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Processo

2347/18.0T8VRL.G1.S1

Data do documento

13 de abril de 2021

Relator

Rosa Tching

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

SUMÁRIO

I. A figura da “representação aparente” prevista no âmbito no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, contempla os casos em que a seguradora desconhece que o mediador de seguros praticou atos como seu representante, mas se tivesse atuado com o devido cuidado teria podido conhecer.

II. O contrato de seguro celebrado pelo mediador de seguros, em nome da seguradora, mas sem que esta lhe tenha conferido os poderes para o efeito, vincula a seguradora, independentemente de ratificação por parte desta, desde que verificados cumulativamente os seguintes requisitos:

i) o tomador do seguro esteja de boa-fé, ou seja, desconheça, sem culpa, a falta de poderes do mediador;

ii) o tomador confie na existência dos poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso;

iii) e o segurador tenha contribuído igualmente para fundar a confiança do tomador.

II. Só relevam para efeitos de justificar a confiança da pessoa do tomador na

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existência de poderes de representação do mediador de seguros e de concluir que a ré seguradora, com o comportamento adotado, também contribuiu para fundar essa confiança, as circunstâncias objetivas de cada caso concreto que, vistas pelo olhar de um homem médio, possam ser considerados como sinais legítimos de uma atividade representativa.

III. Não releva para esse efeito nem a circunstância do estabelecimento comercial do mediador de seguros conter várias informações alusivas à seguradora nem o facto desta ter autorizado aquele a utilizar a sua imagem e marca, os seus formulários e outros materiais de operacionalização e marketing, pois estamos perante meros indicadores normais de exercício da atividade de mediação de seguros, que mais não evidenciam do que a inerente ligação instrumental do mediador ao segurador.

IV. Não obstante ser cada vez mais usual no regime de distribuição de seguros, no qual o mediador se insere e desempenha um papel essencial, a disponibilização pelas seguradoras, aos seus mediadores, de plataformas eletrónicas por forma a agilizar a celebração de contratos, há que ter presente que as novas tecnologias envolvem riscos consideráveis em termos de segurança, o que reforça a importância das mesmas contribuírem pró- ativamente para que o mercado de seguros seja sólido, fiável e capaz de concretizar o objetivo de proteção adequada e eficaz dos consumidores.

V. Recai, assim, sobre as seguradoras a especial obrigação de garantirem a todos aqueles que pretendem contratar consigo, diretamente junto de uma empresa de seguros ou indiretamente, através de um mediador, um elevado grau de proteção por forma a assegurarem a eficaz celebração dos contratos de seguro, impondo-se-lhes, para tanto, um maior controlo e fiscalização nas situações em que as mesmas permitem o acesso dos mediadores de seguros a

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funções essenciais do seu sistema informático, tais como a emissão e anulação de apólices.

VI. Tendo a seguradora negligenciado na prevenção da ocorrência de situações em que seja legítimo ao tomador do seguro presumir os poderes de representação do mediador de seguros e contribuído, com a sua atuação negligente e descuidada, para fundar a confiança do tomador do seguro na existência de poderes de representação do mediador de seguros para celebrar contratos de seguro referentes a “Planos de Poupança Reforma”, é a mesma responsável perante aquele pelo dano de confiança que lhes foi causado pelo ato do representante aparente.

TEXTO INTEGRAL

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL

***

I. Relatório

1. AA, com domicílio em Rua ………, União de Freguesias ……. e ………, ………, propôs a presente ação de condenação com processo comum contra Allianz Portugal – Companhia de Seguros, S.A., com sede em Rua Andrade Corvo, 32, 1069, Arroios, Lisboa, e Herança Jacente BB, titular do NIF ………, com domicílio

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Pct. ………, …………, pedindo que:

- a Ré Allianz Portugal – Companhia de Seguros, S.A., seja condenada no cumprimento das apólices subscritas pelo Autor em virtude da aplicação do instituto da responsabilidade aparente previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro;

- Caso assim não se entenda, pede que a Ré Herança Jacente de BB, seja condenada no pagamento ao Autor de uma indemnização correspondente a

€105.565,00 a título de responsabilidade civil extracontratual.

Alegou, para tanto e em síntese, que:

- celebrou com a sociedade Carvalhais Gest – Gestão de Negócios e Mediação de Seguros, Lda., da qual era legal representante BB, três contratos de seguro referentes a “Planos de Poupança Reforma Ativo”, cujos prémios têm o valor global de € 100.560,00, montante que entregou, em numerário, ao referido BB;

- o BB veio a falecer em 16 de fevereiro de 2016, tendo-se vindo a verificar que as apólices dos seguros contratados não se encontravam inseridas no sistema informático da agência;

- contactada a ré Allianz, esta respondeu que as ditas apólices haviam sido emitidas e anuladas nos dias da emissão, vindo a concluir-se que se tratava de uma situação de falsificação de documentos;

- aquando da subscrição das referidas apólices, a Carvalhais Gest apresentou-se como agente da a ré Allianz Portugal, sendo que o estabelecimento comercial da Carvalhais Gest continha várias informações alusivas à ré Allianz, tendo a

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Carvalhais Gest, na pessoa do referido BB agido sempre em representação da ré Allianz;

- a ré Allianz autorizou a Carvalhais Gest a utilizar a sua imagem e marca, os formulários e outros materiais de marketing, bem como a proceder à emissão de apólices e receber quantias a título de prémios, pelo que não pode escusar- se ao cumprimento dos contratos;

- o BB recebeu o valor dos prémios que integrou no seu património pessoal, enganando o autor.

2. A ré Allianz Portugal, S.A. contestou, sustentando que, à data, a sociedade mediadora Carvalhais Gest não tinha quaisquer poderes para atuar em nome dela e que nem esta sociedade nem o BB estavam mandatados ou autorizados pela ré para celebrar contratos, os quais necessitavam sempre da confirmação e aceitação da ré para produzirem efeitos, pelo que não celebrou com o autor os contratos referidos, nem recebeu qualquer montante, não estando, assim, sujeita ao cumprimento de quaisquer cláusulas.

Concluiu pela improcedência da ação.

3. A herança jacente de BB também contestou e, excecionando a sua ilegitimidade passiva e impugnando a factualidade alegada pelo autor, concluiu pela absolvição do pedido.

4. Procedeu-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que decidiu absolver da instância a ré Herança, após o que foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

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5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a presente ação procedente e, consequentemente, condenou a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., no cumprimento das apólices subscritas pelo Autor, em virtude da aplicação do instituto da responsabilidade aparente previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro.

6. Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação ….. que, por acórdão proferido em 19 de novembro de 2020, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

7. Inconformada com este acórdão, a ré dele interpôs recurso de revista, a título excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem apenas na parte que releva para efeitos de conhecimento do objeto da revista:

« (…)

Do Objecto do Recurso,

18 - Sumariando a decisão, ora, objecto do recurso, diz-se que, “é designada por «representação aparente» a relação em que um sujeito (segurador) desconhece que outrem (mediador) pratique actos como seu representante, mas se tivesse actuado com o devido cuidado teria podido conhecer essa prática.”

19 - E no Ponto II, “o contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objetivamente

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apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro, de harmonia com o disposto no art. 30º, nº 3, do RJCS (DL nº 72/2008, de 16.04). Tal qualifica-se como representação aparente”.

