• Nenhum resultado encontrado

Marcelo Novelino. Curso de Direito CONSTITUCIONAL. 16 a Edição. revista atualizada ampliada

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Marcelo Novelino. Curso de Direito CONSTITUCIONAL. 16 a Edição. revista atualizada ampliada"

Copied!
17
0
0

Texto

(1)

2021

16

a Edição revista atualizada ampliada

Curso de

Direito

CONSTITUCIONAL

(2)

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL 39

C A P Í T U L O 1

Direito constitucional

Sumário: 1. Natureza – 2. Definição – 3. Objeto – 4. Fontes de juridicidade: 4.1. Fontes do

direito constitucional: 4.1.1. Os costumes constitucionais; 4.1.2. A criação judicial do direito; 4.1.3. A doutrina como fonte indireta de produção do direito.

1. NATUREZA

Conhecer a essência do direito constitucional e suas singularidades contribui para uma adequada compreensão e solução dos problemas constitucionais. Dentro da maior e mais tradicional divisão do direito positivo – público e privado –, o direito constitucional é classificado como um ramo interno do direito público. Por ser a

constituição o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico, há quem o considere como o tronco do qual derivam todos os demais ramos do direito.

O direito constitucional se diferencia não apenas por seu objeto e tarefas, mas também por peculiaridades, como o seu grau hierárquico, a classe de suas normas, as condições de sua validade e a capacidade para se impor perante a realidade social (HESSE, 2001a).

O caráter supremo e vinculante das normas constitucionais condiciona a forma e o conteúdo dos atos elaborados pelos poderes públicos, sob pena de invalidação. A supremacia do direito constitucional é um pressuposto da função desempenhada pela constituição como ordem jurídica fundamental da comunidade, cujas normas vinculam todos os poderes, inclusive o Legislativo.

O caráter aberto da constituição permite a sua comunicação com outros sistemas. Nesse sentido, Konrad Hesse (2001a) assinala ser a constituição não um sistema fechado e onicompreensivo, mas um “conjunto de princípios concretos e elementos básicos do ordenamento jurídico da comunidade, para o qual oferece uma diretriz (norma marco).” A abertura do sistema constitucional, no entanto, não é ilimita-da, pois se apresenta apenas na medida suficiente para garantir a margem de ação necessária à liberdade do processo político, permitindo a persecução de diferentes concepções e objetivos, de acordo com as mudanças técnicas, econômicas e sociais. Permite uma adaptação à evolução histórica, algo indispensável para a própria exis-tência e eficácia da constituição.

A garantia imanente decorre da inexistência de uma instância superior capaz de assegurar o cumprimento da constituição. O direito constitucional, por ter que se garantir por si mesmo, exige uma configuração apta a assegurar, mediante a independência e harmonia entre os poderes, a observância espontânea e natural de suas normas pelos poderes constituídos.

(3)

2. DEFINIÇÃO

Definir um objeto consiste em delimitar os seus aspectos gerais e específicos com o intuito de diferenciá-lo dos demais. Com base nos pressupostos lógico-formais, o direito constitucional pode ser definido como o ramo interno do direito público (gênero próximo) que tem por objeto o estudo sistematizado das normas supremas,

originárias e estruturantes do Estado (diferença específica).

Meirelles Teixeira (1991) define o direito constitucional, de forma sintética, como o “estudo da teoria das constituições e da constituição do Estado brasileiro, em par-ticular”; e, de forma analítica, como “o conjunto de princípios e normas que regulam a própria existência do Estado moderno, na sua estrutura e no seu funcionamento, o modo de exercício e os limites de sua soberania, seus fins e interesses fundamentais, e do Estado brasileiro, em particular.” Para José Afonso da Silva (1997), enquanto ciência positiva das constituições, trata-se do “ramo do direito público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e normas fundamentais do Estado.”

3. OBJETO

O direito constitucional tem por objeto característico de estudo as normas refe-rentes aos direitos e garantias fundamentais, à estruturação do Estado e à organização dos poderes, matérias tipicamente consagradas pelas constituições.

Manuel García-Pelayo (1993) diferencia três disciplinas, conforme o objeto específico a ser estudado:

I) direito constitucional positivo (particular ou especial): tem por objeto a

interpretação, sistematização e crítica das normas constitucionais vigentes em um determinado Estado como, e.g., o direito constitucional brasileiro; II) direito constitucional comparado: tem por finalidade o estudo comparativo

e crítico das normas constitucionais positivas, vigentes ou não, de diversos Estados, desenvolvido com o intuito de destacar singularidades e contrastes entre as diversas ordens jurídico-constitucionais; e

III) direito constitucional geral: compreende a sistematização e classificação de

conceitos, princípios e instituições de diversos ordenamentos jurídicos visando à identificação dos pontos comuns, isto é, das características essencialmen-te semelhanessencialmen-tes de um deessencialmen-terminado grupo de constituições. Por meio desta disciplina, procura-se estabelecer uma teoria geral do direito constitucional.

4. FONTES DE JURIDICIDADE

O problema das fontes está relacionado ao modo de constituição e manifestação do direito positivo vigente em uma determinada sociedade. A palavra “fonte” (do latim

(4)

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL 41

pela ciência do direito, desde o século XVI, para designar de onde este provém. As fontes do direito são, portanto, os fatores responsáveis pela constituição de sua normatividade.

