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Alzira Buse Fernandez A DIMENSÃO SUBJETIVA DA DEFICIÊNCIA NA VIDA NO TRABALHO

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Alzira Buse Fernandez

A DIMENSÃO SUBJETIVA DA DEFICIÊNCIA

NA VIDA NO TRABALHO

Doutorado em Psicologia da Educação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Alzira Buse Fernandez

A DIMENSÃO SUBJETIVA DA DEFICIÊNCIA

NA VIDA NO TRABALHO

Doutorado em Psicologia da Educação

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia da Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Carlos Caruso Ronca.

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Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial desta Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura _______________________________________________________________

Data 20/03/2013

e-mail: alzirabuse@gmail.com

F363

Fernandez, Alzira Buse

A dimensão subjetiva da deficiência na vida no trabalho / Alzira Buse Fernandez – São Paulo: s.n., 2013.

278 p.; il. 30 cm.

Referências 212-223

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Caruso Ronca.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação, 2013.

1. Vigotski, L. S. – Teoria da compensação 2. Dimensão Subjetiva em Vigotski

3. Deficiência visual I. Ronca, Antônio Carlos Caruso. II. Título

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FERNANDEZ, Alzira Buse. A dimensão subjetiva da deficiência na vida no trabalho. 2013. 278 p. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

Banca Examinadora:

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Dedico esta dissertação,

Aos meus pais, meus primeiros vínculos, incentivadores dos meus maiores sonhos;

Ao meu marido Renato, por dividir comigo os valores nobres da vida: amor, respeito e confiança;

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Prof.º Dr. Antônio Carlos Caruso Ronca, pela paciência, disponibilidade, rigor com que sempre me orientou e pelo incentivo e acolhimento nos momentos de incerteza e angústia.

À Prof.ª Dra. Ana Mercês Bahia Bock pela disponibilidade e prontidão em me orientar, online, nos momentos decisivos deste trabalho.

Aos professores, membros da banca examinadora, pelo rigor na leitura, pelas valiosas indicações, sugestões e reflexões críticas feitas no exame de qualificação que permitiram ampliar meu olhar sobre este trabalho.

Aos meus colegas do curso de Pós-Graduação em Psicologia da Educação, pelas sugestões, inspirações e momentos de companheirismo e cumplicidade, em especial, à minha querida amiga Daniela Leal, pelas indicações, contribuições e pelo carinho nas mensagens online.

Ao meu marido Renato, pela paciência, credibilidade e por compartilhar comigo seu olhar durante todo o percurso deste trabalho.

Aos meus filhos, Gabi e Theo, por não me deixarem esquecer dos outros papéis importantes da vida.

Aos meus pais, Arnaldo e Anita, por demonstrarem que a distância é apenas um ponto de vista.

Um agradecimento especial aos sujeitos da pesquisa por contribuir com o aprofundamento das principais questões que envolvem este trabalho.

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FERNANDEZ, Alzira Buse. A dimensão subjetiva da deficiência na vida no trabalho. 2013. 278 p. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo compreender os aspectos da dimensão subjetiva da deficiência que se expressam na vida no trabalho, considerando a inserção e o cotidiano. As abordagens teóricas que amparam essas reflexões convergem para os estudos da Psicologia sócio-histórica, sobretudo aqueles relacionados à: dimensão subjetiva da realidade social, subjetividade e todos os elementos que acompanham tal concepção (GONZALEZ REY, 2003). A categoria – sentido – possibilitou pesquisar a experiência de trabalho na condição desigual de pessoa com deficiência, dentro de situações nem sempre visíveis no cotidiano. Para esta pesquisa, referenciada pela abordagem qualitativa, foram analisadas quatro entrevistas semiestruturadas, realizadas com pessoas com deficiência. Com base nos fundamentos teóricos, buscou-se, num primeiro momento, apreender as zonas de sentido dos sujeitos entrevistados (AGUIAR e OZELLA, 2006), que possibilitassem aproximações com os elementos de significação e, em um segundo momento, estabelecer convergências entre as falas, que permitissem pontos de articulação entre as subjetividades individuais e sociais. Investigar a dimensão subjetiva da deficiência na vida no trabalho ampliou o olhar sobre as áreas sociais que transitam sobre essa relação, cujas subjetividades sociais impactam nas identidades dos sujeitos. Sobre os entendimentos da deficiência, os relatos apontam uma ideia de personificação de "pessoa com deficiência", em que são enquadradas a maioria das significações sociais e, a partir destas, as atitudes condizentes com tal significação. O trabalho ocupa um lugar de destaque, já que traz a ideia de dignidade, de autonomia, de reconhecimento e de acesso aos bens materiais. Mas, para os sujeitos, a realidade ainda segue em outra direção, na medida em que é desse mesmo espaço que eles denunciam seus sofrimentos. Pensar em termos de políticas de inclusão, dentro das empresas, parece ser uma outra forma de inserção do trabalhador com deficiência, considerando a função social da empresa numa linha de reorganização, em termos de valores, crenças e entendimentos dentro da gestão organizacional. Não há como mudar o campo de estranhamento que se evidencia esse segmento ao incluir trabalhadores diferentes da "normalidade do eixo do mercado de trabalho" se não pela ação do coletivo. Trata-se de um grande desafio para a área da Psicologia, que tem o papel de trabalhar com as tensões organizacionais, resultado da própria configuração subjetiva do trabalho. Este estudo pretendeu contribuir com a visibilidade sobre as diversas formas de opressão que se naturalizam no cotidiano das pessoas com deficiência, as quais não permitem sua participação plena e efetiva na sociedade.

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FERNANDEZ, Alzira Buse. The Subjective Dimension of the Disability in the Life at Work 2013. 278 p. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

ABSTRACT

This study investigated the aspects of the subjective dimension of disability related to the work environment, considering inclusion and quotidian. The theoretical approaches that support this reflections converge to the studies of sociohistorical Psychology, mainly the ones related to: subjective dimension of the social reality, subjectivity and all the elements that substantiate such conception (GONZALEZ REY, 2003). The category – sense – made possible to research the experience of work in the uneven condition of a person with disability, under the context of not always visible routine situations. For this research, four semistructured interviews were analysed with persons with disability, referenced by the qualitative approach. On the basis of the theoretical framework, the focus was, at first, to apprehend the meaning zones of the interviewed ones (AGUIAR e OZELLA, 2006), that would make possible to relate with the elements of meaning and, in a given moment, to establish convergences between their quotes, enabling points of articulation between the individual and social subjectivities. By analyzing the subjective dimension of disability in the working life, the look on the social areas that transit on this relation was extended, whose social subjectivities impact in the identities of the subject ones. On the undestanding about disability, the stories point to an idea of representation of “person with disability”, tied with the majority of social meanings and, therefore, the attitudes correlated to this meaning. The work occupies a prominent place, since it brings the idea of dignity, autonomy, recognition and access to the material goods. But, for the subject ones, the reality still follows in another direction, since this same space is the object of their suffering. To think in terms of open door policies, inside of the companies, seems to be one another form of inclusion of the worker with disability, considering the social function of the company in a line of reorganization, terms of values, beliefs and agreements inside of the organizational management. There is no other way to replace the discomfort generated by the inclusion of workers unfamiliar to the "typical job market" if not for the action of the group. Thus, this is a great challenge for Psychology, that is responsable to work with organizational tensions, resulted of the subjective configuration of the work. This essay also intended to unveil the diverse forms of oppression that are considered natural in the quotidian of the person with disability, not allowing them to have full and effective participation in society.

