Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.2, 69-73, Abr./Jun., 2005
69ALTERAÇÃO NA VAZÃO DE GOTEJADORES TIPO FITA UTILIZADOS NA APLICAÇÃO
DE ÁGUA RESIDUÁRIA DA DESPOLPA DE FRUTOS DO CAFEEIRO
Rafael Oliveira Batista
1; Paola Alfonsa Lo Monaco
2; Antonio Teixeira de Matos
3; Fernando França da Cunha
4RESUMO
O trabalho foi realizado a fim de avaliar a alteração na vazão de gotejadores tipo fita, quando utilizados na aplicação de água residuária da despolpa dos frutos do cafeeiro, após passagem, ou não, em filtro orgânico. Para isso, foi montada uma estrutura hidráulica de avaliação do desempenho dos gotejadores modelo AQUA-TRAXX, não autocompensante, posicionados em espaçamento de 0,3 m. Mantendo-se a pressão de serviço, no início das linhas laterais, em 101 kPa, foram determinadas, a cada 36 horas, as vazões dos gotejadores, até um tempo total de 144 horas de operação do sistema. Água residuária bruta sem passagem pelo filtro orgânico proporcionou rápido entupimento dos emissores, impossibilitando a condução de testes por um período maior que 36 horas. A aplicação da água residuária da despolpa dos frutos do cafeeiro filtrada reduziu, em 67%, a vazão média inicial dos gotejadores tipo fita, após 144 horas de operação do sistema. Os resultados indicaram que a utilização de gotejadores tipo fita não é adequada para aplicação de água residuária bruta da despolpa de frutos do cafeeiro. O filtro orgânico não foi eficiente para minimizar a, relativamente, rápida obstrução dos gotejadores tipo fita.
Palavras-chave: gotejamento, obstrução de emissores, águas residuárias, cafeeiro.
ABSTRACT
Alteration in Discharge of the Drip Tape Applying Wastewater from Pulping of the Coffee Fruits
This study was conducted to evaluate the change in discharge of the tape dripper used in the application of wasterwater from the coffee cherry pulping, after passing through organic filter or not.
So, a hydraulic structure was set up for evaluation of dripper performance. So, the pressure noncompensating drippers, mode AQUA –TRAXX were used at 0.3 m spacings. At the beginning of the side lines, the working pressure head was kept at 101 kPa, and the dripper discharge were determined every 36 hours until reaching 144 hours under operation. The rough wastewater without passing through the organic filter provided a fast clogging of the emitters, therefore making impossible the accomplishment of the tests for a period longer than 36 hours. The application of the filtered wastewater from the coffe cherry pulping caused a reduction of 67% in the average initial discharge of the tape drippers, when the system was 144 hours under operation. The results point out that the use of the tape drippers is not adequate to the application of the rough wastewater from the coffe cherry pulping. The organic filter showed to be not efficient to minimize that relatively fast clogging of the tape drippers.
Keywords: dripping, emitter clogging, wastewaters, coffee.
1 Eng. Agrícola, doutorando em Eng. Agrícola, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, e- mail: ms36384@zipmail.com.br
2 Eng. Agrícola, doutoranda em Eng. Agrícola, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
3 Prof. Adjunto, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
4 Agrônomo, doutorando em Eng. Agrícola, Depto de Eng. Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
INTRODUÇÃO
A atividade de lavagem e despolpa de frutos do cafeeiro, necessária à redução no custo de secagem e melhoria da qualidade de bebida, é geradora de grandes volumes de resíduos sólidos e líquidos, ricos em material orgânico e inorgânico. Estes resíduos podem causar grandes problemas ambientais, como a degradação ou destruição da flora e da fauna, além de comprometer a qualidade da água e do solo.
Nas águas residuárias do beneficiamento dos frutos do cafeeiro, as concentrações de nitrogênio e, principalmente, de potássio são relativamente altas, estando, respectivamente, nas faixas de 120 a 250 mg L
-1e 315 a 460 mg L
-1(Matos, 2003). Segundo esse autor, a tendência é que estes valores sejam muito majorados, caso seja feita a recirculação da água na despolpa dos frutos.
A utilização de águas residuárias na agricultura minimiza uma fonte potencial de contaminação das águas subterrâneas e superficiais, sendo muito importante nas regiões áridas e semi-áridas, onde a escassez de água faz com que se aproveitem todos os recursos hídricos disponíveis (Leon Suematsu e Cavallini, 1999).
