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O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO ENSINO MÉDIO E PROFISSIONAL BRASILEIRO A PARTIR DE 1990: AS RECOMENDAÇÕES DA UNESCO E AS NOVAS PERSPECTIVAS

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O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO ENSINO MÉDIO E PROFISSIONAL BRASILEIRO A PARTIR DE 1990: AS RECOMENDAÇÕES DA UNESCO E AS NOVAS PERSPECTIVAS

Eliane Cleide da Silva Czernisz – Universidade Estadual de Londrina eczernisz@uel.br

Resumo: Neste trabalho apresentamos dados iniciais de uma pesquisa que objetiva analisar as recomendações feitas pela Unesco para o ensino médio e profissional brasileiro a partir de 1990.

Tomamos por base a discussão contextualizada de dados bibliográficos e documentais. Iniciamos com a visão consensual a respeito do papel assumido pela educação no contexto da globalização econômica e da reestruturação das forças produtivas, questão presente no projeto político-pedagógico do ensino médio e profissional na perspectiva da adaptação. Contrariamente a tal projeto educativo defendemos a educação média e profissional de qualidade para todos.

Palavras-chave: políticas públicas; gestão; ensino médio e profissional.

Com este trabalho propomos apresentar discussão de dados iniciais de uma pesquisa que objetiva analisar as recomendações feitas pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – para o ensino médio e profissional brasileiro a partir de 1990.

A pesquisa vem sendo realizada por meio de um projeto entre a Universidade Estadual de Maringá (UEM), e a Universidade Estadual de Londrina (UEL), intitulado “Unesco e Educação no Brasil a partir de 1990”, e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Gestão da Educação na América Latina e Caribe – PGEALC. O ponto de partida para a discussão que apresentamos é a visão consensual a respeito do papel assumido pela educação média e profissional no contexto da globalização econômica e da reestruturação das forças produtivas, que merece conforme entendemos os seguintes questionamentos: Quais diretrizes e recomendações são feitas pela Unesco para o ensino médio e profissional a partir de 1990? Como as diretrizes e recomendações dessa agência repercutem na política do ensino médio e profissional brasileiro? Que projeto político-pedagógico vem sendo gestado pelo ensino médio e profissional com base nas recomendações da Unesco?

Iniciaremos situando a discussão em meio ao contexto societário de 1990, que marca e sucede uma série de transformações sociais, econômicas e políticas que atinge o mundo todo e interfere também na educação. Mostraremos, num segundo momento, como tais transformações são consideradas no encaminhamento das políticas educativas e requerem um novo projeto pedagógico que destaque suas características no ensino médio e profissional brasileiro.

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O contexto societário de 1990 pode ser caracterizado como um período marcado, por um lado, pela globalização da economia e pelo desenvolvimento tecnológico e, de outro lado, pelo acirramento da competitividade e da exclusão social. Trata-se de um processo que envolve a reestruturação capitalista cujo desdobramento vem afetando a realidade dos países de maneiras diversas. De acordo com Harvey (1994, p. 140), nos anos de 1970 formou-se um período recessivo cujos impactos atingiram a organização industrial, social e política. Trata-se do momento em que ocorria a passagem do modo de produção fordista para o modo de produção caracterizado como acumulação flexível.

Com base em Bhir (1999, p. 40), a organização fordista caracterizava-se pelo não-domínio do processo de trabalho por parte do operário, em razão não só da intensificação da produção através da parcelarização do trabalho desenvolvido, mas também da utilização do trabalho intenso para gerar mais valia-relativa. Uma das características apontadas pelo autor é a dependência que o operariado passou a ter do modelo de “Estado de Bem-Estar Social”.

O início da atual reestruturação produtiva ocorrida na chamada Era de Ouro1, como destacou Hobsbawn (1995, p. 265), teve como fatos fundamentais a reestruturação do capitalismo e a internacionalização da economia. Como foi explicado pelo autor, nessa fase, as formas produtivas apresentaram características bastante distintas em meio ao intenso crescimento econômico, período em que conviveram juntos a revolução tecnológica e o modo fordista de produção, impulsionando novos arranjos produtivos cuja demanda era maior por consumidores que pela necessidade de mão-de-obra, já que esta vinha sendo substituída pela máquina.

