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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OU DIFICULDADES ESCOLARES? um estudo sobre a visão dos professores

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Academic year: 2019

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ZULEIDE BLANCO RODRIGUES

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OU DIFICULDADES

ESCOLARES?

um estudo sobre a visão dos professores

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ZULEIDE BLANCO RODRIGUES

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OU DIFICULDADES

ESCOLARES?

um estudo sobre a visão dos professores

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação do Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno.

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ERRATA

p iv – linha 10 – excluir “cerca de”

p iv – linha 11 – completar o nome Moysés & Collares – excluir datas p iv – linhas 12, 13 e 16 – excluir datas

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria sido possível sem o apoio, de forma amável, compreensiva e incentivadora de meu marido Jaime.

De maneira especial, cooperaram e me incentivaram minha mãe Ângela, meus filhos Jackson, Jaime Manoel e Leila e, mesmo sem entender direito do que se trata, cito com especial carinho meu netinho Vinícius, por compreender e aceitar minhas ausências em momentos especiais de sua vida.

Ao meu orientador, Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno, por acreditar neste objeto de pesquisa desde o primeiro momento, sendo além de colaborador, crítico e avaliador, um incentivador imensurável.

Especialmente, também, ao Prof. Dr. Odair Sass, parecerista do projeto e componente da banca de Qualificação, por suas sugestões e comentários que promoveram enxertos de grande valia neste estudo.

Compondo a banca da Qualificação, honrou-me, sobremaneira, a presença e contribuição da Profª Drª Maria Aparecida Afonso Moysés, a quem carinhosamente agradeço.

Agradecer a todos que me acompanharam nessa trajetória acadêmica seria impossível, dado o espaço de que disponho para isto, no entanto, não posso deixar de mencionar a presença constante de incentivo da Profª Drª Luciana Maria Giovanni.

Quero agradecer também aos dirigentes da Secretaria Municipal de Educação e coordenadores do NAAI, pela flexibilidade em deferir alternativas de horário de trabalho e possibilitar acesso ao arquivo interno das Fichas de Encaminhamento. Aos parceiros do NAAI que sempre perguntam pelo andamento desse trabalho e torcem por um resultado positivo.

Encabeçando a lista dos amigos que colaboraram com manifestações de incentivo e carinho está a Betinha, secretária do Programa, seguida por Renata Weffort, José Luiz Germano, Ângela Tavares, Dolores, Lúcia Matias, Lilian Barone...

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a visão dos professores sobre os alunos que apresentam baixo rendimento escolar e por isso são caracterizados como portadores de problemas e dificuldades de aprendizagem, assim distinguidos por apresentarem padrões considerados não compatíveis com o que é esperado pela escola. Para sua realização utilizou-se como fonte de dados a “Ficha de Encaminhamento” preenchida pelos professores da rede municipal de ensino de município da região metropolitana de São Paulo, na qual foram registrados o fato ou acontecimento que determinou o referido encaminhamento de parte de seus alunos, bem como outras informações sobre a aprendizagem dos referidos alunos. O período coberto pela pesquisa foi o ano letivo de 2007, quando foram realizados cerca de 600 encaminhamentos, cujas fichas serão analisadas com base na perspectiva, apontada por Moysés (1985, 1992, 2001) e Bueno (2004), de que não há sustentação teórica na caracterização desses “distúrbios”, e de Aparecido (2000), de que o conhecimento desses professores não reflete a “falta de formação sobre dificuldades de aprendizagem”, mas é o reflexo da concepção fartamente disseminada por um tipo de literatura que se pretende científica. O suporte teórico da investigação são as contribuições de Pierre Bourdieu (1998, 2007, 2008), mais especificamente, o conceito “habitus”, na medida em que se considera que as formas pelas quais os professores caracterizam as dificuldades de aprendizagem, expressam uma perspectiva individualizante e patologizante dessas dificuldades de escolarização, construídas no meio educacional com suporte de produção pretensamente científica à qual eles têm acesso.

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ABSTRACT

The aim of this work is to analyze the view of the teachers about students that presents poor school performance, and because of that they are reported as carrier of learning problems and difficulties, thus distinguished by presenting pattern considerate not compatible with what is expected by the school. For its implementation it was used, as data source, the “Routing Sheet” filled by the teachers of the municipal system of education in the metropolitan municipal area of São Paulo, in which they reported the fact or event that determinates the quote route of part of their students, and so other information about the learning of the students mentioned. The period covered by the research was the school year of 2007, when there were made around 600 referrals, in which the forms will be analyze from the perspective appointed by Moysés (1985, 1992, 2001) and Bueno (2004), that there is no theoretical support for the characterization of these “disturbances”, and by Aparecido (2000), that the knowledge of those teachers do not reflect “ the lack of education about learning difficulties”, but is a reflection of a conception galore spread by a type of literature that intend to be scientific. The theoretical support of the investigation are the contributions of Pierre Bourdieu (1998, 2007, 2008), more precisely, the concept of “habitus”, in so far as it considers the way in which teachers characterize the learning difficulties, expresses a individualized and pathological perspective of these scholarization difficulties, built in educational environment with support of production intended to be scientific that they have access.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 01

CAPITULO 1 – APRENDIZAGEM E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ... 10

1. DIFERENTES TEORIAS DE APRENDIZAGEM ... 10

2. DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM OU FRACASSO PRODUZIDO PELA ESCOLA ... 14

2.1.As perspectivas teóricas tradicionais sobre as dificuldades de aprendizagem ... 14

2.1.1. A questão terminológica ... 15

2.1.2. As causas dos distúrbios de aprendizagem ... 23

3. DIFICULDADES, DISTÚRBIOS, TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM: PERSPECTIVA CRÍTICA ... 33

CAPÍTULO 2 – AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM PELA ÓPTICA DOS PROFESSORES ... 41

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 56

ANEXO 1– MODELO ... 59

ANEXO 1.1 – 12 FICHAS, AMOSTRA ... 61

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Distribuição da população escolar na Educação Infantil e

Ensino Fundamental do município de Carapicuíba – 2007 ... 02

TABELA 2 – Dissertações e teses defendidas no Brasil sobre distúrbios, problemas, dificuldades e distúrbios de aprendizagem – 1987/2006 ... 38

TABELA 3 – Temas principais das dissertações e teses sobre distúrbios, problemas, dificuldades e distúrbios de aprendizagem – 1987/2006 ... 39

TABELA 4 – Distribuição da queixa principal ... 42

TABELA 5 – Distribuição da queixa principal – Ensino Fundamental – Rede Municipal ... 42

TABELA 6 – Distribuição dos encaminhamentos por escola ... 43

TABELA 7 – Distribuição dos encaminhamentos pela idade dos alunos ... 44

TABELA 8 – Distribuição dos encaminhamentos pelo sexo dos alunos ... 44

TABELA 9 – Distribuição dos encaminhamentos por professor ... 45

TABELA 10 – Distribuição dos encaminhamentos por série ... 46

TABELA 11 – Freqüência escolar ... 46

TABELA 12 – Referência a problemas de comportamento agregados ... 47

TABELA 13 – Especificação do problema de aprendizagem ... 48

TABELA 14 – Especificação dos encaminhamentos por série ... 49

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INTRODUÇÃO

O ponto de partida desta pesquisa foi o trabalho profissional que desenvolvo na área de Pedagogia, dando atendimento às crianças encaminhadas ao serviço especializado com queixas de dificuldades de aprendizagem, o que, ao longo do tempo, foi-me inquietando em razão das formas muito semelhantes de identificação que os professores fazem de determinados alunos seus, com baixo desempenho escolar, encaminhando-os ao serviço de apoio pedagógico, no qual atuo em conjunto com outros especialistas em educação.