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FERNANDEZ, Alzira Buse. La dimensión subjetiva de la deficiencia en la vida en el trabajo. 2013. 278 p. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

RESUMEN

El presente estudio pretende entender los aspectos de la dimensión subjetiva de discapacidad expresado en la vida en el trabajo, teniendo en cuenta la inserción y la vida cotidiana. Los enfoques teóricos que sostienen estos pensamientos convergen para los estudios de Psicología socio-histórica, especialmente los relacionados con: la dimensión subjetiva de la realidad social, subjetividad y todos los elementos que acompañan ese concepto (GONZALEZ REY, 2003). La categoría – sentido – hizo posible investigar la experiencia del trabajo en las condiciones desiguales de la persona con discapacidad, en situaciones no siempre visibles en la vida cotidiana. Para esta investigación, referida por el acercamiento cualitativo, fueron analizadas cuatro entrevistas semiestructuradas con personas deficientes. Basado en los fundamentos teóricos, el foco era, al principio, captar las zonas del sentido de los sujetos entrevistados (AGUIAR e OZELLA, 2006), que podría permitir aproximaciones con los elementos de significado y, en segundo lugar, establecer convergencias entre sus citas, permitiendo puntos de articulación entre las subjetividades individuales y sociales. Analizar la dimensión subjetiva de la incapacidad en la vida laboral amplió la visión en las áreas sociales que transitan en esta relación, cuyas subjetividades sociales afectan las identidades de los sujetos. En el entendimiento de la discapacidad, los informes apuntan a una idea de representación de la "persona con discapacidad", atada con la mayoría de significados sociales y, por lo tanto, de las actitudes correlacionadas a este. El trabajo ocupa un lugar destacado, por traer la idea de la dignidad, de la autonomía, del reconocimiento y del acceso a los bienes materiales. Pero, para los sujetos, la realidad sigue todavía en otra dirección, ya que este mismo espacio es el objeto de su sufrimiento. Pensar en términos de políticas de inclusión, dentro de las empresas, parece ser otra forma de inserción del trabajador con discapacidad, considerando la función social de la compañía en una línea de reorganización, términos de valores, creencias y acuerdos dentro de la gestión organizacional. No hay otra manera de reemplazar el malestar generado por la inclusión de los trabajadores desconocidos al “mercado de trabajo típico” si no por la acción colectiva. Así, esto es un gran desafío para el campo de la psicología, que tiene la función de trabajar con las tensiones de la organización, resultantes de la configuración subjetiva del propio trabajo. Este ensayo pretende contribuir con la visibilidad de las diversas formas de opresión que se naturalizan en la vida diaria de las personas con discapacidad, que impiden su participación plena y efectiva en la sociedad.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1

CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS... 11

1.1 - A História da deficiência sob as bases dos direitos humanos... 11

1.1.1 - A evolução histórica dos Direitos Humanos... 12

1.1.2 - As raízes históricas das gerações dos Direitos Humanos... 14

1.1.3 - Primeira Geração de Direitos Humanos... 20

1.1.4 - Segunda Geração de Direitos Humanos... 24

1.1.5 - Terceira Geração de Direitos Humanos... 32

1.1.6 - Finalizando o item... 42

1.2 - Integração e Inclusão: um olhar sobre a pessoa com deficiência na modalidade EJA e PROEJA... 45

1.2.1 - Interfaces entre a Educação Especial e a Educação de Jovens e Adultos... 53

1.3 - A dimensão subjetiva da deficiência no campo do trabalho: uma reflexão sobre os trabalhadores com deficiência... 58

1.3.1 - O mundo globalizado e o lugar da pessoa com deficiência na categoria de trabalhador... 58

1.3.2 - Gestão da Diversidade: os dois lados da inserção no trabalho... 68

1.4 – A dimensão subjetiva da deficiência: um olhar sobre as políticas públicas... 74

CAPÍTULO II - PRESSUPOSTOS DO MÉTODO DE ANÁLISE... 90

2.1- Contribuições conceituais e metodológicas da Psicologia Sócio-Histórica para o presente estudo... 90

2.1.1 - A categoria da Subjetividade proposta por González Rey... 93

2.1.2 -A Dimensão Subjetiva da Realidade Social: um conceito contemporâneo... 106

2.1.3 - Sentidos subjetivos e significados: categorias de investigação da dimensão subjetiva da realidade social... 115

2.1.3.1 - A Categoria de sentido na abordagem de González Rey ... 116

2.2 – Pressupostos do Método de Análise da Realidade Empírica... 119

2.2.1 - Procedimentos e Instrumentos Metodológicos... 120

CAPÍTULO III – ANÁLISE... 124

3.1 - Construção e análise dos núcleos... 124

3.2 - Discussão e análise da entrevista de Pedro, o professor... 125

3.3 - Discussão e análise da entrevista de Neuza, orientadora... 144

3.4 - Discussão e análise da entrevista de Cleber, o repositor... 156

3.5 - Discussão e análise da entrevista de Lucia,a cantora... 170

3.6 - Discussão e análise dos temas... 181

CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS... 204

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 212

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INTRODUÇÃO

“Habitar um corpo com impedimentos físicos, intelectuais ou sensoriais é uma das muitas formas de estar no mundo.” (DINIZ, 2007, p. 65) Mas, numa sociedade que elege padrões de normalidade, tal característica se converte em um atributo, alvo de estigma. Conforme ressalta Diniz (2009, p. 74):

A desvantagem social vivenciada pelas pessoas com deficiência não é uma sentença da natureza, mas o resultado de um movimento discursivo da cultura da normalidade, que descreve os impedimentos corporais como abjetos à vida social. (DINIZ, 2009, 74)

No campo das ciências sociais e humanas, os estudos sobre a temática da deficiência foram os que mais tardiamente surgiram na área das ciências sociais e humanas, dentro das discussões sobre a opressão que se expressa por meio do corpo (herança recebida dos estudos feministas e antirracistas, dos quais os teóricos do modelo social da deficiência fundamentam a redefinição do significado de habitar um corpo considerado como "anormal" ao longo da história). (DINIZ, 2007)

Esse novo modo de compreender a deficiência, como uma forma de opressão ao corpo, conduziu à criação de um novo termo, ainda sem tradução para a língua portuguesa: disablism (DINIZ, 2007, p. 9).

O disablism é resultado da cultura da normalidade, em que os impedimentos corporais são alvo de opressão e discriminação. A normalidade, entendida ora como uma expectativa biomédica de padrão de funcionamento da espécie, ora como um preceito moral de produtividade e adequação às normas sociais foi desafiada pela compreensão de que deficiência não é apenas um conceito biomédico, mas a opressão pelo corpo com variações de funcionamento.

A nova direção de entendimentos sobre a deficiência revela, portanto, que a opressão ao corpo com impedimentos não se reduz ao conceito estritamente biomédico, mas se amplia para uma compreensão política. Tal premissa tornou-se um desafio para a formulação de políticas públicas, na medida em que denuncia distinções impostas por ambientes com barreiras a um corpo com impedimentos.

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plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, 2006, artigo 1o.). A descrição médica sobre deficiência já não é suficiente para abarcar o que o conceito de Deficiência representa: a restrição à participação plena provocada pelas barreiras sociais. (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009)

A ratificação do Brasil à referida Convenção ocorreu em 2008, o que representou um avanço em termos de significação da deficiência que deve guiar as ações do Estado para a garantia de justiça a essa população. (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009)

Segundo dados do IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA) em 2000, 14,5% dos brasileiros apresentam impedimentos corporais como deficiência, ou seja, esses dados revelaram que o Brasil possuía 24,6 milhões de pessoas com deficiência. Os critérios utilizados para o Censo 2000 para conhecer a amplitude dessa população no país foram marcadamente biomédicos. Isso se deve não apenas ao modelo biomédico vigente na elaboração e gestão das políticas públicas para essa população no Brasil, mas principalmente por não haver um critério definido de mensuração sobre o que vem a ser restrição de participação pela interação do corpo com o ambiente social.

Os dados do censo de 2010, dentro da nova perspectiva de conceituação de deficiência, trouxeram como base para a construção e tratamento desses dados a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, divulgada pela Organização Mundial da Saúde - OMS (WORD HEATH ORGANIZATION - WHO) em 2001, "que entende a incapacidade como um resultado tanto da limitação das funções e estruturas do corpo quanto da influência de fatores sociais e ambientais sobre essa limitação" (IBGE, 2010, fonte censo demográfico 2010). Os dados procuraram investigar informações acerca das deficiências visual, auditiva e motora, com seu grau de severidade. Em 2010, numa população total de 190,7 milhões (100,0%) havia 45,6 milhões de pessoas com pelo menos uma das deficiências investigadas (visual, auditiva, motora e mental), representando 23,9% da população. Segundo o IBGE, a diferença em relação aos dados do Censo 2000 (14,3% da população) se deve a um aprimoramento metodológico, que possibilitou uma melhor captação da informação.