Nas Décadas de Crise2, período posterior à Era de Ouro, como relata Hobsbawm (1995, p.

393), prevaleceram como características a instabilidade, a crise e a perda de referências. Houve uma redução do número de trabalhadores integradores da linha de produção que iam tornando-se desnecessários ao passo que aumentava a automatização do maquinário produtivo. Novas formas produtivas tornavam-se imperativas para que ocorressem avanços econômicos. Este período foi destacado por Hobsbawm como aquele em que as operações capitalistas tornaram-se incontroláveis.

Conforme explicou Bihr (1999, p. 74), esta crise tornou-se manifesta nos anos de 1970 com a alta de preço do petróleo, responsável pela recessão capitalista. Já não eram possíveis os

1 O autor refere-se aos anos de 1950 e 1960.

2 O autor refere-se aos 20 anos posteriores aos anos de 1970.

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grandes ganhos obtidos pelos meios fordistas de produção de anos anteriores, ficando clara a existência de uma crise estrutural cuja saída supunha “ir além da fábrica fordista por meio da instauração de novas formas de exploração e de dominação do trabalho” (BIHR, 1999, p. 87).

Ferretti e Silva Júnior (2000) entendem que a nova base produtiva, apoiada na flexibilidade, passa a exigir outro tipo de formação profissional, sem o apoio do Estado- providência, diferentemente daquele com base nos padrões industriais mecanizados, no qual passa a haver a individualização da formação e a transformação da educação em mercadoria, situação em que também passa a ter destaque o modelo de competências que atribui ao próprio trabalhador a responsabilidade por sua formação profissional. Para os autores, esse momento histórico requer “novas expressões culturais e, sobretudo, um homem que sente, pensa e vive diferente (...)” (p. 57).

É preciso ressaltar que os autores chamam a atenção para a peculiaridade brasileira no que diz respeito à industrialização3, desenvolvida com certo atraso. Para Ferretti e Silva Júnior (2000, p. 58-59), foi a partir dos anos de 1990 que, no Brasil, a reestruturação produtiva passou a ser acompanhada da modernização tecnológica e da implementação de novas formas de gestão empresarial. Essa década comportou também “as transformações das relações entre educação, trabalho, ciência e tecnologia”.

Chamamos a atenção para a flexibilização das condições de produção que envolve, em nosso entendimento, a formação profissional e as formas de contratação correspondentes ao novo jogo de interesses em que o Estado passa de provedor de serviços básicos a gestor destes os quais aqui podem ser exemplificados com a educação e a assistência social e à saúde. A flexibilização tanto reforça quanto obriga cada trabalhador a procurar formas de qualificação e aperfeiçoamento profissional por conta própria. Do mesmo modo, obriga o trabalhador a submeter-se ao trabalho por tempo determinado, com baixo salário e sem garantias. Esses fatos são muitas vezes naturalizados e revigoram a teoria do capital humano e as exigências do novo perfil profissional.

Como explicou Alves (1999, p. 86-87), a flexibilidade é uma categoria intrínseca à produção capitalista4, tendo seu surgimento no momento em que foi instaurado o trabalho

4 Essa questão é mencionada por Antunes (1995, p. 22) ao tratar a tese da acumulação flexível desenvolvida por Harvey na obra “Condição Pós-Moderna”. Antunes (p. 26) ressaltou que com o toyotismo há exigência de flexibilidade do processo de produção, flexibilização da organização do trabalho, flexibilização dos trabalhadores, assim como da polivalência do trabalhador. A polivalência pode ser descrita, segundo o autor, como “a capacidade do trabalhador em operar com várias máquinas, combinando ‘várias tarefas simples’”.