A experiência jurídica revela a existência de três bases constitutivas fundamentais do direito: a legislação, a tradição e a jurisdição. Conforme o tipo de sistema (civil

law ou common law), via de regra, uma delas se sobressai “como polo de organização

do conjunto” e convoca as demais, de forma que todas acabam por participar do processo global de constituição do direito (MIRANDA, 2000a). Em que pese a diver-sidade de grau e de articulação entre as fontes, todo sistema constitucional possui normas advindas da lei, dos costumes e da jurisprudência.

4.1. Fontes do direito constitucional

Toda classificação doutrinária é subjetiva e, de certa forma, arbitrária. Para ser útil, além de coerente, deve facilitar a compreensão de uma determinada realidade estudada. Nas palavras de Virgílio Afonso da Silva (2003), “classificações ou são coerentes e metodologicamente sólidas, ou são contraditórias – quando, por exemplo, são misturados diversos critérios distintivos – e, por isso, pouco ou nada úteis.” As classificações das fontes do direito são bastante diversificadas, não havendo consenso nem mesmo acerca do sentido no qual devem ser trabalhadas. Utilizando como paradigma a classificação adotada por Norberto Bobbio (1996), as fontes de juridicidade podem ser divididas em originárias e derivadas.

Nos países de civil law, a fonte originária do direito constitucional é a constituição escrita que, na condição de fonte principal e suprema, pode delegar competências a outros poderes ou reconhecer, ainda que implicitamente, normatividade a outras fontes. As fontes derivadas delegadas são as resultantes de competências atribuídas pela constituição a órgãos inferiores para a produção de normas jurídicas regulamen-tadoras. Enquadram-se nesta espécie, por exemplo, as leis e decretos que lhe servem de apoio, bem como a jurisprudência decorrente da integração e interpretação de seus dispositivos. As fontes derivadas reconhecidas compreendem as normas jurídicas

produzidas antes ou durante a vigência de uma constituição e que são por ela aco-lhidas. É o caso, por exemplo, das leis recepcionadas e dos costumes constitucionais.

Fontes do direto constitucional

Originária:

Constituição escrita Derivadas

Delegadas:

leis, decretos e jurisprudência

Reconhecidas:

(5)

4.1.1. Os costumes constitucionais

O surgimento de um costume ocorre quando a prática reiterada de certos atos é capaz de criar, no meio social, a convicção de sua obrigatoriedade. Para que este tenha valor jurígeno, é imprescindível a conjugação do aspecto objetivo, consistente na prática comum e habitual de determinados atos, com o aspecto subjetivo, caracte-rizado pela crença de que tais atos são necessários ou indispensáveis à coletividade.

O costume constitucional se diferencia dos demais não pela forma de surgi-mento, mas por ter um conteúdo relacionado aos direitos fundamentais, à estrutura do Estado ou à organização dos poderes. Parte da doutrina critica a aceitação dos costumes como fonte do direito constitucional por considerar que a manifestação da vontade do povo deve ocorrer exclusivamente por meio da Assembleia Consti-tuinte ou de um órgão equivalente (princípio da soberania nacional), bem como por entender que a existência de normas criadas à margem da constituição vulnera sua supremacia (conceito de constituição formal). A despeito de tais argumentos, os costumes constitucionais, quando compatíveis com a constituição escrita, devem ser admitidos por terem um papel relevante na interpretação de dispositivos e na integração de lacunas constitucionais. Vale notar, no entanto, que o reconheci-mento de uma norma costumeira como direito constitucional não escrito depende da confirmação, ainda que implícita, pelas cortes constitucionais, principais órgãos responsáveis pela guarda das constituições. Nesse sentido, o entendimento adotado por Klaus Stern (1987) que cita, como exemplo de costume no direito alemão, a “cláusula rebus sic stantibus” reconhecida pelo Tribunal Constitucional Federal como “um componente não escrito do direito constitucional federal.” A extensão e a prolixidade da Constituição brasileira deixam pouco espaço para o surgimento de costumes constitucionais. Um dos raros exemplos neste sentido é o “voto de liderança”, de acordo com o qual, no processo simbólico de votação das matérias legislativas, o voto dos líderes dos partidos políticos representa o de seus liderados presentes à sessão. No processo de votação nominal, os líderes votam em primeiro lugar para que os demais parlamentares saibam, antes de votar, em que sentido foi o voto da liderança de seu partido.

Os costumes podem ser de três espécies. O único reconhecido como fonte autô-noma do direito constitucional, é o costume praeter constitutionem (“além da consti-tuição”), utilizado na interpretação de dispositivos constitucionais ou na integração de eventuais lacunas existentes no texto. O costume secundum constitutionem, por estar em consonância com a constituição, contribui para sua maior efetividade. Este deve ser considerado apenas como fonte subsidiária, pois, existindo norma constitu-cional escrita é esta que deve ser aplicada. O costume contra constitutionem, ou seja, aquele cujo conteúdo tem o sentido oposto ao de uma norma da constituição formal, não deve ser admitido como fonte para a criação de normas (costume positivo), nem para o desuso (costume negativo).

(6)

Cap. 2 • CONSTITUCIONALISMO 47

C A P Í T U L O 2

Constitucionalismo

Sumário: 1. Definição – 2. Evolução histórica: 2.1. Constitucionalismo antigo: 2.1.1. Estado

hebreu; 2.1.2. Grécia; 2.1.3. Roma; 2.1.4. Inglaterra; 2.2. Constitucionalismo moderno: 2.2.1. O surgimento das constituições liberais: 2.2.1.1. A experiência estadunidense; 2.2.1.2. A experiência francesa; 2.2.2. O surgimento das constituições sociais; 2.3. Constitucionalismo contemporâneo; 2.4. Constitucionalismo do futuro; 2.5. Transconstitucionalismo; 2.6. Quadro: evolução histórica do constitucionalismo.