Os professores, ao preencherem a ficha de encaminhamento de cada aluno a esse serviço, relatam as dificuldades de aprendizagem identificadas nessas crianças que, segundo eles, as impedem de ter um desempenho escolar adequado, na expectativa de que o atendimento especializado contribua para a superação de tais dificuldades e resulte na ampliação das possibilidades de êxito na trajetória escolar.

O serviço de apoio pedagógico mencionado neste trabalho refere-se ao NAAI – Núcleo de Apoio e Acompanhamento Interdisciplinar, pertencente à Prefeitura Municipal de Carapicuíba, no Estado de São Paulo, integrando a Região Metropolitana da Grande São Paulo, sub-região Noroeste, a 23 km do marco zero da cidade de São Paulo.

Carapicuíba, constituída por uma população total de 379.566 habitantes, dos quais 130 mil representam população flutuante, tem como divisas as cidades de Barueri ao norte, Cotia ao sul, Osasco ao leste, Barueri e Jandira a oeste, com uma área territorial de 35 km². A topografia possui características bastante acidentadas, tendo como seus acessos principais as rodovias Presidente Castelo Branco ao norte, Rodovia Raposo Tavares ao sul, Avenida dos Autonomistas e o Rodoanel Governador Mário Covas.

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duas) escolas estaduais de Ensino Fundamental I, 30 (trinta) pré-escolas e 2 (duas) creches, ambas municipais.

Tabela 1

Distribuição da população escolar na Educação Infantil e Ensino Fundamental do Município de Carapicuíba – 2007

Dependência Estadual Municipal Privada

Creche 0 886 362

Pré – Escola 0 7810 577

Ensino Fundamental (1ª a 4ª série e Anos Iniciais) 21.831 5.930 0 Educação Especial (Incluídos) 370 79 22

Sub-Total 22.201 14.705 961

Total 37.867

Fonte INEP/MEC, 2007

Em 2007, de 600 alunos encaminhados ao serviço de apoio às dificuldades de aprendizagem, 92,9% (557 alunos) eram provenientes de escolas municipais e apenas 7,1% (43 alunos) de escolas estaduais. Vale a pena ressaltar ainda que, dos 557 alunos da rede municipal, 84,3% (470 alunos) frequentavam o Ensino Fundamental I, ou seja, dos 5.930 alunos matriculados nessa etapa no ensino municipal, cerca de 8% (470 alunos) foram considerados por seus professores como portadores de dificuldades de aprendizagem.

O Núcleo de Apoio e Acompanhamento Interdisciplinar - NAAI - foi criado para o atendimento especializado a esses alunos, de escolas da rede municipal e da rede estadual situadas no município, com queixa de dificuldades de aprendizagem. Apesar de atender também a rede estadual, o núcleo concentra o atendimento na rede municipal de ensino.

Para que um aluno fosse recebido pelo NAAI, o professor deveria preencher a Ficha de Encaminhamento (Anexo 1), na qual registrava a queixa principal que, segundo ele, originaria as dificuldades de aprendizagem e que demandaria atendimento interdisciplinar. Essa ficha contém dados de identificação da criança e da escola e, além da queixa principal, um conjunto de questões sobre o desempenho na aprendizagem, desenvolvimento emocional e comportamental, assiduidade, relação professor x aluno, aluno x aluno e envolvimento da família na escolarização da criança.

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de apoio pedagógico a entender a situação apresentada e planejar a intervenção no processo de aprendizagem desse aluno.

A quantidade de encaminhamentos ao serviço de apoio pedagógico é expressiva, na medida em que, em 2007, a rede municipal atendeu cerca de 5.930 alunos no Ensino Fundamental I e que foram encaminhados 470 alunos (8%) para o atendimento especializado.

Todavia, essa não parece ser uma característica desse município, mas, muito mais, uma expressão localizada de uma prática docente disseminada (Cf. Moysé e Collares, 1994) de atribuir às características intrínsecas dos alunos dificuldades de escolarização que são provenientes, ou do contexto social (falta de condições básicas de vida) ou do próprio sistema de ensino.

O professor, como agente imediato responsável pelo desempenho acadêmico de seus alunos, ao encaminhar aos serviços de apoio os que apresentam baixo rendimento escolar, imputa a características do aluno esse baixo rendimento, eximindo-se da responsabilidade de ensinar e não eximindo-se assumindo como parte integrante no processo ensino e aprendizagem, como afirmam Moysés e Collares (1994).

Minha inquietação, portanto, está na necessidade de entender como os professores chegam a determinar que parte de seus alunos precisa de encaminhamento aos serviços especializados, a fim de superar esse baixo rendimento, entendido por eles como dificuldades de aprendizagem.

Ao realizar esses encaminhamentos, atribuindo essas dificuldades a características intrínsecas à criança ou ao seu meio familiar e sócio-cultural, sem considerar o que se passa no interior da escola, os professores, mesmo que de forma pouco consciente, incorporam uma perspectiva de medicalização ou psicologização.

Por medicalização entende-se o processo de transformar questões não médicas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, isto é, tentar encontrar no campo da medicina as causas e soluções para problemas de natureza diversa. Tomando por referência Moysés e Collares (1994), tem-se que o processo de medicalização advém de uma tendência à biologização na educação, que se caracteriza por reduzir os problemas de rendimento escolar a aspectos biológicos, ou seja, a características individuais, desconsiderando as circunstâncias sociais, políticas, econômicas, históricas, essas sim, geradoras do fracasso escolar.

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desigualmente distribuídas entre as classes sociais, notadamente, o capital cultural e certa naturalidade no trato com a cultura e o saber que apenas aqueles que foram, desde a infância, socializados na cultura legítima podem ter.

Bourdieu (1998) relata que a escola trataria a todos de modo igual, todos assistiriam as mesmas aulas, seriam submetidos às mesmas chances, argumentando que, na verdade, as chances são desiguais. Para esse autor, apenas uma “pedagogia racional” poderia neutralizar a ação de intensificação das desigualdades no interior do sistema escolar e, assim mesmo, apenas aliadas a uma vontade política de dar oportunidades iguais perante o ensino. Alguns estariam numa condição mais favorável do que outros para atenderem às exigências, muitas vezes implícitas, da escola.

Ao sublinhar que a cultura escolar é a cultura dominante dissimulada, Bourdieu (2008) abre caminho para uma análise crítica das práticas desenvolvidas pela instituição escolar, desde a organização até os processos de avaliação, passando por todos os elementos que constituem a prática pedagógica.

A fundamentação da exclusão escolar com base nesse autor permite, portanto, nos contrapormos à perspectiva que encara as desigualdades escolares simplesmente como frutos das diferenças naturais entre os indivíduos, pois, segundo ele:

para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. (Bourdieu, 1998:53).

Para ele, no entanto, essa crítica à função da escola não pode ser entendida como uma ação deliberada e organizada dos educadores que a constituem, na medida em que ela expressa um habitus constituído nas relações sociais: as pessoas não existem, pelo menos para o mundo social, se não possuem algum tipo de habitus (Bourdieu, 1998: 111), assim definido por ele:

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O conceito de habitus na obra de Bourdieu (2003) pode possibilitar uma análise das ações entre os homens como fruto de uma interiorização de padrões pré-estabelecidos, que conformam diferentes campos sociais. Para ele, o habitus não é estático, mas dinâmico, o que nos obriga a procurar explicar como a interioridade se faz anunciar no exterior, ou seja, interessam as relações entre a incorporação de padrões sociais de respostas ao mundo e a produção de novas respostas sob a forma de ações ou práticas sociais.

