando Uberabinha como referência. Em seguida, estas constatações nos levaram a pensar um projeto de história da educação comparada, buscando compreender o fenômeno da formação do município pedagógico em algumas cidades do estado de Minas Gerais. Esta opção remeteu a uma reflexão sobre a importância e os cuidados para com a história comparada, bem como à discussão do processo de difusão dos sistemas escolares de ensino na segunda metade do séc. XIX e início do XX, avançando a análise para além das perspectivas nacional e estadual. O que comporta a investigação do município pedagógico em realidades diferenciadas do interior brasileiro, notadamente Minas Gerais, onde o estudo sobre Uberabinha já identificou a centralidade da educação nas preocupações da edilidade. O limite temporal estabelecido foi, por um lado, 1889, com o início da República e, por outro, o ano de 1906, marcado pela reforma João Pinheiro, que institui o sistema de grupos escolares no estado, abrindo caminho para uma nova fase na educação mineira. Deve-se chamar a atenção que essas datas são apenas referenciais, não se configurando qualquer tipo de camisa de força para as orientações da pesquisa, que podem se voltar tanto para períodos anteriores como posteriores. Neste momento, propõe-se a ampliação do universo de estudo, incluindo a cidade de Patos de Minas. Tal ampliação visa a utilizar categorias comuns de análise, para se aquilatar as proximidades e os distanciamentos na formação do município pedagógico nas diferentes localidades do estado. Tomaremos como unidade de comparação estes municípios, por terem sua documentação organizada nos Arquivos Municipais e por contarem com instituições de ensino superior, o que facilita o diálogo com outros pesquisadores e a formação de parcerias institucionais na catalogação e interpretação dos dados, além de

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permitir a inclusão de bolsistas de iniciação científica. A documentação de Uberabinha já se encontra catalogada e transcrita, pronta para utilização.

1. TÍTULO DO PROJETO

A organização da instrução pública nas cidades de Uberabinha e Patos de Minas: educação e civilização (1888-1930).

2. INTRODUÇÃO

Ao iniciar a exposição da presente proposta, é necessária uma pequena introdução, historiando a imbricação da mesma com atividades de pesquisa anteriormente desenvolvidas por nós junto ao grupo de pesquisadores do NEPHE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

O estudo da História da Educação na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, em particular nos municípios de Uberabinha/1 Uberlândia e Patos de Minas, de forma sistematicamente organizada, é uma manifestação recente. Mais precisamente, estes estudos originários datam de 1993, com a implementação do projeto de “Levantamento e Catalogação das Fontes Primárias e Secundárias de Interesse para a História da Educação Brasileira e do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”, ligado a uma proposta nacional estruturada a partir da Faculdade de Educação da UNICAMP, sob a coordenação geral do Prof. Dr. Dermeval Saviani.

A partir desta primeira incursão, realizamos um levantamento mais pormenorizado nos Arquivos Públicos Municipais de Uberlândia e Patos de Minas, recuperando todas as informações relativas à educação que aparecem na imprensa local, catalogando as revistas que tratam de educação e anotando o conteúdo destas informações em fichas especificamente preparadas para este fim. Também foi realizado o levantamento do conjunto da documentação existente nas escolas mais importantes da região, em termos de influência político-cultural e também pelo período de inauguração, para que se pudesse aquilatar, pela via da história das instituições escolares, o processo de escolarização regional.

Da experiência adquirida nestes trabalhos catalográficos e do contato com importantes documentos ligados à educação regional, amadureceu a nossa preocupação em proceder à análise e interpretação não apenas destes, mas de diversas outras documentações identificadas, o que permitiria a recuperação do “percurso” da educação no palco de estudo, bem como a identificação das correntes de pensamento que circulavam pelas cidades da região, em particular da então Uberabinha, viabilizando a compreensão tanto do processo de crescimento material – fundação, ampliação, etc de escolas -, como também das idéias, das representações, dos jogos de poder que se faziam presentes, e que se encontram dispersos na documentação, em particular nas Atas da Câmaras Municipais dos municípios anteriormente citados, principalmente no

1 Pela Lei nº 1126 de 19 outubro de 1929, sancionada pela então Presidente do Estado de Minas Gerais Dr. Antônio Carlos Ribeira

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final do século XIX e primeiras décadas do século XX.

Ao lado destas preocupações identificamos a quase inexistência de estudos específicos sobre a temática histórico-educacional na região, existindo apenas trabalhos monográficos de caráter geral, esforços não acadêmicos, descrições diversas, etc., que, apesar de importantes para a compreensão da história regional, mantêm a História da Educação como universo praticamente intocado na região.

Portanto, diante destas colocações iniciais, não podemos trabalhar com segurança a História da Educação nacional sem o domínio do processo nas diversas regiões, o que permite aquilatar a extensão das propostas teóricas e promover as necessárias correções, quando for o caso. Da mesma forma, não se pode promover o estudo isolado da realidade regional, desvinculado da interpretação de caráter geral, mais abrangente. Assim, não nos propomos a fazer História da Educação regional mas, sim, História da Educação brasileira com ênfase no regional, utilizando de documentações específicas que auxiliem no processo de compreensão da realidade nacional.

Ao lado dessas preocupações, começamos a identificar várias séries de documentações que poderiam contribuir significativamente para a compreensão da História da Educação da região, mas que se encontravam intocadas nos arquivos, distantes tanto do trabalho dos memorialistas das cidades ora em estudo como dos pesquisadores acadêmicos. Referimo-nos principalmente às Atas das Câmaras Municipais de Uberabinha e Patos de Minas, complementarmente, aos registros dos Atos dos Agentes Executivos e dos Prefeitos dos municípios, aos livros que contêm leis, decretos, etc, aos registros contábeis envolvendo gastos com a educação, entre outros. O estudo dos dados da imprensa mostrou-se bastante rico mas, ao mesmo tempo, indicou a necessidade do cruzamento com outras fontes, para que se possa alargar ainda mais o campo de visão sobre a educação na região. E esta passou a ser nossa preocupação: identificar as representações de sociedade, civilização, progresso, educação, presentes no imaginário e na ação das elites de Uberabinha e Patos de Minas no período republicano, notadamente nas suas ações políticas. Estes elementos já foram identificados na imprensa, mas apenas a partir de 1907, quando se encontra uma prática jornalística efetiva nas cidades, com periódicos se mantendo por anos, ininterruptamente, tornando necessário buscar-se a sua matriz que, supomos, está nos projetos dos grupos políticos dominantes, que poderão ser identificados na documentação das Câmaras, das Prefeituras2. Do cruzamento destas informações com o que já se captou na imprensa, julgamos poder oferecer uma interpretação sobre o movimento da educação na região do Alto Paranaíba e do Triângulo Mineiro3.

Desta forma, como já dissemos, não nos propomos a fazer História da Educação regional mas, sim,

2 Estamos referindo-nos a elite como “grupos funcionais, sobretudo ocupacionais, que possuem status elevado (por uma razão

qualquer) em uma sociedade” (BOTTOMORE, T. B. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p. 15; cf. também o verbete “elites” em BOBBIO, N. et. al. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1997). Em Uberabinha, portanto, esta elite incluiria não apenas a classe dominante em termos econômicos, mas também professores, padres, jornalistas, intelectuais em geral, etc. Deve se considerar, ainda, que a elite não é um estrato homogêneo: existe a elite política dominante e sua oposição, entre outras diferenciações.

3 Cf. CARVALHO, Carlos Henrique. República e imprensa: as influências do positivismo na concepção de educação do

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História da Educação brasileira com ênfase no regional, utilizando documentações específicas que auxiliem no processo de compreensão da realidade nacional. Esta é a preocupação central que sempre norteia esta proposta de pesquisa.

