• Nenhum resultado encontrado

O teatro dialético por Bertold Brecht

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O teatro dialético por Bertold Brecht"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

    Sempre  e  em  toda  parte,  a  arte  é  a  confissão  secreta    

e  o  movimento  imortal  de  sua  época.  

K.Marx  

O  teatro  dialético  por  Bertold  Brecht  

Pequeno  Órganon  Para  o  Teatro.  Excertos:   O  efeito  de  distanciamento  no  teatro    

Necessitamos de um teatro que não nos proporcione somente as sensações, as ideias e os impulsos que são permitidos pelo respetivo contexto histórico das relações humanas (o contexto em que as ações se realizam), mas, sim, que empregue e suscite pensamentos e sentimentos que desempenham um papel na modificação desse contexto.

Tal contexto tem de ser caracterizado na sua relatividade histórica. Ora, isto significa uma ruptura com o nosso hábito de despojar das suas diferenças as diversas estruturas sociais das épocas passadas, de maneira a fazê-las

aproximarem-se mais ou menos da nossa, a qual, por sua vez, adquire, por meio desta operação, o caráter de algo sempre existente, portanto, eterno.

Nós pretendemos, porém, deixar às diferentes épocas a sua diversidade e não esquecer jamais a sua efemeridade, de forma que a nossa época possa ser também considerada efémera. (Para tal propósito, não podem,

naturalmente, empregar o colorido ou o folclore, usados pelos nossos teatros para fazer sobressair, tanto mais acentuadamente quanto possível, a analogia das formas de ação dos homens das diferentes épocas. Indicaremos adiante quais os recursos teatrais a empregar.)

37

Se movimentarmos as personagens em cena por meio de forças motrizes de caráter social, que variem conforme a época, dificultaremos ao nosso

espectador uma aclimatação emocional. Não poderá sentir, pura e

simplesmente, que agiria tal e qual; dirá: “Também eu teria agido assim”;

(2)

históricas, é possível que ao espectador pareçam, então, igualmente, singulares as circunstâncias em que ele próprio age: nasce nele, assim, uma atitude crítica.

42

A forma de representação que foi experimentado no Teatro Schiffbauerdamm de Berlim, entre a primeira e a segunda guerra mundial, e cujo objetivo era apresentar imagens do tipo a que nos temos referido, baseia-se no efeito de distanciamento. Numa reprodução em que se manifeste o efeito de

distanciamento, o objeto é suscetível de ser reconhecido, parecendo,

simultaneamente, alheio. O teatro antigo e o teatro medieval distanciavam

suas personagens por meio de máscaras representando homens e

animais; o teatro asiático ainda hoje utiliza efeitos de distanciamento de natureza musical e pantomímica. Tais efeitos de distanciamento

tornavam, sem dúvida, impossível a empatia e, no entanto, a técnica que os

permitia apoiava-se, ainda mais fortemente do que a técnica que permite a empatia, em recursos sugestivos de natureza hipnótica. Os objetivos sociais destes antigos efeitos eram absolutamente diversos dos nossos.

45

Esta técnica permite ao teatro empregar, nas suas reproduções, o método da nova ciência social, a dialética materialista. Tal método, para conferir

mobilidade ao domínio social, trata as condições sociais como acontecimentos em processo e acompanha-as nas suas contradições. Para a técnica em

questão, as coisas só existem na medida em que se transformam, na medida, portanto, em que estão em disparidade consigo próprias. O mesmo sucede em relação aos sentimentos, opiniões e atitudes dos homens através dos quais se exprimem, respetivamente, as diversas espécies de convívio social.

*  

 

 

 

(3)

O  que  é  o  teatro  épico?  

Walter  Benjamin  

 

Magia  e  Técnica,  Arte  e  Política

 

Excertos:    

Quando perguntaram recentemente ao diretor russo Meyerhold, em Berlim, o que distinguia em sua opinião, os seus autores dos da Europa Ocidental, a sua resposta foi: “ Duas coisas. Primeiro, eles pensam e segundo, pensam materialisticamente, e não idealisticamente”. A tese de que o palco é uma instância moral somente se justifica no caso de um teatro que não se limita a transmitir conhecimentos, mas os produz. No teatro épico, a educação de um ator consiste em familiarizá-lo com um estilo de representação que o induz ao conhecimento; por sua vez, esse conhecimento determina sua representação não somente do ponto de vista do conteúdo, mas nos seus ritmos, pausas e ênfases. No entanto isso não deve ser compreendido na acepção de um estilo. Como diz o programa de Um homem é um homem: “No teatro épico o ator tem várias funções, e seu estilo de representar varia de acordo com cada função”. Mas essas múltiplas possibilidades são regidas por uma dialética à qual têm que se submeter todos os elementos estilísticos.