Ao enfatizar a experiência cotidiana como lugar de construção de saberes, procura-se entender os saberes como construções de práticas organizadas e incorporadas como habitus ao longo da trajetória pessoal e profissional dos professores dentro de um campo específico, o educacional.

Em uma tentativa de explicação para os mecanismos de discriminação e diferenciação inerentes ao funcionamento da escola, recorre-se a Bourdieu (1998) por meio do conceito de habitus como mediador entre os agentes educacionais e a estrutura social. Nesse sentido, para ele, habitus é o produto da internalização, pelo indivíduo, das condições históricas e sociais realizadas ao longo de sua trajetória pessoal e social.

As estruturas que caracterizam um campo ou as condições que distinguem uma e outra classe são apreendidas sob a forma de regularidades que, associadas a um meio social, produzem sistemas de disposições duráveis que estão predispostas a trabalhar como estruturas estruturantes, funcionando como princípio gerador de práticas.

É no sentido do habitus, como princípio gerador de práticas incorporadas e produzidas ao longo da trajetória do agente professor, que se pretende entender como essas práticas se constituem e são aplicadas, pois, para Bourdieu (2002), o habitus, quando incorporado, transforma-se em recurso importante para a análise de atitudes subjetivas, capazes de estruturar as representações e a produção de novas práticas ou mesmo reafirmar as velhas.

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Delimitação do problema

Número significativo de crianças apresentam, em nosso País, dificuldades frente ao que lhe é ensinado, especialmente diante do processo de alfabetização, continuando na aprendizagem da língua escrita, expressas por termos como “lentidão no aprender”, “falhas”, “desvios” com relação a um padrão definido pelo sistema escolar, que determina as habilidades necessárias para apropriação do que é ensinado.

Assim, apresentam, muitas vezes, desde o início da escolarização formal, mas não sempre, baixo rendimento nas disciplinas acadêmicas, em especial nos processos de alfabetização e aprendizagem da matemática. Baixo rendimento que, em grande parte das vezes é caracterizado como fruto de dificuldades intrínsecas da criança.

Moysés e Collares (1996), entre outros pesquisadores, afirmam haver uma racionalidade reducionista, evidentemente de ordem ideológica, reconhecendo na criança todas as causas de sua capacidade ou incapacidade para aprender, transformando-as em únicas responsáveis por seus fracassos.

Segundo as autoras, os profissionais de ensino parecem estar visivelmente despreparados para lidar com essa situação, na medida em que, ao imputar a causa desse baixo rendimento a pretensas incapacidades individuais, omitem a responsabilidade, tanto do sistema de ensino (de oferecer condições básicas de trabalho), quanto de sua própria atuação, na produção dessas dificuldades.

Com relação às políticas educacionais, os dados oficiais mostram que o sistema educacional brasileiro está muito longe de efetivar o princípio constitucional da educação como um direito de todos.

O ensino inadequado evidenciado nos números divulgados pelo próprio Ministério da Educação e Cultura, indica que a repetência constitui-se num dos problemas mais graves do quadro educacional do país, uma vez que os alunos passam em média cinco anos na escola, antes de se evadirem, e levam cerca de onze anos para concluir as oito séries de escolaridade obrigatória. Além disso, apenas 51% do total de alunos são promovidos e 44% repetentes, reproduzindo assim o ciclo de retenção que acaba expulsando os alunos da escola. (MEC/INEP, 2006).

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Acerca do entendimento dos saberes dos professores, Apple (1983) reconhece a importância de seanalisar a experiência escolar em sua totalidade, adentrando a escola e as situações em seu cotidiano. O reconhecimento da relação entre ideologia e conhecimento escolar é especialmente importante para se compreender, de forma ampla, a coletividade social da qual todos nós fazemos parte.

A análise da experiência escolar, segundo esse autor, possibilita ao pesquisador compreender como se produz uma sociedade, como se perpetuam suas condições de existência e, através da seleção e da transmissão de certos tipos de capital cultural, obter o conhecimento do que depende uma sociedade com suas desigualdades e como esta sociedade constitui a conexão entre as classes e os indivíduos, mediante a proposição de ideologias que, em última instância, sancionam a organização institucional existente, que causa uma estratificação desigual:

[...] compreender que aquilo que as escolas fazem ideológica, cultural e economicamente é muito complicado e não pode ser compreendido através da aplicação de qual receita simples. Existem relações muito fortes entre o conhecimento formal e informal no seio da escola e da sociedade mais abrangente com todas as desigualdades. [...] No entanto, e independentemente dos objetivos e dos resultados, existem pessoas reais que estão a ser ajudadas e prejudicadas dentro desses edifícios. (Apple, 1983)

Porém, tal como nos ensina Bourdieu (2007), a prática docente é constituída de forma pouco consciente, na medida em que os saberes da experiência são saberes práticos e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua formação e sua prática cotidiana.

Tendo em vista a argumentação apresentada, o problema desta investigação fica assim delimitado:

Quais ações de classificação dos professores do Ensino Fundamental, em relação aos alunos que apresentam baixo rendimento escolar, contribuem para uma perspectiva reducionista de atribuí-lo a características individuais dos alunos, caracterizando esse baixo rendimento como “distúrbio, dificuldades ou transtorno de aprendizagem” e expressam uma perspectiva ideológica incorporada em seus processos de profissionalização?

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elaborado crítica a essa perspectiva teórica de atribuir o baixo rendimento escolar a “distúrbios, dificuldades e transtornos de aprendizagem”, por considerá-la inconsistente do ponto de vista científico.

Em razão da possibilidade de acesso às Fichas de Encaminhamento (cerca de seiscentas), documento utilizado pela rede municipal de educação, de Carapicuíba, para encaminhamento de alunos com dificuldades na aprendizagem, estas serão a fonte para a coleta de dados, já que nelas, além da identificação dos alunos, estão os dados detalhados sobre a caracterização desses alunos como “portadores de dificuldades de aprendizagem (ver Anexo 1.1).

As fichas que chegam no núcleo são recebidas pela equipe multidisciplinar, composta de pedagogo, psicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo e serviço social, num total de 20 profissionais. Após a coleta de dados constantes na ficha, faz-se um pré-diagnóstico, encaminhando cada ficha aos profissionais especialmente designados para proceder ao diagnóstico final. A partir de um procedimento de anamnese com a família e observação do desempenho acadêmico da criança, o atendimento é iniciado.

Nesse sentido, os dados coletados são considerados como uma expressão localizada de um habitus docente que pode, até certo ponto, ser generalizado como prática corrente de grande parte do professorado do Ensino Fundamental no Brasil.

Os dados coletados, com registro em protocolo (Anexo 2) elaborado com base no conteúdo da Ficha de Encaminhamento, foram organizados em categorias “a posteriori”, tal como indica Bardin (1994), isto é, a partir das informações nelas contidas, tendo o propósito de atingir um montante significativo de informações (aspecto quantitativo), com o máximo de pertinência (aspecto qualitativo).

Os fundamentos teóricos situam-se na área da Sociologia da Educação e se reportam à produção científica de Pierre Bourdieu (1998, 2007, 2008), mais especificamente no conceito de habitus, na medida em que as formas pelas quais os professores caracterizam o baixo rendimento escolar como dificuldades, distúrbios ou transtornos de aprendizagem expressam uma perspectiva individualizante e patologizante dessas dificuldades, com o suporte de classificações oficiais e de produções acadêmicas que têm se disseminado nos últimos trinta anos no Brasil.

