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Rev Bras Med Esporte vol.6 número6

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Academic year: 2018

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Rev Bras Med Esporte _ Vol. 6 , Nº 6 – Nov/ Dez, 2 0 0 0

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ARTIGO

DE OPINIÃO

Tratamento da doença coronariana no Brasil: um quadro

que reflete a necessidade de mudança de paradigma

Tales de Carvalho

1

M

1. Presidente Eleito da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte; Mem-bro da Comissão Científica do Departamento de Ergometria e Reabilita-ção da Sociedade Brasileira de Cardiologia; Coordenador do Programa de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular de Santa Catarina; Membro do Comitê Técnico Científico (Atividade Física e Saúde) do Ministério da Saúde.

Endereço para correspondência: E-mail: tales@ativanet.com.br

Entretanto, estudos com pacientes com doença corona-riana têm questionado as vantagens desses procedimentos. Um grupo de 150 pacientes, com boa função ventricular, que recusaram cirurgia de revascularização miocárdica for-malmente indicada, foi acompanhado por um período de dois a oito anos, constatando-se uma boa evolução clínica, um bom índice de sobrevida e importante remissão de sin-tomas. A mortalidade anual foi de 0% para doença com um ou dois vasos comprometidos e 1,3% para os pacientes com três vasos afetados, inclusive com lesões de tronco ou equivalente a lesão de tronco de coronária esquerda. Da-dos muito mais favoráveis do que os decorrentes de com-plicações imediatas da própria cirurgia de revasculariza-ção. A sobrevida foi de 100% para os pacientes com doen-ça de um e dois vasos e de 90% para os com doendoen-ça de três vasos ou tronco de coronária esquerda. No início dos estu-dos, a maioria dos pacientes era sintomática (89%), sendo 53% com angina estável e 36% com angina instável. Con-trole dos sintomas ocorreu prontamente, com o início do tratamento clínico, persistindo no decorrer do estudo. Na última observação, 69% dos pacientes se encontravam li-vres de angina, 30% apresentaram angina estável e apenas 1% angina instável, refletindo uma significativa melhora. Os novos infartos foram em número de 15 (10%), dos quais 12 não fatais. Nenhum paciente com doença de um vaso apresentou novo infarto do miocárdio. Os pacientes foram selecionados de 1977 a 1983 e, à época, os recursos tera-pêuticos para o tratamento clínico eram mais limitados e menores as exigências quanto aos desfechos do tratamen-to. Neste estudo foi considerada hipercolesterolemia mente valor igual ou superior a 250mg/dl; fumantes, so-mente os usuários de mais de 20 cigarros por dia, nos cin-co anos precedentes; os doentes não participaram de pro-gramas de reabilitação cardíaca e pouca importância foi dada à atividade física. Outros 154 pacientes com lesão crítica da artéria descendente anterior (acima de 80% de obstrução) foram randomizados para três tipos de tratamen-to: angioplastia, revascularização miocárdica com artéria mamária e tratamento exclusivamente medicamentoso. Os resultados dos três grupos, no que diz respeito a desfechos maiores (infarto do miocárdio e morte), após dois anos de O principal problema de saúde pública do mundo

oci-dental, a doença coronariana, em nosso país apresenta três grandes agravantes: manifesta-se mais precocemente, tem-nos colocado como líderes de procedimentos invasivos, mas não tem nos sensibilizado para uma prática séria de pre-venção e reabilitação.

No banco de dados dos estudos multicêntricos com trom-bolíticos (EMERAS, RAPT e ISIS 4) constata-se haver no Brasil uma prevalência de 38% de infarto agudo do miocárdio (IAM) em indivíduos abaixo de 55 anos contra 28% nos demais países. Do estudo OASIS (Organization to Assess

Strategies for Ischaemia Syndromes) constata-se que dos

pacientes com angina instável (AI) e infarto não Q (INQ), no Brasil, são encaminhados 25% para cirurgias de revas-cularização miocárdica (RM) e 22% para angioplastias (ATC). Na Austrália as cifras são de 1% e 4%; no Canadá, de 7% e 14%; na Hungria, de 5% e 5%; e nos EUA, de 20%

e 28%, respectivamente, para RM e ATC, em pacientes com

AI ou INQ. Os percentuais citados demonstram ser o Brasil um dos países que mais investe em procedimentos caros e sofisticados. Uma situação que só encontra paralelo nos

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Rev Bras Med Esporte _ Vol. 6 , Nº 6 – Nov/ Dez, 2 0 0 0 acompanhamento, foram similares. Em outro estudo

rele-vante, que foi o acompanhamento por 22 anos de 686 pa-cientes randomizados para dois grupos: tratamento apenas clínico ou tratamento no qual, além dos recursos clínicos, se utilizou, também, a cirurgia cardíaca, constatou-se que sobreviveram e permaneceram livres de infarto mais pa-cientes no grupo que se submeteu apenas ao tratamento clínico, com 20% a menos de morte e 33% a menos de infarto5-7.