“A peça épica é uma construção que precisa ser vista racionalmente, e na qual as coisas precisam ser reconhecidas, e, por isso, sua representação deve estar a serviço daquela visão.” A tarefa maior da direção épica é exprimir a relação existente entre a ação representada e a ação que se dá no ato mesmo de representar. Se todo o programa pedagógico do marxismo é determinado pela dialética entre o ato de ensinar e ode aprender, algo de análogo transparece, no teatro épico, no confronto constante entre a ação teatral, mostrada, e o comportamento teatral, que mostra essa ação. O mandamento mais rigoroso desse teatro é que “quem mostra” – o ator como tal – deve ser “mostrado”. Tais formulações podem evocar, talvez, a velha dramaturgia da reflexão, de Tieck. Demonstrar por que essa comparação é falsa equivaleria a subir por uma escada em espiral até os desvãos da teoria de Brecht. Basta dizer que com todos os seus artifícios reflexivos o teatro romântico não conseguiu nunca

(4)

fazer justiça à relação dialética originária, a relação entre a teoria e a prática. Foi em vão que esse teatro tentou consegui-lo, e é em vão, hoje em dia, que o “teatro contemporâneo” se esforça no mesmo sentido.

A condição descoberta pelo teatro épico é a dialética em estado de repouso. Assim como para Hegel o fluxo do tempo não é a matriz da dialética, mas somente o meio em que ela se desdobra, podemos dizer que no teatro épico a matriz da dialética não é a sequência contraditória das palavras e ações, mas o próprio gesto. O mesmo gesto faz Galy Gay aproximar-se duas vezes do muro, uma vez para despir-se e outra para ser fuzilado. O mesmo gesto faz com que ele desista de comprar o peixe e aceite o elefante. Tais descobertas satisfazem o interesse do público que frequenta o teatro épico e o

recompensam. No que diz respeito à diferença entre esse teatro “sério” e o teatro habitual, destinado à diversão, esclarece Brecht, com lucidez: “ao

criticarmos o teatro adverso como um espetáculo meramente culinário, damos talvez a impressão de que o nosso é inimigo de todo prazer, como se não pudéssemos conceber o processo de aprendizado a que nos dedicamos senão como uma fonte de desprazer. Muitas vezes enfranquecemos nossas próprias posições para combater nosso adversário e, para obter vantagens imediatas, privamos nossa causa de suas dimensões mais amplas e mais válidas.

Exclusivamente voltada para a luta, nossa causa pode talvez vencer, mas não pode substituir a que foi vencida. No entanto o processo de conhecimento, de que falamos, é ele próprio agradável. O fato de que o homem ode ser conhecido de determinado modo engendra um sentimento de triunfo, e também o fato de que ele não pode ser conhecido inteiramente, nem definitivamente, mas é algo que não é facilmente esgotável, e contém em si muitas possibilidades (daí a sua capacidade de desenvolvimento), é um conhecimento agradável. O fato de que ele é modificável por seu ambiente e de que pode modificar esse ambiente, isto é, agir sobre ele, gerando consequencias – tudo isso provoca um

sentimento de prazer. O mesmo não ocorre quando o homem é visto como algo de mecânico, substituível, incapaz de resistência, o que hoje acontece devido a certas condições sociais. O assombro, que devemos incluir na teoria

aristotélica dos efeitos da tragédia, deve ser visto como uma capacidade que pode ser aprendida”.

(5)

Quando o fluxo real da vida é represado, imobilizando-se, essa interrupção é vivida como se fosse um refluxo: o assombro é esse refluxo. O objeto mais autêntico desse assombro é a dialética em estado de repouso. O assombro é o rochedo do qual contemplamos a torrente das coisas, que cantam, na cidade de Jehoo, “sempre cheia, mas onde ninguém mora”, uma canção que começa assim:

“Não te demores nas ondas

Que se quebram a teus pés; enquanto Estiverem na água, novas ondas Se quebrarão neles”.

Mas se a torrente das coisas se quebra no rochedo do assombro, não existe nenhuma diferença entre uma vida humana e uma palavra. No teatro éºico, ambas são apenas a crista das ondas. Ele faz a existência abandonar o leito do tempo, espumar muito alto, parar um instante no vazio, fulgurando, e em seguida retornar ao leito.

Referências

Documentos relacionados

Por outro lado, quando se fala em pequenas e médias empresas, onde o número de funcionários é maior, é mais bem dividida e o uso da Intranet se torna

Origem do direito tributário; origens das receitas públicas e sua classificação atual: o sistema constitucional brasileiro consoante reforma tributária do ano de

Há uma grande expectativa entre os cientistas de que, nesta próxima década, novos resultados de observações cosmológicas, aliados aos resultados dos grandes aceleradores como o

A raiva é uma doença viral que acomete os animais domésticos, silvestres e destes para o homem, causando uma doença com sintomatologia?. nervosa, aguda e fatal, levando ao óbito

Os motins na América Portuguesa tanto quanto na Espanhola derivam do colapso das formas acomodativas - como será melhor explicado à frente -, ou melhor dizendo, do rompimento

Deus não vai perguntar quantas pessoas você atraiu para a igreja.... mas vai perguntar como você influenciou o Mundo à

´e aquele pelo qual a filosofia alem˜a traduziu, depois de Kant, o latim existentia, mas Heidegger deu-lhe um sentido muito particu- lar, j´a que designa na sua filosofia

Processo de se examinar, em conjunto, os recursos disponíveis para verificar quais são as forças e as fraquezas da organização.