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assalariado pelo capital. Conforme o autor, uma das “características histórico-ontológicas da produção capitalista é estar sempre procurando ‘flexibilizar’ as condições de produção – principalmente da força de trabalho”. Para Alves (p. 87), a flexibilidade “torna-se, no sentido geral, um atributo da própria organização social da produção”.

É essa necessidade de dominação e de exploração que requer a qualificação e o desenvolvimento das competências, em que, como muito bem destacou Bihr (p. 88-89), ao explicar o funcionamento da nova ordem produtiva5, o que se pretende é eliminar, do processo de trabalho, o tempo morto fazendo que haja maior fluidez também pela alteração das formas de organização e da divisão social do trabalho, características próprias da então denominada pelo autor “fábrica fluida”. Nesse tipo de fábrica requer-se o trabalho de equipes polivalentes juntamente com maquinário automatizado, mudando-se de maneira radical a ação a ser desempenhada pelos trabalhadores e suas responsabilidades, o que demanda novos perfis profissionais e novas formas de controle de produção também diferenciados, sendo isso que garante a flexibilidade do processo de trabalho.

As mudanças no mundo do trabalho por um lado clamam por uma formação que atenda às suas necessidades, como comentamos ao iniciar este texto, por outro são responsáveis pela supressão de postos de trabalho tanto daqueles trabalhadores que foram substituídos pela máquina, quanto de outros que foram vítimas da redução dos tempos mortos e da implementação do perfil polivalente, como ainda dos considerados inaptos por não terem formação ‘adequada’.

A crise que afeta o emprego está localizada na necessidade de domínio do capital e no estabelecimento de novas formas de relação entre capital e trabalho. Essa questão foi analisada por Chesnais que ressaltou:

Cada passo dado na introdução da automatização contemporânea, baseada nos microprocessadores, foi uma oportunidade para destruir as formas anteriores de relações contratuais, e também os meios inventados pelos operários, com base em técnicas de produção estabilizadas, para resistir à exploração no local de trabalho (CHESNAIS, 1996, p. 35).

5 Como ressaltou Bihr (1999), essa nova ordem produtiva manifesta-se na forma de “fábrica difusa” (unidades produtivas desconcentradas, desaglomeradas e com gestão descentralizada); “fábrica fluida” (que busca eliminar os tempos mortos e intensificar a produção); “fábrica flexível” (que organiza produção e força de trabalho de modo flexível).

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Chesnais (1996, p. 304) cita as mudanças ocorridas com os contratos de trabalho, que passaram pelo processo de flexibilização, com a implementação do processo de produção enxuta, e com o rebaixamento de salários, fatores que proporcionaram às multinacionais uma situação que podemos descrever como confortável, já que, conforme explicou Chesnais, com essas mudanças foram criadas “zonas de baixo salário e de reduzida proteção social” nas proximidades dos ‘pólos triádicos’ tornando-se desnecessários grandes deslocamentos das empresas à procura de mão-de-obra barata. Para o autor, a grande redução do número de postos de trabalho é resultado “da mobilidade de ação quase total que o capital industrial recuperou, para investir e desinvestir à vontade, “em casa” ou no estrangeiro.

A leitura feita do desemprego oriundo dessa crise vem sendo interpretada de modo geral como resultado da inadequação da formação, ou seja, há desempregados, por não terem formação que os qualifique para realizar o trabalho flexível, competitivo e multifuncional. Desse modo, a solução prevista é o redimensionamento da educação em seus pressupostos, tendo como objetivo para o trabalho flexível, a formação polivalente, que visa o desenvolvimento de competências e da empregabilidade. Trata-se muito mais de um processo adaptativo que de um processo que questiona as causas, os interesses e a natureza da crise capitalista e das necessidades de formação que estamos vivendo.