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aspectos) que, nos últimos 30 anos, se disseminou pelo país, e que procurou conceituar, caracterizar e classificar os “distúrbios”, “dificuldades”, “transtornos” ou “problemas” de aprendizagem, com base na contribuição de Aparecido (2000) de que este tipo de material é o que chega ao professorado, no intuito de demonstrar a sua fragilidade teórica. Por fim, apresento abordagens críticas sobre essa produção, apoiada nos estudos de Moyses e Collares (1985 e 1992), em que a relação entre fracasso e saúde escolar é analisada criticamente.

No capítulo 2, “As dificuldades de aprendizagem pela óptica dos professores”, apresento os resultados e analiso os dados colhidos por meio das Fichas de Encaminhamento, preenchidas pelos professores. As tabelas e as categorizações segundo informações contidas nas fichas são também apresentadas e comentadas.

O anexo 1 traz o modelo da Ficha de Encaminhamento e o anexo 1.1 uma amostra de 12 dessas fichas, com preservação dos dados de identificação, que pretende ilustrar o processo da coleta de dados, ou seja, de que maneira os professores relatam as informações que serviram de base a esta pesquisa, como instrumento de análise.

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CAPÍTULO 1

APRENDIZAGEM E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Para analisar as práticas docentes de atribuição do baixo rendimento escolar a características individuais definidas como “dificuldades de aprendizagem”, faz-se necessário discutir, de forma relativamente sumária, as diferentes perspectivas teóricas que tratam da aprendizagem, como uma mudança permanente de comportamento que ocorre como resultado de prática operante.

1. Diferentes teorias de aprendizagem

Embora seja extremamente difícil formular uma definição satisfatória da aprendizagem, Hilgard (1975:3) oferece uma definição a título provisório:

Aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança de atividade não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do organismo (por exemplo: fadiga, drogas, etc).

Em Atkinson (2002), encontramos que a aprendizagem pode ser definida como aquisição de novos conhecimentos e resulta na modificação do comportamento. Ela é abordada sob várias perspectivas, dentre as quais encontram-se como principais a cognitivista, a biológica e a comportamental.

A perspectiva cognitivista, pelo ponto de vista de Hilgard (Atkinson, 2002), destaca a importância dos processos mentais como percepção, recordação, raciocínio, decisão e resolução de problemas, e na compreensão do comportamento. Assim, o autor defende que a aprendizagem se dá por ensaios de tentativas e erros ou insight e, não por fatores ambientais.

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esquerdo é especializado para compreender a linguagem e o hemisfério direito é especializado para interpretar relações espaciais.

A abordagem comportamental ou behaviorista se detém em estudar as atividades de um organismo que podem ser claramente observadas e descritas, enfatizando a influência de variáveis ambientais na aprendizagem. A máxima behaviorista, de acordo com os relatos em Atkinson (2002), é de que o comportamento é melhor compreendido em termos de causas externas do que de causas mentais. A abordagem behaviorista da aprendizagem supõe que associações simples do tipo clássico e operante são os blocos de construção de toda aprendizagem. Segundo Skinner (Atkinson, 2002), as leis básicas de aprendizagem operam independentemente do que estiver sendo aprendido ou de quem estiver aprendendo, seja um rato aprendendo caminhos em um labirinto ou uma criança aprendendo a dividir números longos.

O que se verifica, portanto, é que subsistem diferentes abordagens teóricas com relação ao desenvolvimento psíquico, entre eles, a aprendizagem e que, sem dúvida, deveriam trazer consequências para a conceituação das dificuldades ou distúrbios da aprendizagem, mas a literatura que se produziu com o intuito de caracterizar esses distúrbios parece ter dado pouca atenção a esse importante aspecto, na medida em que procura estabelecer princípios e critérios de caracterização, independente de qualquer perspectiva teórica, como se já fosse líquida e certa uma única conceituação de aprendizagem, perspectiva esta marcadamente positivista.

Para a finalidade desta investigação, optei por discorrer sobre três abordagens teóricas, de posição ativa na atualidade, procurando demonstrar as diferenças entre elas como campo de tensão que expressa as dificuldades, para se determinar as formas como os seres humanos aprendem: o behaviorismo, a psicologia genética de Piaget e a abordagem sócio-cultural de Vygotsky.

Para Hilgard (1975), o behaviorismo é a teoria que faz associação entre estímulos ou entre estímulo e comportamento, com três premissas básicas: 1) o aprendizado é adequadamente explicado quando se refere a respostas ou comportamentos observáveis; 2) alguns dos mecanismos de aprendizagem utilizados por animais são úteis, também, aos humanos; 3) a natureza da aprendizagem humana complexa é esclarecida por análises com base nos processos mais elementares, como por exemplo, estímulo e resposta.

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contingências para uma aprendizagem eficaz. Este arranjo depende de elementos observáveis na presença dos quais o comportamento ocorre, seja uma resposta, um evento antecedente, um evento consequente (reforço) e fatores contextuais. Para esse mesmo autor, de acordo com a teoria do reforço, é possível programar o ensino para qualquer comportamento, como o pensamento crítico e a criatividade, desde que seja possível definir previamente o plano desejado.

A proposta de aprendizagem seria estruturada de maneira a dirigir os alunos pelos caminhos adequados que conduziriam ao comportamento final desejado. Ainda, segundo Skinner, o comportamento humano é modelado e reforçado, o que implica recompensa e reforço.

Skinner (1986) considera que qualquer ambiente físico ou social deve ser avaliado de acordo com seus efeitos sobre a natureza humana. Para esse autor, o conhecimento tem como base a experiência planejada, sendo resultado direto da experiência.

A construção de novos conhecimentos, vista pela perspectiva da Epistemologia Genética (Piaget, 2002), considera que o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado, porquanto é um processo que vai se tornando complexo gradativamente, ou seja, cada estágio, abordado em sua teoria, recua à gênese para explicar a passagem de estruturas mais pobres e simples às estruturas mais complexas e ricas, ou seja, o homem vai ascendendo a uma inteligência complexa de estruturas de pensamento abstratas.

Piaget assume uma postura epistemológica quando de sua questão, não psicológica, de como, ao longo do desenvolvimento, se estabelecem as diferenciações entre sujeito e objeto (Piaget, 1978). Esta preocupação o leva às origens do conhecimento, por meio do qual procura responder a forma como esse conhecimento se estrutura, ou melhor, como se estruturam as relações entre sujeito e objeto.

Para esse autor, o conhecimento se desenvolve por meio do equilíbrio1 entre a assimilação e a acomodação, resultando em adaptação. Essa formulação (...) implica a integração dos dados a uma estrutura anterior ou mesmo a constituição uma nova estrutura, sob a forma elementar de um esquema (Piaget, 2002:12-13). Assim, o indivíduo assimila os dados que obtém do exterior, mas, uma vez que já tem uma

1 Equilíbrio é o processo mediante o qual se equilibra aquilo que já sabemos (assimilação), com aquilo

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estrutura mental que não está vazia, precisa adaptar esses dados à estrutura mental já existente. Na medida em que os dados são adaptados a si próprio, dá-se a acomodação. Esse esquema revela que nenhum conhecimento chega do exterior sem sofrer alguma alteração de nossa parte. Ou seja, tudo o que aprendemos é influenciado por aquilo que já tínhamos aprendido.

Através de minuciosa observação de atividades desenvolvidas por seus filhos e por outras crianças enquanto brincavam, Piaget (2002) desenvolveu abordagem teórica que procura explicar o desenvolvimento cognitivo do homem. De acordo com essa teoria, o autor propõe a existência de estágios do desenvolvimento cognitivo, tal como descreve Costa Andreozzi (2002): 1) Sensório-Motor – tempo de implicação, desde o nascimento até, aproximadamente, o segundo ano de vida, a criança busca adquirir controle motor e aprende sobre os objetos que a rodeiam; 2) Operações Concretas – a criança interage com o mundo através de esquemas motores, perceptuais e intuitivos, não tendo atingido um pensamento operatório; 3) Operações Formais – tem início o pensamento operatório para resolver problemas, a criança passa a organizar um sistema de operações.