3. JUSTIFICATIVA.

A utilização de documentação de caráter político, como a que indicamos acima, tem sido de fundamental importância para o conhecimento e compreensão dos processos sociais ao longo do tempo. A partir destes dados é possível recuperar-se as relações, os conflitos de poder, a formação das alianças, a ascensão e queda de grupos políticos, a ideologia dominante, as principais representações, etc. Mas esse manancial de dados não interessa apenas ao campo da política, da economia, etc, ligando-se, também, diretamente às preocupações de setores mais ligados às questões culturais, como a educação ou, mais especificamente, a História da Educação.

3.1. A República Brasileira e a Educação

Ao se discutir um projeto de sociedade, e na Primeira República brasileira estamos falando de uma sociedade liberal em formação, não se descura dos aspectos que acabam por dar sustentação à continuidade dessa ação, fundados principalmente na educação, que acaba por se encarregar de transmitir e reforçar os valores liberais. Neste sentido, considera-se que a educação contribui para o aprimoramento da sociedade democrática que, por sua vez, é um dos requisitos para o desenvolvimento da sociedade liberal (e não o contrário). A educação torna-se, portanto, centro de atenção dos defensores do liberalismo, sendo ressaltada sua importância para a cidadania, muito mais do que para a formação profissional. Antonio Paim, por exemplo, observa que

O sistema democrático exige, simultaneamente, que a grande massa de cidadãos tenha noção plena e integral do papel que compete a cada um desempenhar. Em toda parte, é certo, as funções do governo são exercidas por elites preparadas para esse mister. Contudo, devem ser avaliadas periodicamente, tarefa que incumbe à massa dos votantes. Os meios de comunicação contribuem, por seu turno, para destacar as questões efetivamente polarizadoras. Para compreendê-las, requer-se um mínimo de cultura geral, que o ensino fundamental deve ser capaz de universalizar. (...) Os liberais têm o dever, em toda parte, de tentar convencer as lideranças locais de que não conseguiremos erigir uma nação próspera e estável, com base num sistema de ensino que atua de modo perverso, contribuindo, precipuamente para engrossar o contingente de analfabetos. (...) A educação para a cidadania é uma tarefa específica4.

Não se poderia ser mais claro com relação ao que se espera da educação por parte do liberalismo, principalmente no que concerne à preparação da população para a prática política e para a construção do progresso e da ordem.

Com a proclamação da República em 1889, os novos governantes colocam-se na condição de inauguradores de uma ordem política superior, em oposição ao Império, mas também na situação daqueles que se propõem a reorganizar a própria nação brasileira, instituindo novos valores, símbolos cívicos, heróis, etc5. Era necessário não apenas implementar uma realidade diferente mas, também, tentar “enterrar” a

4 O Liberalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995, p. 122 e p. 127.

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condição antecedente, os 67 anos de Império. O passado aparece envolto numa aura de atraso, de descaso – marcas do império –, que será superada pela nova ordem, através da valorização do conhecimento moderno, da ciência, da nação, reforçados pela educação – marcas da República. Referindo-se ao discurso dos que discutem a educação neste período de transição do império para a República, Cynthia Greive Veiga, observa:

Na estrutura lingüística dos textos dos intelectuais, a educação e a escola são tomadas como sujeitos de uma nova história a ser escrita, além de estabelecerem uma relação entre ‘nós’ e ‘eles’ para designar os parceiros e os adversários da nação e da República. Estas palavras são, muitas das vezes, tomadas como expressões que possuem uma autonomia própria, encerrando nelas mesmas uma significação dada – progresso, ordem, razão, modernidade6.

Se a educação se apresentava, no mais das vezes, como a redenção de uma nação marcada pelo analfabetismo, pelo atraso técnico, pela base econômico-política de origem rural, era necessário que a mesma fosse organizada de forma rápida e eficiente. Para se consolidar esta sociedade diferenciada seria necessária a formação de um novo cidadão, responsável pela nova ordem, respeitando as normas e trabalhando para o engrandecimento do país.

Se à educação cabia tão importante papel, não se poderia deixar que a mesma se desenvolvesse espontaneamente, mas que se colocasse um direcionamento e um controle sobre a ação dessa instituição redentora. Seguindo o modelo de diversos outros países – da Europa e os Estados Unidos –, procurou-se implantar a escola pública fundamental, sob a direção do Estado, estabelecendo o sistema de ensino como o mecanismo básico de transmissão e defesa dos valores das sociedades democráticas de orientação liberal (como já vimos acima). Lílian do Valle, analisando a discussão sobre privatização do ensino e distanciamento do Estado, observa:

Sob este prisma, a idéia de privatização da educação só pode aparecer como um contra-senso. A Escola pública não é apenas um dos lugares onde se dá esta socialização dos indivíduos: ela é, por excelência, o lugar onde se institui, na vida do futuro cidadão, esta participação, e um dos lugares mais visíveis de instituição daquilo que, na sociedade, foi decidido que, definitivamente, não pode ficar sob o controle exclusivo de alguns, para não se tornar privilégio de uns poucos7.

Vive-se, portanto, uma atmosfera de “entusiasmo pela educação”8, de crença no seu potencial transformador e mesmo regenerador. Éramos um país de analfabetos, incultos e de negros recém saídos da escravidão. Era possível formar-se um país respeitável do ponto de vista político e econômico com essa massa populacional? A conclusão era quase sempre negativa, o que levava à proposta recorrente de se dar maior amplitude à educação nacional. E não se pensava apenas na formação moral e intelectual do povo mas, também, na sua capacitação para o trabalho. Nos moldes modernos de produzir, baseados na divisão “científica” do trabalho, requeria-se um mínimo de escolarização do trabalhador para torná-lo capaz de ler e de

formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

6 “Estratégias discursivas para a educação em Minas Gerais no século XIX”. In: VIDAL, Diana Gonçalves & SOUZA, Maria

Cecilia Cortez C. de (org.). A memória e a sombra: A escola brasileira entre o Império e a República. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 138.

7 A escola e a nação: As origens do projeto pedagógico brasileiro. São Paulo: Letras & Letras, 1997, p. 10.

8 Expressão difundida por Jorge Nagle, em seu já clássico estudo sobre a Educação e Sociedade na Primeira República. São

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compreender explicações sobre a forma de produzir e sobre a operação das máquinas. Sem contar que, para que pudéssemos nos tornar geradores de alguma forma de tecnologia, fundamental para o desenvolvimento industrial – que poderia nos arrancar de nossa condição puramente ruralista –, precisaríamos dominar a ciência, o que não poderia ser feito sem a escola9. Esta importância da escola e da escrita para um melhor dimensionamento do universo social que se transforma, principalmente no nível das relações econômicas, é percebida de diversas formas, inclusive em Portugal, como nos descreve Justino Pereira de Magalhães:

As marcas de ruralidade acentuam-se com o isolamento e com a atrofia do elemento económico voltado para a mercancia. A escrita inscreve-se como factor de autocontrolo económico e jurídico-administrativo, associado a uma complexificação económica e a uma maior diversidade e especialização das forças produtivas, mas também a novas isntância e novos aparelhos de poder10.

3.2. O MUNICÍPIO NA PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

O século XIX, além de servir de palco para os debates sobre o papel da instrução no processo de desenvolvimento brasileiro, de consolidação da nacionalidade e criação de condições para a prática da cidadania, permitirá outros encaminhamentos. Atrelada à discussão sobre a centralização ou descentralização do ensino, a municipalidade brasileira será responsabilizada, ao mesmo tempo que os estados, pela implementação da instrução pública em seus domínios.

