MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL
Impetrante: JOÃO BATISTA LINDOLFO
Impetrado: REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS e DIRETORA DO
DEPARTAMENTO DE PESSOAL DA UFG
Tipo A
SENTENÇA
JOÃO BATISTA LINDOLFO impetrou o presente mandado de segurança, com
pedido liminar, em face de ato coator atribuído ao REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE GOIÁS e à DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE PESSOAL DA UFG, objetivando “o
pleno exercício integral” dos cargos de Técnico em Enfermagem e Auxiliar em Enfermagem.
Em sede de liminar, requereu o reconhecimento do direito de cumprimento integral
de sua jornada de trabalho, bem como de recebimento integral de seus vencimentos, em virtude da
acumulação dos mencionados cargos.
Aduziu, em síntese: a) é servidor público federal, vinculado ao quadro funcional da
Universidade Federal de Goiás – UFG, ocupante dos cargos de Técnico de Enfermagem e Auxiliar
de Enfermagem, com lotação na Clínica Médica e Clínica Cirúrgica, ambos no Hospital das
Clínicas da UFG; b) à época da posse, o Departamento de Pessoal da UFG determinou a redução da
carga horária de trabalho de um dos cargos de 40 horas para 20 horas semanais, consoante
entendimento estabelecido no Parecer nº GQ-145, da lavra do Dr. Wilson Teles Macedo, Consultor
da União, que limita a acumulação de cargos públicos à carga horária máxima de 60 horas
semanais; c) em 24/02/12, formulou requerimento administrativo, visando a majoração de sua carga
horária de 20 para 40 horas semanais, uma vez que os horários dos cargos com carga horária de 40
horas semanais são perfeitamente compatíveis, uma vez que labora em dias alternados, no horário
das 19:00 às 7:00 horas; d) a Coordenação e Gerenciamento de Pessoal do Hospital das Clínicas da
UFG manifestou-se de forma favorável à majoração da carga horária, fator que supriu o interesse
público; e) mas o Departamento de Pessoal da UFG indeferiu o pedido administrativo sob o
argumento de que a majoração seria superior a 60 horas semanais; f) o ato lesivo dos impetrados
nega vigência ao art. 37, XVI, da CF, e art. 118 da Lei 8.112/90, e viola direito líquido e certo de
exercício pleno dos cargos para os quais foi devidamente aprovado em concurso público para
cumprimento de jornada de 40 horas semanais; g) a Administração inseriu no texto constitucional
vedação que não existe, a configurar inobservância aos princípios da legalidade, moralidade e
eficiência; h) o periculum in mora surge na medida em que não consegue arcar com suas despesas
básica em virtude do reduzido salário, bem como em razão do prejuízo na prestação de serviços à
população.
A inicial veio instruída por procuração e documentos.
Instado a esclarecer os contornos do objeto do mandado de segurança, o impetrante
requereu a emenda da inicial, para retificar o pedido inicial, a fim de que lhe seja garantido “o pleno
exercício das 40 horas semanais em cada um dos dois cargos – Auxiliar de Enfermagem e Técnico
em Enfermagem – para o qual fora aprovado em certame regular, ambos exercidos na Universidade
Federal de Goiás”.
Foi indeferido o pleito liminar e concedido ao impetrante os benefícios da assistência
judiciária gratuita.
A Universidade Federal de Goiás manifestou o seu interesse em ingressar no feito e
o impetrante noticiou a interposição de agravo de instrumento.
Notificada, a autoridade impetrada trouxe aos autos cópia do processo administrativo
alusivo à acumulação de cargos ocupados pelo impetrante.
O Ministério Público Federal não vislumbrou interesse público a justificar sua
atuação na espécie.
É o relatório. Decido.
Pretende o impetrante ver reconhecido o direito de cumprir as 40 (quarenta) horas
semanais alusivas a cada um dos cargos que exerce no Hospital das Clínicas da UFG, a saber, de
Auxiliar de Enfermagem e de Técnico em Enfermagem.
A decisão que indeferiu o pedido liminar já delineou o entendimento:
“(...) No caso vertente, o impetrante busca o reconhecimento do direito ao “pleno exercício das 40 horas semanais em cada um dos dois cargos – Auxiliar de Enfermagem e Técnico em Enfermagem” (fls. 47/48), as quais aduz serem compatíveis.
Conforme demonstram os documentos colacionados aos autos, atualmente, o impetrante cumpre carga horária reduzida de 20 (vinte) horas semanais junto ao Hospital das Clínicas da UFG (Seção de Enfermagem em Clínica Cirúrgica), referente ao cargo de Auxiliar de Enfermagem, em razão da Portaria n. 657, de 04/03/2011 (fl. 29), bem como a carga horária de 30 (trinta) horas semanais, no exercício do cargo de Técnico de Enfermagem, também no Hospital das Clínicas da UFG (Seção de Enfermagem em Clínica Médica), consoante declarações de fls. 20/21, a perfazer um total de 50 horas semanais.
Na espécie, houve a recusa da Universidade Federal de Goiás em autorizar o pedido administrativo do impetrante de alteração da carga horária, de 20 (vinte) para 40 (quarenta) horas semanais, pertinente ao exercício do cargo de Auxiliar de Enfermagem, motivada pelo entendimento de que essa pretensão implicaria no cumprimento de carga horária superior ao limite de 60 (sessenta) horas semanais estabelecido no Parecer n. CQ-145, de 16/03/98 (DOU de 01/04/98), elaborado por Consultor da União, Dr. Wilson Teles de Macedo (fls. 39/40).