A passagem pelos estágios do desenvolvimento cognitivo pode acontecer por distinção na classificação, mas Piaget afirma que é fixa no que diz respeito à ordem de sucessão.

Piaget aponta quatro fatores que podem retardar ou acelerar a velocidade do desenvolvimento infantil e, em decorrência, a passagem de um estágio a outro: 1) a hereditariedade ou maturação interna; 2) a experiência física ou a ação sobre os objetos; 3) a transmissão social ou o fator educativo e 4) a equilibração.

O último fator, a equilibração, merece destaque de Piaget, por ser mais geral que os três primeiros e porque pode ser analisado de maneira relativamente autônoma. Então, na medida em que a teoria do desenvolvimento apela, necessariamente, para a noção de equilíbrio, toda conduta tende a assegurar equilíbrio entre os fatores internos e externos ou, mais geral, entre a assimilação e a acomodação. (Piaget, 2004)

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Se, para Piaget, o desenvolvimento precede a aprendizagem, para Vygotsky (1998) a criança, ao dar um passo na aprendizagem, dá dois no desenvolvimento, ou seja, o aprendizado e o desenvolvimento não coincidem.

Ao rejeitar a proposição enunciada, Vygotsky (1998)formula uma questão que pretende chegar à solução de tão complexo problema. Essa questão constitui-se de dois tópicos: a relação geral entre aprendizado e desenvolvimento e os aspectos específicos dessa relação quando a criança é inserida na educação formal.

Segundo a concepção situada por esse autor, aprendizagem e desenvolvimento estão interrrelacionados desde o primeiro dia de vida da criança. Uma criança em idade escolar começa a aprender noções de aritmética, quando não se observa que ela já vem com apropriações de quantidade, por exemplo.

Para Vygotsky(1998), a atividade mental exclusivamente humanaé resultado da aprendizagem social, da interiorização de signos sociais, da cultura e das relações sociais. Nesse sentido, o desenvolvimento mental é um processo sociogenético em que o desenvolvimento cultural interfere no funcionamento psicológico e o define em dois aspectos: a cultura funciona como alargador das potencialidades humanas.

Uma vez situado o tema aprendizagem sob diferentes óticas teóricas que não se coadunam em aspectos nodais, seguimos com a tentativa de definir o âmbito das dificuldades de aprendizagem a partir de raízes históricas, abordado por ciências médicas, educativas e psicológicas.

2. Distúrbios de aprendizagem ou fracasso produzido pela escola

2.1. As perspectivas teóricas tradicionais sobre as dificuldades de aprendizagem

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2.1.1 A questão terminológica

Segundo Garsía (1998), em seu Manual de Dificuldades de Aprendizagem, Samuel Kirk passou à história das dificuldades de aprendizagem por ser quem propôs o termo learning disability, em 06 de abril de 1963, na conferência da Fund for Perceptually Handicapped Children, nos EUA. Relata Garsía que, após essa data, as organizações em torno de dificuldades de aprendizagem foram criadas.

No Brasil, de acordo com pesquisa realizada por Aparecido (2000), o termo learning disability, do idioma inglês, não possui tradução literal, o que permitiu a utilização de variados termos como “problemas de aprendizagem”, “dificuldades de aprendizagem”. A área médica optou por traduções que se remetem à patologia, quais sejam “distúrbios de aprendizagem”, “transtornos de aprendizagem”.

A diversidade na terminologia contribui, ainda mais, para a ambiguidade, confusão gerada para o entendimento de tema tão complexo do baixo rendimento escolar, uma vez que os profissionais envolvidos usam termos diferentes para tratar de um mesmo objeto.

Tanto é assim que em todos os manuais consultados esta é uma questão recorrente. Diversos autores, a partir de suas pesquisas, procuram esclarecer os pontos divergentes na literatura em relação às alterações na aprendizagem escolar e, por conta dos seus enfoques (pedagógico ou clínico), têm-se as variações na conceituação e caracterização dos mesmos no processo de ensino e aprendizagem;.

A partir de idéias sobre o aprender ou o não aprender da criança é que se pode começar a expor as diferenças no uso e classificação entre distúrbios, transtornos e dificuldades de aprendizagem, esclarecendo, a priori, que tais termos são comumente empregados como se fossem sinônimos e que não existe ainda muita literatura a respeito de suas diferenças sendo, portanto, usados indistintamente, desde que se verifique algum problema ou falha relacionada ao ato de aprender.

O conceito de distúrbios de aprendizagem foi analisado por Moysés e Collares (1992) sob o prisma etimológico e com base no conceito proposto pelo National Joint Comittee for Learning Disabilities (Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem), dos Estados Unidos da América.

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separação, mau funcionamento e o radical “tubare”, que significa perturbar, alterar a ordem das coisas, interromper. Diz que distúrbio é uma perturbação, algum tipo de alteração, de interrupção ou algo que funciona mal em uma ordem qualquer. Esse termo pode ser usado em várias situações. Em se tratando de aprendizagem humana o termo distúrbio também pode ser usado quando algo não vai bem no ato de aprender. Ao ocorrer alteração na aprendizagem é exigida uma mudança nos padrões de aquisição, assimilação e transformação do indivíduo, seja por suas vias internas ou por recursos externos a ele, presentes em seu entorno.

Segundo as autoras, seguindo a mesma perspectiva etimológica, a expressão distúrbios de aprendizagem teria o significado de anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem, obviamente localizado em quem aprende. Portanto, um distúrbio de aprendizagem obrigatoriamente remete a um problema ou a uma doença que acomete o aluno em nível individual e orgânico.

De acordo com Moysés e Collares (1992), o uso da expressão distúrbio de aprendizagem tem se expandido de maneira assustadora entre os professores, apesar de a maioria desses profissionais nem sempre conseguir explicar claramente o significado dessa expressão ou os critérios em que se baseiam para utilizá-la no contexto escolar. Na opinião das autoras, a utilização desmedida da expressão distúrbio de aprendizagem no meio educacional seria mais um reflexo do processo de patologização da aprendizagem ou da biologização das questões sociais.

Todas essas definições, conceituações e categorizações foram objeto de análise por um conjunto de autores, que não só consideram que os distúrbios de aprendizagem têm sido utilizados de forma inadequada pelo sistema escolar, mas que colocam sob o crivo crítico o próprio conceito, considerando-o como insuficiente do ponto de vista científico.

As alterações na aprendizagem também se reportam ao indivíduo que apresenta dificuldades de aprendizagem. Dentre os inúmeros pesquisadores que se dedicaram ao estudo das dificuldades de aprendizagem merece destaque Kirk (1996)2, considerado como inovador no uso do termo “dificuldades de aprendizagem”, com o intuito de distingui-lo de outros mais direcionados à área da saúde como o termo “distúrbio”, pois o primeiro seria mais adequado para designar a problemática vivenciada nos meios escolares. As dificuldades de aprendizagem não poderiam ou não deveriam ser

2 Embora a edição brasileira consultada seja de 1996, a publicação original em inglês desta obra data de

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atribuídas a outros tipos de problemas de aprendizagem, pois, para esse autor, o grupo constituído de crianças que não aprendem era heterogêneo, muito embora tivesse algo em comum: as discrepâncias (diferenças intra individuais) entre capacidade e desempenho.