Esta questão do envolvimento do município nas coisas da instrução aparece como reflexo da transmissão aos estados da responsabilidade pela instrução pública popular. No entanto, a já citada falta de orientação nacional com relação aos procedimentos instrucionais, pela ausência de determinações especificamente educacionais na Constituição federal, disseminava insegurança quanto ao conteúdo das propostas estaduais de reforma, o que acarretou tanto a heterogeneidade de resultados quanto a prática da reprodução de modelos efetuados em estados mais privilegiados. A esse respeito, e chamando a atenção para o caráter local das mudanças, observa Heladio Cesar Gonçalves Antunha:

De fato, nessa primeira fase [da república], os acontecimentos mais salientes, as realizações mais importantes no campo do ensino primário acontecem ao nível regional e local. O Distrito Federal, mercê de sua privilegiada situação, bem como dos recursos de que dispunha o Estado de São Paulo, que passava naquele momento à liderança econômica do país, encontravam-se em melhores condições para conduzir, de maneira mais satisfatória, seus respectivos sistemas de ensino. Assim, essa duas unidades federadas organizam, desde os dias iniciais do regime, sistemas que à falta de padrões oficiais, passariam a inspirar iniciativas e mesmo a servir de modelos para diversos Estados da União11.

Em Minas Gerais essa influência será sentida quando da formulação de seu projeto de reforma da educação. Começando pela Constituição estadual, esta se debruçará com um pouco mais de atenção do que a

9 Rui Barbosa, discutindo a reforma do ensino primário, já em 1883, observava que “O Estado tem deveres para com a Ciência. Cabe-lhe, na

propagação dela, um papel de primeira ordem; já porque do desenvolvimento da ciência depende o futuro da nação; já porque a criação de focos científicos de ensino é de extrema dificuldade aos particulares...”. In: LACOMBE, Américo Jacobina. O pensamento vivo de Rui Barbosa. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1944, p. 142.

10 Alquimias da escrita: alfabetização, história, desenvolvimento no mundo ocidental do Antigo Regime. Bragança Paulista:

EDUSF, 2001, p. 161.

11 A instrução na Primeira República. Primeira parte: A União e o ensino primario na Primeira República. São Paulo: Faculdade

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federal sobre a questão educacional, estabelecendo logo no parágrafo sexto do terceiro artigo que o “ensino primario será gratuito e o particular exercido livremente”12. Ao Congresso estadual compete, entre outras coisas, “Promover no Estado o desenvolvimento da educação publica...” (item 27, art. 30) e “Legislar sobre instrucção primaria” (item 5, art. 31).

Voltando-se para o município, a Constituição mineira, praticamente reproduzindo o disposto no art. 68 da Constituição federal, estabelece em seu art. 8°: “O Estado institue o governo autônomo e livre dos municípios em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse, nos termos prescriptos por esta Constituição”. Com relação à educação, a Constituição estadual oferecerá às câmaras municipais a “livre deliberação” sobre a instrução primária, responsabilizando-as juntamente com o estado pela implementação desse ensino. Isso pode ser visto no inciso IV do art. 75, que reserva aos municípios alguns direitos que, numa realidade marcada pela descentralização de responsabilidades, soam mais como deveres:

O orçamento municipal, que será annuo e votado em época prefixada, a policia local, a divisão districtal, a creação de empregos municipaes, a instrucção primaria e profissional, a desapropriação por necessidade ou utilidade do municipio e a alienação de seus bens, nos casos e pela fórma determinada em lei, são objecto de livre deliberação das camaras municipaes, sem dependência de aprovação de qualquer outro poder, guardadas as restricções feitas nesta Constituição [grifos nossos].

Essas prescrições sucintas, mas bem mais extensas e esclarecedoras do que aquelas presentes na Constituição federal, aliadas ao conhecimento do conteúdo do decreto de reforma do ensino no Distrito Federal (Decreto 981 de 08/11/1890), nortearão os trabalhos do governo na preparação da lei estadual da instrução pública. Como resultado, será sancionada a Lei n. 41, de 3 de agosto de 1892, que “Dá nova organização á instrucção publica do Estado de Minas”13. A respeito do conteúdo dessa lei, bem como da influência que lhe dá origem, observa João Camilo de Oliveira Tôrres:

O importante da lei 41 é que atualiza e codifica a experiência dos bons pedagogos da Província. Nos programas, como dissemos, há o reflexo da reforma Benjamin Constant [Decreto 981 de 08/11/1890] e o seu exagerado tom enciclopédico. E, com isto, segundo as mensagens relativas aos anos subseqüentes, a lei não era posta em prática de maneira ampla. Não havia professores para ensinar tudo aquilo...14.

Em termos de princípios e determinações para a educação mineira é importante chamar a atenção para alguns aspectos contidos na lei, alguns advindos da Constituição estadual e outros refletindo o Decreto de Benjamin Constant e contribuições específicas do legislativo mineiro. Entre elas, vale destacar, antes de mais nada, a existência do Conselho superior, presidido pelo secretário de educação, responsável pelos métodos, programas de ensino, regimentos, etc. Hierarquicamente, seguem-lhe os conselhos escolares municipais e os distritais. Para fiscalização do andamento das escolas no estado foram criados os inspetores ambulantes. O ensino primário é confirmado como gratuito, mas, quanto à obrigatoriedade, não se responsabiliza diretamente ao estado, estendendo esta obrigação aos pais, tutores, patrões, protetores. As

12 VIANNA, Paulo Domingues. Constituição Federal e Constituições dos Estados. Rio de Janeiro: editora (ilegível), 1911, p. 751.

As próximas citações da Constituição mineira provêm desta mesma fonte.

13 MINAS GERAIS. Collecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Geraes em 1892. Ouro Preto: Imprensa Official de Minas

Geraes, 1893, pp. 43-99. As próximas citações da lei provêm desta mesma fonte.

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escolas foram classificadas em rurais, distritais e urbanas, cada tipo desenvolvendo um currículo específico, que vai se ampliando a partir da escola rural até se completar na escola urbana. Proibia-se os castigos físicos e humilhantes, determinava-se a prática de exercícios físicos, as exigências arquitetônicas e higiênicas, etc. Para o financiamento da instrução, além das verbas próprias do orçamento estadual, instituiu-se o fundo escolar. Ademais, convém destacar a liberdade de ensino assegurada aos particulares, inclusive com a possibilidade de subvenções públicas.

Com relação aos custos para implementação da instrução primária no estado, esta lei, em consonância com o princípio de transferir a responsabilidade ou, no mínimo, de dividi-la, estabelece, no parágrafo segundo do Art. 331, a participação do município no provimento dos prédios escolares e no mobiliário necessários a esse nível educacional:

A’ designação das cidades, villas e districtos onde tenham de se realizar essas construcções [prédios para escolas primárias] precederá accôrdo com a respectiva camara municipal, que deverá contribuir com a metade da despesa a fazer-se com esse serviço e acquisição da mobilia necessaria a cada escola, tudo de conformidade com as plantas, designação local, orçamento e instrucção da secretaria das obras publicas do Estado, podendo as municipalidades, quando queiram, ser encarregadas da execução das obras, uma vez que se obriguem a effectual-as nas condições determinadas e no prazo estipulado, que não deverá exceder de um anno.

Esta foi a base educacional estabelecida no estado de Minas Gerais a partir de 1892: uma lei ambiciosa nos propósitos, enciclopédica nas prescrições, reticente quanto à obrigatoriedade do ensino, insegura quanto aos recursos necessários ao financiamento, mas buscando conjugar o estabelecido na Lei Maior do país e a crença liberal no poder transformador e regenerador da educação. O maior obstáculo à execução da lei, no entanto, não foi o enciclopedismo, mas a falta de recursos do estado. O que levou, tanto na lei como na prática, à responsabilização não apenas dos estados mas também dos municípios no que concerne à instrução pública, como vimos acima. E esta discussão não ocorre apenas em Minas Gerais e nem somente no início da República. Em discurso de 1907, o deputado Dunshee de Abranches, diz que

entre as faculdades e serviços que devem ser concedidos e cometidos aos poderes regionais, sobreleva a difusão e desenvolvimento da instrução, que lhes incumbe ministrar conforme a maneira de ver que lhes é própria e segundo as condições especiais de sua vida local. Daí sustentarem liberalmente alguns constitucionalistas nossos que, pela Constituição republicana, o ensino primário pertence às municipalidades”15.