20 - Acrescentando-se, em forma de conclusão, no Ponto III de tal sumário que

“tendo a seguradora contribuído, pela sua actuação negligente e descuidada, para fundar a confiança do tomador de seguro em que a mediadora contratava os seguros em sua representação e em que também assim actuava quando o aconselhou a celebrar os contratos de seguro referidos nos pontos 1 a 12 dos factos provados, é a mesma responsável perante aquele pelo dano de confiança que lhe foi causado pelo acto da “representante aparente”.

21 - Ora, a representação aparente não se satisfaz com os factos demonstrados em Juízo, sob pena de se desvirtuar o espírito do instituto e colocar num risco desproporcional e equitativamente inaceitável, as relações tripartidas Segurador / Mediador / Segurado.

22 - Não tendo a seguradora, face a esses mesmos factos, contribuído pela sua actuação negligente e descuidada para fundar a confiança do tomador de seguro.

23 - Acresce que, o tomador de seguro teve uma conduta, manifestamente, temerária, que consubstancia o principal contributo para os “negócios aparentes”, sub judice.

24 - Pelo que, o circunstancialismo dos autos não se reconduz à figura da

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representação aparente.

Do Direito (da Representação Aparente)

25 - O instituto da representação aparente, conforme referido no acórdão a quo, veio a ter consagração legal no nosso ordenamento jurídico, no nº 3 do artigo 30º do DL 72/2008, de 16/04 / LCS).

26 - A importância desta previsão, advém, em grande parte, do facto de ser relativamente frequente no giro comercial da actividade seguradora, surgirem reclamações de tomadores de seguros, que contratam com mediadores que não possuem poderes conferidos pelas seguradoras para celebrar esses contratos, o que conduz, a posteriori – maxime, perante sinistros ou resgates de produtos financeiros –, à averiguação da validade dos mesmos, com todas as consequências que daí advêm.

Assim,

27 - Dois vectores se mostram, desde sempre, essenciais para a responsabilização do representado aparente.

28 - Por um lado, a existência de uma conduta do tomador de seguro, de acordo com os padrões de um homem médio, isenta de culpa e, por isso, compreensível e justificadamente, merecedora de tutela jurídica.

29 - Mas por outro, a indispensabilidade de uma conduta censurável (pelo menos, sob a forma de negligência) do segurador, que contribua decisivamente, de forma fundada, para a confiança criada no tomador.

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30 - Assim, é assente neste entendimento, consagrando a tutela do princípio de boa-fé das partes, traduzido, também, na protecção da confiança e na responsabilidade de quem a induziu, que surge o nº 3 do artigo 30º da LCS que viria a reproduzir, quase na íntegra, o normativo aplicado aos contratos de agência:

“O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.”

31 - No fundo, o princípio de boa-fé desempenha, na análise deste instituto, um papel decisivo (pois é a tutela da confiança, assente nesse princípio, que se protege), uma vez que ninguém deverá ser responsável por uma situação para a qual não contribuiu, tal como o contrário também é inquestionável: quem contribuiu decisivamente para um resultado, deverá responder pelas consequências dessa actuação.

32 - É esse o sentido, também, dos requisitos exigíveis (segundo a habitual clarividência do Prof. Menezes Cordeiro), para considerar eficaz o contrato celebrado sem poderes, em relação à seguradora e que estão reproduzidos na decisão a quo.

“- O tomador esteja de boa-fé, ou seja: desconheça, sem culpa, a falta de poderes do mediador;

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- O tomador confie na existência dos poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso;

- E o segurador tenha contribuído igualmente para fundar a confiança do tomador (Direito dos Seguros, 2ª Ed., Almedina, p. 711).”

Também a jurisprudência tem seguido, em regra, igual rumo,

33 - Analisando os acórdãos invocados no acórdão recorrido, constata-se, desde logo que o acórdão do TRC, proferido no processo nº 521/15, segue na mesma linha de valoração, replicando os requisitos enunciados pelo Prof. Menezes Cordeiro.

34 - Ou seja, valorando o comportamento específico da seguradora que, de forma evidente e activa, foi decisivo para criar a situação de confiança da A.

35 - De igual modo, o Acórdão do STJ de 26/01/2017, prolatado no âmbito do Proc. 656/11, faz uma intocável aplicação do Direito aos factos – que nenhum paralelo tem com a matéria sub judice –, sumariando, nomeadamente, que “II - É de qualificar como representação aparente a relação em que os tomadores de seguro, sendo clientes da seguradora há 30 anos, confiaram na acção desenvolvida pela pessoa que, ao longo desse tempo, se apresentou como

“mediadora” daquela, celebrando, em seu nome, contratos de seguro, angariando clientes, remetendo-lhe propostas de seguro, relacionando-se com os seus funcionários e frequentando as suas instalações, sem que a seguradora tenha questionado esses actos (situação em tudo semelhante à que se faz referência no art. 30.º, n.º 3, do DL n.º 72/2008, de 16-04).

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III - Em consequência, tendo a seguradora contribuído, pela sua actuação negligente e descuidada, para fundar a confiança dos tomadores de seguro em que a “mediadora” contratava os seguros em sua representação e em que também assim actuava quando os aconselhou a resgatar o saldo de diversas apólices de que eram titulares por forma a reunirem numa só apólice todo o capital que tinham investido nos diversos produtos dessa companhia de seguros por forma a obterem uma maior taxa de rentabilidade, é a mesma responsável perante aqueles pelo dano de confiança que lhes foi causado pelo acto da representante aparente”.

36 - Ou seja, valorando uma relação tomador / seguradora, com 30 anos, através do mesmo mediador e, logo, o contributo específico da seguradora, reconhecendo o papel daquele nas contratualizações e nessa relação.

37 - E, por último, também o Acórdão do STJ de 01/04/2014, proferido no âmbito do Proc. 4739/03, mencionado no Acórdão, ora, recorrido, valorando, mais uma vez, um comportamento específico da seguradora que, no caso, se traduz numa conduta, manifestamente, negligente desta, em contraponto com uma actuação isenta de qualquer responsabilidade por parte do tomador.

38 - Ou seja, a seguradora tinha reconhecido a existência de poderes de representação, inclusivamente num contexto de maior exigência, maxime para celebrar o contrato de seguro, que estava na origem da reclamação.

39 - Posteriormente, no âmbito da execução do contrato (v.g. emissão e envio de certificados provisórios pela seguradora, espelhando a aceitação do acordo entre tomador e mediadora), foi, também, expressamente reconhecida a existência dos referidos poderes, criando no tomador a (legítima) convicção que estaria a negociar com a seguradora, ainda que através de mediador.

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40 - Ou seja, não só existem razões ponderosas neste caso que justificam a confiança do segurado, como a seguradora, com a sua actuação negligente, contribuiu, de forma decisiva, para essa confiança.

41 - É, assim, entendível a confiança gerada no tomador de seguro, não em função da sua negligência, mas antes dos actos específicos da própria seguradora, induzindo tal confiança.

42 - Ou seja, em termos globais a Jurisprudência e a Doutrina vêm valorizando, não só, a necessidade de um contributo específico do segurador, como a necessidade do comportamento de boa-fé do tomador.