1. DEFINIÇÃO

O constitucionalismo, em seu sentido mais amplo, é empregado para designar a existência de uma constituição nos Estados, independentemente do momento histórico ou do regime político adotado. Embora a constituição, em sentido moderno, tenha surgido apenas a partir das Guerras Religiosas dos séculos XVI e XVII,1 todos os Estados – mesmo os absolutistas ou totalitários – sempre

pos-suíram uma norma básica, expressa ou tácita, responsável por legitimar o poder soberano. Nessa perspectiva, o constitucionalismo se confunde com a própria história das constituições.

Em seu sentido mais restrito, no qual o termo é tradicionalmente empregado, está associado a duas noções básicas que o identificam: o princípio da separação dos poderes, nas versões desenvolvidas por Kant e Montesquieu; e a garantia de di-reitos, utilizada como instrumento de limitação do exercício do poder estatal para a proteção das liberdades fundamentais. É sob tal óptica que Nicola Matteucci (1998) define o constitucionalismo como uma “técnica da liberdade”, isto é, como a téc-nica jurídica por meio da qual os direitos fundamentais são garantidos em face do Estado. Ao estabelecer mecanismos de desconcentração do exercício do poder com o intuito de impedir o seu uso arbitrário e de assegurar os ideais de liberdade, o constitucionalismo se contrapõe ao absolutismo. Na célebre frase de Karl Loewenstein (1970), a história do constitucionalismo “não é senão a busca pelo homem político das limitações do poder absoluto exercido pelos detentores do poder, assim como o esforço de estabelecer uma justificação espiritual, moral ou ética da autoridade, em vez da submissão cega à facilidade da autoridade existente.” A “limitação do governo pelo direito” é apontada por Charles Howard McIlwain (1977) como a mais antiga e autêntica característica do constitucionalismo.

1. No período anterior, a constituição era apenas um institutio, isto é, um conjunto de normas desenvolvidas historicamente, em geral, contratualmente conformadas, orientadas por teorias jusnaturalistas, ou, simples-mente, normas que tratavam da distribuição de poder resultante das forças existentes (STERN, 1987).

(7)

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O desenvolvimento contínuo dessas duas ideias nucleares ao longo da história constitucional permite diferenciar, para fins didáticos, algumas fases marcantes atra-vessadas pelo constitucionalismo até atingir sua configuração atual.

2.1. Constitucionalismo antigo

O constitucionalismo antigo compreende o período entre a Antiguidade e o final do século XVIII, no qual se destacaram as experiências constitucionais do Estado hebreu, da Grécia, de Roma e da Inglaterra. Embora o desenvolvimento de uma teo-ria constitucional propteo-riamente dita tenha se concretizado tão somente no Ocidente contemporâneo, a análise dessas importantes experiências constitucionais é impor-tante para a compreensão das categorias essenciais do pensamento constitucional (SALDANHA, 2000).

2.1.1. Estado hebreu

A primeira experiência constitucional de que se tem notícia, no sentido de es-tabelecer limites ao poder político dentro de uma determinada organização estatal, ocorreu na Antiguidade clássica.

Quando da estruturação de seu Estado, os hebreus adotaram constituições re-gidas por convicções da comunidade e por costumes nacionais, os quais se refletiam nas relações entre governantes e governados. Os dogmas religiosos consagrados na Bíblia serviam como limites ao poder político do soberano, razão pela qual Loe-wenstein (1970) aponta esta experiência como o marco histórico do nascimento do constitucionalismo.

A sociedade vivia sob o jugo da autoridade divina e os direitos sofriam forte influência da religião. As normas supremas que deveriam nortear a vida em comuni-dade, bem como a estrutura jurídica daqueles povos, eram estabelecidas pelos chefes familiais ou pelos líderes dos clãs, considerados representantes dos deuses na terra, assim como os sacerdotes.

Entre as características do constitucionalismo praticado pelos povos primitivos

podem ser destacadas: I) existência de leis não escritas ao lado dos costumes (opinio

juris et necessitatis), principal fonte dos direitos; II) forte influência da religião, com

a crença de que os líderes eram representantes dos deuses na terra; III) predomínio dos meios de constrangimento para assegurar o respeito aos padrões de conduta da comunidade (ordálias) e manter a coesão do grupo; e IV) tendência de julgar os litígios de acordo com as soluções dadas a conflitos semelhantes à semelhança do que ocorre atualmente com os precedentes judiciais (BULOS, 2007).

(8)

Cap. 2 • CONSTITUCIONALISMO 49

2.1.2. Grécia

Karl Loewenstein (1970) observa que durante dois séculos existiu na Grécia um “Estado político plenamente constitucional”, no qual foi adotada a mais avançada forma de governo: a democracia constitucional.

A Cidade-Estado de Atenas, com a Constituição de Sólon, é um exemplo clássico daquilo que representou o início da racionalização do poder. Os gregos consideravam como constitucionais as formas de governo em que “o poder não estivesse legibus

solutus, mas fosse limitado pela lei” (MATTEUCCI, 1998). Diversamente das

expe-riências ocorridas no Antigo Oriente – onde, salvo em certos momentos da literatura filosófica chinesa ou dos textos hebraicos, a projeção de conceitos característicos era praticamente inexistente –, com os gregos se verifica a conjunção entre uma experiência institucional extremamente variada e um teorizar idôneo e desenvolvido (SALDANHA, 2000).