O aproveitamento dos nutrientes presentes na água residuária para substituição de parte da adubação química em áreas agrícolas cultivadas, constitui uma alternativa altamente recomendável para disposição/tratamento dessas águas. Nutrientes como o nitrogênio, potássio e, principalmente, fósforo são fundamentais no cultivo de solos pobres, como os que ocorrem na maior parte do Brasil. Dessa forma, acredita-se que métodos de tratamento que não contemplem a reciclagem de nutrientes estão condenados a desaparecer em futuro próximo (Matos, 2003).
Se, por um lado, a utilização das águas residuárias na agricultura minimiza o problema de contaminação dos corpos hídricos receptores, por outro, em razão das pequenas dimensões dos orifícios dos gotejadores, a qualidade hídrica torna-se um fator essencial, uma vez que a formação de mucilagem, resultante da interação entre bactérias e
sólidos suspensos, pode provocar obstruções, reduzindo, consideravelmente, a uniformidade de aplicação de água e, conseqüentemente, a eficiência do sistema (Adin e Sacks, 1991;
Sagi et al., 1995). Outro efeito negativo do entupimento, relatado por vários autores, consiste na redução da vazão dos gotejadores. Rav-Acha et al. (1995) observaram diminuição de 68% na vazão de unidades de aplicação localizada abastecidas com esgotos sanitários tratados, após 60 horas do início do experimento. Fato similar foi descrito por Sagi et al. (1995), que identificaram colônias de protozoários ocupando 57 % da área dos gotejadores, o que acarretou queda de 38% na vazão das unidades de aplicação localizada de água residuária. Batista (2004), trabalhando com a aplicação de esgoto sanitário tratado via sistema de irrigação por gotejamento, constatou reduções de 12,22; 20,40; e 19,15 % em unidades de aplicação com três distintos modelos de gotejadores, devido à formação de biofilme resultante da interação entre bactérias e algas no interior das linhas laterais e dos gotejadores.
Este trabalho objetivou avaliar as alterações na vazão de gotejadores tipo fita, quando utilizados na aplicação de água residuária da despolpa dos frutos do cafeeiro, após passagem em filtro orgânico.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio experimental foi realizado na Área Experimental de Hidráulica, Irrigação e Drenagem do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa, em Viçosa, Minas Gerais. Foram montadas duas plataformas de testes, cada qual constituída por três unidades de aplicação localizada, contendo quatro linhas laterais.
Nos testes, foram utilizadas fitas gotejadoras
do modelo AQUA-TRAXX fabricadas pela
TORO, não autocompensantes, com as
seguintes especificações técnicas: vazão
nominal de 1,0 L h
-1à pressão de 56 kPa,
espaçamento entre gotejadores de 0,3 m e
variação de pressão de 29 a 101 kPa.
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.2, 69-73, Abr./Jun., 2005 71 Parte da água residuária bruta da despolpa
dos frutos do cafeeiro foi submetida a um tratamento primário, pela passagem em filtro orgânico, constituído por coluna de 1,20 m de altura, tendo o pergaminho dos grãos de café como elemento filtrante, na granulometria de 3-4 mm, conforme recomendações de Lo Monaco et al. (2002), antes da sua condução até o sistema de gotejamento.
O experimento foi montado com três repetições e dois tratamentos (aplicação de águas residuárias bruta e filtrada). Os dados de vazão foram interpretados, por meio da estatística descritiva, com a análise das médias, dos desvios-padrão e dos coeficientes de variação.
Para realização dos testes com ambas as águas residuárias (água bruta e filtrada), foi mantida, no início das linhas laterais, uma pressão de serviço de 101 kPa, propiciando uma vazão média inicial de 1,25 e 1,35 L h
-1, para gotejadores aplicando água residuária bruta e filtrada, respectivamente.
Durante o período de testes com a água residuária filtrada, foram realizadas cinco avaliações das vazões dos gotejadores, a
cada 36 horas, por meio da seleção de 16 gotejadores eqüidistantes, em cada linha lateral. O mesmo procedimento não foi possível com a água residuária bruta, pois, o sistema funcionou somente 36 horas, em razão do rápido entupimento dos emissores.