43 - Sublinhe-se, contudo, que importa na análise da conduta do tomador, levar em linha de conta, não só o seu estado, objectivo, de boa-fé quando contrata aparentemente, mas também a sua actuação, sem culpa, face ao contexto concreto que levará à verificação das razões ponderosas, inultrapassáveis na verificação da representação aparente.

44 - Na realidade, o tomador poderá desconhecer a falta de poderes do mediador (não estando, pois, de má-fé), mas esse desconhecimento poderá ter por base, uma manifesta negligência da sua parte, situação em que já não merecerá a tutela do nº 3 do artigo 30º da LCS.

45 - Por outro lado, elementos objectivos (como a existência de publicidade e documentação com identificação do segurador), deverão ser relevados, apenas, em conjunto com outros factores e, mais importante, deverão ser ponderados em função da situação concreta.

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Acompanhando-se uma reflexão, acerca desta matéria,

46 - E se as situações elencadas podem encontrar solução através da apreciação daquela que consideramos ser uma necessária avaliação, em concreto, da boa-fé do tomador, outras considerações se nos oferecem no que respeita, nomeadamente, aos elementos subjetivos, e em concreto, no que respeita ao concurso da seguradora para a confiança na existência de procuração, sem a qual é excluída a tutela da aparência elencada na norma.

47 - Na verdade, equacionamos o tipo de situações que poderão enquadrar-se na previsão da norma (celebração de um contrato em nome de outrem, sem os respetivos poderes), não podendo deixar de identificar um vasto leque de situações (é essa, aliás, a significativa maioria dos casos (…), em que a atuação do mediador visa alcançar objetivos bem diferentes do simples exercício da sua atividade profissional (nomeadamente apropriando-se de dinheiros), relevando a sua atuação do ponto de vista criminal.

48 - Este tipo de situações desenvolve-se, normalmente, com base em planos para enganar terceiros, ocorrendo os fatos no seio de relações privadas e de apropriação de confiança por parte do agente, sem que a seguradora possa ao menos percecionar essa atuação, e perceber que determinado ato seu pode conter a virtualidade de contribuir para uma aparência de representação.

49 - Portanto, neste tipo de casos, julgamos que importa que seja muito criteriosa a seleção dos factos que verdadeiramente evidenciem a autoria da seguradora no contributo para a confiança do tomador, e assim, que contenham, dentro deste contexto, um verdadeiro significado para os fins da lei. (Manuel Gonçalves de Jesus, “Representação da seguradora pelo mediador, representação aparente”, Julho 2015)

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Da subsunção dos factos ao Direito,

50 - No acórdão, ora, recorrido conclui-se que “atenta a materialidade fáctica provada, propendemos para entender que o mesmo se enquadra na previsão do citado art. 30º, nº 3, do referido Diploma”.

Seguindo os ensinamentos do Prof. Menezes Cordeiro, quanto aos indispensáveis pressupostos,

O A. estava de boa-fé, por desconhecer, sem culpa, a eventual falta de poderes do mediador (Requisito 1)

51 - Em relação a este requisito, diz-nos o douto acórdão recorrido (na esteira do referido na sentença de 1ª Instância, cf. pág. 35), que “nenhuma circunstância factual se provou que permitisse concluir que o Autor não estava de boa fé, sendo até de admitir que o mesmo, de harmonia com os factos provados, estivesse plenamente convencido que as apólices que subscreveu eram verdadeiras e que se tratava de seguros contratados com a Allianz”.

52 - Ora, salvo o devido respeito, tal admissão é manifestamente insuficiente para preencher o requisito, cujo alcance é mais lato e exigente, no que toca à conduta do tomador de seguro.

53 - Na realidade, na esteira de definição do Prof. Menezes Cordeiro, a conduta de boa-fé do agente, necessita por um lado que este aja sem conhecer a falta de poderes do mediador, mas também que esse desconhecimento se verifique, sem culpa sua.

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54 - Ora, in casu, se há que reconhecer que não consta dos autos (nem tal foi alegado pelas partes) que o A. estaria de má-fé, no sentido de conhecer a falta de poderes do mediador, já qualquer grau mínimo de certeza revela-se inalcançável quanto à isenção de culpa, nesse desconhecimento.

Pelo contrário.

55 - Atenta a relevância das aplicações efectuadas, sempre seria exigível ao A., uma atitude prudencial de indagação, que lhe permitisse concluir se, efectivamente, o mediador tinha poderes para celebrar os contratos em questão.

56 - Logo, demitindo-se o A. de qualquer averiguação cautelar mínima, não se poderá afirmar que o desconhecimento de poderes do mediador, não lhe é, também, imputável, ou seja, sem culpa da sua parte.

O tomador confie na existência de poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objectivamente, apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso (Requisito 2)

57 - Refere o douto acórdão recorrido, para fundamentar a verificação deste requisito que “mais se apurou que o mediador BB e a sua empresa Carvalhais Gest apresentavam-se como agentes da Primeira Ré; o estabelecimento comercial onde exerciam a sua atividade tinha não só uma grande fachada a anunciar essa qualidade como estava cheio de panfletos e demais, material de marketing alusivo à Ré e por esta disponibilizado; o sócio gerente da Carvalhais Gest tinha acesso à plataforma eletrónica da Ré, sendo-lhe permitido emitir e registar apólices por esta emitidas e até anular apólices lhe era permitido e conseguiu fazer”.

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58 - Antes de mais, sempre se relembrará que os poderes específicos que estão em causa, são os poderes para contratar produtos financeiros e não o reconhecimento de alguém como mediador, em termos gerais.

59 - Como resulta do senso comum, a área financeira e a capacidade para receber e remunerar capital, está reservada a algumas entidades e sujeita a regras específicas (cf. por ex. branqueamento de capitais).

60 - O que, sempre, exigiria um escrutínio mais cuidadoso, que, diga-se, seria a regra, num homem médio.

61 - O que nunca se verificou.

62 - De facto, o acórdão recorrido, na esteira da decisão da 1ª Instância, limita- se a valorar os elementos externos existentes, e ignora, ostensivamente, as circunstâncias concretas do caso.

63 - É que, se dos referenciados elementos externos pode resultar a convicção de que o mediador em causa, intermediava contratos de seguro da Allianz, dos mesmos não resulta, por si, certamente, que tinha poderes de representação para celebrar contratos da área financeira, com as especiais exigências inerentes.

64 - E se atentarmos nas circunstâncias próprias do caso (entrega de valores, vultuosos, em numerário, inclusive num parque público; pagamento de incentivos 2,5% pelo mediador; com indicação expressa para não declarar no IRS os juros remuneratórios recebidos; ausência de recebimento de qualquer documentação ou validação, expressa ou tácita, por parte da Allianz, (antes ou)

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após ter efectuado o primeiro contrato, tal como os subsequentes), multiplicam- se as razões para concluir que, no caso concreto, não se verificam razões ponderosas, de forma objectiva, que indiciassem a existência de poderes para celebrar tais contratos.

65 - De facto, subsumir os elementos objectivos externalizáveis e comuns a toda a mediação de seguros, às razões ponderosas previstas na lei, ignorando as circunstâncias próprias do caso concreto, leva a conclusões que, salvo o devido respeito, violam o espírito da norma e põem em causa o alcance do instituto da representação aparente.