São apontadas como principais características do constitucionalismo nesse

pe-ríodo: I) a inexistência de constituições escritas; II) a prevalência da supremacia do Parlamento; III) a possibilidade de modificação das proclamações constitucionais por atos legislativos ordinários; e IV) a irresponsabilidade governamental dos detentores do poder (BULOS, 2007).

2.1.3. Roma

O termo “constituição” (constitutio) era utilizado em Roma desde a época do Imperador Adriano, porém com um sentido bem diferente do moderno. Designava determinadas normas editadas pelos imperadores romanos com valor de lei. Nelson Saldanha (2000) observa que a experiência romana foi uma espécie de retrospecto da ocorrida na Grécia, porém com uma sequência diferente e diversas ampliações.

Apesar de menos mencionada e idealizada que a experiência grega, a democracia romana condicionou estruturas muito características e forneceu verdadeiros modelos conceituais, tais como “principado” e “res publica”.

2.1.4. Inglaterra

A experiência constitucional inglesa, centralizada no princípio do Rule of Law, possui papel destacado na concepção de constitucionalismo.

Na Idade Média, durante séculos predominaram regimes absolutistas nos quais eram vedadas quaisquer formas participativas, assim como a imposição de limites aos governantes, considerados verdadeiras encarnações do soberano ou de entidades divinas. É nesta época, todavia, que o constitucionalismo ressurge como movimento de conquista das liberdades, impondo balizas à atuação soberana e garantindo direitos individuais em contraposição à opressão estatal (TAVARES, 2002).

(9)

A maior contribuição da Idade Média para a história do constitucionalismo, segundo Matteucci (1998), a foi “a afirmação de que todo poder político tem de ser legalmente limitado” (princípio da primazia da lei).

Diversamente da sangrenta Revolução Francesa (1789), fruto da opressão imposta à classe plebeia e que visava destruir o modelo existente para a construção de um novo Estado, a Revolução Inglesa (Glorious Revolution), ocorrida um século antes (1688), pretendia manter e reforçar direitos e privilégios (TAVARES, 2002).

A subordinação do governo ao direito só foi possível na Inglaterra graças à independência dos juízes em relação ao poder político e, sobretudo, pela particula-ridade do direito inglês de considerar, ao lado das normas legislativas emanadas do Parlamento, os precedentes judiciais e os princípios gerais do direito contidos no

common law, um direito do qual os juízes são responsáveis pela guarda e manutenção

(MATTEUCCI, 1998).

Entre os pactos celebrados na Inglaterra, reconhecendo a primazia das liberdades públicas contra o abuso do poder, destacam-se a Magna Charta Libertatum (1215), outorgada pelo Rei João Sem Terra como fruto de um acordo firmado com os súditos, e a Petition of Rights (1628), firmada entre o Parlamento e o Rei Carlos I. Ao lado desses pactos foram elaborados, ainda, outros documentos de grande importância, como o Habeas Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701).

Um dos símbolos do modelo constitucional inglês é o Parlamento, especialmente como organizado ao longo do século XVII, período de formação dos partidos políticos ingleses. Os Tories, em sua maioria proprietários rurais, tinham um ideário conservador e eram ligados aos anglicanos. Defendiam uma Coroa forte e ainda recorriam à doutrina do direito divino dos reis. Os Whigs, por sua vez, eram defensores das doutrinas de contrato social. Eram liberais, puritanos e, em matéria religiosa, tolerantes com os demais protestantes (GODOY, 2007).

Rafael Jiménez Asensio, citado por Fachin (2008), assinala como principais ca-racterísticas do constitucionalismo na Idade Média: I) a supremacia do Parlamento;

II) a monarquia parlamentar; III) a responsabilidade parlamentar do governo; IV) a independência do Poder Judiciário; V) a carência de um sistema formal de direito administrativo; e VI) a importância das convenções constitucionais.

2.2. Constitucionalismo moderno

O constitucionalismo moderno designa a fase compreendida entre as revoluções liberais do final do século XVIII e a promulgação das constituições pós-bélicas, a partir da segunda metade do século XX.

O novo período, apontado por muitos como o verdadeiro marco inicial do cons-titucionalismo, foi marcado pelo surgimento de dois modelos de constituição: as

(10)

Cap. 4 • PODER CONSTITUINTE 69

C A P Í T U L O 4

Poder Constituinte

Sumário: 1. Poder Constituinte Originário: 1.1. Espécies; 1.2. O fenômeno constituinte; 1.3.

Natureza; 1.4. Titularidade e exercício; 1.5. Características essenciais; 1.6. Limitações materiais; 1.7. Legitimidade; 1.8. Quadro: Poder Constituinte Originário (PCO) – 2. Poder Constituinte De-corrente: 2.1. Natureza; 2.2. Características; 2.3. Existe Poder Constituinte Decorrente fora dos Estados-membros?; 2.4. Limitações impostas à auto-organização dos Estados; 2.5. Quadro: Poder Constituinte Decorrente (PCD) – 3. Poder Constituinte Derivado: 3.1. Limitações impostas ao Poder Reformador: 3.1.1. Limitações temporais; 3.1.2. Limitações circunstanciais; 3.1.3. Limitações formais (processuais ou procedimentais); 3.1.4. Limitações materiais (ou substanciais): 3.1.4.1. Cláusulas pétreas expressas; 3.1.4.2. Cláusulas pétreas implícitas; 3.2. Limitações impostas ao Poder Revisor; 3.3. Quadro comparativo – 4. Poder Constituinte Supranacional.

1. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

O Poder Constituinte é responsável pela escolha e formalização do conteúdo das normas constitucionais. O adjetivo “originário” é empregado para diferenciar o poder criador de uma nova constituição daqueles instituídos para alterar o seu texto (Poder Constituinte Derivado) ou elaborar as constituições dos Estados-membros da federação (Poder Constituinte Decorrente). O Poder Constituinte Originário pode ser definido, portanto, como um poder político, supremo e originário, responsável por estabelecer a constituição de um Estado.

1.1. Espécies

A doutrina constitucional utiliza uma série de denominações para identificar diferentes aspectos da manifestação do Poder Constituinte Originário.

Quanto ao modo de deliberação constituinte, fala-se em Poder Constituinte

Concentrado (ou Demarcado) quando o surgimento da constituição resulta da

deli-beração formal de um grupo de agentes, como no caso das constituições escritas; ou, em Poder Constituinte Difuso quando a constituição é resultante de um processo informal em que a criação ou modificação de suas normas ocorre a partir da tradição de uma determinada sociedade, como ocorre com as constituições consuetudinárias, ou de mutações constitucionais realizadas por meio da interpretação conferida aos dispositivos pelos tribunais.

Quanto ao momento de manifestação, denomina-se Poder Constituinte

Históri-co o responsável pelo surgimento da primeira Históri-constituição de um Estado (Exemplo:

Constituição brasileira de 1824); ou Poder Constituinte Revolucionário o que elabora

as constituições posteriores a partir de uma revolução (Exemplo: Constituição brasi-leira de 1937, criada com o propósito de tornar efetiva a Revolução de 1930) ou de uma transição constitucional (Exemplo: Constituição brasileira de 1988, criada pela

(11)

Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, convocada por meio da Emenda Constitucional nº 26/ 1985).1

Quanto ao papel na elaboração do documento constitucional, o Poder

Cons-tituinte Originário costuma ser dividido em duas espécies complementares, e não

antagônicas. O Poder Constituinte Material é o responsável por definir o conteúdo fundamental da constituição, elegendo os valores a serem consagrados e a ideia de direito que irá prevalecer. No momento seguinte, essas escolhas políticas são for-malizadas no plano normativo pelo Poder Constituinte Formal. O Poder Constituinte Material precede o Formal em dois aspectos: (I) logicamente, porque “a ideia de direito precede a regra de direito; o valor comanda a norma; a opção política funda-mental, a forma que elege para agir sobre os fatos; a legitimidade, a legalidade”; e (II) historicamente, pois o triunfo de certa ideia de direito ou nascimento de certo regime ocorre antes de sua formalização (MIRANDA, 2000).

1.2. O fenômeno constituinte

O fenômeno constituinte pode se manifestar em diferentes situações. A elabo-ração da constituição pode ser decorrente do surgimento de um novo Estado ou de

algum fato suficientemente relevante para causar a ruptura com a ordem jurídica estabelecida.

A criação de novos Estados, na atualidade, costuma ocorrer nos casos de divi-são de um país, ou de união de países ou, ainda, de emancipação de colônias ou libertação de alguma forma de dominação.

No caso de Estados já existentes, a nova constituição pode surgir em decorrência de revolução, de transição constitucional ou de derrota em uma guerra.

A revolução se caracteriza, não necessariamente por uma ruptura marcada pela

violência, mas pelo triunfo de um novo direito ou de um novo fundamento de validade do sistema jurídico positivo do Estado. Na lição de Anna Cândida da Cunha Ferraz (1979), “a função ou atividade do Poder Constituinte Originário é essencialmente revolucionária, na medida em que esse poder tende a substituir a ordem política e social existente por uma nova; ou seja, na medida em que tende a criar uma ordem jurídica renovada.” As revoluções podem ser fruto de um (a) golpe de Estado, quando o exercício do Poder Constituinte é usurpado por um governante; ou de uma (b)

insurreição (“revolução em sentido estrito”), quando implementada por um grupo ou

movimento externo aos poderes constituídos.

1. EC 26/1985, art. 1.º. Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicame-ralmente. Em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1.º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional; Art. 2.º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente; Art. 3.º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte.

(12)

Cap. 4 • PODER CONSTITUINTE 71

A transição constitucional, que tem como nota distintiva a observância das com-petências e formas de agir preestabelecidas, é marcada por um dualismo: enquanto a nova constituição é preparada, a anterior subsiste. Na experiência constituinte brasileira de 1987/1988, o mesmo órgão funcionou, de forma simultânea, como poder constituído em relação à Constituição de 1967/1969 e como Poder Constituinte da futura Constituição de 1988.

Canotilho (2000) menciona a “função de bootstrapping” como uma reação in-terna ao processo constituinte, deflagrada quando a assembleia rejeita se submeter ao seu ato de criação e busca legitimar o resultado de seus trabalhos diretamente perante o povo ou convenções especiais, como ocorreu, por exemplo, no caso das constituições dos Estados Unidos (1787) e da França (1791). Nas palavras do cons-titucionalista português:

Bootstrapping é, em rigor, o processo pelo qual uma assembleia constituinte

liberta os atadores que as autoridades lhe haviam posto, arrogando-se a todos ou a algum dos poderes destas mesmas autoridades. Esta ‘libertação de amar-ras’ tem, porém, os seus limites. Significa isso que as normas constitucionais devem revelar-se aptas a conseguir uma articulação das preferências e interes-ses públicos dos ‘produtores’ de normas (o povo, os deputados constituintes, os eleitores) e as preferências e interesses dos destinatários (consumidores) dessas normas. As normas constitucionais que não podem fugir a esta medida de aptidão (fitness): grau de adequação do espaço normativo constitucional à constante redefinição interactiva entre interesses públicos e privados.