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Os dados revelaram que 13,3 milhões de pessoas (7,0%) tem dificuldade de locomoção. A deficiência motora severa (pessoas com grande dificuldade ou incapazes de se locomover) foi declarada por 4,4 milhões de pessoas, das quais 734,4 mil não conseguiam caminhar ou subir escadas de modo algum (0,4%).

Já a deficiência auditiva incidia sobre 9,7 milhões de pessoas (5,1%), sendo que a deficiência auditiva severa (pessoas com grande dificuldade ou incapazes de ouvir) foi declarada por 2,1 milhões de pessoas, das quais 344,2 mil eram surdas (0,2%). A deficiência mental ou intelectual, também considerada na condição de severa, foi declarada por 2,6 milhões de pessoas, representando 1,4% da população.

Da população investigada 26,5% corresponde a mulheres, totalizando 25 milhões e 21,2%, corresponde a 19 milhões de homens. A população brasileira é composta por 97 milhões de mulheres e 93 milhões de homens.

Sobre o nível de instrução, há diferença em termos de pessoas com pelo menos um tipo de deficiência e pessoas sem deficiência em todos os níveis analisados. Enquanto 61,1% da população de 15 anos ou mais idade, com deficiência não tinha instrução ou possuía apenas o fundamental incompleto, esse percentual era de 38,2% para as pessoas de 15 anos ou mais que declaram não ter nenhuma das deficiências investigadas, representando uma diferença de 22,9% pontos percentuais. Observou-se ainda que a menor diferença concentrava-se no ensino superior completo: 6,7% para a população de 15 anos ou mais com deficiência e 10,4% para a população sem deficiência.

Para analisar a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, os dados são demonstrados em termos percentuais. Utilizou-se como indicador a taxa de atividade, que é o percentual de pessoas economicamente ativas na população de 10 ou mais anos de idade; e o nível de ocupação, que é o percentual de pessoas de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência.

Para a população com pelo menos uma das deficiências, a taxa de atividade foi de 60,3% para os homens contra 41,7% para as mulheres, uma diferença de 18,6 pontos percentuais. Já em relação ao nível de ocupação, a diferença foi de 19,5 pontos percentuais: 57,3% para os homens contra 37,8% para as mulheres.

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(37,1%). As diferenças consideradas pela existência de deficiência diminuem nas classes mais altas de rendimento.

O que se pode observar a partir dos dados apresentados, em linhas gerais, é o aperfeiçoamento da metodologia, alcançado a partir da redefinição do conceito de deficiência. Tal proposta levou a ampliação de dados de investigação, principalmente, quanto às barreiras sociais e a atenção aos graus de severidade das deficiências, por meio de perguntas relacionadas à percepção da população sobre a sua dificuldade em enxergar, ouvir e locomover-se, mesmo com o uso de facilitadores como óculos ou lentes de contato, aparelho auditivo ou bengala. A investigação sobre o grau de severidade de cada deficiência permitiu conhecer a parcela da população com deficiência severa, que se constitui no maior alvo das políticas públicas voltadas à população com deficiência. Assim algumas perguntas foram simplificadas e outras foram criadas para melhor conduzir os questionários voltados a esse público.

Os dados apontam a necessidade de ampliar a discussão social da temática, considerando o número expressivo de pessoas com deficiência no país. Os resultados acompanham o comportamento do Brasil no que se refere à desigualdade social, evidenciando que entre as classes mais baixas estão os menores índices de condições de trabalho, nível de instrução e frequência escolar (IBGE 2010). No entanto, impõe-se à população com deficiência o agravante das barreiras sociais. "É da interação entre o corpo com impedimentos e as barreiras sociais que se restringe a participação plena e efetiva das pessoas." (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 66).

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A garantia da igualdade entre pessoas com e sem impedimentos corporais não deve se resumir à oferta de bens e serviços biomédicos: assim como a questão racial, geracional ou de gênero, a deficiência é essencialmente uma questão de direitos humanos (DINIZ, 2007, p. 79).

É na dimensão dos direitos humanos, como validade universal que recupera a responsabilidade pelas desigualdades às construções sociais opressoras que as discussões precisam se fortalecer. Assim, os impedimentos corporais só ganham significado quando se integram às experiências da interação social. (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009; SEN, 2004, p. 70).

Tais considerações tornam-se importantes ao se observar que na dimensão do trabalho são as bases médicas que fundamentam o ingresso das pessoas com deficiência no trabalho. Com o advento da lei de cotas, (Lei 8.213/91) um importante passo de inclusão social foi dado. Publicada em 24 de julho, a Lei 8.213/91 dedica 145 artigos para falar das pessoas com deficiência no mundo do trabalho. No entanto, os parâmetros que norteiam o ingresso das pessoas com deficiência têm como balizador, o decreto 3.298, de 20.12.1999, em que a deficiência é considerada como "toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano." 1 Essa definição vem sofrendo acirradas críticas, uma vez que se ampara apenas em expectativas biomédicas sobre o padrão de funcionamento do corpo diante da produtividade.

De acordo com Moraes et all (2008), é frequente situações de "enquadramento" da deficiência e não do candidato ao trabalho, ou situações em que o critério é a habilidade ou inabilidade do corpo em realizar uma atividade. Os autores citam um exemplo em que uma médica do trabalho indagava a viabilidade de reexaminar os funcionários e reconsiderar alguns deles dentro dos critérios da lei de cotas. "É esse parâmetro que precisa ser desconstruído" (MORAES et all, 2008, p. 167)

Ao buscar dados sobre a inserção no trabalho, os autores se depararam com lugares específicos de "enquadramento", evidenciados, principalmente, em calls centers, intitulados pelos profissionais da empresa como back office, espaços em que ocorra a invisibilidade das pessoas no trabalho. (MORAES et all, 2008)

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Segundo os autores, a lei de cotas inaugurou um problema que traz visibilidade às condições de inserção e trabalho das pessoas com deficiência no Brasil. Os dados do IBGE 2010 já revelam uma expressiva entrada dessas pessoas no mercado de trabalho; no entanto, também denuncia os menores salários para essas pessoas. Um dado que merece aprofundamento e que contribua com encaminhamentos sociais e políticos.

Considerando que a pesquisa nasce de uma preocupação com uma questão que se torna significativa dentro de uma configuração de experiências vivenciadas pelo pesquisador, as quais causam inquietações significativas, explicitam-se no prosseguimento da discussão as confluências com a minha experiência profissional vivenciada no papel de professora universitária e o delineamento da pesquisa.

Sou professora da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho, em uma Universidade privada da cidade de São Paulo. Como professora, orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e supervisora de estágio encontro uma diversidade de públicos, incluindo aqueles com deficiência. Posso afirmar com clareza de sentimento e percepção, que orientar e ministrar aulas para alunos com deficiência e aprender com eles sobre a diversidade humana, o desejo de alcançar um lugar social digno, as dificuldades com as barreiras arquitetônicas e a forma de delimitar a relação entre o protecionismo e a exclusão, foram as experiências mais significativas que já tive como professora de ensino superior.

Todas essas histórias, somadas a um projeto específico para pessoas com deficiência auxiliaram no delineamento da tese. Elegi essa temática por ter provocado diferentes transformações:

- na vida laboral de pessoas com deficiência;

- na visão dos alunos sobre a inclusão educacional e trabalhista e

- nas empresas participantes do processo de inserção profissional de PCDs.

Em 2009, um projeto intitulado “A inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho” foi sugerido como atividade de estágio. O projeto contemplava a realização de grupos de discussão entre as pessoas com deficiência, coordenados pelos estagiários do último ano de Psicologia e tinha o objetivo de despertar reflexōes acerca do mundo do

trabalho, dos ditames sociais, das políticas públicas que envolvem a inclusão e das expectativas profissionais e aspectos relacionados ao ingresso no mercado de trabalho.