66 - No caso sub judice a verdadeira razão ponderosa, objectivamente, apreciada, tendo em conta as circunstâncias do caso, é a (incompreensível) confiança no mediador.

E o segurador tenha contribuído igualmente para fundar a confiança do tomador (Requisito 3)

67 - Para suportar a contribuição da Allianz, o acórdão recorrido enuncia que

“(…) verifica-se também o segundo requisito previsto no citado preceito, ou seja, a contribuição do segurador, neste caso, da Recorrente Allianz, para fundar a confiança do tomador do seguro, o autor, em razão daquela ter permitido que nas instalações da Carvalhais Gest existisse toda uma situação de publicidade, com a identificação da seguradora, com o logotipo na fachada, com um veículo que também exibia o logotipo da ré, com documentação onde constava a identificação da Allianz, verificando-se claramente uma conduta por parte da ré seguradora que por uma qualquer pessoa com conhecimento médio podia ser interpretada no sentido de que o mediador tinha recebido poderes de representação por parte da seguradora para agir por ela e em nome dela.

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Acresce que nenhum facto se apurou que demonstre ter a Recorrente procurado indagar das razões da anulação das várias apólices pela mesma mediadora, o que reflete uma atitude de algum descuido ou negligência na sua actuação”.

68 - Chegamos, nesta parcela do nº 3 do artigo 30º da LCS, à questão, que dir- se-ia nuclear, da norma: a confiança que é criada no tomador e a responsabilidade por essa confiança que, necessariamente, é tutelada pelo princípio da boa-fé.

69 - Foi a seguradora, de forma específica, no âmbito daquele contrato ou de outros similares em que validou a conduta do mediador, que foi responsável pela confiança do tomador nos poderes de representação do mediador, para celebrar contratos financeiros?

70 - Ou, foram outros os factores decisivos que levaram à confiança do tomador, na celebração dos contratos?

71 - Cabe dizer que, também na análise deste requisito, o douto acórdão recorrido limita-se a elencar as situações objectivas que se subsumiriam ao contributo da recorrente, não dedicando, sequer, uma consideração, a todas as circunstâncias do caso – que, diga-se, são especialmente impressivas –, chegando, assim, a uma conclusão que não levou em linha de conta factos, probatoriamente demonstrados, que, por si, indiciam de forma reiterada, o fundamento da confiança do tomador.

72 - Quanto à valoração da publicidade na loja e da documentação com o nome da Allianz, tal como o acesso do sócio gerente da Carvalhais Gest à plataforma

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electrónica da Ré, “sendo-lhe permitido emitir e registar apólices por este emitidas e até anular apólices, o que conseguiu fazer”, dever-se-á dizer que nenhum destes aspectos significa qualquer elemento decisivo para avaliar da contribuição da seguradora.

73 - Por outro lado, de há muitos anos a esta parte, todas as Companhias de Seguros, disponibilizam aos seus mediadores, plataformas electrónicas, onde são efectuados os registos correspondentes ao giro comercial da sua actividade comercial, e onde se inclui a possibilidade de emitir apólices com maior ou menor latitude, mas não em regra, e como está provado no caso concreto (cf.

52º, 54º e 55º dos factos provados), a possibilidade de contratar, neste caso, sem a aceitação da Allianz.

74 - Pelo que, tais factos não consubstanciam qualquer contributo específico, por constituírem uma realidade transversal à actividade de mediação, que não induz a existência de poderes específicos, maxime, para contratar produtos financeiros.

75 - Pelo contrário, a confiança em causa, encontra o seu fundamento na relação de extrema (e temerária) confiança, pessoal, do A. no mediador.

Na realidade,

76 - O A. conhecia o mediador, desde 2007, data em que lhe entregou um imóvel para gerir. (cf. facto provado 14º e v.g. depoimento AA min. 9.06 e 1.26 e CC min. 1.02 e 11.45)

77 - O mediador BB era uma pessoa íntima da família que “fazia tudo”, conforme depoimento da própria filha.

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78 - O A. “subscreveu os seguros em causa com base na confiança que tinha no BB, e não por ser na Allianz, e também face à rentabilidade prometida, referindo que era capaz de subscrever os seguros noutra seguradora, se o BB o sugerisse”. (cf. consideração da sentença da 1ª Instância, pág. 15, aquando da valorização do depoimento do A., para a convicção do Tribunal)

79 - A sentença a quo considerou não provado que “foi a relação contratual entre a Ré Allianz e a Carvalhais Gest que levou a que o Autor celebrasse comeste último os contratos de seguro já identificados”.

80 - O A. recebia 2,5% de incentivos, pela celebração dos contratos (ponto 12º dos factos provados), para lá da remuneração normal (cf. depoimento DD, min.

21.55), que seriam pagos pelo próprio e sem conhecimento da Allianz.

81 - O A. e a sua filha foram informados pelo mediador que não era preciso declarar no IRS os valores dos juros dos PPR’s porque isso não passava pelos Bancos, sem que tal lhes causasse qualquer suspeita.

82 - Até à primeira “contratualização” (01/08/2013), 6 anos após conhecer o mediador, o A. apenas celebrara com a R., em 2011, 2 contratos do ramo automóvel, cujos prémios globais, anuais, na actualidade, ascendem a aprox.

60 €. (cf. Factos provados 5º, 61º e 62º e depoimento EE min. 6.54)

83 - O A. nunca recebeu qualquer documentação da R., referente aos alegados contratos. (cf. min. 22.23 a 22.48 do depoimento AA)

84 - O A. entregou em numerário ao Sr. BB, os valores referentes aos prémios de seguros, num montante superior a 100.000,00 €. (cf. 11º dos factos

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provados)

85 - Sendo que, pelo menos, uma parte do valor final foi entregue num parque de estacionamento, ao pé do Tribunal, em …. (cf. min. 17.28 a 17.44 depoimento AA)

Por outro lado,

86 - A recorrente nunca conferiu quaisquer poderes ao mediador, para celebrar contratos de seguro. (cf. 52º factos provados)

87 - Não aceitou expressa ou tacitamente qualquer dos contratos invocados. (cf.

55º, 56º e 57º factos provados)

88 - Nunca adoptou nenhum comportamento específico que pudesse induzir a existência de poderes do mediador para a celebração dos contratos sub judice, especialmente, nas circunstâncias descritas nos autos.

89 - O procedimento do mediador, no que tange à simulada contratualização de seguros, consistia na falsificação de documentação similar a apólices, ou na emissão, pontual, de apólices, eliminando-as, de imediato, não tendo, pois, qualquer existência na plataforma informática da recorrida e sendo impossível de detectar. (cf. 30º, 47º, 48º e 50º dos factos provados e depoimento EE min.

8.01)

90 - O próprio sócio do mediador, FF, não tinha conhecimento dos factos, como é reconhecido, inclusive, no processo crime promovido pelo A. e cuja documentação foi por este junta aos autos (cf. Doc. nº 20, junto com a P.i.).