1.3. Natureza

A natureza do Poder Constituinte Originário pode variar conforme a concepção de direito adotada.

Na concepção jusnaturalista, trata-se de poder jurídico (ou de direito). Os de-fensores da existência de um direito eterno, universal e imutável, preexistente e superior ao direito positivado, sustentam que o Poder Constituinte, apesar de não encontrar limites no direito positivo anterior, estaria subordinado aos princípios do direito natural. Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005) afirma que a liberdade para estabelecer as instituições pelas quais a sociedade há de ser gover-nada decorre do direito natural e que, sendo assim, “o poder que organiza o Estado, estabelecendo a Constituição, é um poder de direito.”

Na concepção positivista, por inexistente outro direito além daquele posto pelo Estado, o Poder Constituinte é anterior e se encontra acima de toda e qualquer norma jurídica, devendo ser considerado um poder político (extrajurídico ou de fato) resultante da força social responsável por sua criação. Para Carl Schmitt (2003), em razão de sua natureza essencialmente revolucionária, o Poder Constituinte estaria liberado de valores referentes à sua legitimidade. De acordo com o teórico alemão, por ter o seu sentido na existência política, o sujeito do Poder Constituinte pode fixar

(13)

livremente o modo e a forma da existência estatal a ser consagrada na constituição, sem ter que se justificar em uma norma ética ou jurídica.

1.4. Titularidade e exercício

A questão envolvendo a titularidade do Poder Constituinte não encontra resposta homogênea. Para a doutrina majoritária, reside sempre na soberania do povo

(res-posta democrática). Em sua obra clássica O que é o Terceiro Estado?, Joseph Sieyès

(2001) sustenta que o reconhecimento da vontade comum na opinião da maioria é máxima incontestável. Em um de seus aspectos, o Terceiro Estado é a nação, sendo que, como tal, seus representantes formam a Assembleia Nacional e detêm todos os seus poderes. Por serem os verdadeiros depositários da vontade nacional, cabe aos representantes do Terceiro Estado falar em nome de toda a nação.

Em sentido diverso, há quem atribua a titularidade do Poder Constituinte não apenas ao povo, mas também ao monarca, às facções ou elites dirigentes ou, ainda, aos partidos políticos (resposta autocrática). Sob essa perspectiva, o papel do povo no processo constituinte é, sobretudo, de legitimação do agente que exerce o Poder.

A titularidade do Poder Constituinte, todavia, não pode ser confundida com o seu

exercício. Titular é quem detém o poder, ainda que eventualmente este seja exercido

por outros agentes. A elaboração do texto constitucional por um grupo minoritário não o transforma no detentor da titularidade do Poder Constituinte, apenas revela o exercício ilegítimo deste poder por ter sido usurpado de seu autêntico titular.

1.5. Características essenciais

O Poder Constituinte Originário possui características tradicionais que o dife-renciam dos poderes constituídos. Sob a óptica positivista, trata-se de um poder: I)

inicial, por não existir nenhum outro antes ou acima dele; II) autônomo, por caber apenas ao seu titular a escolha do conteúdo a ser consagrado na Constituição; e III) incondicionado, por não estar submetido a nenhuma regra de forma ou de conteúdo.

Na perspectiva jusnaturalista, defendida pelo Abade Sieyès (2001), o Poder Constituinte se caracteriza por ser: I) incondicionado juridicamente pelo direito positivo, mas submetido aos princípios do direito natural; II) permanente, por não se exaurir com a conclusão de sua obra; e III) inalienável, devido à impossibilidade de transferência, pela nação, desta titularidade.

1.6. Limitações materiais

A visão positivista de que o Poder Constituinte Originário tem plena liberdade para definir o conteúdo a ser consagrado no texto constitucional é refutada com base no argumento de que, fora do direito positivo interno, existem limitações materiais

(14)

Cap. 11 • CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 207

C A P Í T U L O 1 1

Controle difuso

de constitucionalidade

Sumário: 1. Aspectos gerais – 2. Cláusula da reserva de plenário: 2.1. Súmula Vinculante no 10 – 3. Suspensão da execução de lei pelo senado – 4. A ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade – 5. A tendência de “abstrativização” do controle concreto.

1. ASPECTOS GERAIS

O controle difuso, a ser exercido por qualquer órgão judicial dentro do âmbito

de sua competência, vem sendo consagrado no sistema jurídico brasileiro desde a primeira Constituição Republicana (1891).

A finalidade principal do controle difuso-concreto é a proteção de direitos subjetivos. Por ser apenas uma questão incidental analisada na fundamentação da decisão, a inconstitucionalidade pode ser reconhecida inclusive de ofício, ou seja, sem provocação das partes. Sua análise ocorre na fundamentação da decisão, de forma incidental (incidenter tantum), como questão prejudicial de mérito. O órgão jurisdicional não a declara no dispositivo, tão somente a reconhece para afastar sua aplicação no caso concreto.

A pretensão pode ser deduzida em juízo, através de um processo constitucional

subjetivo, por qualquer pessoa que se afirme titular de um direito supostamente

violado em um caso concreto.