Portanto, não devemos estranhar, dadas as condições da época, o empenho dos vereadores das cidades do interior de prover suas municipalidades com a instrução fundamental que o estado não conseguia ou não pretendia oferecer. Neste sentido, Uberabinha, o município que originalmente nos chamou a atenção, tem postura exemplar para a compreensão desse fenômeno no âmbito da história da educação: a lei de instrução pública que redige é anterior em alguns meses à lei n. 41, do Estado de Minas Gerais.

A primeira legislatura da Câmara Municipal de Uberabinha é instalada em 7 de março de 1892, em substituição ao Conselho de Intendentes instalado no ano anterior, definindo-se o início dos trabalhos

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legislativos para o dia 07 de abril do mesmo ano. Nesta sessão de 07 de março já temos um primeiro ato voltado para a educação, com a proposta e aprovação de “prover interinamente a aula primaria do sexo masculino desta cidade e ocorrer as despezas pela cobrança da Taxa escolar cobrada com a denominação imposto de capitação”16.

Abertos oficialmente os trabalhos da primeira Câmara Municipal em 07 de abril, já no dia 08 foram tomadas decisões quanto à contratação do professor municipal e à reforma necessária no prédio que abrigaria a escola. No dia 09 de abril foi criado o “imposto da taxa escolar”. E em 12 de abril foi apresentado o projeto de lei da instrução pública do município. Discutida e emendada a proposta nas sessões seguintes, no dia 22 de abril a lei recebeu a aprovação final da Câmara Municipal, tornando-se a Lei n. 1 do ano de 1892, “Que dispõe sobre instrucção publica”. Note-se que a Lei n. 41, que “Dá nova organização á instrucção publica do Estado de Minas”, é de 03 de agosto de 1892, alguns meses, portanto, posterior à de Uberabinha.

Na seqüência deste esforço legislador para a educação, a Câmara aprova em 16 de junho de 1892 a Lei n. 2, “Que dispõe sobre o regulamento escolar”. Chama-se a atenção, novamente, para a anterioridade, superior a um ano, do regulamento escolar de Uberabinha em relação ao seu congênere mineiro, o Decreto n. 655, de 17 de outubro de 1893, do governo de Minas Gerais, que “Promulga o regulamento das escolas e instrucção primaria”17. Para que se dimensione com mais propriedade a determinação dos legisladores municipais com relação à educação, é preciso acrescentar que, neste mesmo mês de junho de 1892, foram aprovadas pela Câmara Municipal: a Lei n. 3, que “Que dispõe sobre as aulas noturnas”; e a Lei n. 4, que “Dispõe sobre a divisão das zonas literarias dos districtos da cidade de Uberabinha”18.

Por essa exposição, podemos perceber que boa parte da responsabilidade pelo encaminhamento da instrução primária encontrava-se destinada às administrações municipais, e isto decorre, no período estudado, exatamente, mas não automaticamente, da descentralização existente. Apesar das legislações estaduais, os municípios também têm de estabelecer o seu corpus legislativo, contendo os princípios e as regras de funcionamento do ensino primário.

Neste processo, vão estabelecendo uma identidade própria ao ensino em cada cidade, de acordo com as prescrições singulares de cada localidade. Portanto, se a tentativa de se compreender a História da Educação brasileira, por exemplo, por meio da legislação e das discussões educacionais (entre outros aspectos) realizadas nos estados é pertinente, não se pode esquecer que boa parte do perfil educacional dos estados não se encontra apenas nessas determinações legais, mas também na própria forma de encaminhar a educação adotada em cada município. E, nesse sentido, para se compreender a História da Educação em Minas Gerais e também no Brasil na passagem do Império para a República, um olhar atento aos processos

16 CAMARA Municipal de S. Pedro de Uberabinha. Actas da Câmara. Uberabinha, 1891-1894, vol. 25 (Arquivo Público

Municipal de Uberlândia-MG). As citações dos trabalhos da Câmara, a seguir, referem-se a este mesmo livro de Atas.

17 MINAS GERAIS. Collecção das Leis e Decretos do Estado de Minas Geraes em 1893. Ouro Preto: Imprensa Official de Minas

Geraes, 1894, pp. 422-465.

18 CAMARA Municipal de S. Pedro de Uberabinha. Leis, Decretos, Regulamentos. Uberabinha, 1892, Livro 1 (Arquivo Público

Municipal de Uberlândia-MG). Todas as leis citadas, de número 1, 2, 3 e 4, aí se encontram. Posteriormente, a Câmara promoverá duas reformas no Regulamento Escolar, em 1896 e 1899.

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de formulação das propostas instrucionais no interior dos municípios é fundamental, para que se possa aquilatar as proximidades e distanciamentos que ocorrem entre esses diferentes espaços.

3.3. A Educação em Minas Gerais na Primeira República.

a) Fase Heróica da Educação Republicana em Minais Gerais (1888-1906)

Minas Gerais não escapa desta efervescência. Já em 1892, comungando dos mesmos ideais redentores da educação, o agora Estado promove uma reforma na instrução pública, através da Lei n. 41, de 3 de agosto de 1892, também chamada de reforma Afonso Pena, complementada pelo Decreto n. 655, de 17 de outubro de 1893, que regulamenta a dita reforma. Em seguida, no governo Bias Fortes, são promovidas modificações na reforma Afonso Pena, através da Lei n. 221, de 14 de setembro de 1897. Logo após (1899-1900), Silviano Brandão, acossado por problemas graves nas contas públicas, promoverá uma série de mudanças na regulamentação do ensino, inclusive determinando o número de escolas primárias para o Estado19. Pretendemos caracterizar esta fase, este momento de discussão e procura de um modelo de instrução pública para o estado, no início da República, que vai de 1889 a 1906, quando se implementa a reforma João Pinheiro criando os grupos escolares em Minas Gerais, como “fase heróica da educação republicana em

Minas Gerais”.

Configura-se uma continuidade no debate que se iniciara no final do período imperial sobre os rumos do ensino no Brasil e que terá, agora, o estímulo dos ideais republicanos compromissados com a educação. A discussão tornar-se-á mais rica e os resultados aparecem na legislação estadual, com reformas, regulamentações, etc..

b) Grupos Escolares em Minas Gerais – a instrução pública da República (1906-1927)

Num segundo momento, consideramos 1906 como marco por ser neste ano que são criados, através da Lei n. 439, de 28 de setembro de 1906 (regulamentada pelo Decreto n. 1960, de 16 de dezembro de 1906) - a chamada reforma João Pinheiro -, os grupos escolares em Minas Gerais, que se tornarão o modelo do ensino primário daí para a frente. A esta fase, que estendemos de 1906 a 1927, chamamos, provisoriamente, de “Grupos Escolares em Minas Gerais– a instrução pública da República”. Segundo Luciano Mendes de Faria Filho, esta importante transformação

possibilitava a alguns inspetores, aos professores e mesmo aos políticos mineiros produzirem uma representação dos grupos escolares como a instituição que, materializando as perspectivas e expectativas mais inovadoras e modernas em termos da instrução primária, significaria um rompimento definitivo com a escola imperial, tradicional e arcaica, cuja representação acabada era a escola isolada20.

A discussão sobre o modelo de educação em Minas Gerais não se completa, contudo, com a reforma

19 Estas e outras informações que aparecerão a seguir, sobre as reformas na educação mineira, podem ser encontradas em

MOURÃO, Paulo Krüger Corrêa. O ensino em Minas Gerais no tempo da República. Belo Horizonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, 1962. Para contato diretamente com o texto das leis, cf. a coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais, publicadas pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, sobre cada ano do período estudado.

20 Dos Pardieiros aos Palácios: Cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na Primeira República. Passo Fundo (RS): UPF,

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João Pinheiro, em 1906. Mas as mudanças posteriores, no que se refere à instrução fundamental, envolviam mais alterações no funcionamento dos grupos escolares, formação dos professores, com a implantação da escola normal, etc. Neste sentido, teremos, na seqüência, variada legislação para o ensino, caracterizando-se como reformas basicamente aquelas promovidas por Wenceslau Brás (1910), Bueno Brandão (1910) e Artur Bernardes (1918). Nesta segunda fase, poderíamos considerar que ocorre a consolidação do novo modelo de ensino primário de Minas Gerais.

c) A Escola Nova em Minas Gerais (1927...)