(22)

91 - A recorrente nunca recebeu qualquer queixa da actividade do mediador, só tendo conhecimento de irregularidades, após o seu falecimento. (cf.71º dos factos provados)

Em resumo,

92 - Atenta toda esta realidade, sempre se deverá concluir que inexistiram quaisquer razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador de seguro de boa fé, sem culpa própria, na legitimidade do mediador de seguros, para celebrar contratos de seguro como os dos autos, através de recebimento de significativos valores em numerário.

93 - Que não seja a legítima, mas temerária intenção de obter proventos bem acima dos praticados em investimentos alternativos, mesmo que pagos por fora.

94 - De facto, tudo se concretizou, com base numa incompreensível e negligente confiança no mediador, assente num relacionamento pessoal de vários anos.

95 - Durante os quais inexistiu qualquer relacionamento comercial com a Allianz na área financeira.

96 - Sendo que o A. apenas viria a celebrar, até hoje, 2 contratos do ramo automóvel (no valor global anual de 60 €) que tiveram início 4 anos depois do referenciado relacionamento.

97 - Não podendo ser, pois, imputável à, ora, Recorrente, qualquer contribuição

(23)

concreta e específica, para a (incompreensível) situação de confiança criada, na existência de poderes para celebrar contratos financeiros.

98 - Fosse pela existência de elementos externos de identificação (inconsequentes para tal finalidade), fosse por qualquer acto ou omissão, que não se verificou, face a uma conduta criminosa, virtualmente, indetectável.

99 - Ou seja, a representada não conhecia a conduta do representante, e nem com o devido cuidado, que sempre teve, teria podido conhecer e impedir.

100 - Pelo contrário, o A. com o mínimo de cuidado e diligência, poderia (e deveria, de acordo com o escrutínio de um homem médio), sem dificuldade, ter obtido informações que, certamente, teriam impedido a concretização dos negócios.

101 - Prescindindo desse escrutínio, é a conduta do A. que se revela, por negligente, decisiva para a confiança criada na existência de poderes do mediador que, de facto, não existiam.

102 - Razões porque, não se encontram preenchidos os requisitos indispensáveis à verificação do instituto da representação aparente.

103 - Razões porque inexiste fundamento para a condenação da recorrente.

104 - Razões porque, o Tribunal recorrido, violou por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 30º do DL 72/2008, de 16 de Abril (LCS)».

Temos em que requer seja revogado o acórdão recorrido e a recorrente absolvida do pedido.

(24)

8. O autor respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

9. Remetido o processo à Formação de Juízes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 672º, nº3 do CPC, por esta Formação foi proferido acórdão a admitir a revista interposta a título excecional.

10. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, a única questão a decidir traduz-se em saber se a factualidade dada como provada no caso dos autos preenche os pressupostos da representação aparente prevista no art. 30º, nº 3, do DL nº 72/2008, de 16.04.

***

III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

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A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1º Entre os anos 2013 e 2014, o Autor celebrou com a sociedade Carvalhais Gest – Gestão de Negócios e Mediação de Seguros, Lda. (doravante apenas designada Carvalhais Gest), na pessoa do seu representante legal BB, três contratos de seguro referentes a “Planos de Poupança Reforma Ativo”.

2º Os contratos foram celebrados nas instalações da agência de seguros da sociedade Carvalhais Gest, sita na Avenida ……., Edifício …….. .

3º Agência essa denominada «Seguros & Companhia - TFC».

4º Marca registada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e inscrita no ISP (Instituto de Seguros de Portugal) como designação comercial da sociedade com o nome Carvalhais Gest – Gestão de Negócios e Mediação de Seguros, Lda.

5º O primeiro contrato, com data de 1 de agosto de 2013, concerne à apólice de seguro com o número ………19 .

6º Esta apólice de seguro tinha como prémio associado o valor de € 30.560,00 (trinta mil e quinhentos e sessenta euros).

7º O segundo contrato referente à apólice de seguro com o número ……11, foi celebrado a 28 de janeiro de 2014 e tinha um prémio no valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

8º O terceiro contrato de seguro foi celebrado a 28 de julho de 2014, sendo

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referente à apólice de seguro com o número ……17, e tinha um prémio associado no valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

9º Consta dos documentos juntos que as Apólices dos contratos de seguro seriam emitidas pela Ré Allianz.

10º No total, os prémios associados aos contratos de seguro celebrados perfazem o valor de € 100.560,00 (cem mil e quinhentos e sessenta euros).

11º Os referidos montantes foram entregues, em numerário, pelo Autor a BB, sócio gerente da Carvalhais Gest.

12º Nos momentos da celebração dos contratos de seguro, o representante da Carvalhais Gest informou o Autor de que este teria direito a «incentivos», pela celebração dos contratos, no valor de 2,5%, para além da taxa contratualizada nas apólices.

13º Tais «incentivos» seriam pagos anualmente, na data de vencimento de cada uma das três apólices.

14º Na altura da contratualização das apólices, o Autor, cliente da Carvalhais Gest desde o ano de 2007”, desconhecia a verdadeira configuração dos Planos Poupança Reforma, limitando-se a confiar no que o representante da Carvalhais Gest, BB, lhe transmitiu (redação dada pelo Tribunal da Relação ) .

15º O sócio gerente da Carvalhais Gest, BB, foi internado no hospital com complicações de saúde, tendo vindo a falecer no dia 16 de fevereiro de 2016.

16º Com a morte deste, passou o aqui Autor a lidar com o sócio de BB na

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empresa Carvalhais Gest, FF, que lhe entregou, em março de 2016, o valor referente aos ditos «incentivos» associados à Apólice nº ……11, datada de 28 de janeiro de 2014.

17º No início do mês de agosto de 2016, o sócio FF informou o Autor, numa das visitas à agência de seguros da Carvalhais Gest, que, consultando o sistema informático da agência, verificou que as apólices de seguro contratadas não se encontravam inseridas no mesmo.

18º Face a essa informação, o Autor contactou a Ré Allianz, na data de 12 de outubro de 2016, solicitando informação concernente à sua situação junto da seguradora.

19º A Ré respondeu a 18 de outubro de 2016, informando o Autor que as apólices nºs ……19 e …...11 foram emitidas e anuladas nos respetivos dias da sua emissão pelo próprio mediador.

20º Relativamente à apólice nº ……17, a Ré informou o Autor que a mesma se encontrava ativa, mas que a sua tomadora era uma outra pessoa.

21º O Autor voltou a contactar a ré, via e-mail, nos dias 12 e 20 de dezembro de 2016, solicitando novos e melhores esclarecimentos.

22º A Ré veio a responder, remetendo ao Autor os certificados de seguro relativos às Apólices nº ………19 e nº ……...11, que, teoricamente, foram emitidas e anuladas no mesmo dia, por falta de formalização.

23º De igual forma, remeteu um e-mail interno enviado pelo sócio e mediador BB, onde é requerido o cancelamento da apólice, sem motivo aparente para tal.

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24º Relativamente à Apólice nº …….17, informou a Ré de que não se encontrava autorizada a prestar qualquer informação acerca da mesma, já que esta não tem como tomador o Autor.

25º Porém, no documento identificado como Doc. nº 3 consta, nos “Dados Identificativos” do Capítulo I das Condições Particulares – Parte I, que o Autor figura efetiva e expressamente como tomador do seguro.