O banco de dados do OASIS (pacientes tratados com trom-bolíticos) permitiu o estudo de 7.987 pacientes de seis paí-ses, com angina instável ou suspeita de infarto do miocár-dio sem elevação de ST, revelando incidência significativa-mente maior de sangramento e acidente vascular cerebral, sem vantagens em desfechos como mortalidade e incidên-cia de infarto do miocárdio, nos pacientes tratados com métodos invasivos. São dados consistentes com os de dois estudos randomizados: o TIMI II, realizado em pacientes com infarto agudo do miocárdio, e o TIMI III, realizado em pacientes com angina instável, os quais não mostraram vantagens dos procedimentos invasivos, quando compara-dos com uma estratégia mais conservadora. São dacompara-dos que corroboram os estudos de Parizi e Stephen. Neste último, desenvolvido em pacientes aleatoriamente encaminhados para tratamento meramente clínico ou com angioplastia, com lesões críticas residuais, após o uso de trombolíticos em evento agudo, constatou-se ausência de IAM no

segui-mento de um ano no grupo tratado clinicamente e incidên-cia de 11,3% de IAM no grupo tratado com angioplastia8-11. O tratamento da doença coronária deve ter como base a adoção de um estilo de vida que considere incremento da atividade física, reformulação de hábitos alimentares e con-trole do estresse, o que pode promover até mesmo regres-são de aterosclerose, com importante melhora do quadro clínico e significativa interferência nos desfechos da doen-ça. Estes recursos são suficientes para o tratamento de muitos pacientes. Para uma parcela dos pacientes, há

ne-cessidade de se acrescentar o uso de medicamentos que aliviem sintomas e reduzam um risco de complicações agu-das. Qualquer paciente com o quadro clínico estabilizado, após adoção das medidas referidas, não necessitaria, a

prio-ri, de outras providências. Somente quando o quadro

clíni-co se apresentar ainda instável, prenunciando um evento agudo, o que ocorre raramente quando os pacientes se uti-lizam de um tratamento clínico correto, é que se justifica a adoção de providências complementares, mais agressivas, como é o caso das cirurgias cardíacas e angioplastias. São procedimentos que devem sempre ser considerados de ex-ceção. No Brasil, com freqüência se desrespeita esta se-qüência lógica de procedimentos. É o que dizem os dados disponíveis sobre incidência de doença coronária, elevado número de procedimentos invasivos de revascularização miocárdica e a quantidade de pacientes atendidos em pro-gramas de reabilitação cardíaca. Estes propro-gramas deveriam se constituir na base do sistema. Alguns milhões de pa-cientes, com doença já diagnosticada, antes ou depois dos infartos do miocárdio, antes ou após as cirurgias e angio-plastias, deveriam estar sendo atendidos em programas de reabilitação cardíaca, os quais não atendem em todo o país a mais do que 2.000 pacientes.

Diante da eficiência, baixo risco, baixo custo, viabilida-de e aplicabilidaviabilida-de do tratamento clínico da doença coro-nária, realizado em programas de reabilitação cardíaca, é absurda a forma de investimento que privilegia quase que exclusivamente os procedimentos de alto custo, sofistica-dos, invasivos e muitas vezes questionáveis. A mudança de paradigmas que se impõe exige uma reformulação de conceitos científicos ultrapassados (modificação da cultu-ra médica hegemônica), redefinição nas prioridades de in-vestimento em saúde (revisão profunda das políticas de saúde pública) e democratização do acesso à informação. Na nossa experiência em Santa Catarina, este último as-pecto, a mudança da cultura popular, tem sido o mais deci-sivo para uma mudança mais rápida4,12-19.

REFERÊNCIAS

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2. RAPT investigators. Ridogrel versus aspirin patency trial. Circulation 1994;89:588-95.

3. ISIS 4 Collaborative group. Fourth international study of infarct surviv-al. Lancet 1995;345:669-95.

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5. Hueb W, Bellotti G, Ramires JAF, Da Luz PL, Pillegi F. Two-to eight-year survival rates in patients who refused coronary artery bypass graft-ing. Am J Cardiol 1989;63:155-9.

6. Hueb WA, Arie S, Oliveira SA, Bellotti G, Jatene A, Pileggi F. Random-ized trial of surgery, angioplasty or medical therapy for single vessel

proximal left anterior descending artery stenosis. Results of long-term follow-up. J Am Coll Cardiol 1994;268A(760-5).

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8. Anderson HV. One-year results of the thrombolysis in myocardial inf-arction (TIMI) III B clinical trial. J Am Coll Cardiol 1995;26:1643-50. 9. Parizi AF. A comparison of angioplasty with medical therapy in the treat-ment of single-vessel coronary artery disease. N Engl J Med 1992;326: 10-6.

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