O termo distúrbio de aprendizagem referir-se-ia a um grupo diversificado de distúrbios, manifestado por dificuldades significativas na aquisição e no emprego das capacidades de ouvir, falar, ler, escrever, raciocinar e que, de acordo com o autor, presumivelmente teria como causa a disfunção do sistema nervoso central.

As definições de distúrbios tenderiam a excluir, conforme afirmava Kirk (1996), as crianças com deficiência mental, deficiências sensoriais e falta de oportunidade para aprender. Salientava ainda o autor que nem todas as crianças com discrepância entre seu potencial para aprender e a produção acadêmica tinham distúrbios de aprendizagem. Explicava esse fato, argumentando que a criança em idade escolar, sob as condições intrínsecas identificáveis de deficiência mental, deficiências visuais e auditivas e distúrbios emocionais graves não poderia ser considerada como portadora de distúrbios de aprendizagem, mesmo que por essas condições apresentasse uma sub-realização acadêmica.

Segundo Kirk (1996:407), mesmo se considerando uma ampla gama de definições, haveria um consenso entre as várias teorias de que uma criança com distúrbio de aprendizagem poderia ser identificada por três critérios principais:

• Uma discrepância significativa entre as áreas de desenvolvimento ou entre a capacidade intelectual e a realização acadêmica.

• Um distúrbio não explicado por uma deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio emocional ou falta de oportunidade para aprender.

• Necessidade de ensino especializado para se desenvolver ao máximo.

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percepção visual, mas não eram deficientes visuais e, outras crianças não conseguiriam aprender pelos métodos comuns de ensino, mas não eram deficientes mentais.

Pelo exposto, o autor procurava mostrar que essas crianças formariam um grupo heterogêneo dos que não conseguem aprender, já que as causas dessas dificuldades seriam muito variadas. Assim, alertava que não se deveria simplesmente rotular esse distúrbio atribuindo ao seu portador a incapacidade de aprender.

Schain (1976), por sua vez, considerava haver uma evidência de que fatores neurológicos, educacionais e ambientais contribuiriam significativamente com a má produção escolar em grande parte de crianças com capacidade mental normal. O exame neurológico efetuado em crianças nos primeiros anos escolares deveria se apoiar na obtenção de um histórico nos planos da motricidade, da fala e do social. A validade desse diagnóstico neurológico, segundo este autor, seria de responsabilidade da medicina neurológica.

Com referência ao estado mental, esse autor considerava que esses distúrbios poderiam implicar aspectos da afetividade e relacionamento, em quadros de hiperatividade e síndrome da lesão cerebral (distratibilidade), ou ainda, de comportamento autista ou distúrbios do pensamento.

Além disso, o autor considerava que a causa de distúrbios de aprendizagem poderia ser a disartria, oriunda de alterações na região da fala, do cérebro ou dos nervos crânicos, caracterizada por emissão defeituosa de consoantes. Para ele, a disartria era estrutural, devido à anormalidade dos lábios, língua ou palato; pela gagueira, caracterizada por interrupções ou retardos no fluxo da fala; pela afasia, distúrbio central da linguagem caracterizado por dificuldades na compreensão do uso dos sons como símbolos lingüísticos, pela disritmia, transtorno no ritmo das ondas elétricas cerebrais frequentemente associado a estados epiléticos.

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hiperativo. A criança hiperativa, nesse sentido, seria incapaz de permanecer sentada e se concentrar, resultando numa perturbação da sala de aula ou qualquer atividade organizada da qual a criança devesse participar.

Por outro lado, alertava Schain (1976) que a expressão disfunção cerebral mínima, amplamente difundida, deveria ser usada com cuidados quanto ao seu significado. Disfunção cerebral mínima, para ele, seria definida como estado descritivo de crianças com inteligência geral quase média, média ou acima da média, com certas incapacidades de aprendizagem e/ou de comportamento, associadas a desvios de função do sistema nervoso central. Esses desvios poderiam se manifestar por comprometimento de percepção, conceituação, linguagem, memória e controle da atenção, de impulso e de função motora.

Portanto, a disfunção cerebral mínima, para esse autor, não deveria se confundir com dificuldades de aprendizagem ocasionadas por fatores sociais e culturais.

Assim sendo, para ele, as disfunções cerebrais mínimas referiam-se a crianças com distúrbios de aprendizagem, que não apresentavam comprometimento neurológico grosseiro e nem retardo mental e que o diagnóstico de inaptidão específica para a aprendizagem seria difícil de ser realizado antes que a criança tivesse uma trajetória de, pelo menos, dois anos de escolaridade.

Entre os estudiosos do desempenho escolar, Ross (1979) dizia que vivemos em sociedade e cumprimos determinadas normas de comportamento; nesse sentido, a criança que se adaptasse à norma consensual prevalecente seria considerada “normal” e, aquela que não se adaptasse ao padrão estabelecido deveria ser considerada “anormal”.

Segundo ele, alterações comportamentais cujas causas não parecessem tão evidentes poderiam indicar a presença de lesão cerebral mínima, que exigiria cuidados especiais devido à existência de uma lesão muito específica que afetaria apenas o comportamento e/ou funções intelectuais, deixando intactas áreas como a motora e sensorial.

Prosseguindo, Ross (1979) afirmava que o comportamento seria uma função das condições ambientais e, quando modificadas essas condições, poderia haver alterações no comportamento.

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comportamento excessivo poderia assumir duas formas, quais sejam a de respostas de aproximação excessivas ou respostas de evitação excessivas.

Na tentativa de classificar os distúrbios psicológicos da criança, Ross (1979) usava o termo subnormalidade mental, quando a criança era inadequada na área de inteligência ou quando a dificuldade residisse no autocontrole com proporções intoleráveis, com comportamentos que transgredissem normas, considerados na delinquência juvenil.

Com referência à terminologia para categorizar a alta incidência de crianças que estão frequentando a escola mas não aprendem, Ross (1979) concorda com o desacordo geral dos envolvidos na conceituação e sua ambiguidade. Ele indica que devem ser esperadas diferenças na terminologia e definição em uma área que é do interesse de diferentes disciplinas como Educação, Neurologia, Pediatria e Psicologia. Diz ele que, talvez, seja necessário formular diversas opiniões, para que o uso atenda a cada um de acordo com sua especificidade.

O autor afirma que as crianças podem encontrar dificuldades para aprender por diversas razões e o termo dificuldades de aprendizagem não passa de uma descrição do que foi observado. Ele procura dar um discernimento, algo mais refinado, para as várias formas de dificuldades de aprendizagem com o intuito de esclarecer a matéria.

Os termos distúrbios de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem e deficiência de aprendizagem, segundo o entendimento desse autor, assim se definem (Ross, 1979: 82 – 86):

Distúrbios de Aprendizagem

O termo distúrbios de aprendizagem deve ser reservado para identificar as crianças cuja capacidade básica para aprender não está prejudicada, mas cuja aprendizagem é perturbada ou impedida por respostas adquiridas incompatíveis.(...) A criança com distúrbios de aprendizagem exibirá uma discrepância entre o desempenho escolar e seu potencial estimado. Um exemplo desse distúrbio diz respeito aos casos em que as lições de leitura se identificaram com punição, a página impressa pode ter-se tornado um estímulo que produz respostas de ansiedade; e a evitação do estímulo será reforçada por redução da ansiedade. Para estas crianças, as situações de evitação podem se generalizar para todas as situações de aprendizagem.

Dificuldades de Aprendizagem

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comportamento escolar adequado. Este grupo incluirá crianças com distúrbios psicológicos e gerais de longa data, tais como autismo infantil ou esquizofrenia infantil. Por esta terminologia, a dificuldade em aprender é secundária a outros problemas. Uma complicação desse caso é quando uma aprendizagem adequada não é dispensada à criança com dificuldade, a defasagem dos conhecimentos escolares acumulada por meses e até anos de estudo, pode provocar o medo do fracasso, de censura ou de inadequação, levando à recusa de frequentar a escola.