26º Em todas as apólices e, inclusive, nos certificados de seguro facultados pela Primeira Ré, consta expressamente, da Parte I das Condições Particulares – Capítulo I, nos Dados Identificativos de todas as apólices, designadamente, que as apólices nºs ……19 e ………11 vigoraram até às 00:00 horas do dia 31 de julho de 2018.” (redação dada pelo Tribunal da Relação)

27º Já a apólice nº ………17 consta que se encontra em vigor até às 00:00 horas do dia 29 de julho de 2019 (redação dada pelo Tribunal da Relação).

28º Após os supra referidos contactos encetados com a Primeira Ré, via correio postal e via correio eletrónico, o Autor dirigiu uma reclamação, a 25 de janeiro de 2017, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (doravante ASF) contra a Ré Allianz, onde expôs toda a factualidade supra descrita.

29º Tendo a ASF encaminhado a reclamação do Autor ao Gestor de Reclamações da Ré, vindo este, a 10 de fevereiro de 2017, via e-mail, reiterar a informação já anteriormente prestada.

30º Informando o Autor de que este estaria perante uma situação de

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falsificação de documentos, já que os documentos detidos pelo Autor não foram impressos nem produzidos pela Ré, segundo a própria.

31º O Autor, a 17 de fevereiro de 2017, solicitou à ré algumas informações.

32º Apenas a 11 de abril de 2017, veio a ASF retomar o assunto da reclamação apresentada pelo Autor contra a Ré, limitando-se a reproduzir o que disse a Ré, via e-mail, em 10-02-2017, ao Autor.

33º Por carta, recebida a 2 de março de 2017, comunicou a Ré ao Autor a cessação de funções do mediador «Seguros & Companhia - TFC», marca registada e designação comercial da sociedade «Carvalhais Gest », mediante rescisão do contrato de prestação de serviços de mediação e seguros que mantinham.

34º Através de carta dirigida ao Autor, colocou a Ré um novo agente disponível e ao serviço do Cliente.

35º Este ‘’novo’’ agente Allianz é a empresa «Catalão & Silva – Mediação Seguros - TFC», com sede na Avenida ………, …, a mesma sede da «Carvalhais Gest - Gestão de Negócios e Mediação de Seguros, Lda.».

36º O sócio FF, da Carvalhais Gest – Gestão de Negócios e Mediação de Seguros, Lda., é o sócio gerente desta segunda empresa designada «Catalão &

Silva, Lda.».

37º O mediador BB recebeu do Autor a quantia global de € 100.560,00 (cem mil, quinhentos e sessenta euros) para subscrição das três apólices de seguro.

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38º Nunca tendo o referido mediador oficializado adequadamente as subscrições das apólices junto da Ré.

39º Aquando da subscrição das referidas apólices, a Carvalhais Gest apresentou-se como agente da Ré Allianz, desconhecendo o Autor a existência de quaisquer causas de rutura dessa relação.

40º O estabelecimento comercial da Carvalhais Gest continha várias informações alusivas à Ré Allianz.

41º A Carvalhais Gest, na pessoa do seu sócio gerente BB, agiu, perante o autor, como se fosse em representação da Ré Allianz.

42º A Ré Allianz celebrou um contrato com a Carvalhais Gest mediante o qual esta vendia os seus seguros.

43º Para o efeito, a Ré autorizou a Carvalhais Gest a utilizar a sua imagem e marca, os seus formulários e demais materiais de operacionalização e marketing e ainda a proceder à emissão de apólices e receção de quantias, na qualidade de prémios.

44º A Carvalhais Gest atuou na qualidade de agente da Ré e tal atuação apenas foi possível mediante o fornecimento da imagem e demais materiais de trabalho por parte da Ré.

45º A Ré permitiu que o Agente atuasse em sua representação.

46º Foi o sócio gerente BB quem recebeu, diretamente, os valores devidos pela subscrição das apólices de seguro.

(31)

47º BB, uma vez na posse do dinheiro, registou duas das referidas propostas no sistema informático da Ré para, logo a seguir, as anular.

48º Obtendo, entretanto, os certificados de seguro com base nos quais veio depois a forjar os contratos de seguro, cuja entrega ao Autor, o fez pensar que foram efetivamente celebrados.

49º Em momento algum julgou o Autor estar a ser enganado ou que o mediador tivesse a pretensão de fazer seu o prémio de seguro.

50º Em relação à terceira proposta, o mediador forjou apenas o contrato de seguro, não chegando a registar a mesma no sistema informático da Primeira Ré. No entanto, logrou na mesma enganar o Autor pois entregou a este um contrato adulterado, fazendo seu o respetivo prémio.

51º O contrato de mediação celebrado entre a Ré e a Seguros & Companhia, data de 6 de novembro de 2014.

52º O contrato de mediação celebrado com a sociedade Seguros & Companhia previa, expressamente, a ausência de poderes para celebrar contratos em nome da Seguradora.

53º Norma que já constava de um anterior contrato de prestação de serviços celebrado com o Sr. BB, em 8 de junho de 2009.

54º Em nenhuma circunstância e por diversas razões, as sociedades Carvalhais Gest, Seguros & Companhia ou o Sr. BB, estavam mandatados e/ou autorizados pela Ré, para celebrar contratos, como os identificados nos autos.

(32)

55º Contratos, que necessitavam, sempre, da confirmação e aceitação da Ré, para produzirem os seus normais efeitos.

56º O que, nunca se verificou.

57º A Ré não celebrou com o Autor qualquer um dos contratos, nas datas e com os vencimentos indicados.

58º Nenhum montante foi depositado ou disponibilizado sob qualquer outra forma, à Ré, relativo aos alegados contratos de seguro.

59º Ou, sequer, anuiu, posteriormente, ratificando o seu conteúdo.

60º Nenhum mediador da Ré, por esta mandatado ou, sequer, com o seu conhecimento, está autorizado a prometer “incentivos” a segurados.

61º Aquando da primeira contratualização (Apólice nº ………19 de 01/08/2013), o Autor apenas tinha vigentes dois contratos de seguro do Ramo Automóvel:

a) Apólice nº ………83 de 14/10/2011

b) Apólice nº ………15 de 14/10/2011

62º Contratos esses que no dia de hoje – ainda vigentes –, têm como últimos prémios vencidos, respetivamente, 58,79 € e 3,64 €.

63º A emissão de apólices dos contratos de seguro poderá verificar-se, provisoriamente, por determinado mediador.

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64º Mas a sua vigência encontra-se sempre dependente do pagamento do respetivo prémio e da aceitação por parte da Ré.

65º O que não se verificou em nenhum dos mencionados casos.

66º O próprio mediador informou a Ré que tal emissão tinha consubstanciado um lapso.

67º O estabelecimento “continha várias informações alusivas à Ré”, mas tal não se passava em regime de exclusividade.

68º O Sr. BB desenvolvia, no mesmo espaço, a sua atividade de mediador de seguros, de outras Companhias Seguradoras (cf. v.g. Prévoise e Liberty), com a devida publicidade no mesmo espaço.

69º E, simultaneamente, a atividade imobiliária, sempre na mesma morada, com igual publicidade.

70º Os “incentivos” pagos pelo Sr. BB, foram um dos elementos determinantes das entregas de dinheiro.