Julgamos poder identificar uma terceira fase a partir da reforma Antonio Carlos/Francisco Campos, implementada através do Decreto 7.970-A, de 15 de outubro de 1927. O “Regulamento do Ensino Primário” aí aprovado está inserido no movimento de reestruturação da educação nacional, exemplificado nas reformas que ocorrem em diversos outros locais, além de Minas Gerais, todas na década de 1920: São Paulo (Sampaio Dória), Ceará (Lourenço Filho), Bahia (Anísio Teixeira), Distrito Federal (Fernando de Azevedo), etc. Como aqui os princípios da Escola Nova já se fazem presentes, não se tratando mais de otimizações do modelo anterior, pensamos em chamar a esta fase de “a escola nova em Minas Gerais”. Deixamos a data limite em aberto, já que excede o recorte histórico da documentação que pretendemos trabalhar. Contudo, acreditamos que as atas da câmara poderão expressar a influência e as conseqüências desta reforma no município, permitindo acompanhar, por esta via, a extensão e o impacto das medidas no estado. O sentido geral dos anos vinte na educação nacional – e seu caráter inovador – foi bem observado por Jorge Nagle:

Entre 1920 e 1929, particularmente, a instrução pública nos Estados e no distrito Federal sofre muitas alterações... (...) Não houve apenas reforma, (...) houve, também, remodelação no sentido de introdução de novo modelo para a estruturação das instituições e orientação das práticas escolares. Com efeito, tratou-se, no decênio, de substituir o ideário educacional até então vigente, pelos princípios da nova teoria educacional representada pelo escolanovismo. (...) a história da instrução pública nos Estados e no Distrito Federal, na década dos vinte, é também, e principalmente, a história da penetração do ideário da Escola Nova nos seus sistemas escolares21.

3.4. A Educação em Uberabinha

Em Uberabinha, também encontraremos o debate sobre a educação manifestando-se de diversas formas. A formação do município é quase simultânea à proclamação da República, apenas antecedendo-lhe em um ano. Trata-se, portanto, do que poderíamos chamar de uma “autêntica” cidade republicana. E, como tal, assume e reflete os princípios defendidos pela nova ordem, inclusive a preocupação com o potencial altamente positivo de reordenamento contido nas instituições educacionais.

Talvez a mais importante manifestação desse debate seja o conjunto de discussões que ocorre na Câmara Municipal. Consultando algumas atas, veremos que, já em 1892, discute-se a instrução pública em Uberabinha, sendo apresentado projeto de lei para a mesma que, após discussões e emendas, é aprovado,

21 Op. cit., pp. 190-191. Para uma aproximação maior com os princípios que nortearam a reforma educacional em Minas Geais e

seus desdobramentos, cf. PEIXOTO, Anamaria Casasanta. Educação no Brasil – anos vinte. São Paulo: Loyola, 1983. Para uma análise, sob diversas dimensões, dos anos 1920, cf. DE LORENZO, Helena Carvalho & COSTA, Vilma Peres da (Org.). A Década de 1920 e as Origens do Brasil Moderno. São Paulo: Editora Unesp, 1997.

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seguindo-se pouco à frente a sua regulamentação nos limites do município.

Para além de significar uma atualidade da elite uberabinhense em torno das questões nacionais e estaduais, a data de aprovação do texto básico desta lei sobre instrução é bastante significativa: 21 de abril de 1892, anterior em mais de três meses à Lei estadual n. 41 – a Reforma Afonso Pena –, que é de 3 de agosto de 1892. Esta coincidência de discussões e datas nos permite supor que “novas coincidências” poderão ser encontradas através da consulta das atas subseqüentes, tomando-se como referência a legislação produzida no nível estadual.

Para se compreender melhor a extensão das preocupações presentes nas atas da Câmara Municipal de Uberabinha, bem como a concepção de educação que lhe subjaz, apresentamos abaixo a transcrição da Lei n. 1 de Uberabinha, de 1892, “Sobre a Instrução Publica”:

Art. 1º. Ficão os districtos do município dividido em quatro zonas cada um, nas quaes se criarão escollas municipais de instrucção primaria de ambos os sexos, mantida a custa do cofre municipal.

§ Unico. Em cada zona serão mantidas duas escollas para ambos os sexos.

Art. 2º. Nas zonas a ondem não se reunirem numero legal de alunos, para cada escolla ficão estas convertidas em uma mista.

Art. 3º. (Aprovado por unanimidade, mas o texto do artigo não se encontra na ata) Em outro livro podemos vê-lo: “O agente executivo providenciará sobre a criação de predios onde devem funcionar as aulas que forem sendo criadas, despendendo nas forças do orçamento, as quantias necessarias com esse serviço” (Livro 1 de “Leis, Decretos, Regulamentos”, p. 1-B, referente à Lei n. 1 de Uberabinha).

Art. 4º. Nas zonas a ondem existirem aulas particulares mantidas a inspenças de qualquer cidadão passarão ellas a serem municipais, mantidas e regidas segundo o regulamento municipal.

§ 1º. Estas disposições só se verificarão se assim convier aos cidadões que mantiverem as aulas.

§ 2º. Nas escollas particulares em que os proprietarios offerecerem predios gratuitamente para nelles funcionar aulas municipais, serão de preferencia providos de professores.

(Até aqui, aprovado em 19/04/1892)

Art. 5º. A Camara municipal sempre que for necessario disapropriará pelos canais ordinarios o terreno de cem metros em quadra para construções de predios distinados as escollas no pirimitto de cada zona. Sempre que se proceder desapropriações para este fim, será escolhido local saudavel e com mananciais d’ondem derivem uma penna de agua para uso ordinario da escolla.

§ 1º. Os proprietarios das fazendas divididas que fizerem aduação ao municipio do terreno necessario as construções de predios para escollas, ficão isentos do imposto escollar por 20 annos.

§ 2º. Os proprietarios que fizerem aduação ao município de terreno e casa construida segundo as disposições desta lei, ficão isentos de todos os impostos municipais por 24 annos, por morte do aduador

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passará o direito de isenção a seus herdeiros que entre ci dividirão as vantagens rezultantes do mesmo direito.

Art. 6º. É criada em cada zona literaria, um funcionario com denominação de agente escollar sob cuja a inspção ficarão as seguintes attribuições:

§ 1º. Agente escollar nomiado pela Camara d’entre os cidadãos rezidentes nas zonas reconhecido por sua moraridade, probidade e inteligencia tomará posse perante a mesma Camara em sessão, sendo previamente avisado. O titulo [?] para o seu exercício é isento de qualquer imposto municipal.

§ 2º. Ao agente escollar compete executar todas as ordens da Camara, eremeter a mesma em sua ultima sessão anual uma lista contendo nome, idade, profissão e as circunstancias de saber ler e escrever, de todos os habitantes das circunscripções literarias a seu cargo.

(Até aqui, aprovado em 20/04/1892 – pp. 56-B, 57 e 57-B)

§ 3º. Terá inspção emmediata sobre oprocedimento proficional dos professores, verificando-se se cumpre elles o regulamento escollar e mais disposições legais.

§ 4º. Remeterá apresidente da Camara lista dos pais de familia que se recuzarem remeter seus filhos pupilos, ou dependente a escolla se estes estiverem nas cazas prescriptas pela lei.

Art. 7º. Logo que comesem funcionar qualquer escolla municipal, o responçavel pela a educação da infancia remeterão todos os meninos que estiverem sobre sua gerencia, sob pena de pagarem a Camara para ofundo escollar a quantia de trinta mil reis ena reincidência – secenta mil reis.