Deficiência de Aprendizagem

Nessa categoria enquadram-se os casos de criança que não manifesta subnormalidade mental geral, não apresenta prejuízo das funções visuais e auditivas, não é impedida de atender às tarefas educacionais por distúrbios psicológicos correlatos e, tem os meios culturais e educacionais que constituem a média para seu ambiente social, mas é, não obstante, bastante prejudicada em sua eficiência de aprendizagem. Diz-se que esta é uma categorização por exclusão. Quando não outra razão que justifique a dificuldade em aprender, é considerada a categoria disfunção de aprendizagem. As causas do desenvolvimento de disfunção de aprendizagem ainda não são conhecidas.

Outra perspectiva com referência aos distúrbios psicológicos nos foi apresentada por Morais (1986). Esse autor considerava que, para a constituição de uma taxonomia dos distúrbios psicológicos, se requeria o desenvolvimento de um sistema uniforme de classificação, com a devida categorização das espécies de distúrbios em estudo e o consenso conceitual entre os investigadores envolvidos no processo.

Dentre as mais diferentes espécies de distúrbios se encontrariam as direcionadas à aprendizagem, na medida em que o aprender a ler e escrever constitui-se tarefa difícil para determinadas crianças.

Nesse sentido, Morais (1986) classificou como portadores de distúrbios de aprendizagem crianças que não conseguiam apropriar-se de tão importante atividade acadêmica, qual seja, aprender a ler e escrever.

Em seu estudo, esse autor deu prioridade ao ensino de leitura e escrita nos primeiros momentos da escolaridade, considerando que qualquer falha nesse início poderia originar obstáculos na forma de distúrbios de aprendizagem. Dizia ele que a aprendizagem de leitura e escrita está vinculada à linguagem que, sendo um processo complexo por requerer a assimilação de várias habilidades, tais como linguística, de percepção, motora e cognitiva, não poderia se restringir a um único fator de análise.

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resultantes de disfunção neurológica, que poderiam residir apenas na dificuldade em ler, não se tratando de uma incapacidade para aprender.

Afirmava, ainda, que a criança com dificuldades de aprendizagem não seria deficiente, distinguindo-se tanto da criança normal quanto da criança deficiente. A denominação de deficiente não se aplicaria àquele que porta dificuldades de aprendizagem, porquanto este sujeito aprenderia, mesmo que de forma e em ritmo diferenciados. O que esta criança apresentaria seria uma discrepância entre o potencial atual e o esperado.

Já para Fonseca (1995), a criança com dificuldades de aprendizagem constituiria-se em objeto de difícil estudo e não poderia, por definição, ter qualquer deficiência (visual, auditiva, mental, emocional, motora, etc), pois sua inteligência estaria em um patamar desejável, possuindo uma adequada recepção sensorial e comportamentos apropriados de ordem motora ou sócio-emocional.

Embora considerasse que as dificuldades de aprendizagem representassem um dos maiores desafios educacionais e clínicos e, simultaneamente, um tópico estimável da investigação científica, considerava a definição registrada pelo National Joint Committee of Learning Disabilities (NJCLD, 1988) como a mais adequada:

Dificuldades de aprendizagem (DA) é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas de autorregulação do comportamento, na percepção social e na interação social podem existir com as DA. Apesar das DA ocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios socioemocionais) ou com influências extrínsecas (por exemplo, diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada intrução, etc.), elas não são resultado dessas condições.

O escolar que apresentasse dificuldades de aprendizagem, para esse autor, possuiria, no plano educacional, um conjunto de condutas desviantes em relação aos seus pares. Não se trataria, segundo Fonseca (1995), de um deficiente, mas de um estudante em condições favoráveis de aprendizado em determinados aspectos, porém desviante em outros, que se consideravam desejáveis numa sala regular de ensino. Esse autor destacava em seu estudo (1995:92), uma lista de dez comportamentos específicos que poderiam promover os desvios, a saber:

Hiperatividade;

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Problemas gerais de orientação; Desordens de atenção;

Impulsividade;

Desordem na memória e no raciocínio;

Dificuldades específicas de aprendizagem: dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia;

Problemas de audição e de fala;

Sinais neurológicos ligeiros e equívocos e irregularidades no EEG (eletroencefalograma).

Portanto, para Fonseca (1995), a criança com dificuldades de aprendizagem diferentemente de ser classificada como deficiente, é uma criança normal que aprende de uma forma diferente, a qual apresenta uma discrepância entre o potencial atual e o potencial esperado. Dando essa explicação, o autor faz um alerta para que esses casos de dificuldades de aprendizagem sejam tratados com rigor e intervenções pedagógicas no momento certo, para não se correr o risco, de a escola com seu critério seletivo de rendimento, influenciar e reforçar a inadaptação, culminando, projetivamente e profeticamente, no atraso mental de fato, na delinquência ou em sociopatias.

O termo dificuldades de aprendizagem, para outros autores como Smith & Strick (2001), surgiu para designar uma gama de problemas que afetavam qualquer área do desempenho acadêmico, não se referindo, portanto a um único distúrbio. As dificuldades de aprendizagem podiam acontecer de forma tão sutil que, algumas das vezes, passavam despercebidas, como se a criança acometida não tivesse problema algum. Em outras situações, a criança até podia se sair bem em áreas como desenho, artes diversas, cálculos orais e não apresentar um bom desempenho em leitura e escrita. Também acontecia de a criança ler um parágrafo, em voz alta, de forma clara e precisa e, entretanto, ao final, ser incapaz de se lembrar do que fora lido e dar a devida interpretação. Essas situações se configuravam como não aprendizagem e adjetivavam determinados alunos como desatentos, não cooperativos ou desmotivados.

2.1.2 As causas dos distúrbios de aprendizagem

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psiquiatras, neurofisiologistas, pediatras, oftalmologistas, fonoaudiólogos e outros profissionais, como afirmam Kirk e Gallagher (19963). Embora os problemas sejam analisados sob perspectivas diferentes, de um modo geral, há dois pontos de referência que aproximam essas expectativas, quais sejam, definir ou identificar essas crianças e seus problemas pela etiologia (causa) e comportamento.

Os professores geralmente encaminham crianças quando estas estão apresentando problemas nas disciplinas escolares básicas, tais como a leitura, escrita, soletração, matemática. Conforme relatam esses autores, o diagnóstico realizado por especialistas em distúrbios de aprendizagem parte da exclusão de deficiência mental, auditiva, visual, falta de oportunidade, falta de motivação e outras condições como possíveis causas, chegando à hipótese de que os distúrbios de desenvolvimento associados podem estar inibindo a aprendizagem dessas disciplinas.

A título de ilustrar o processo diagnóstico, os autores apresentam o seguinte caso (Kirk e Gallagher, 1996:383-387):

A srta. Jones, uma professora de terceira série, tinha em sua classe um menino de oito anos de idade, incapaz de ler além do nível elementar. Depois de trabalhar com Carl durante quatro meses sem sucesso, ela concluiu que havia algo drasticamente errado com ele, pois parecia que não aprendia prontamente e tampouco se lembrava do que havia aprendido de um dia para outro. Acabou encaminhando Carl para uma clínica de estudo de crianças.

Dentre as várias providências a serem tomadas na clínica, a primeira foi determinar se o problema de aprendizagem era específico, geral ou ilegítimo.Submetido a um teste de QI, verificou-se que o aluno tinha um escore de 104 de QI no teste Stanford-Binet de inteligência. Também obteve um escore correspondente a nível de segunda série em computação aritmética.