71º Nunca se verificou qualquer situação de resgate de aplicações financeiras, onde fossem detetadas irregularidades, até à morte de BB.

Factos julgados não provados:

a) O Autor celebrou os contratos com a Ré através da atuação da Carvalhais Gest

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b) Foi a relação contratual entre a Ré Allianz e a Carvalhais Gest que levou a que o Autor celebrasse com este último os contratos de seguro já identificados.

c) Os incentivos entregues ao Autor foram pagos do próprio bolso de BB.

d) A sociedade mediadora não tinha quaisquer poderes, à data dos contratos, para atuar em nome da Ré Allianz.

***

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com a questão de saber se a materialidade fáctica dada como provada no caso dos autos integra a figura da representação aparente prevista no art. 30º, nº 3, do DL nº 72/2008, de 16.04.

No sentido afirmativo pronunciou-se o acórdão recorrido considerando, resultar da factualidade dada como assente que «nem a Carvalhais Gest, nem o BB tinham poderes de representação para em nome da Recorrente celebrarem os contratos de seguro em causa e receberem os respetivos prémios; nenhuma circunstância factual se provou que permitisse concluir que o Autor não estava de boa fé, sendo até de admitir que o mesmo, de harmonia com os factos provados, estivesse plenamente convencido que as apólices que subscreveu eram verdadeiras e que se tratava de seguros contratados com a Allianz. Mais se apurou que o mediador BB e a sua empresa Carvalhais Gest apresentavam- se como agentes da Primeira Ré; o estabelecimento comercial onde exerciam a sua atividade tinha não só uma grande fachada a anunciar essa qualidade como

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estava cheio de panfletos e demais, material de marketing alusivo à Ré e por esta disponibilizado; o sócio gerente da Carvalhais Gest tinha acesso à plataforma eletrónica da Ré, sendo-lhe permitido emitir e registar apólices por esta emitidas e até anular apólices lhe era permitido e conseguiu fazer ».

Daí ter concluído, «como o fez a sentença recorrida, que se verificam as tais razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificam a confiança do tomador do seguro de boa fé, o aqui autor, na legitimidade do mediador. E, além disso, verifica-se também o segundo requisito previsto no citado preceito, ou seja, a contribuição do segurador, neste caso, da Recorrente Allianz, para fundar a confiança do tomador do seguro, o autor, em razão daquela ter permitido que nas instalações da Carvalhais Gest existisse toda uma situação de publicidade, com a identificação da seguradora, com o logotipo na fachada, com um veículo que também exibia o logotipo da ré, com documentação onde constava a identificação da Allianz, verificando-se claramente uma conduta por parte da ré seguradora que por uma qualquer pessoa com conhecimento médio podia ser interpretada no sentido de que o mediador tinha recebido poderes de representação por parte da seguradora para agir por ela e em nome dela.

Acresce que nenhum facto se apurou que demonstre ter a Recorrente procurado indagar das razões da anulação das várias apólices pela mesma mediadora, o que reflete uma atitude de algum descuido ou negligência na sua actuação ».

Contra este entendimento insurge-se a ré, argumentando que o circunstancialismo dos autos não se reconduz à figura da representação aparente, quer porque, na análise da conduta do tomador importa levar em linha de conta, não só o seu estado, objetivo, de boa fé quando contrata

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aparentemente, mas também a sua atuação, sem culpa, quer porque é de exigir que o tomador confie na existência de poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objetivamente apreciadas, bem como um um contributo específico do segurador.

Assim, no que toca à conduta do tomador do seguro, sustenta que a afirmação feita no acórdão recorrido de que « nenhuma circunstância factual se provou que permitisse concluir que o Autor não estava de boa fé, sendo até de admitir que o mesmo, de harmonia com os factos provados, estivesse plenamente convencido que as apólices que subscreveu eram verdadeiras e que se tratava de seguros contratados com a Allianz», é manifestamente insuficiente para se dar como verificado o requisito da boa fé, cujo alcance é mais lato que o mero desconhecimento da falta de poderes do mediador, sendo de exigir que esse desconhecimento se verifique sem culpa sua, o que sempre pressuporia, por parte do autor, uma atitude prudencial de indagação, que lhe permitisse concluir se, efetivamente, o mediador tinha poderes para celebrar os contratos em questão. Logo demitindo-se o A. de qualquer averiguação cautelar mínima, não se poderá afirmar que o desconhecimento de poderes do mediador, não lhe é imputável.

Mais sustenta que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, o facto de ter ficado provado que «o mediador BB e a sua empresa Carvalhais Gest apresentavam-se como agentes da Primeira Ré; o estabelecimento comercial onde exerciam a sua atividade tinha não só uma grande fachada a anunciar essa qualidade como estava cheio de panfletos e demais, material de marketing alusivo à Ré e por esta disponibilizado; o sócio gerente da Carvalhais Gest tinha acesso à plataforma eletrónica da Ré, sendo-lhe permitido emitir e registar apólices por esta emitidas e até anular apólices lhe era permitido e conseguiu fazer», não permite, sem mais, concluir pela verificação do segundo requisito

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acima enumerado, ou seja, que o autor confiou na existência de poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objetivamente apreciadas.

Desde logo, porque «os poderes específicos que estão em causa, são os poderes para contratar produtos financeiros e não o reconhecimento de alguém como mediador, em termos gerais», sendo, por isso, de exigir ao autor um escrutínio mais cuidadoso.

Porque o acórdão recorrido limita-se a valorar os elementos externos existentes e ignora, ostensivamente, outras circunstâncias tais como «entrega de valores, vultuosos, em numerário, inclusive num parque público; pagamento de incentivos 2,5% pelo mediador; com indicação expressa para não declarar no IRS os juros remuneratórios recebidos; ausência de recebimento de qualquer documentação ou validação, expressa ou tácita, por parte da Allianz, (antes ou) após ter efectuado o primeiro contrato, tal como os subsequentes», e que conduzem à conclusão de que, no caso concreto, não se verificam razões ponderosas que, de forma objetiva, indiciassem a existência de poderes por parte do mediador para celebrar os contratos em causa.

Argumenta ainda que, também contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, não se vê que o facto da ré «ter permitido que nas instalações da Carvalhais Gest existisse toda uma situação de publicidade, com a identificação da seguradora, com o logotipo na fachada, com um veículo que também exibia o logotipo da ré, com documentação onde constava a identificação da Allianz», bem como a circunstância de não se ter apurado que a seguradora tivesse procurado indagar das razões da anulação das várias apólices pela mesma mediadora, possam ser interpretadas, por uma qualquer pessoa com conhecimento médio, no sentido de que a seguradora contribuiu de forma

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específica para fundar a confiança do tomador de que o mediador tinha recebido poderes de representação por parte da seguradora para agir por ela e em nome dela, sendo certo que o que ressalta da factualidade dada como assente é que a atuação do autor encontra o seu fundamento na relação de extrema e temerária confiança na pessoa do mediador.

De igual modo, defende ser irrelevante o facto do sócio gerente da Carvalhais Gest ter acesso à plataforma eletrónica da ré, sendo-lhe permitido emitir, registar e anular apólices por este emitidas, pois, de há muitos anos a esta parte, todas as Companhias de Seguros, disponibilizam aos seus mediadores plataformas eletrónicas.