Admite-se como parâmetro todas as normas formalmente constitucionais, mesmo

as já revogadas, desde que vigente ao tempo da ocorrência do fato (tempus regit

actum).

O objeto pode ser qualquer ato emanado dos poderes públicos. Não existem restrições quanto à natureza do ato questionado (primário ou secundário; normativo ou não normativo), nem quanto ao âmbito de sua emanação (federal, estadual ou municipal). Não importa, ainda, se o ato já foi revogado, se exauriu seus efeitos ou se é anterior à constituição em vigor. No controle difuso-concreto, o importante é verificar se, no momento do fato, houve a violação de direito subjetivo por ato do poder público incompatível com a constituição em vigor.

No tocante aos efeitos da decisão, há aspectos relevantes a serem destacados. O reconhecimento da inconstitucionalidade, em regra, produz efeito apenas para as partes envolvidas no processo (eficácia inter partes), sem atingir terceiros que não

(15)

participaram da relação processual.1 No caso de decisões proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal, todavia, alterações legislativas e jurisprudenciais têm sinalizado no sentido de conferir efeitos “erga omnes”.

O Novo Código de Processo Civil consagra diversas normas impositivas do dever de observância das decisões do Supremo pelos demais órgãos judiciais, dentre elas, a que considera inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido como incompatível com a Constituição, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso (CPC/2015, arts. 525, § 12 e 535, § 5º).

Em decisão proferida no âmbito do controle concentrado-abstrato, o Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de dispositivo legal, com efeito vinculante e “erga omnes”. A maioria do colegiado acompanhou a manifestação do Ministro Gilmar Mendes no sentido de ser necessário, a fim de evi-tar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental. O ministro Celso de Mello, após considerar a existência de verdadeira mutação constitucional no tocante ao papel do Senado (CF, art. 52, X) a expandir os poderes do Tribunal em matéria de jurisdição constitucional, afirmou terem as decisões eficácia vinculante. Por sua vez, o Ministro Edson Fachin ressaltou que a declaração de inconstitucionalidade, ainda que incidental, opera uma preclusão consumativa da matéria, devendo ser projetada para todas as demais demandas. Na mesma linha, a Ministra Cármen Lúcia, afirmou que o Tribunal está caminhando para uma inovação da jurisprudência no sentido de não ser mais declarado inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém. Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “o momento é propício para que o Supremo confira maior eficácia as suas decisões em controle concentrado e em controle difuso.”2

Sob a perspectiva temporal, o reconhecimento da inconstitucionalidade, em regra, tem efeitos retroativos (ex tunc), por prevalecer o entendimento de que a lei inconstitucional é um ato nulo (teoria da nulidade).3 A possibilidade de modulação

temporal dos efeitos da decisão, prevista expressamente apenas no controle abstrato

(Lei 9.868/1999 e Lei 9.882/1999), também é admitida, embora excepcionalmente, no controle difuso-incidental quando justificada por razões de segurança jurídica ou de interesse social.4 Para afastar a aplicação da norma inválida apenas após o

1. STF – Rcl 10.403/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli (19.08.2010): “Ineficácia em relação a terceiros do que decidido em controle difuso de constitucionalidade.”

2. STF – ADI 3.406/RJ e ADI 3.470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber (29.11.2017). 3. STF – ADI 3.601 ED/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário (09.09.2010).

4. STF – AI 641.798/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa (22.10.2010): “Em princípio, a técnica da modulação temporal dos efeitos de decisão reserva-se ao controle concentrado de constitucionalidade, em face de disposição legal expressa. Não obstante, e embora em pelo menos duas oportunidades o Supremo Tribunal Federal tenha aplicado a técnica da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso da constitucionalidade das leis, é imperioso ter presente que a Corte o fez em situações extremas, caracterizadas inequivocamente pelo risco à segurança jurídica ou ao interesse social.”; No mesmo sentido: AI 531.013 AgR/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa (21.11.2006); AI 582.280 AgR/RJ, Rel. Min. Celso de Mello.

(16)

Cap. 11 • CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 209

trânsito em julgado da decisão (efeitos ex nunc)5 ou a partir de um momento futuro

nela fixado (efeitos pro futuro),6 o Supremo Tribunal Federal aplica, por analogia, a

regra contida no artigo 27 da Lei nº 9.686/1999.7

A despeito das divergências sobre o tema,8 o Supremo também admitiu a

mo-dulação temporal dos efeitos da decisão em controvérsia envolvendo a não recepção de normas pré-constitucionais.9

2. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO

CF, art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos

membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a incons-titucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

No âmbito dos tribunais, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou, onde houver, dos membros do respectivo órgão especial (CF, art. 97). Este poderá ser constituído em tribunais compostos por mais de vinte e cinco membros para exercer atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do plenário (CF, art. 93, XI). A cláusula da reserva de plenário, também conhecida como regra do full

ben-ch (“tribunal completo”), deve ser observada tanto no controle difuso, como no

concentrado,10 independentemente de previsão legal específica, como a contida no

artigo 23 da Lei nº 9.868/1999. Embora tal regra não alcance automaticamente os

tribunais de contas,11 nada impede que esses órgãos submetam os incidentes de

inconstitucionalidade ao plenário.12

5. STF – RE 442.683/RS, Rel. Min. Carlos Velloso (13.12.2005); RE 556.664/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes (12.06.2008).