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conduzidas por um silêncio compartilhado), com o decorrer do trabalho e ainda que não estivesse previsto, as estagiárias perceberam que as conversas paralelas, as histórias e a congruência dos sentimentos começaram a se transformar em aspectos mobilizadores dentro do grupo. Havia uma necessidade premente de serem ouvidos, de dividir experiências e de aprender. Os estagiários problematizaram o desenho inicial do projeto: será que deveriam continuar num papel formador, apenas de capacitação para o mercado de trabalho ou poderiam transitar por outras possibilidades, facilitando processos de escuta, troca e ações dentro dos locais de trabalho?

As reflexões de Tubino, Pedruzzi-Reis e Silva (2008, p. 636), foram fundamentais para o entendimento do processo grupal com aquelas pessoas com deficiência e na perspectiva de trabalhos futuros dentro das empresas. Acreditou-se que:

Os espaços que pareciam carentes de sentido talvez tenham servido de catalisadores para novas buscas, um desejo por aprender, por novas leituras e pelo entender de novas práticas, aprender, pois, sem ficar apreendido, capturado. A partir de novos aprendizados, alçar quiçá um respaldo. A escuta deve ser realizada de forma coletiva e desenvolvida a partir de um processo de reflexão realizado com o conjunto dos trabalhadores, criando um espaço público de discussão.

Os alunos compreenderam as necessidades do grupo e questionaram a dificuldade da Psicologia em alcançar sua prática diante de uma escuta pouco utilizada, principalmente, no campo do Trabalho. Os treinamentos profissionais, muitas vezes, não considerem a rede social envolvida na dinâmica de um grupo, ou seja, que os contextos político, econômico, familiar e educacional, também, estão presentes.

As regras da empregabilidade são muito duras e, para os grupos socialmente excluídos, são ainda mais severas. Esses aspectos não são suficientemente claros para as pessoas com deficiência, tampouco para as empresas.

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Ainda, não há um reconhecimento de pontos específicos que impactam nas dificuldades de inclusão profissional e é visível a falta de preparo da sociedade para que o ingresso da pessoa com deficiência ocorra com qualidade. A versão dessa população implicada tem sido pouco explorada, parecendo ser coincidente com os discursos naturalizantes de que a própria pessoa é responsável pelo seu acesso ao mercado de trabalho. (OLIVEIRA; GOULART JUNIOR; FERNANDES, 2009). Como, historicamente, esse segmento da população não foi preparada para o trabalho, mas para o assistencialismo e/ou marginalização, poucas são as chances profissionais. Na medida em que esse público é considerado de baixa empregabilidade, ele acaba reproduzindo os mencionados discursos, uma vez que se encontra com a difícil possibilidade de acesso ao mercado de trabalho.

Ficou claro pela atividade de estágio e pelas discussões nas supervisões que é preciso avançar no exercício de escuta de diferentes coletividades, desconstruindo ações estigmatizantes provocadas por ideias ocultas, historicamente cristalizadas sobre a pessoa com deficiência.

A aprendizagem dos alunos, os depoimentos das pessoas com deficiência e o resultado organizacional levaram à continuidade desse projeto no ano de 2010 e 2011, com outros estagiários.

Colocar as lentes sobre essa temática e sua relação com a área de trabalho, ampliou o olhar sobre questões que, no cotidiano, têm pouca visibilidade e se transformaram no foco deste doutorado. As reflexões acerca das experiências vivenciadas resultaram na necessidade de um maior aprofundamento de assuntos relacionados ao ingresso e cotidiano da pessoa com deficiência no trabalho.

Amparando-se no conceito de dimensão subjetiva da realidade social (GONCALVEZ, 2010; BOCK e GONÇALVES, 2009; FURTADO e SVARTMAN, 2009; KAHHALE e ROSA, 2009; NASCIMENTO, SARUBI e SOUZA; 2009; FURTADO, 2002) esta pesquisa pretendeu compreender os aspectos da dimensão subjetiva da deficiência que se expressam na vida no trabalho, considerando os momentos de inserção e o cotidiano no trabalho. Para tanto, foram analisadas 4 entrevistas semi-estruturadas realizadas com pessoas com deficiência que participaram do projeto "A inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho".

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Compreender o indivíduo implica situá-lo numa relação dialética com a sociedade. […] "não há indivíduos a priori ou independentes da sociedade" (GONÇALVES e BOCK, 2009, p. 144).

A análise da dimensão subjetiva ampara-se na concepção teórica da subjetividade de Gonzalez Rey, principalmente nos conceitos de subjetividade individual, subjetividade social e sentidos subjetivos. A categoria – sentido - possibilitou pesquisar a experiência de trabalho na condição desigual de pessoa com deficiência, dentro de situações nem sempre visíveis no cotidiano.

Com base nesses fundamentos teóricos, buscou-se, num primeiro momento, apreender as zonas de sentido dos sujeitos entrevistados (AGUIAR e OZELLA, 2006), que possibilitassem aproximações com os elementos de significação e, em um segundo, estabelecer convergências entre as falas dos sujeitos que permitissem ampliar o olhar sobre os pontos de articulação entre as subjetividades individuais e as subjetividades sociais, considerando que a busca investigativa é a dimensão subjetiva da realidade social.

Os objetivos específicos consistiram em:

- Observar de que forma as percepções e entendimentos acerca da deficiência interferem nas relações sociais desses indivíduos, sobretudo nas relações de trabalho;

- Verificar como o conceito é percebido pela pessoa com deficiência;

- Investigar de que modo percebem o papel da educação na inserção profissional (formação educacional, contribuição, dificuldades, reflexões, críticas);

- Verificar se conseguem perceber suas potencialidades para a inserção profissional. Esse trabalho pretende contribuir com a visibilidade sobre as diversas formas de opressão que se naturalizam no cotidiano das pessoas com deficiência, as quais não permitem sua participação plena e efetiva na sociedade, mesmo após os avanços das políticas públicas, das discussões de diversos segmentos sociais e do entendimento sobre suas potencialidades. Além disso, busca ampliar os estudos sobre a deficiência dentro da perspectiva da dimensão subjetiva da realidade social.

O trabalho está estruturado da seguinte forma:

O capítulo 1 apresenta os fundamentos teóricos que ampliam a discussão sobre a temática da deficiência em diferentes âmbitos sociais e possibilita um diálogo com os principais resultados encontrados nesse trabalho.

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O capítulo 3 versa sobre a discussão e análise das zonas de sentido que permitiram aproximações com os núcleos de significação, além das articulações das falas dos sujeitos, estabelecidas por meio de temáticas.

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CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS

O presente capítulo pretende aprofundar a temática da deficiência em diferentes âmbitos sociais, tendo como eixos norteadores a história e a organização social em que a temática se insere.

Nesse primeiro momento dos fundamentos teóricos busca-se aprofundar de que forma a trajetória dos direitos afetou a vida das pessoas com deficiência ao longo da história, ou seja, de que forma as percepções, pensamentos e crenças projetaram leis que resultaram em determinadas formas de relações sociais com esse público.

1.1 – A Historia da deficiência sob as bases dos direitos humanos

Seguindo as concepções de Sarlet (2007a) inicio o item levando em conta que tratar dos Direitos Humanos é tratar das discussões e diferentes compreensões acerca da dignidade humana. Este último termo é compreendido pelo autor da seguinte forma:

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de proporcionar e promover sua participação ativa e cor-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2007, p. 62)

Vale ressaltar que, as discussões sobre o termo percorrem o tempo e se mantêm atuais. Segundo Sarlet (2007a), a dignidade é um dos marcos do direito moderno e um avanço no que diz respeito ao bem estar dos cidadãos.

Em se tratando de Brasil, na constituição Federal encontra-se a menção à dignidade da pessoa como um dos fundamentos da República Federativa, apresentado no Art. 1o, inciso III, o qual dispõe:

A República Federativa do Brasil, formada pela união in dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

III – a dignidade da pessoa humana.