O experimento foi conduzido no período de 03/07 a 13/08 de 2004, com as unidades de aplicação localizada funcionando, em média, quatro horas por dia, durante sete dias por semana. Após 144 horas de funcionamento da unidade de gotejamento com água residuária filtrada, os testes foram finalizados, retirando-se os gotejadores entupidos para análise visual das condições do emissor.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 1, estão apresentados os dados médios, o desvio-padrão e o coeficiente de variação das vazões obtidas no sistema de gotejamento com água residuária bruta e filtrada da despolpa de frutos do cafeeiro.
Quadro 1. Valores médios, desvio-padrão e coeficiente de variação das vazões obtidas ao longo do tempo de operação do sistema de gotejamento com água residuária bruta e filtrada da despolpa de frutos do cafeeiro
Água residuária filtrada da despolpa de frutos do cafeeiro Horas de funcionamento Repetições
0 36 72 108 144
R
1(Lh
-1) 1,36 0,82 0,54 0,39 0,46
R
2(Lh
-1) 1,38 0,85 0,54 0,48 0,48
R
3(Lh
-1) 1,31 0,80 0,55 0,47 0,42
Média (Lh
-1) 1,35 0,82 0,54 0,45 0,45
Desvio-padrão (Lh
-1) 0,04 0,02 0,01 0,05 0,03
Coeficiente de variação (%) 2,66 2,70 1,20 11,73 6,57 Água residuária bruta da despolpa de frutos do cafeeiro
Horas de funcionamento Repetições
0 36
R
1(Lh
-1) 1,26 0,06
R
2(Lh
-1) 1,23 0,11
R
3(Lh
-1) 1,25 0,03
Média (Lh
-1) 1,25 0,07
Desvio-padrão (Lh
-1) 0,02 0,04
Coeficiente de variação (%) 1,23 60,62
Engenharia na Agricultura, Viçosa, MG, v.13, n.2, 69-73, Abr./Jun., 2005
72Verificou-se que as vazões médias dos gotejadores diminuíram, ao longo do tempo, tanto para água residuária bruta quanto filtrada. No entanto, a redução de vazão dos gotejadores, que aplicaram água residuária bruta, ocorreu mais rapidamente, ou seja, após 36 horas de funcionamento, com redução de 94,5% da vazão. O filtro orgânico possibilitou, na outra unidade de irrigação, um período maior de funcionamento. Verificou-se a ocorrência de variabilidade nos valores do desvio-padrão e do coeficiente de variação ao longo do tempo de funcionamento. Na unidade de irrigação, que aplicava a água residuária bruta, o coeficiente de variação foi de 60,62%, após 36 horas de funcionamento.
Na Figura 1, estão apresentadas as reduções da vazão das unidades de aplicação localizada, ao longo do tempo, ocasionadas pela aplicação de água residuária da despolpa dos frutos do cafeeiro, após passagem por filtro orgânico. Como pode ser observado, a vazão média das unidades de aplicação localizada decresceu, consideravelmente, até 108 horas de funcionamento do sistema. As vazões médias, nos tempos de funcionamento de 108 e 144 horas, foram idênticas, indicando estabilização das condições de operação do sistema de gotejamento. Ao longo das avaliações das vazões, constatou-se a desobstrução aleatória de alguns gotejadores,
particularmente devido a possíveis movimentos bruscos sobre as linhas laterais.
A aplicação da água residuária da despolpa dos frutos do cafeeiro, via sistema de gotejamento, propiciou redução de 67% na vazão média da unidade de aplicação localizada. Batista (2004), trabalhando com a aplicação de esgoto sanitário tratado via sistemas de irrigação por gotejamento, verificou a propensão de reduções nas vazões iniciais das unidades de aplicação localizada com modelos de gotejadores M1, M2 e M3 de 12,22; 20,40; e 19,15%, respectivamente, após 560 horas de funcionamento. O autor afirma, ainda, que o modelo de gotejador M1 foi o menos suscetível à redução de vazão, particularmente devido à suas características construtivas, que minimizaram a deposição de partículas orgânicas em seu interior.
A passagem da água residuária bruta da despolpa dos frutos do cafeeiro por filtros orgânicos não foi suficiente para evitar a, relativamente, rápida obstrução dos gotejadores. No interior das linhas laterais, foi constatada a presença de mucilagem, resultante da interação entre bactérias e sólidos suspensos, conforme apresentado na Figura 2a. A mucilagem preencheu o interior dos gotejadores e, em alguns casos, acumulou-se na extremidade externa do gotejador (Figura 2 b).
0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4
0 36 72 108 144
Tempo de funcionamento (horas) Vazão (Lh-1 )