6. STF – RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa (06.04.2002).

7. STF – AI 659.918 AgR/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski (23.10.2007).

8. No julgamento do AI 582.280 AgR/RJ, o Ministro Celso de Mello, relator, afirmou ser inaplicável “a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção. Em sentido contrário, o Ministro Gilmar Mendes deixou consignado, em seu voto-vista, “a plena compatibilidade técnica para modulação de efeitos com a declaração de não recepção de direito ordinário pré-constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.”

9. STF – RE 600.885/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia (09.02.2011): “Declaração de não-recepção da norma com modulação de efeitos. [...] O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei nº 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos.”

10. STF – RE 240.096/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (30.03.1999).

11. TCU – Acórdão 4360/2014: “A norma constitucional de reserva de plenário (art. 97) é dirigida aos Tribunais indicados no art. 92 da Constituição Federal e aos respectivos órgãos especiais de que trata o art. 93, inciso XI, não alcançando automaticamente o TCU.”

12. TCE/RO – Súmula 005: “Em obediência ao art. 481 § único do CPC, os órgãos fracionários deste tribunal de contas não submeterão ao plenário, a argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando já houver pronunciamento deste ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.”

(17)

O controle difuso exercido por tribunais é regulamentado pelos respectivos re-gimentos internos e pelo Código de Processo Civil. Arguida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, caberá ao relator do processo, após a oitiva do Ministério Público, submeter a questão à turma ou câmara competente para conhecer do processo (Novo CPC, art. 948). Caso a alegação de inconstitucionalidade seja rejeitada pelo órgão fracionário (turma ou câmara), este prosseguirá no julga-mento até sua conclusão. Todavia, se a alegação for acolhida, deverá ser lavrado o acórdão a fim de ser submetida a questão ao plenário ou, onde houver, ao órgão especial (CPC/2015, art. 949), independentemente de pedido das partes.13 Admite-se

a manifestação de vários órgãos e entidades, entre eles, o Ministério Público, as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, os legitimados para a propositura de ação direta e de ação declaratória, além do amicus

curiae (CPC/2015, art. 950, §§ 1.º a 3.º).14

O pronunciamento do plenário ou do órgão especial deve se restringir à análise da inconstitucionalidade da lei em tese (antecedente), sendo o julgamento do caso concreto feito pelo órgão fracionário (consequente), com base naquele pronuncia-mento. Ocorre, na hipótese, uma divisão horizontal de competência funcional entre o plenário (ou órgão especial), a quem cabe decidir a questão da inconstitucionalidade em decisão irrecorrível, e o órgão fracionário, responsável pelo julgamento da causa (CUNHA JR., 2008b). Por se tratar de uma regra de competência funcional, a inob-servância da cláusula da reserva de plenário gera a nulidade absoluta da decisão,15

da qual poderá ser interposto recurso extraordinário para o Supremo.16

A remessa dos autos ao plenário (ou ao órgão especial) é dispensada quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (CPC/2015, art. 949, parágrafo único). Não há nenhuma incompatibili-dade entre a Constituição e essas exceções introduzidas pela Lei nº 9.756/1998 e mantidas no Novo Código de Processo Civil, as quais apenas consagraram no plano legislativo o entendimento jurisprudencial já consolidado pelo Supremo.17 Existindo

pronunciamento anterior sobre a inconstitucionalidade de norma pelo guardião da Constituição, a adoção do mesmo entendimento pelo órgão fracionário reforça a força normativa. No caso de pronunciamento anterior do próprio tribunal, por ser a análise da constitucionalidade feita em abstrato (incidente processual de natureza objetiva), o entendimento adotado pelo plenário (ou órgão especial) não deve ser aplicado apenas ao caso concreto que originou o incidente, mas servir como precedente (leading case)

13. STF – Rcl 12.275-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno (22.5.2014): “Não há necessidade de pedido das partes para que haja o deslocamento do incidente de inconstitucionalidade para o Pleno do tribunal. Isso porque é dever de ofício do órgão fracionário esse envio, uma vez que não pode declarar expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, nem afastar sua incidência, no todo ou em parte.”

14. Sobre o amicus curiae, ver Capítulo 12 (item “Intervenção de terceiros e amicus curiae”). 15. STF – AI 472.897 AgR/PR, Rel. Min. Celso de Mello (18.09.2007).

16. STF – RE 432.884 AgR/GO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma (26.06.2012). 17. STF – RE 433.101 AgR/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (08.03.2005).

Referências

Documentos relacionados

XVIII | DIREITO ELEITORAL – José Jairo Gomes.. 7.3.4 Críticas ao sistema

22.3.3 Eleição suplementar: novo processo eleitoral ou mera renovação do escrutínio

Pois bem, nos casos de defesas em reciamatórlas nas quais estejam sendo postuladas diferenças salariais decorrentes de cláusulas contidas em Instrumentos normativos, om cujos

-"The last but not the least", o Assento do STJ de 13-7-92, in BMJ nº 419º, pág 75, decidiu que - nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em

– A desconstitucionalização trata-se do fenômeno pelo qual nova Constituição revoga integralmente Constituição anterior, já que, por força do Princípio da Supremacia

- STF - RE 158.314: “Inelegível para o cargo de Prefeito de Município resultante de desmembramento territorial o irmão do atual chefe do Poder Executivo do Município-mãe”...

- STF – ADI 1.442/DF: “No plano da organização sindical brasileira, somente as confederações sindicais dispõem de legitimidade ativa "ad causam" para o ajuizamento da

inicialmente há uma explanação dos principais princípios contratuais acolhidos por nosso ordenamento jurídico, sendo eles o: o pacta sunt servanda, a cláusula rebus sic stantibus, o