Mas, em se tratando de dignidade humana, que lugar ocupavam as pessoas com deficiência ao longo da história dos direitos humanos?

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social que historicamente fundamenta direções e hierarquiza os sentidos conforme as relações de poder vigentes. (ORLANDI, 2000).

1.1.1 - A evolução histórica dos Direitos Humanos

Uma trajetória de discussões e entraves de cunho político, econômico e social, amparados em cenários e valores culturais que marcam a história dos Direitos Humanos. Cabe ressaltar que os direitos humanos não são estanques, ainda hoje estão em debate, conforme ressalta Barongeno (2009).

Não são “eternos nem estanques, mas trabalhados por uma série de contradições e tensões, afetadas por uma dinâmica que os impele a evoluir sem cessar. Os direitos humanos têm uma história – uma história que não terminou e que continua ainda hoje a se escrever” (BARONGENO, 2009, p. 21)

Mesmo os atributos implícitos que delineiam "o modelo para a igualdade, têm sofrido transformações nos mais de 200 anos desde o anúncio de que todos os homens são criados iguais e imbuídos pelo criador com certos direitos inalienáveis". (SCOTT, 2005, p. 17).

A autora ressalta que, hoje, são poucos os lugares no mundo que proíbem a população de votar por motivos de raça ou sexo, no entanto, percebem-se importantes diferenças no que concerne ao acesso à educação, ao trabalho ou a outros recursos sociais. Antes de aprofundar o percurso histórico, cabe ressaltar as várias sinonímias encontradas para designar direitos humanos: "direitos da personalidade", "liberdades públicas", "direitos fundamentais do homem", "direitos naturais", "direitos públicos subjetivos", "direitos do cidadão e do trabalhador”, entre outros (ZANON JR, 2009; PFAFFENSELLER, 2007). Os autores revelam que as propagações das diversas nomenclaturas encontradas, estavam sempre em consonância com a variação das suas origens e dos fundamentos que lhe foram atribuídos.

Exemplificativamente, os norte-americanos preferem a expressão direitos civis (civil rights), em razão das diversas lutas que os colonos travaram para assegurar suas liberdades de cidadania perante o domínio externo e o próprio governo federativo, enquanto os alemães empregam a denominação direitos fundamentais, porque inseriram o rol das suas prerrogativas mais basilares na Lei Fundamental de seu Estado. (ZANON JR, 2009, p. 1)

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Para a pessoa com deficiência, os direcionamentos das Nações Unidas foram fundamentais para os avanços sociais. Na concordância de que uma convenção internacional geral e integral contribui com a promoção e proteção dos direitos e a dignidade das pessoas com deficiência, os estados membros estabelecem a "Convenção sobre os direitos das Pessoas com deficiência". Tal acordo tem o objetivo de provocar mudanças sobre as significativas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.

O aprofundamento teórico dos Direitos Humanos teve um passo importante depois da criação de uma teoria intitulada "Geração de Direitos Humanos", termo utilizado por Karel Vasak e empregado pela primeira vez em 1979, em uma aula inaugural dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo. Seu objetivo foi alcançar um aprofundamento teórico didático da história dos direitos humanos que apontasse para uma evolução, partindo do lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. (LIMA, 2003)

Apesar da fama que alcançou, Lima (2003) pondera que a teoria das gerações dos direitos fundamentais não é útil se for levada a um patamar dogmático. Considera que existe um princípio de indivisibilidade dos direitos humanos, o qual não permite firmar uma estruturação cronológica sob as bases do lema francês. Existe uma afinidade estrutural entre todos os direitos humanos que reforça a ideia da indivisibilidade, reconhecida, inclusive, pela ONU desde 1948.

Não há, portanto, hierarquias entre as gerações. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvaguardar a teoria das gerações dos direitos humanos.

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1.1.2 - As raízes históricas das gerações dos Direitos Humanos

O berço histórico dos direitos humanos repousa na antiguidade clássica,2 época em que os filósofos passaram a admitir a existência de direitos inerentes à personalidade humana, com base em postulados extraídos da razão, de fundamento jusnaturalista,3 ainda que, sem a conotação que hoje lhe é atribuída.

Nas antigas cidades gregas, circundavam-se direitos que não poderiam ser desconsiderados, nem mesmo pelos governantes, na medida em que se fundavam na própria natureza humana. (BOBBIO, 1995).

Um exemplo dessa concepção embrionária, grega, é encontrado na peça teatral de Sófocles, Antígona, a qual narra um conflito social sobre o direito de um determinado cidadão a uma sepultura condigna. Da narrativa depreende-se que os gregos valorizavam imensamente o local do descanso eterno, segundo o qual, repousava um direito inerente à dignidade humana. 4 (ZANON JR, 2009)

Tais passagens de Antígona registram a atenção grega sobre as leis não escritas, indiscutíveis, que transcendem fronteiras e limitações temporais, de modo que puderam ser interpretadas pelos jusfilósofos dos séculos XVII e XVIII como a expressão de direitos naturais universais, inseridos na natureza humana. (ZANON JR, 2009; GIAICOIA JR, 2008) Zanon Jr, (2009) destaca, entretanto, que os direitos eram reservados aqueles que tivessem o status de cidadãos. Sendo assim, o direito considerado natural e inerente a qualquer ser humano encontrava exceção, conforme pondera o autor:

[...] tal paradoxal situação, na qual para alguns homens eram reconhecidos direitos inerentes à sua natureza, enquanto se negava tal condição para outros, atravessou os séculos até a idade contemporânea. Notadamente, não se pode identificar concreta-mente o resguardo das condições mínimas de dignidade a todos os membros da sociedade. (ZANON JR, 2009, p. 1)

O autor traz como exemplo os escravos, os quais não eram considerados "pessoas"

2Muito embora, os primeiros dispositivos de proteção individual tenham sido verificados ainda no antigo Egito e Mesopotâmia, representados no Código de Hamurabi (1690 a. C.). Neste código estão presentes as codificações de direitos comuns a todos os homens - à vida, à propriedade, à dignidade, prevendo-se, também, a predominância das leis em sobre os governantes. (MORAES, 1998; PFAFFENSELLER, 2007)

3 Também chamado de direito natural, cujas raízes estão na filosofia do direito. Uma delas atribui a Deus a

criação do direito natural e a outra o fundamenta na razão humana (SARLET, 2007a)

4 Creonte, personagem que representava o governo, condenou o cidadão Polinice à penalidade extrema de

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no contexto social grego. Eram percebidos como integrantes do "acervo patrimonial" de algum cidadão, que poderia lhe conferir qualquer destino.

A supervalorização do corpo perfeito, da beleza e da força física é outro aspecto que afetava a condição de direitos na Grécia Antiga. Na busca da perfeição, a estética e o físico eram tão exaltados quanto o intelecto – mens sana in corpore sano. 5

Esse fato influenciava as atitudes e comportamentos diante das pessoas que não estivessem de acordo com os padrões de corpo atribuídos nessa cultura.

Em se tratando das pessoas gregas que tivessem algum tipo de deficiência, os direitos de cidadão eram relativizados. Para as pessoas com deficiência congênita, havia um destino pouco prosaico: abandono e eliminação. (AMARAL 1995; ALVES, 1992) Mas, diferente atitude, no entanto, ocorria para com as pessoas que adquiriam deficiência ao longo da vida. Segundo Alves (1992) o Estado que não considerava direitos aos que nasciam com deficiência, mantinha a cidadania e protegia os mutilados de guerra, que nada mais eram do que pessoas com deficiência nascidos em campo de batalha. O autor ainda ressalta que foi no berço da democracia grega que nasceu a idéia de habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência para o trabalho.

Percorrendo a história romana, é possível perceber distantes raízes do ciclo de constituição da chamada primeira geração de direitos humanos. Essas raízes encontram-se expressas nos estatutos romanos, que reconhecem liberdades básicas aos cidadãos. (ZANON JR, 2009). O autor cita como exemplo a possibilidade do tribuno da plebe opor veto às determinações parlamentares injustas praticadas pelos patrícios, faculdade esta que expressa uma garantia institucional aos direitos humanos.