§ Unico. O agente escollar logo que tenha certeza que algum menino não frequenta a escolla, intimará o responçavel pela a educação para no praso de secenta dias o matricular em qualquer das escollas das zonas literarias sob as penas cominadas de desobediencia.

Art. 8º. A Camara fornecerá aos alunos pobres, livros, papel, pena, tinta necessario ao ensino, devendo quando ofundo escolar comporte fornecer roupa necessaria para afrequencia do aluno.

§ Unico. Para ter lugar ofornecimento dos objectos do Art. antecedente, o professor requisitará do agente escolar sua intervenção perante a Camara, devendo este em relatorio circunstanciado demonstrar a necessidade da medida exigida.

Desposições gerais

Art. 9º. O exercicio do agente escollar durará por tres annos não podendo se escuzar de exercello excepto p. motivos justo e provado sob pena de pagar trinta mil reis para ofundo escollar.

Art. 10º. Quando por molestia ou mudança o agente escollar não possa continuar no exercicio de suas funções deverá pedir a exoneração a Camara remetendo relatorio de sua gerencia.

Art. 11º. O agente escollar que desempenhar com tino eproficiencia seus deveres receberá dez por cento sob a quantia que liquidar para ofundo escollar nas zonas de sua gerencia. Este favor se reduzirá a seis por cento do primeiro anno em diante.

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Art. 12º. Alem das obrigações que lhe são empostas nos artigos antecedentes, o agente fará vizita as escollas o menos uma ves por mes, fazendo manter todos os preceitos de moraridade e higiene e as prescrições desta lei.

Art. 13º. O agente escollar que for convencido de desia [desídia] e encuria ou falta prevista nesta lei, e na gerais vigentes, alem de dimissão a bem do serviço publico pagará dez mil reis de multa.

Art. 14º. As cazas distinadas as escollas construidas pelo fundo escollar ou aduádas por qualquer cidadão terão as seguintes dimenções e condições: midirão cincoenta palmos de frente sob trinta e ceis de fundo contando varanda conforme a regra da construção. Nestas cazas se observarão as condições hygienicas recomendadas pela a sciencia e terão comodação necessaria ao serviço da instrucção e a pessoal docente. Art. 15º. A Camara no regullamento escollar criará instituição literaria sob a denominação de protectores da

infancia, que se comporá de todas as pessoas que prestarem serviço a instrucção publica.

Art. 16º. A Camara municipal em suas sessões deliberará sobre premio e recompença distinados aos membros da instituição que se distinguirem por serviço a instrucçãp publica.

Art. 17º. Os premios constarão de diplomas honorificos, medalhas comemorativas de acto de benemerencia e inzenção de impostos.

Art. 18º. Os casos omisso nesta lei serão regulados pela lei da instrucção publica que for adoptada no Estado aonde não for contraria a esta.

Art. 19º. Ficão revogadas as dispozições em contrario.

(Aprovado em 21/04/1892 – pp. 58-B a 60-B, Volume 25 das Actas da Camara)

Este é o texto que foi encaminhado para redação final, antes de sua publicação como a Lei n. 1 de Uberabinha de 1892, que “dispõe sobre a Instrucção Publica”22. Para que se possa aquilatar a extensão da preocupação com educação no interior da Câmara Municipal, que iniciava suas atividades, basta lembrar que, na seqüência, a Lei n. 2 “dispõe sobre o Regulamento Escolar”, a de n. 3 “dispõe sobre as aulas nocturnas” e a de n. 4 “dispõe sobre a divizão das zonas litterarias dos districtos da cidade de Uberabinha”. Portanto, as quatro primeiras leis aprovadas no município de São Pedro de Uberabinha, no ano de 1892, foram referentes à educação, o que pode demonstrar como a cidade estaria realmente muito envolvida pelos ideais republicanos de redenção e de busca do progresso pela educação. O que reforça a importância de se estudar o percurso da educação nesta região, como forma de se compreender melhor o conjunto da História da Educação, tanto mineira como nacional.

3.5. Ordem Social e Educação em Uberabinha

Além da questão da organização da instrução, objeto específico da Lei n. 1, outros elementos se

22 O texto oficial, com correções de forma mas não de fundo, pode ser encontrado no Livro 1 de “Leis, Decretos, Regulamentos”, da

Camara Municipal de S. Pedro de Uberabinha, referente ao ano de 1892. Aqui, preferimos manter o texto original, para que o leitor possa acompanhar de forma mais “viva” a elaboração legislativa no final do século XIX, em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, inclusive a forma arcaica da escrita.

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fazem presentes e são importantes para a compreensão dos processos de reorganização da sociedade que se instaurava. Referimo-nos, mais especificamente, às questões relativas à divisão de responsabilidades entre público e privado, à higiene social e pessoal, às condições arquitetônicas dos prédios escolares e da própria cidade, à moralidade, à honestidade, ao mérito, etc, todas presentes no texto da lei.

Apesar da propalada atenção ao ensino, reconhecido o seu potencial formador e regenerador, o Estado, representado aqui pelo município, não assume integralmente a responsabilidade pela implementação do ensino. Primeiro, reconhece as escolas mantidas por particulares; depois, estimula a doação de terrenos e prédios para as escolas, acenando com a isenção de impostos como retribuição. Além disso, responsabiliza também a família, ao criar multas para os que se recusarem/descuidarem do encaminhamento das crianças à escola.

Também quanto à higiene o assunto é recorrente. No art. 5º indica-se que os terrenos expropriados para a construção de escolas estejam localizados em local saudável e com acesso a água. No art. 14º diz-se que nestas “cazas se observarão as condições hygienicas recomendadas pela a sciencia”. Além disso, estipula-se as dimensões dos prédios escolares: 50 palmos (11,0 metros) por 36 palmos (7,92 metros).

Entre os atributos exigidos ao agente escolar estão a moralidade e a probidade, ficando sujeito a demissão a bem do serviço público nos casos de desídia e incúria. Sem contar que as normas que regem seu trabalho são rígidas, da mesma forma devendo proceder com relação aos professores e demais pessoas ligadas à instrução.

Trata também de questões relacionadas ao mérito educacional, propondo-se como prêmio às pessoas que se destacarem nesta área, “diplomas honorificos, medalhas comemorativas de acto de benemerencia e inzenção de impostos”. Estimula-se, portanto, não apenas os princípios morais, mas também se procura premiar estas atitudes.

Estas discussões – assim como outras – relacionam-se a temáticas maiores, educação e reorganização social, que perpassavam a sociedade brasileira (e mineira) do início do período republicano. No século XIX encontraremos uma acentuada preocupação com as práticas higiênicas, tanto envolvendo questões de saúde pública, como de “limpeza social”. Há uma aproximação da medicina tanto no que se refere à reorganização da escola, como da família e da sociedade. Desta forma,

inúmeros aspectos da organização escolar foram constituídos em objeto de atenção do saber médico, como foi assinalado, dentre os quais foi dado destaque à arquitetura, ao corpo e à leitura. Esse movimento, rumo a uma remodelação da escola, tinha no horizonte a utopia de produzir uma sociedade escolarizada, regenerada e homogênea. Uma escola e uma sociedade higienizada23.

Esta preocupação com questões higiênicas e morais, principalmente em termos sociais, também será

23 GONDRA, José G., “Medicina, Higiene e Educação Escolar”. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes

& VEIGA, Cynthia Greive (org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 544. Sobre a questão da influência da medicina sobre o ambiente familiar, principalmente sobre o papel da mãe, cf., por ex., DONZELOT, Jacques. A Polícia das Famílias. Rio de Janeiro: Graal, 1980. Sobre questões relacionadas à criança (e também sua relação com a escola) na sociedade brasileira, cf., entre outros, FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997.

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encontrada em Uberabinha em outras discussões da Câmara, e não apenas nesta lei n. 1, sobre a instrução. Numa rápida incursão em período próximo ou pouco posterior ao da edição da referida lei, encontramos diversas moções relativas a essa temática e que demonstram a atualidade da elite uberabinhense com relação às temáticas nacionais e estaduais.