Conferências e declarações são realizadas em defesa da educação apresentada como fator indispensável para a promoção do progresso pessoal e social, assim como para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza em países da América Latina e Caribe. A educação passa a ser apresentada pela Unesco como possibilidade de superação da crise social e econômica. A proposta é a educação para todos centrada em valores que possibilitem a convivência, a busca de estratégias de sobrevivência e o desenvolvimento competitivo da região.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien na Tailândia em 1990, aponta a educação como central para o desenvolvimento econômico e social, e enfatiza a necessidade de educação básica de oito anos6. Logo em seguida, na Declaração de Nova Delhi em 1993, líderes de países em desenvolvimento ressaltam a importância da educação para o desenvolvimento de seus países.

6 O Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993) tem como meta a universalização do ensino fundamental em dez anos.

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Outros documentos explicitam a vinculação entre desenvolvimento econômico e educação. Citamos aqui o documento “Educação e Conhecimento: eixo da Transformação produtiva com Eqüidade” elaborado pela Cepal e Unesco (1995). Nele, a educação e o conhecimento são caminhos para conseguir a transformação produtiva. O ponto de partida tomado como referência para promover o desenvolvimento econômico são as “tendências hoje marcantes na economia internacional” (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 29), nas quais estão incluídas a revolução científica e tecnológica, a globalização progressiva dos mercados, a competitividade, a formação de recursos humanos, a readequação do Estado e as novas formas sob as quais se organizam as empresas. Para tanto, recomenda-se rever os sistemas educacionais, visto que se passa a objetivar um novo perfil de trabalhador que seja competente e responsável. Solicita-se, então, uma formação centrada nos “valores sociais próprios da cidadania moderna”, destacados como “responsabilidade social, solidariedade, tolerância e participação” (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 54).

Novamente, a vinculação entre desenvolvimento e educação, e a crença na superação das desigualdades com base no desenvolvimento de valores é feita no Relatório Delors (2001), que estabelece que a educação é uma plataforma giratória para a vida toda. A crença é colocada na educação, que se apresenta como objeto de salvação e sobrevivência num futuro incerto, como descrito a seguir:

Hoje em dia, grande parte do destino de cada um de nós, quer o queiramos quer não, joga-se num cenário em escala mundial. Imposta pela abertura das fronteiras econômicas e financeiras, impelida por teorias de livre comércio, reforçada pelo desmembramento do bloco soviético, instrumentalizada pelas novas tecnologias de informação a interdependência planetária não cessa de aumentar, no plano econômico, científico, cultural e político. Sentida de maneira confusa por cada indivíduo, tornou-se para os dirigentes uma fonte de dificuldades. A conscientização generalizada desta “globalização” das relações internacionais constitui, aliás, em si mesma, uma dimensão do fenômeno. E, apesar das promessas que encerra, a emergência deste novo mundo, difícil de decifrar e, ainda mais, de prever, cria um clima de incerteza e, até, de apreensão, que torna ainda mais hesitante a busca de uma solução dos problemas realmente em escala mundial (DELORS, 2001, p. 35).

As indicações feitas nos documentos, e o requerimento de educação para todos como forma de possibilitar o desenvolvimento econômico vem sendo entendida como uma saída, que poderá possibilitar atender as demandas excluídas resultantes do mundo que reestruturou o campo da produção e da política, mas que preservou o objetivo de lucro. Conforme foi explicado

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por Bourdieu (1998) trata-se de uma estratégia que toma por base uma visão neoliberal, e como diz o autor:

É todo um conjunto de pressupostos que são impostos como óbvios: admite-se que o crescimento máximo, e logo a produtividade e a competitividade, é o fim último e único das ações humanas; ou que não se pode resistir às forças econômicas. Ou ainda, pressuposto que fundamenta todos os pressupostos da economia, faz-se um corte radical entre o econômico e o social, que é deixado de lado e abandonado aos sociólogos, como uma espécie de entulho (BOURDIEU, 1998, p. 44).

As expressões destes encaminhamentos também podem ser vistas em dois documentos do Banco Mundial. No Relatório sobre o desenvolvimento mundial de 1990 o trabalho é apontado como único bem que os pobres possuem. Em busca do desenvolvimento econômico a educação para os pobres vislumbra o desenvolvimento de capital humano, da empregabilidade e do consumo. Trata-se de um tipo de educação profundamente associada à nova forma de sociabilidade capitalista competitiva da qual comentamos até agora.