Na estrutura familiar romana, havia diferentes direitos conferidos aos membros. O mais velho ascendente masculino de cada família recebia o amplo exercício de direitos civis. A figura do chefe de família gozava dos privilégios e vantagens inerentes à posição de cidadão, participante das atividades da polis, enquanto os demais membros do grupo estavam sob sua tutela e disposição. (TAVARES, 1998)

Roma, assim como a Grécia, também fazia tributo ao corpo e ao que considerava belo.No Direito Romano, dentre as circunstâncias para a negação do direito à vida, estava a inexistência da chamada "vitalidade" e distorções da forma humana. (TAVARES, 1988).

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Nos fragmentos encontrados sobre as Doze Tábuas, conjunto de leis e códigos que reúne os direitos e deveres romanos, o autor revela que era proibida a morte intencional de crianças abaixo de três anos de idade, a não ser que tivessem nascido sem os membros, ou fossem consideradas monstruosas. Nestes casos, de acordo com o poder paterno vigente, havia a alternativa de acolher ou deixar as crianças às margens dos rios ou locais sagrados, onde pudessem ser amparadas por escravos ou pessoas da plebe.

Os registros sobre a Roma antiga ainda revelam que fins de prostituição ou entretenimento da nobreza também eram destinados às pessoas com deficiências que vinham de famílias pobres. Segundo Silva (1987):

[...] cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos e outros tipos de pessoas nascidos com má formação eram também, de quando em quando, ligados a casas comerciais, tavernas e bordéis; bem como a atividades dos circos romanos, para serviços simples e às vezes humilhantes (SILVA, 1987, p. 130).

Pelo formato dos direitos civis, indeferidos à maioria das pessoas com deficiências, a situação de miserabilidade cercava crianças, jovens e adultos que se encontravam nessa condição na Roma Antiga, entretanto, alguns cidadãos com deficiência que cresciam na nobreza chegaram a ocupar posições em variados pontos da História Romana. Um exemplo marcante é do Censor Ápio Cláudio, conhecido como "o Cego", responsável por muitas obras públicas, inclusive pela Via Ápia, que chegou até os nossos dias. 6

Já na Idade Média, foram os dogmas da igreja católica que dominaram o conteúdo e os valores a serem reconhecidos como fundamentais à existência do homem. A atividade predominante era a agricultura, de modo que os súditos cultivavam a terra e entregavam parte de sua produção ao seu senhor, que, em troca, assegurava-lhes a proteção. Nesta fase, estabeleceu-se o meio de produção feudal e, sob tal sistema, vasta parcela da população se encontrava submetida à condição de vassalagem em face de um suserano, que controlava a propriedade das terras cultiváveis e o poder militar.

A Igreja Católica encontrava-se às margens de tal sistema de produção, mas mantinha amplos poderes, resultantes de suas grandes posses e, sobretudo, da força ideológica e agregadora da fé cristã. Nas palavras de Zanon Jr (2009):

A força do Estado Eclesiástico era fundada nos antigos costumes religiosos e, justamente por isto, os detentores do poder temporal sequer precisavam defender ou governar suas terras..Os integrantes do alto clero, alheios às lidas diárias de

subsistência, compunham a classe predominante de pensadores deste período histórico, pois exerciam o "domínio quase exclusivo da cultura escrita". (ZANON JR, 2009 p. 1)

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O autor menciona que o resultado deste processo de pensamento cristão instigou à incorporação de novos fundamentos morais a razão justificadora dos direitos humanos, sob as consignas do critério do pecado. Tomás de Aquino é trazido como exemplo por trazer à tona a tese do direito natural, ou,

[...] o ponto de vista de que a personalidade humana se caracteriza por ter um valor próprio, inato, expresso justamente na ideia de dignidade de ser humano, que nasce na qualidade de valor natural, inalienável e incondicionado, como cerne da personalidade do homem (ZANON JR, 2009).

Assim, a ideia de pecado e de castigo também balizava as atitudes para com as pessoas com deficiências. Outrossim, neste período fortaleceu-se o estigma de que esse grupo era incapaz e ineficiente, o que resultou em um comportamento de mendicância como meio de sobrevivência. Nesta época, existia, inclusive, a atividade de “esmoler”, de modo que as pessoas com deficiência que não se enquadrassem nesta realidade estariam excluídas. (BAHIA, 2006, p. 19). Em contrapartida, havia registros de assistencialismo num movimento que parecia contrário ao da exclusão, encabeçado, sobretudo, pela igreja, que defendia a ideia da pessoa como um cristão, um "Enfant du bon Dieu".

A noção teológica de cristão variava consideravalmente resultando em condutas clericais diversas. De um lado, como “Enfant du bon Dieu” o indivíduo com deficiência ganhava abrigo, alimentação e proteção em conventos e asilos; de outro, entendido como um cristão, ele era passível de obrigações éticas ou de responsabilidade moral. Recebia a caridade como um presente e com este escapava ao abandono, mas também ganhava a "cristandade" que levava a exigências éticas e religiosas. Para outros religiosos, a condição de cristãos, das pessoas com deficiências, levava ao entendimento de culpados pela própria deficiência, castigo divino recebido por pecados cometidos ou de seus ascendentes. Como cristão, era merecedor do castigo divino e, no caso de condutas imorais, era passível de punições.

Diferentemente da Antiguidade, o cristianismo da Idade Media conduzia a um entendimento de que a pessoa com deficiências não podia ser abandonada ou exterminada. A rejeição se transforma na ambigüidade proteção-segregação ou, em nível teológico, no dilema caridade-castigo. Segundo Pessoti, a solução do dilema se dividia entre os grupos clericais:

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protege o cristão as paredes escondem e isolam o incômodo ou inútil. Para outra parte da sociocultura medieval cristã o castigo é caridade, pois é meio de salvar a alma do cristão das garras do demônio e livrar a sociedade das condutas indecorosas ou anti-sociais do deficiente. (PESSOTI, 1984, p. 12)

Dessa dubiedade - caridade e castigo - retém-se o seguinte resultado: há uma amenização do "castigo", com o acolhimento e cuidados reservados ao cristão deficiente, que recebia um lar e alimentação. No entanto, na mesma medida em que o teto acolhia o “infant du bon Dieu”, as paredes ocultavam e aprisionam o inútil. A segregação é mascarada pela caridade e o confinamento se oculta no direito divino do acolhimento. A contradição, assim, revela-se. "A ambivalência caridade-castigo é marca definitiva da atitude medieval diante da deficiência.” (PESSOTI, 1984, p.12).

Ainda que os registros históricos denotem expressões de direitos humanos, a efetividade das doutrinas no campo social era bastante limitada ao entorno temporal e cultural que eram marcados pela força dos senhores feudais que cerceavam a população. Os autores também revelam que, mesmo no final da idade média, a formação dos Estados absolutistas, governados por um monarca incontestável, "reduziu consideravelmente qualquer possibilidade de invocar suas prerrogativas perante o aparato estatal." (ZANON JR, 2009)

Segundo Zanon Jr (2009), foi com o surgimento do comércio e a gradual sucessão do regime feudal pelo sistema de produção capitalista, no final da idade média, que os direitos humanos de primeira geração iniciaram seu efetivo desenvolvimento, no sentido de fortalecer oposições ao governo.

A burguesia tinha o objetivo de garantir sua posição por meio da fixação de limites aos poderes estatais e utilizava-se de sua crescente amplitude econômica na consecução de tal objetivo. No entanto, apesar de possuir status econômico, a burguesia ainda encontrava dificuldades para expandir seus negócios, em razão de proibições e regulamentos determinados pelo governo absolutista, e por não reter influência política. Esse motivo levou à luta da burguesia por sua liberdade política e ao incentivo sobre o movimento pelos direitos do homem. (ZANON, 2009).