Relacionado à questão do aprimoramento urbano, em termos de controle das condições higiênicas na cidade, encontramos algumas passagens que atestam esta preocupação: em 12/04/1892 vota-se pela extinção das “sevas de chiqueiros” na cidade (Vol. 25 das Actas da Camara, p. 49-B); em 19/12/1905, encontramos a seguinte posição de um vereador: “1º Proponho que se prohiba terminantemente a criação ou conservação de gado vacum cavallar, muar, caprino ou lanígero no patrimonio da cidade...” (Vol. 30 das Actas da Camara, p. 23).

Podem ser verificadas, também, várias passagens de preocupação com a ordem social, relacionadas à presença de indigentes nos espaços públicos, contra a vadiagem e os distúrbios sociais, como pode ser visto nos seguintes exemplos: em 21/04/1892, um vereador faz pedido de ofício ao presidente do Estado, solicitando um destacamento policial na cidade, “a fim de se manter a ordem e reprimir a vadiagem” (Vol. 25 das Actas da Câmara, p. 60-B); em 23/04/1892 é aprovada por unanimidade uma proposta, “autorizando ao agente executivo desta comarca aofficiasse ao Smº. Promotor publico e mais autoridades local, pedindo que se fassa effectiva as disposições do Art. 399 do Código penal, contra os indivíduos que não se mostrarem empregados, ou tiverem profissão ou officio pelo qual ganhe honradamente a vida” (Vol. 25 das Actas da Câmara, p. 63-B); em 05/07/1905, o zelador do mercado pede que a Câmara tome providencias para retirar “de um dos compartimentos do mercado, um doente indigente afim de ser feitos os concertos”, que julgava necessários em algumas salas (Vol. 25 das Actas da Câmara, p. 60/B-61)24.

3.6 A Educação em Patos de Minas

Como evidências do que foi salientado anteriormente, podemos demostrar a riqueza e, ao mesmo tempo, a importância histórico-educacional da cidade de Patos de Minas, se considerarmos que o município na primeira República, mais especificamente, entre 1888 a 1930, possuía vários jornais que discutiam os problemas educacionais, não apenas da região como também do Brasil. Nos periódicos de Patos de Minas, do referido período, há algumas considerações a fazer: o Jornal O Trabalho surgiu em agosto de 1905 e circulou durante quatro anos, ou seja, até 1909; sendo publicado três vezes por mês. Segundo redação encontrada em seu primeiro número, foi o primeiro jornal publicado na cidade. Seu redator foi Dr. Antônio Nogueira de Almeida Coelho (era também promotor de justiça da comarca, que, por sua vez era de

24 Uma análise mais acurada das representações de cidade e controle do espaço social imaginadas pela elite uberabinhense, pode

ser feita a partir das “Posturas Municipais” da cidade, contidas nos “Estatutos da Camara Municipal de S. Pedro de Uberabinha”. In: CAMARA Municipal de S. Pedro de Uberabinha. Estatutos e Leis – Camara Municipal S. Pedro de Uberabinha. Uberaba (MG), Typ. “Livraria Seculo XX” de Aredio de Souza, 1903, pp. 3-47. Para compreensão dos processos de controle do espaço físico-social urbano no século XIX, cf., entre outros, STORCH, Robert D. “O policiamento do cotidiano na cidade vitoriana”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5 (8/9): 7-33, set. 1984/abr. 1985.

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Conselheiro Lafaiete) e seu diretor Fortunato Pinto da Cunha (originário da cidade de Tiros). A esperanças destes seus criadores era que sua vida fosse longa para que o município "generoso" que os acolheu, fosse conhecido "lá ao longe" como seus "innumeraveis thesouros que elle guarda em seu seio", aí sendo citadas a indústria agrícola-pastoril e ainda a indústria metalúrgica. O programa do periódico perpassava ainda pela necessidade que viam de apoiar e reforçar as lutas ou os lutadores empenhados em sustentar e defender "o progresso material e intellectual deste vasto e rico município e dos seus

circumvisinhos". Quanto a O Riso e Cidade de Patos, não foi possível localizar seus primeiros números,

onde geralmente se justifica o surgimento e objetivos. Sendo que pelo teor dos artigos encontrados sobre questões ligadas à educação, praticamente não diferem dos artigos encontrados no O Trabalho. Mas é interessante percebermos que Oliveira Mello, em seu livro "Patos de Minas: minha cidade", ao dizer da dificuldade de se tentar enumerar os jornais que a cidade já possui, devido à sua quantidade, deixa de mencionar O Riso, que circulou provavelmente entre 1915 e 1916. Mello cita apenas O Juvenil (1911), Cidade de Patos (1915), O Federalista (1919), Jornal de Patos (1928) e A Gazeta de Patos (1929). Mas além destes haviam outros tais como: A Metralha (1917), O Grito (1915) e a Carapuça (1915).

Com esta perspectiva, entendemos cada período histórico, de um país ou região, que deixa como herança para a posteridade algumas categorias com as quais as elites tentaram difundir sua ideologia e, às vezes, aquelas com as quais os setores dominados procuraram – nem sempre conseguindo – resistir à manipulação. Por estas categorias entendemos as representações da realidade que os setores dominantes montam, convencem/impõem ao restante da população, em torno das quais procuram justificar suas atitudes, que nem sempre se coadunam com as representações.

A educação será neste período, portanto, um conceito extremamente valorizado e que precisa ser analisado em sua extensão, nos diferentes significados que toma ao longo do período de estudo e na forma como é apreendido pela população. Também as figuras-chave do processo educacional precisam ser dimensionadas: professor, aluno e a própria escola. A organização escolar e suas imbricações com o poder público permitem apreender a incestuosidade de várias relações. A presença da iniciativa privada, em grande parte de caráter confessional, demonstra a um só tempo o tratamento mercadológico dado à educação, o afloramento da ideologia católica na República Velha, o descaso do Estado, etc.

Para que se possa aquilatar a significância destas categorias é preciso identificá-las ao longo de todo o percurso, descrevendo e comparando suas trajetórias. Inclusive, procurando perceber se suas linhas de ascensão e/ou declínio se manifestam da mesma forma nas diferentes cidades estudadas. Será preciso também observar como estas categorias se manifestam em nível de publicações na imprensa e na prática observada nas escolas, além do que está prescrito nas leis.

3.7. Perfil da Documentação

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demonstrando a importância da documentação sobre o período e as principais representações presentes nas atividades políticas de Uberabinha. Parte das discussões também poderá ser acompanhada através da imprensa, em documentação já catalogada, pela qual podemos perceber como repercutem em Uberabinha tanto os atos legislativos da cidade como do Estado de Minas Gerais. Como exemplo, encontramos em um jornal de Uberabinha, uma reportagem de 1928 noticiando a visita de Francisco Campos à cidade. Além do circuito obrigatório de visitas ao fórum, à usina hidrelétrica (símbolo de progresso), às autoridades do município, etc, chama-se bastante a atenção para sua passagem pelas duas escolas estaduais da cidade:

A seguir rumaram para o GRUPO ESCOLAR cuja diretora, Alice Paes, corpo de professores, alumnos e pessoas gradas, receberam-no festivamente, entre himnos e flôres. No salão nobre, d. Alice Paes, que com descortino, dirige esse modelar estabelecimento de ensino, saudou s. exa. em fervoroso discurso lido, de conceitos elevados. (...) [Dirigiu-se] em seguida para o GYMNASIO onde o aguardavam director, professores e alumnos desse acreditado estabelecimento de ensino. Saudou s. exa. o director, professor José Ignácio. S. Exa. agradeceu e depois de percorrer os vastos salões dessa modelar casa de ensino, retirou-se vivamente impressionado, para, no campo esportivo do Uberabinha, assistir á pugna imensa que ali se travava entre o verde-branco local e o campeão do Triângulo25.