No Relatório sobre o desenvolvimento mundial de 2000/2001, os pobres são considerados vulneráveis sociais, e a pobreza não está apenas relacionada à questão econômica, mas à valores que precisam ser desenvolvidos dentro de cada especificidade de raça, gênero, etnia ou cultura. O argumento é favorável ao encaminhamento de mudanças das formas de vida, pois os pobres são considerados incapazes de gerar renda. É perceptível aqui uma preocupação com o desenvolvimento de valores adequados à sociabilidade capitalista, cujo pano de fundo é o desenvolvimento econômico.

A não-resistência às forças econômicas e a eleição da educação como estratégia para superar os problemas originados na crise econômica sustentam o novo modo de ser do Estado na versão neoliberal. Educa-se para que as pessoas se responsabilizem pelo excluído, por sua formação, e pelo desenvolvimento econômico. Trata-se da forma de Estado Educador desenvolvido por Neves (2005), o Estado que educa o consenso.

As características que comentamos ate agora podem ser encontradas na forma de constituição e nos objetivos que passaram a ter o ensino médio e profissional a partir da LDBEN Nº 9394/96. Passa a ser atribuída ao ensino médio uma formação geral capaz de preparar o

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indivíduo para o trabalho e para a cidadania e, alguns aspectos confirmam a tendência adaptativa da educação às necessidades econômicas7. Vejamos:

Art. 35 - O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (SAVIANI, 1997, p. 173-174, grifos nossos).

Entendemos haver uma organicidade entre questões econômicas, políticas e sociais no ensino médio e profissional brasileiro desenvolvido a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei N. 9394/96, e das Diretrizes Curriculares. O projeto político- pedagógico do ensino médio e profissional, influenciado por interesses econômicos, passou a apresentar como metas o desenvolvimento de valores indispensáveis à sociabilidade capitalista.

Contrariamente à perspectiva de adaptação, entendemos que a educação média e profissional de qualidade para todos assume hoje papel indispensável para que o aluno consiga pensar o mundo e pensar-se nesse mundo de modo a entender as contradições presentes no contexto contemporâneo.

No inciso II, é esclarecida a intencionalidade educativa do ensino médio, horizontalmente relacionada ao desenvolvimento tecnológico e produtivo. Adaptar-se, de maneira flexível, a um padrão de desenvolvimento, cujas forças produtivas também necessitam de uma mão-de-obra flexível, significa adaptar-se às situações de incerteza provocadas pela falta de oportunidades de emprego, de vida digna, de educação. Ou seja, busca-se com a educação média preparar um homem que se adapte às formas de exclusão próprias da sociedade capitalista atual.

A organicidade existente entre questões educacionais, econômicas, políticas e sociais são encontradas também nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 1998). Nas Diretrizes, está clara, como afirmamos em outra pesquisa (CZERNISZ, 2006, p. 98), a

7 Saviani (1997) explicita as divergências existentes nos dois projetos de LDB que originaram a LDBEN 9394/96.

Segundo o autor, apenas o inciso IV caracteriza as propostas feitas para que o ensino médio se tornasse uma instância de educação com base na politecnia.

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necessidade de desenvolvimento das competências de caráter geral, onde tanto o trabalho quanto a cidadania são apontados vislumbrando estimular a capacidade de aprendizagem e o desenvolvimento da autonomia. A escola passa a ser caracterizada como lugar de referência e importância pela possibilidade de se constituir um instrumento eficaz para a mudança social.

A educação profissional regulamentada pelo Decreto N. 2.208/97 é subdividida em níveis diferentes de formação e visa a proporcionar melhores possibilidades de preparo para o trabalho, no nível básico, no técnico ou no tecnológico. A dissociação entre formação geral e formação profissionalizante leva em conta a flexibilização, aspecto importante para o desenvolvimento tecnológico contemporâneo assim como para o ingresso no novo século e milênio, e estimula a formação para a empregabilidade. Nessa perspectiva, pensar a formação do homem em função do contexto contemporâneo requer, nos atuais e hegemônicos debates, pensar nos atributos indispensáveis à sua formação para uma realidade composta de novos padrões produtivos baseados na flexibilidade, na inovação tecnológica, na polivalência.