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aqueles que tivessem condições de garantir seu sustento e o de seus dependentes, não cabendo ao Estado qualquer proteção que viesse a inibir esse esforço individual. Deste modo, com exceção dos escravos, só poderiam estar fadados à dependência mulheres, crianças e pessoas com deficiência, por não terem condições físicas ou psicológicas para gerirem suas vidas. Na condição de dependentes, não são cidadãos, ou seja, não são portadores nem de direitos, nem de deveres. Alguém precisa responder por seus atos. Esse pensamento iluminista, representado, neste caso, por John Locke, marcou as premissas dos direitos de primeira geração. (SILVA, 2006; FERREIRA, 1993).

Vale ressaltar que foi na época do Iluminismo que ocorreram os avanços científicos que beneficiaram os estudos sobre deficiências, avanços esses que iniciaram com o período do Renascimento.

Segundo Silva (2006), os registros históricos sobre pessoas com deficiência, às vésperas da Revolução Francesa, estão em confluência com os registros sobre os pobres. É a partir destes que se constitui uma certa assistência hospitalar. Esta política de caridade é resultado da promulgação do Édit de 1656, por Louis XIV, que criou os Hospitais Gerais e determinou o internamento de mendigos, pobres, enfermos e loucos. Essa experiência da França foi difundida para vários países do continente europeu.

A manutenção da ordem pública era a principal premissa desse regime, muito mais do que um modelo assistencial, destaca a autora. A citação abaixo reforça essa ideia:

Existiam estabelecimentos hospitalares pouco especializados e a Instituição Hospital Geral passa a acolher, sem qualquer distinção, a maior parte dos deficientes pobres, junto com os outros pobres reclusos. [...] Stiker (1989) refere dois documentos importantes para a compreensão da Doutrina de Assistência que nesse tempo vai se constituindo. O primeiro, resultado do trabalho de uma Comissão, presidida por l’Averdy, em 1764, trata da “classificação dos pobres” e “individualização dos tratamentos”. O segundo trata-se de um Memorial de 1775, redigido por Loménie de Brienne, arcebispo de Toulouse, amigo de Turgot (teve grande destaque na ação social no início do reinado de Louis XVI). (SILVA, 2006, p. 39)

A autora revela que a Comissão l’Averdy efetuava uma "classificação dos pobres", distinguindo-os entre mendigos, indivíduos mutilados, inválidos e crianças e oferecendo um tratamento individualizado a partir dessa classificação. Em 1767, nos Dépots de mendicité (SILVA, 2006, p. 41) ou centro de triagem, como eram conhecidos pelos internos, aguardava-se pelo retorno da família, pela solução da paróquia ou o encaminhamento ao hospital.

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administrativa. A lei assegurava a ordem pública nos limites da justiça: ela deve, então, suprimir a mendicância. À administração cabe vigiar os abusos e ao mesmo tempo enquadrá-los no regulamento. Em caso de hospitalização, seria necessário substituir os grandes hospitais insalubres por casas modestas. Mas, a estadia da pessoa deveria seria paga, em primeiro lugar, pela família. Na falta desta, o pagamento ocorreria por meio de recursos municipais, administrados pela comunidade.

Embora a assistência social de pessoas com deficiência tenha sido verificada antes da primeira geração de direitos humanos, é em 1790 que ocorre a criação o "Comitê de Mendicância da Constituinte", o qual destaca, em seu plano de trabalho, o direito do homem à subsistência. A afirmação do caráter social dos direitos do homem é verificada, de modo explícito, nos trabalhos desse Comitê da Constituinte Francesa. (SILVA, 2006; HERRERA, 2003)

1.1.3 - Primeira geração de direitos humanos

Conforme o delineamento trazido, a primeira geração dos direitos humanos firmou-se em meio ao momento de resistência aos poderes dos monarcas absolutistas, em decorrência da luta da burguesia pelos princípios básicos da vida, da liberdade e da propriedade.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é o documento histórico fundamental das reivindicações civis. Aprovada pela Assembleia Nacional Francesa, em 26 de agosto de 1789, esse documento teve como influência de formação, os ideais da Revolução Francesa, delineados pela trilogia liberdade, igualdade e fraternidade. Além disso, o documento também contemplou o direito de propriedade, o qual foi classificado pelos franceses como sagrado. (BOBBIO, 1992)

Segundo o autor, o caráter universal da Declaração Francesa lhe concede o título de marco da evolução dos direitos fundamentais. É a partir deste documento jurídico que os direitos humanos passam a ter a conotação que hoje lhes é atribuída.

Essa primeira geração de direitos correspondeu às liberdades elementares do homem diante do Estado, manifestando limites à atuação dos governos. Objetivava assegurar a defesa da pessoa diante das determinações governamentais, conferindo-lhe uma característica de liberdade particular, individual, sobretudo na valorização das viabilidades de trabalho e da possibilidade de constituírem patrimônio, sem que este fosse confiscado pela exigência de tributos excessivos.

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ser concedidos.

Notadamente, apresenta-se de difícil compreensão a concessão de prerrogativas mais sofisticadas à pessoa para quem não foi ainda assegurada a titularidade das faculdades de preservação da vida, da liberdade e da propriedade.” (ZANON JR, 2009)

A Declaração Francesa trouxe como princípio geral, o direito à igualdade e o reconhecimento do pensamento autônomo, ou seja, o reconhecimento dos direitos à participação política e representação legal a todos os indivíduos. Entretanto, o requisito para esse reconhecimento consistia na posse de certa quantia de propriedade; neste caso, o requisito não cabia aos pobres e dependentes. Até 1794, a cidadania também foi negada "aos escravos, porque eles eram propriedade de outros, e para as mulheres porque seus deveres domésticos e de cuidados com as crianças eram vistos como impedimentos à participação política." (SCOTT, 2005, p. 12). Estes mesmos termos se aplicavam às pessoas com deficiência, que na condição passiva de pessoas socialmente amparadas mereciam os benefícios da Assistência Pública e da solidariedade da comunidade.

Segundo Bianchetti (1995), nesse período, com o aumento gradual da burguesia, em termos de discurso sobre liberdade e igualdade de direitos, as classes passaram a vislumbrar chances de ascensão e o acesso à educação "passou a ser acenado como um dos meios de passagem de uma classe à outra." (BIANCHETTI, 1995, p. 15). Mas tratar os diferentes de forma similar traria consequências, já que havia critérios para a concessão dos direitos.

Segundo Silva (2006), a Assembléia Legislativa instaurou, em 14 de outubro de 1791, um Comitê de Recursos Públicos, voltado à Assistência Social, encarregado de lhe apresentar um plano de trabalho sobre a organização geral dos recursos destinados "aos pobres sadios e inválidos", a administração dos hospitais e hospícios de beneficência e a repressão da mendicância. Esse foi um dentre vários projetos sociais apresentados na época, os quais evidenciavam os novos rumos sociais trazidos com a Revolução.

Os novos encaminhamentos provocados nesta época, sob as bases da assistência social, desencadearam uma mudança nas relações sociais, inclusive, com as pessoas com deficiência. Para este público, o direcionamento se voltou para o incentivo ao trabalho e ao atendimento em domicílio.

Os efeitos que começam a se fazer sentir podem ser justificados pelo fato de que os deficientes estão prontos a saírem do domínio da pobreza para serem considerados deficientes (infirmes). Ou seja, no meio da própria pobreza, eles são distinguidos e, [...] vão corresponder a uma ação e a uma intenção sociais. (SILVA, 2006, p. 46)

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formas diferenciadas entre os tipos de deficiências. Isso porque o direcionamento científico, desde a época do Renascimento e Iluminismo, organizou-se em torno das deficiências sensorias, entendidas como patologias, o que resultou em investimentos em termos de reabilitação e educação. Silva (2006) cita como exemplo a deficiência visual, ressaltando que havia um interesse especial sobre ela desde o século XVIII, "a cegueira era exemplar para estudar como um conhecimento intelectual e abstrato vem e passa pelos sentidos." (SILVA, 2006, p. 46).