Precisaremos checar esta informação junto às atas da Câmara e outros atos do executivo, para poder dar o devido peso desta visita para a educação de Uberabinha. Mas a notícia do jornal é indício para a pesquisa nos livros de atas. Assim como as notícias das atas e a publicação de leis são pistas para o retorno às fichas já catalogadas da imprensa uberabinhense.

Ao lado das questões políticas, econômicas, culturais ou meramente “sociais”, os problemas relacionados à educação recebem, ao longo de todo o período pesquisado, destaque especial nas discussões da Câmara Municipal, dos atos do agente executivo, do noticiário jornalístico, etc. Se estas informações perdem, às vezes, em densidade especificamente educacional, já que muitas vezes são produzidas por leigos, que não acompanham diretamente as teorias e a prática educacional, ganham em densidade interpretativa, pois vêm carregadas do cotidiano da comunidade, pois suas análises, descrições, críticas ou propostas visam ao envolvimento e à busca de soluções para os problemas conjuntos dessa comunidade. Portanto, se o historiador estiver devidamente munido do aparato teórico e dominando os fatos do contexto histórico onde o processo se desenrola, estas informações documentais tornam-se uma fonte inigualável para o estudo da História da Educação – regional e nacional –, contribuindo para a ampliação da compreensão do processo de expansão da educação, da difusão de concepções educacionais, dos usos políticos, das relações político-educacionais, das transformações sócio-culturais, das lutas dos diferentes estratos sociais pela educação, das representações sociais projetadas, entre outras variáveis passíveis de interpretação.

A interpretação deste acervo documental, portanto, configura-se como de importância fundamental para a continuidade do estudo da História da Educação na região do Alto Paranaíba e do Triângulo Mineiro e da imbricação da mesma com o processo de desenvolvimento educacional brasileiro, numa perspectiva já

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anotada por pesquisadores da área:

As críticas às produções teóricas paradigmáticas, genéricas e a maior atenção aos aspectos singulares, específicos são expressão de um movimento metodológico mais amplo que há tempos ocorre em âmbito internacional. (...) É o dilema de quem, ao mesmo tempo, precisa definir os contornos gerais da floresta, mas também, para não torná-la abstrata e genérica, precisa conhecer a especificidade de suas árvores. (...) No entanto, por mais sedutoras que sejam essas pesquisas, não se pode permitir que a descrição pormenorizada da árvore impeça a compreensão da floresta como um todo26.

É exatamente esta linha de pensamento que tem norteado nossa pesquisa, buscando trabalhar o particular, o regional, sem perder de vista o geral, no caso, o nacional. O enfoque sobre as regiões citadas anteriormente é apenas o ângulo que utilizamos para análise e compreensão da História da Educação brasileira. E, neste sentido, consideramos que os objetos que estamos tomando para análise, atas da Câmara Municipal, complementadas por atos do executivo, relatórios do agente executivo, etc, permitem o alargamento da visão e o conseqüente posicionamento para saltos mais ambiciosos no âmbito da História da Educação.

4. O PERÍODO DE ESTUDO: 1888-1930.

A data de 1889 é tomada como referência inicial por ser o ano de início do período republicano, sendo a partir de então, organizadas as instituições políticas específicas de cada cidade, como as Câmaras Municipais e a ação dos agentes executivos. A década de 1880 é também muito significativa para a história do Brasil – e não apenas para a região –, uma vez que testemunhará importantes transformações na estrutura social brasileira, já que teremos em 1888 a extinção da escravatura e em 1889 a proclamação da República e a instauração de uma nova ordem nacional, implicando na substituição da Constituição e no estabelecimento de reformulações em praticamente todos os setores da vida político-econômico-cultural, inclusive da educação. O material apresentado acima é suficiente, julgamos, para que se possa dimensionar a densidade dos debates nas cidades de Uberabinha e de Patos de Minas, que se estende pelos anos 1890 e persiste nas décadas seguintes.

1930 é colocado como limite não por indicar o término de um nova fase na periodização educacional mineira que adotamos, mas por ser o ano de irrupção de um movimento nacional que levará à mudança dos grupos no poder – no Brasil, em Minas Gerais e nas regiões – e, conseqüentemente, a uma reestruturação da vida política nacional, inclusive com a elaboração de uma nova Constituição quatro anos depois, sem contar as reformas promovidas por Francisco Campos, agora no comando da educação nacional. Adicionalmente, nossa documentação central, os livros de atas das Câmaras Municipais, sofrerão uma interrupção em 1930, sendo o registro da vida política das cidades reiniciado apenas em 1936, para nova interrupção em 1937 (conferir Tabela 2). Portanto, estes três últimos anos de nossa periodização – com a utilização das atas da Câmaras – acabam por ser uma incursão exploratória dos desdobramentos causados pela reforma do ensino em Minas Gerais. Outros conjuntos documentais terão de ser utilizados para dar conta da compreensão do processo em

26 BUFFA, Ester e NOSELLA, Paolo. Schola Mater: A Antiga Escola Normal – 1911-1933. São Carlos (SP): EDUFSCar, 1996,

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sua continuidade – que ainda não foram avaliados –, para que se identifique como as idéias da escola nova irão influenciar a educação na região e as conseqüências daí advindas.

Além disso, Uberabinha sofrerá profundas transformações em suas condições sócio-culturais, passando a contar com diversas instituições voltadas para a educação e a cultura, como grupos escolares, ginásio de educação, escola normal, sociedade musical, grêmios literários, jornais diversos, etc. E a maior parte destas mudanças ocorreu nos anos 1920, configurando-se este período como o encerramento de um ciclo, tanto em termos políticos como culturais, conforme já observado. Esta periodização proposta abarca os marcos principais que estabelecemos anteriormente para compreensão da educação em Minas Gerais e Uberabinha: 1892 (Reforma Afonso Pena e Lei de Uberabinha “Sobre a Instrução Publica” – chamada por nós de “fase

heróica da educação republicana em Minas Gerais” – 1888- 1906); 1906 (Reforma João Pinheiro, criando

os grupos escolares – fase por nós denominada “Grupos Escolares em Minas Gerais: a instrução pública da

República” – 1906-1927); e 1927 (Reforma Antonio Carlos/Francisco Campos – fase a que chamamos “a escola nova em Minas Gerais” – 1927...).

Finalmente, podemos observar pela tabela abaixo, que a década de 1920 é significativa para o desenvolvimento do ensino na região do Alto Paranaíba e do Triângulo Mineiro, com a fundação de diversas escolas, inclusive em Uberabinha, o que reforça a idéia de fechamento de um ciclo e a abertura de uma fase em que a cidade terá condições de ampliar sua importância na região, tornando-se o mais importante centro urbano após os anos 1940.

Tabela 1. Escolas Públicas e Privadas Fundadas no Alto Paranaíba e no Triângulo Mineiro , por Décadas.

39ª SRE – Sede: Patos de Minas 40ª SRE – Sede: Uberlândia TOTAL GERAL DÉCADAS Públicas Privadas Total Públicas Privadas Total Públicas Privadas Total

1880 - 01 01 - - - - 01 01 1890 - - - - 1900 - 01 01 01 - 01 01 01 02 1910 03 - 03 01 02 03 04 02 06 1920 02 01 03 02 03 05 04 04 08 1930 - 02 02 - 02 02 - 04 04 1940 16 - 16 03 01 04 19 01 20 1950 18 04 22 09 03 12 27 07 34 TOTAL 39 09 48 16 11 27 55 20 75

Fonte: 39ª e 40ª Superintendências Regionais de Ensino de Minas Gerais (SREs/MG)

Entre as décadas referenciais para este projeto o Brasil enfrentará toda sorte de adversidades e procurará caminhos que lhe permitam superar tanto as mazelas herdadas do império como definir os contornos de sua identidade republicana. Em seu início era necessário não apenas defender e garantir a continuidade da República mas também formar uma ideologia que permitisse a todos enxergarem-se como cidadãos, responsáveis e empreendedores de uma nova era. E para a consolidação deste receituário a

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