Ao analisar os dados obtidos, o psicólogo chegou a seguinte informação: Idade cronológica 8 – 4

Idade mental 8 – 10 Idade de linguagem 8 – 2 Idade de computação aritmética 7 – 8 Idade de leitura 6 – 3

Havia uma discrepância entre a idade cronológica, mental, de linguagem e de realização aritmética por um lado e, o nível de leitura por outro. A criança havia frequentado a escola com razoável regularidade, havia recebido ensino adequado por mais de dois anos e ainda não aprendera a ler. Era evidente que havia realmente um problema, embora existisse uma capacidade aparente, como indicavam as outras capacidade e realizações.

Após o processo de identificação do problema, foram desenvolvidas duas hipóteses de trabalho.

1) A partir da observação de que o menino só pronunciava o som das duas primeiras letras de uma palavra, embora conhecesse todos os seus sons isoladamente, conjecturou-se que não havia aprendido a habilidade de combinação de sons.

3 Título original Educating Exceptional Children, publicado por HoughtonMifflin Company, Boston,

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2) A segunda inferência surgiu do escore baixo num teste de memória de sequência visual somada ao fato de que o menino havia aprendido poucas palavras através da visão e manifestava confusão e insegurança em relação a muitas das que julgava conhecer. A hipótese foi a de que a incapacidade de Carl para se lembrar de uma sequência de letras tornava difícil a identificação de palavras através da visão, pois ele tinha pouca memória da aparência de uma palavra completa. A hipóstese foi confirmada pela sua dificuldade em aprender a escrever o seu nome e em reproduzir palavras curtas com o uso da memória.

As duas deficiências, incapacidade de usar a abordagem fônica para a identificação de palavras e incapacidade de usar uma abordagem de reconhecimento de uma palavra através da visão, não lhe ofereciam nenhuma técnica útil para decodificar a página impressa.

Após a hipótese diagnóstica foi sugerido um programa individualizado de educação. O programa de recuperação começou pelo ensino de palavras e frases através do método cinestésico (para desenvolver a capacidade de visualização); posteriormente, foram introduzidos exercícios para a combinação de sons e fonia. Através dessa abordagem, Carl aprendeu a ler.

Verifica-se, portanto, que mesmo sem uma delimitação precisa de que houvesse qualquer comprometimento orgânico, por meio de exclusões de outros quadros, os autores definiram que o menino possuía um distúrbio intrínseco.

Nesse sentido, Kirk e Gallagher (1996) salientavam que muitos dos distúrbios de aprendizagem não são percebidos até que a criança comece a falhar academicamente na escola. Os distúrbios acadêmicos mais comuns, devido aos quais os professores encaminham as crianças para diagnóstico são leitura, soletração, aritmética e escrita, distúrbios esses, segundo os autores, causados por fatores genéticos: lesão cerebral, fatores bioquímicos e privação ambiental e má nutrição. Segundo eles, o diagnóstico das crianças em idade escolar requereria a avaliação de uma discrepância significativa entre o potencial (medido em testes mentais) e a realização em disciplinas escolares específicas; uma avaliação dos sintomas e correlatos; uma hipótese de diagnóstico; uma prescrição de recuperação através o PIE – Programa Individualizado de Educação.

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1. Maturação lenta ou funcionamento deficitário de sistemas neurológicos específicos, relacionados com funções de percepção ou com aquisição de linguagem, determinados geneticamente.

2. Lesões mínimas adquiridas em áreas cerebrais cuja extensão é insuficiente para produzir deficiências neurológicas grosseiras, mas suficientes para produzir perturbações de linguagem, de percepção e motoras.

3. Lesões cerebrais evidentes, resultando em deficiências neurológicas francas.

Segundo o autor, a primeira poderia ser reconhecida como referente à dislexia de evolução4. A segunda, lesão cerebral mínima5 adquirida, surgiria como suspeita de difícil comprovação. Segundo ele, essas duas primeiras categorias poderiam ser incluídas no termo genérico de disfunção cerebral mínima. A terceira categoria, dizia o autor, referia-se a crianças com síndromes neurológicas claramente definidas, apresentando distúrbios de aprendizagem com produção escolar não proporcional à capacidade intelectual.

Para Lefèvre (1975) entre as implicações da DCM (disfunsão cerebral mínima), nas atividades escolares, encontrar-se-ia a dificuldade de concentração como principal característica, acrescentando:

(...) como saber se uma pequena anormalidade encontrada no exame neurológico, a qual possamos, corretamente, atribuir significado patológico, deve ser simplesmente relacionada com um distúrbio do comportamento e/ou do aprendizado? (Lefevre, 1975)

Para ele, haveria que se tomar um cuidado extremo quanto à tendência a simplificar o problema, procurando atribuir todos os fracassos e dificuldades escolares a uma DCM, levemente detectada nos exames, e eximir-se de considerar outras causas, inclusive a deficiência pedagógica de professores mal preparados ou sobrecarregados de trabalho, ou ainda, um ambiente familiar desajustado, onde imperariama indisciplina e, muitas das vezes, a vontade infantil de fazer tudo que lhe apetecesse como, por exemplo, ficar diante de programas de TV, de baixo teor cultural.

Embora fizesse essa ressalva, para ele, isto seria solucionado por meio de exame minucioso para distinguir o patológico dos fatores de variação normal, e,

4 Pela Federação Mundial de Neurologia (1968) define-se dislexia como um distúrbio que se manifesta por dificuldade em aprender a ler, a despeito do ensino convencional, de inteligência adequada e de boa condição sociocultural. É dependente de incapacidades cognitivas fundamentais, frequentemente de origem constitucional. (Schain, 1976: 69)

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também, relacionar o patológico, indiscutivelmente apontado pelo exame, com a queixa apresentada pela família ou pela escola.

Ainda com referência à expressão disfunção cerebral mínima, alertava Schain (1976), de que deveria ser usada com cuidado. Para ele, disfunção cerebral mínima (DCM) se definiria como o estado descritivo de crianças com inteligência geral quase média, média ou acima da média, mas com certas incapacidades de aprendizagem e/ou comportamento, associadas a desvios de função do sistema nervoso central. Esses desvios poderiam se manifestar por comprometimento de percepção, conceituação, linguagem, memória e controle da atenção, de impulso e de função motora. Portanto, para esse autor, a DCM não deveria se confundir com dificuldades de aprendizagem ocasionadas por fatores sociais e/ou culturais.

Assim sendo, para esse autor, a DCM referia-se a crianças com distúrbios de aprendizagem, que não apresentavam comprometimento neurológico grosseiro e nem retardo mental; e o diagnóstico de inaptidão específica para a aprendizagem seria difícil de ser realizado antes que a criança tivesse uma trajetória de, pelo menos, dois anos de escolarização.

Fonseca (1995) afirmava que aprender envolve processos complexos e determinado número de condições e oportunidades. Ele procurou explicar porque algumas crianças, independentemente das suas inteligências, das suas acuidades sensoriais, dos seus adequados comportamentos motores e socioemocionais, não aprendiam a ler, a escrever e a contar.

Embora considerasse que as dificuldades de aprendizagem representassem um dos maiores desafios educacionais e clínicos e, simultaneamente, um tópico estimável da investigação científica, considerava a definição registrada pelo National Joint Committee of Learning Disabilities (NJCLD, 1988) como a mais adequada:

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Tabela 11  Freqüência escolar  Freqüência Nº % Freqüente 366 78,2 Pouco freqüente 90 19,2 Não discriminado 12 2,6 Total 468 100

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