Os avanços da medicina sobre a deficiência trouxeram um entendimento sobre a condição de deficiente, como um fenômeno que deveria ser analisado no campo da patologia ou da anormalidade, sendo conhecido mais tarde como o modelo social médico da deficiência (DINIZ, 2007). Dessa forma, o sentido atribuído à deficiência sensorial passou a ser explicado como uma experiência individual e privada, resultante de uma lesão corporal e com restrições de capacidades.

O modelo social médico também se direcionou à deficiência intelectual. Para o público com essa "patologia" haveria a assistência em hospitais gerais sem objetivos que levassem a saída da instituição; mesmo aquelas pessoas que vinham de famílias privilegiadas permaneciam nos conventos mediante pensão, ou em algumas Casas de Caridade. (SILVA, 2006, p. 46).

Os princípios de Assistência também atravessaram os objetivos educacionais das pessoas com deficiência. Na segunda metade do século XVIII, após a Revolução de 1789, em Paris, surgem as primeiras instituições para crianças com deficiência, a maioria delas voltadas, especificamente, para crianças com deficiência visual e auditiva - Instituto Nacional de Surdos-Mudos e Instituo de Jovens Cegos de Paris. (SILVA, 2006; BUENO, 2001)

Esse perfil de educação teve início na França, num momento em que o desenvolvimento industrial incitava a preparação para o trabalho. Um exemplo disso é a escola de surdos fundada em 1760, em Paris, que buscava a autonomia dos surdos para o trabalho. As aulas eram divididas em dois objetivos diferentes: aprendizagem da linguagem gestual e oral e realização de trabalho manual. (BUENO, 1993).

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(1791), que somente aceitava “cegos funcionais”, ou seja, que estivessem aptos ao trabalho, foi intitulado, em 1795, Instituto dos Trabalhadores Cegos. O referente nome foi considerado depois que esse estabelecimento foi transformado em escola industrial. (BUENO, 1993)

O formato francês de educação especial estendeu-se pela maioria dos países capitalistas com regimes de internato, semi-internato e agregados de ensino-comum. (NERES e CORREA, 2008)

Não obstante essas instituições tivessem um regime de internato, da mesma maneira que os hospitais gerais, Bueno (2001) destaca algumas características exclusivas. A primeira delas é a da busca pela recuperação, ou seja, que essas instituições levassem a um possível convívio social externo. Diferentemente dos hospícios, que tinham como premissa a segregação absoluta, essas instituições procuravam desenvolver habilidades, ainda que mínimas (como a fala ou a linguagem gestual para os surdos, e a substituição da escrita por letras em relevo, para os cegos). A segunda característica é a do foco sobre o desenvolvimento de habilidades necessárias ao trabalho, ainda que muitos permanecessem ainda residindo dentro dessas instituições. O autor também ressalta uma terceira característica, voltada à possibilidade do regime semiaberto que essas instituições proporcionavam, retirando as premissas do antigo regime de segregação absoluta.

Embora esse novo modelo assistencial trouxesse progressos sociais para as pessoas com deficiências, Bueno (2001) pondera sobre o reforço da diferenciação por classes sociais, já que a totalidade dos alunos provinha dos estratos sociais superiores.

Segundo Bueno (2001), esse processo atingiu, essencialmente, as pessoas com deficiências das camadas populares com a seguinte função:

[...] esses institutos se transformaram em asilos, preenchendo basicamente a função de organizadores de mão-de-obra barata, que retiravam os desocupados da rua e os encaminhavam para o trabalho obrigatório, manual e tedioso, parcamente remunerado, quando não em troca de um prato de comida e um catre no "maravilhoso espaço do asilo-escola-oficina" (BUENO, 2001, p.167)

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Mesmo hoje, esse imaginário de dependência social influencia a determinação dos espaços e ações destinadas a esses sujeitos; muitos destes, inclusive, considerando essa concepção social em que estão inseridos, acatam tais determinações, "limitando-se “voluntariamente” e assumindo de bom grado as restrições institucionais. Estar dentro delas seria um privilégio." (BUENO, 2001, p. 5)

Por essa breve trajetória de registros históricos percebe-se que a configuração dos princípios de Assistência Social e as exigências de normalização, como pressupostos básicos do período da primeira geração de direitos humanos, resultaram em uma forma específica de incorporação dos deficientes no meio social: de dependência social. As relações institucionais davam contorno ao entendimento da Educação Especial e contribuíram com as configurações das subjetividades. Certamente, é na perspectiva de sua construção histórica "que se pode explicar como a institucionalização foi produzindo o sentido de deficiência que funciona “naturalmente” para a população em geral." (SILVA, 2006, p. 53)

1.1.4 - Segunda Geração de Direitos Humanos

Assim como a primeira, essa geração dos direitos humanos também emergiu das lutas sociais em prol da garantia de condições indispensáveis à sobrevivência. Mas, foram as classes trabalhadoras do início da fase industrial do capitalismo que protagonizaram as reinvindicações de direitos. Cidadãos que se empenhavam em conseguir melhores condições laborais e prestações estatais nas áreas de educação, saúde e moradia, diante de um governo liberal. (ZANON JR, 2009)

O Estado Liberal, estabelecido durante o século XVIII a partir das ideias iluministas e que imperou na primeira geração de direitos humanos, levou a uma situação de intensa desigualdade social. Isso porque os preceitos liberalistas consideraravam a atuação mínima, com indiferença à vida econômica e social de seus governados e com interferência específica na vida política, mais precisamente na proteção das liberdades individuais. Assim, a posição que representa o Estado Liberal era a de intermediador distante, presente apenas para coibir os excessos contra a nova ordem econômica, sem grandes regulações e normativas que imponham cumprimentos da ordem. Era o chamado Estado laissez faire et laissez passer (deixar fazer, deixar passar). (BOBBIO, 1994)

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como atividade predominante, diante da expansão da indústria. O processo de industrialização iniciado na Inglaterra conduziu ao aparecimento de uma nova classe social nas cidades europeias: a classe operária. Eram famílias que migravam do campo para trabalhar nas fábricas recentemente abertas. 7

Embora muitas conquistas sociais tenham sido alcançadas em termos de dignidade humana, ocenário social e econômico denunciava a força que a burguesia alcançou depois da Revolução Francesa. Os direitos conseguidos até esse momento preservaram, especificamente, os interesses burgueses, principalmente aqueles relacionados à proteção e conquista de propriedades.

A classe trabalhadora industrial, embora resguardasse sua liberdade básica da primeira geração de direitos humanos, tinha sua força laboral intensamente explorada pelos detentores do capital. Não havia proteção jurídica adequada diante das imposições de jornada de trabalho ditadas livremente pelos seus empregadores e da baixa remuneração. As condições precárias de higiene dos improvisados locais de trabalho (galpões, estábulos, e velhos armazéns, transformados em fábricas), a mínima proteção diante do manuseio e manutenção das máquinas, somados ao excesso de jornada, ampliaram o número de deficiências adquiridas neste período. Trouxeram uma gama de acidentes de trabalho, que incluíam mutilações e mortes, além de agravamento de problemas de saúde diante das condições ambientais. A administração das Fábricas se isentava de qualquer responsabilidade sobre os acidentes ocorridos, cabendo ao próprio trabalhador primar pela sua defesa diante das condições de trabalho que se apresentavam. (VILHENA DA SILVA, 2010; BRASIL, 2003)

Além disso, as condições de vida nas cidades eram precárias, principalmente aquelas relacionadas ao saneamento básico, ao acesso à educação e ao atendimento médico e hospitalar. As massas proletárias foram levadas a um grau de exploração e miséria incompatível com a dignidade humana.

Nas fábricas, o trabalhador precisava adequar-se ao ritmo da máquina, funcionando como mais uma peça de engrenagem. A divisão de tarefas simplificou e aumentou a produtividade do trabalho e o reduziu, paulatinamente, a um mecanismo mais barato. Este formato de atividade dispensou a especialização e a resistência do trabalhador adulto, mobilizando mão de obra não qualificada, o que resultou em um novo espaço de trabalho,

Referências

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