A reforma do ensino médio brasileiro desenrola-se num contexto descrito, de modo generalizado, como globalizado e competitivo, para o qual requer-se uma formação adequada.

Silva Júnior (2002, p. 100) entende que as reformas que se processam no âmbito do redirecionamento das políticas para o ensino médio integram, também, a reforma do Estado8 e estão relacionadas com o movimento de “reorganização da economia mundial e do trabalho”, requerendo a redefinição da educação média.

Esta análise nos leva a concordar com Kuenzer (1998) na passagem em que ela comenta que cada novo estágio de forças produtivas exige um projeto pedagógico. Entendemos que o atual projeto pedagógico começou a ser explicitado nos documentos dirigidos à educação, que foram divulgados no início da década de 1990.

Como destacamos (CZERNISZ, 2006, p. 99), “(...) tanto a LDBEN quanto as Diretrizes estão sintonizadas numa formação que privilegia interesses econômicos”. Busca-se, por meio das Diretrizes, um grande consenso com relação aos valores necessários a um projeto de sociedade competitiva. A complementação do papel a ser desempenhado pela escola é reforçado pelos valores estéticos, políticos e éticos, que, como descritos nas Diretrizes, fundamentam o ensino médio e devem orientar a prática administrativa e pedagógica.

8 O Estado, no entendimento de Silva Júnior (2002, p. 35), passa a ser “muito forte”, mas “pouco interventor no social”, transferindo à sociedade civil o peso e a responsabilidade pelos direitos sociais.

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Esses dados nos levam a afirmar a tese de que as atuais reformas educativas do ensino médio e profissional acompanham as necessidades de reestruturação capitalista. Busca-se, no entanto, utilizar a educação com conotação utilitarista orientada para o trabalho num sentido marcadamente instrumental: um recurso que serve também como estratégia do sistema para sua perpetuação na adequação de pessoas, acomodação de conflitos e gerenciamento de uma crise cujas conseqüências são visíveis na redução do número de postos de trabalho e no descarte dos considerados inaptos para ele, assim como na concentração da riqueza e aumento visível da miséria.

Com a nova reforma ocorrida no Século XXI, as esperanças de um ensino médio e profissional emancipatório são retomadas. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a revogação do Decreto N. 2.208/97 teve origem em discussões que remetem às lutas sociais dos anos de 1980 quando havia mobilização do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, por um sistema de ensino público e gratuito. Segundo os autores, busca-se com o Decreto N.

5.154/2004, mesmo que formalmente, “restabelecer as condições jurídicas, políticas e institucionais que se queria assegurar na disputa da LDB na década de 1980”. O pretendido era “a consolidação da base unitária do ensino médio, que comporte a diversidade própria da realidade brasileira, inclusive possibilitando a ampliação de seus objetivos, como a formação específica para o exercício de profissões técnicas”.

Entendemos que o requisito ao ensino médio e profissional, como possibilidade de atendimento às novas formas de organização e gestão do trabalho no contexto de globalização da economia, nos leva a pensar a educação como uma das instâncias que contribui para que ocorra a expansão do capital. O referencial economicista pautado na eficiência e na flexibilidade tem norteado o entendimento que devemos ter a respeito da educação, da escola e do homem a ser formado. Entendemos ser esta a constituição da face do projeto pedagógico representativo de um projeto de sociedade cujas margens são demarcadas pelos pressupostos de mercado como a competitividade, a privatização, e a instrumentalidade do conhecimento.