Em que pese a regra geral de vedação, a Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XVI, c, autoriza expressamente a acumulação remunerada de cargos públicos ou empregos privativos de profissionais da saúde, desde que haja compatibilidade de horários. Confira-se:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas;
XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, ________________________________________________________________________________________________________________________
fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;
Assim, não obstante a possibilidade de cumulação de dois cargos na área de saúde, é imperiosa a demonstração da compatibilidade de horários, sendo, no entanto, ilegítima a imposição de restrições, não previstas em lei, limitando a carga horária semanal, conforme entendimento já manifestado pelo Egrégio TRF – 1ª Região:
MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. DEFERIMENTO. AGRAVO RETIDO. SENTENÇA DE MÉRITO. SUPERVENIENTE PERDA DE OBJETO. CONCURSO PÚBLICO. ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. PROFISSIONAL DE SAÚDE. CF, ART. 37, XVI, LETRA "C". POSSIBILIDADE. 1. Prolatada sentença de mérito, opera-se a perda de objeto do agravo retido contra o deferimento ou indeferimento de liminar. Precedentes do STJ. 2. É autorizada a acumulação remunerada de dois cargos ou empregos públicos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, desde que demonstrada a compatibilidade de horários (CF, art. 37, XVI, letra "c"). 3. "Consoante jurisprudência desta Corte, 'afigura-se, ilegítima, na espécie, a aplicação de restrição imposta por Parecer da Advocacia Geral da União, limitando a carga horária semanal, posto que mero parecer administrativo não tem o condão de afastar direito assegurado constitucionalmente' (AMS 2003.35.00.012920-7/GO, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, DJ de 18/04/2005)" (AMS 0026499-26.2009.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, SECEC, DJe de 17/02/2012). 4. Agravo retido prejudicado. 5. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento. (TRF - 1ª Região, AMS 200934000229278, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma, e-DJF1 de 26/09/2012, p.130.)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS NA ÁREA DA SAÚDE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. POSSIBLIDADE. 1. A Constituição Federal, no art. 37, inciso XVI, "c", autoriza expressamente a acumulação remunerada de cargos públicos ou empregos privativos de profissionais da saúde, desde que haja compatibilidade de horários. 2. Cumpre destacar que o Supremo Tribunal já se manifestou sobre o tema, no julgado RE 351.905/RJ, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, onde teve a oportunidade de deixar consignado que o Executivo não pode, sob o pretexto de regulamentar dispositivo constitucional, criar regra não prevista, fixando verdadeira norma autônoma. Com efeito, ainda que a carga horária ________________________________________________________________________________________________________________________
semanal dos dois cargos seja superior ao limite previsto no parecer da AGU, o STF assegurou o exercício cumulativo de ambos os cargos públicos. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF – 1ª Região, AMS 0001347-35.2007.4.01.3500/GO, Segunda Turma, Relatora Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, e-DJF1 de 04/08/2011, p.1703, julgado em 13/07/2011).
Ocorre que, analisando os documentos trazidos com a inicial, verifico não ser possível aferir, ao menos neste primeiro momento, a aventada compatibilidade de horários, sobretudo porque foram juntadas apenas informações acerca da jornada de trabalho atualmente cumprida pelo impetrante de 20 (vinte) e 30 (trinta) horas semanais, no exercício dos cargos de Auxiliar de Enfermagem1 e de Técnico de Enfermagem2, respectivamente, a impossibilitar a verificação da distribuição da carga horária acaso haja o cumprimento integral das duas jornadas de trabalho (80 horas semanais), tal como pleiteia o impetrante.
Cumpre ressaltar que o só fato de a Coordenação e Gerenciamento de Pessoal do Hospital das Clínicas da UFG ter se manifestado favorável à alteração da carga horária do cargo de Auxiliar de Enfermagem (fl. 36) por si só não elide a necessidade de comprovação da compatibilidade de horários, condicionante imposta pelo Legislador Constituinte para cumulação de cargos. E, ainda que assim não o fosse, é ver que não há igual manifestação no que concerne à majoração da carga horária do cargo de Técnico de Enfermagem.
Ausente, pois, o fumus boni juris, pelo que fica prejudicada a análise do periculum in mora. Posto isso, indefiro o pedido liminar. (...)”
Mantidos intactos os fundamentos jurídicos que nortearam o entendimento
anteriormente esposado, a tese ali adotada deve ser mantida.
Cumpre ressaltar que, em sede de mandado de segurança, é necessário que haja lesão
ou ameaça de lesão a direito líquido e certo (art. 5º, LXIX, da CF), ou seja, a direito comprovado de
plano, que se apresenta revestido de prova pré-constituída, não comportando a hipótese de dilação
probatória, a impossibilitar, na espécie, a abertura de instrução a fim de se verificar a
1 No exercício do cargo de Auxiliar de Enfermagem, o impetrante cumpre uma carga horária de 20 horas semanais, que, na escala do mês de maio, foi assim distribuída: dias 01, 04, 07, 16, 19, 25 e 31 das 19:00 às 07:00 horas (fl. 20).
2 Quanto ao cargo de Técnico de Enfermagem, a carga horária cumprida pelo impetrante é de 30 horas semanais, distribuída, na escala do mês de maio, nos seguintes termos: dias 02, 05, 08, 11, 14, 17, 20, 23, 26 e 29 das 19:00 às 07:00 horas (fl. 21).