Nosso entendimento é que as questões acima não foram rompidas com o novo decreto, pois as alterações indicam muito mais a forma de organização que o conteúdo “unitário”

pretendido. Também ressaltamos que não desconsideramos, por isso, as possibilidades de que o ensino médio e profissional seja desenvolvido com uma base unitária. Entendemos que houve todo um processo educativo, que se traduz numa pedagogia da hegemonia desenvolvida pelo

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Estado capitalista, e que essa relação de hegemonia é também pedagógica, assunto muito bem discutido por Neves(2005). Vale destacar as palavras da autora, que diz:

Sob a hegemonia burguesa, o Estado capitalista vem realizando a adaptação do conjunto da sociedade a uma forma particular de civilização, de cultura, de moralidade. No decorrer do século XX, diante das mudanças qualitativas na organização do trabalho e nas formas de estruturação do poder, o Estado capitalista, mundialmente, vem redefinindo suas diretrizes e práticas, com o intuito de reajustar suas práticas educativas às necessidades de adaptação do homem individual e coletivo aos novos requerimentos do desenvolvimento do capitalismo monopolista (NEVES, 2005, p. 26).

Com base nos argumentos da autora, o Estado educador realiza a adaptação de toda a sociedade a uma visão de mundo. A escola, segundo Neves, é um espaço relevante para a disseminação da pedagogia da hegemonia do Estado. Conserva-se desse modo as estruturas sociais e a visão que se tem delas, da forma como estão, o que foi denominado pela autora como pedagogia da conservação, elemento que dificulta a pedagogia da contra-hegemonia.

A preocupação com a educação adquire sentido, se pensarmos que está em jogo a busca de consenso com relação à forma de enfrentamento da exclusão social originada na crise econômica. Ocorre uma inversão de lógica daquilo que entendemos devesse ser uma educação emancipadora, que trouxesse em si a discussão das contradições sociais. Assistimos a um processo inverso, diz Neves:

É nesse intuito que atuarão inúmeros dos aparelhos privados de hegemonia pertencentes ao atual bloco histórico, procurando disseminar a idéia segundo a qual o incentivo à capacidade de doação das classes socialmente dominantes, sua atuação voluntária e fraterna, sua defesa de um interesse comum, o qual permearia toda a sociedade, seriam mecanismos eficazes para – mantendo fora da pauta de discussões e ações sociais as contradições concretas do atual projeto societário – estimular o consenso, nesse caso específico, produzindo a convicção de que, efetivamente, não haveria excluído, e sim aquele ainda não incluído. O que, de resto, demandaria unicamente um pouco mais de tempo, um ainda maior aprofundamento da lógica social neoliberal e uma maior consciência cívico-social por parte das classes dominantes (NEVES, 2005, p. 33).

Essa forma de pensar a exclusão social nos leva a focá-la como objeto de benevolência que requer ações para o desenvolvimento de valores. Trata-se de uma estratégia para a mudança de foco das causas das questões sociais oriundas da crise capitalista que impactam o mundo, hoje.

Busca-se resolver as conseqüências, e para isso educa-se para a adaptação, desenvolvem-se valores e bons sentimentos para com os ‘não-incluídos’, divulga-se a idéia de que a superação do

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desemprego está na formação profissional, no desenvolvimento de destrezas e valores necessários ao atendimento do contexto atual.

Entendemos que as questões até aqui discutidas merecem ser aprofundadas. É preciso que tenhamos o entendimento das reais causas que levam a sociedade e a educação média e profissional a ter a configuração atual. Concordamos com Mészáros (2002, p. 795-797) que as crises constituem “o modo natural de existência do capital” e é por meio delas que ocorre sua expansão. No entanto ressalta que a atual crise “tem caráter universal”, que sua amplitude é

“global”, com uma “escala de tempo permanente” e com desdobramento “rastejante”. Trata-se de uma crise, como explicou Mészáros, que afeta a “totalidade de um complexo social”. Por esse motivo a reestruturação social e econômica, as preocupações com a pobreza, as propostas para o desenvolvimento de valores na educação média e profissional são componentes de um novo projeto pedagógico. As perspectivas que vislumbramos compreende o entendimento das implicações sociais, econômicas e políticas para a educação, para que possamos buscar formas de superá-las.

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Referências

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