Vejamos.

Em causa está a problemática da atuação do mediador de seguros sem poderes de representação da seguradora no tocante à celebração do contrato de seguro e da tutela da aparência gerada pela representação aparente que será analisada à luz do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de abril (abreviadamente RJCS), e do Regime Jurídico de Mediação de Seguros constante do Decreto-Lei nº144/2006, de 31 de julho ( abreviadamente RJMS)[2], por serem os vigentes à data da celebração dos contratos de seguro objeto de discussão.

Assim, nesta matéria, dispõe o art. 28º do DL nº 72/2008 que «Sem prejuízo da aplicação das regras contidas no presente regime, ao contrato de seguro celebrado com a intervenção de um mediador de seguros é aplicável o regime de acesso e de exercício da actividade de mediação se seguros».

Por sua vez, estabelece o art. 5º, al. c) do citado DL nº144/2006 que, por

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mediação de seguros deve entender-se « qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro acto preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro », sendo que, de harmonia com o disposto no seu art. 8º, uma tal atividade tanto pode ser exercida por pessoas singulares ou coletivas em nome e por conta da empresa de seguros, como é o caso do “mediador de seguros ligado” [ al. a) ] e/ou do

“agente de seguros” [ al. b) ], como de forma independente, como é o caso do

“corrector de seguros” [ al. c) ].

Ultrapassando a questão de saber se o mediador de seguros deve, ou não, ser visto como um agente em sentido próprio do termo, podemos definir o mediador como um facilitador que aproxima as partes no negócio, mas não atua por conta de nenhuma delas, não as representa nem participa nesse negócio, embora seja contratado por uma das partes[3].

Mas se é certo que o mediador não é parte no contrato de seguro, certo é também não ser o mesmo estranho à negociação, celebração ou execução do contrato, pelo que importa apurar em que medida a seguradora fica vinculada pela atuação do mediador junto do tomador do seguro, no caso em que como acontece nos presentes autos, o contrato de mediação não lhe confere poderes para celebrar contratos em nome da seguradora, situações em que a imputação à seguradora da conduta do mediador passará pelo instituto da “ Representação aparente” , previsto no art. 30º, do RJCS, que dispõe que:

«1- O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no nº 3.

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2 - Considera-se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição.

3 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.».

Trata-se, pois, de uma disposição que, dando voz à vontade do legislador de proteger o tomador do seguro e do segurado, como parte contratual mais débil, consagra, no seu nº 3, a tutela da aparência no âmbito da mediação de seguros, através da figura da «representação aparente».

Como explica Pedro Martinez[4], a representação aparente, reporta-se aos casos em que, por um lado, « o representado não conhecia a conduta do representante, mas com o devido cuidado teria podido conhecer e impedir» e, por outro lado, «a contraparte podia de acordo com a boa fé compreender a conduta do representante no sentido de que ela não poderia ter ficado escondida do representado com a diligência devida e que este portanto tolera», pelo que « ainda que não se entenda que o acto produz efeitos na esfera jurídica do representado (segurador) este seria responsável perante o terceiro lesado (tomador do seguro) pelo acto do representante aparente (mediador)».

Dito de outro modo e nas palavras de Menezes Cordeiro[5], «a aparência de

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representação assenta num dado objectivo (alguém actua como representante) e num lado subjectivo (negligência do representado)».

Assim, segundo este mesmo autor [6], neste caso, o contrato de seguro celebrado pelo mediador de seguros, em nome da seguradora, mas sem que esta lhe tenha conferido os poderes para o efeito, vinculará a seguradora, independentemente de ratificação por parte desta, desde que verificados cumulativamente os seguintes requisitos:

i) o tomador do seguro esteja de boa-fé, ou seja, desconheça, sem culpa, a falta de poderes do mediador;

ii) o tomador confie na existência dos poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso;

iii) e o segurador tenha contribuído igualmente para fundar a confiança do tomador.

E é este também o entendimento seguido pela jurisprudência, conforme se vê dos Acórdãos do STJ, de 01.04.2014 (processo nº 4739/03.0TVLSB.L2.S1), de 26.01.2017 ( processo nº 656/11.9TVRT.P1.S1) e de 24.11.2020 ( processo nº 13495/16.1YIPRT.G3.S1)[7].

No dizer de Luís Poças [8], os referidos pressupostos « reproduzem, em grande medida os próprios pressupostos da tutela jurídica da confiança, tal como vêm sendo indicados pela doutrina, notando-se apenas a ausência do pressuposto do investimento de confiança (…)» , sublinhando, no que respeita aos elementos objetivos da representação aparente, que as “razões ponderosas”

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têm de ser importantes, graves e relevantes; devem ser “objetivamente apreciadas”, não podendo assentar em representações subjetivas do tomador, e têm de justificar a confiança do tomador, por constituírem elementos objetivos razoáveis fundadores dessa confiança.

E, no que concerne aos elementos subjetivos, que o requisito de boa fé subjetiva do tomador do seguro, traduzida na ignorância da inexistência de poderes de representação, equivale, no fundo, à existência de uma situação de confiança, sendo ainda exigível que a seguradora tenha igualmente contribuído para fundar esta confiança, que, por isso, ser-lhe-á imputável, pelo menos, em parte.

Por outro lado, pronunciando-se sobre as circunstâncias objetivas que devem servir de padrão de aferição da existência de aparência, ou seja, aquelas que relevam verdadeiramente para efeitos de justificar a confiança da pessoa do tomador na existência de poderes do mediador de seguros, refere este mesmo autor [9] que os exemplos dados por José Vasques[10] - a utilização, pelo mediador de seguros, de papel timbrado de uma empresa de seguros; entrega de documentação relativa ao contrato de seguro; a emissão, pelo mediador de seguros, de declarações de cobertura de riscos em papel timbrado de um segurador; a formulação de uma proposta de seguro; o facto de as características do local onde é exercida a atividade do mediador serem assimiláveis às de um estabelecimento do segurador; ou o recebimento pelo mediador, dos proponentes ou tomadores, de declarações negociais relativas a novos ou já existentes contratos de seguro - « parecem colocar a fronteira da aparência além da razoabilidade, considerando as práticas de mercado nacionais e a experiência quotidiana dos consumidores de seguros, habituados que estão a que o mediador de seguros é um intermediário que, no âmbito da sua actividade, apenas serve o elemento de ligação ao segurador», salientando

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que « a posse de papel timbrado do segurador, de documentação relativa aos contratos ou de formulários de propostas contratuais, bem como a recepção de declarações negociais, a entrega de apólices ou a cobrança de prémios são indicadores normais de exercício da actividade de mediação de seguros, que não evidenciam uma aparência de representação, mas denotam, sim, a inerente ligação instrumental do mediador ao segurador no quadro da própria distribuição comercial.

Já, no dizer deste mesmo autor, o mesmo não acontece com o aspeto físico das instalações do mediador, que constitui um « indicador de especial relevância, desde que não haja sinalética indicativa de que se trata de um escritório do mediador, levando, portanto, a crer que seria um estabelecimento do próprio segurador» e com a emissão, pelo mediador, de declarações de cobertura de risco em nome do segurador, em papel timbrado e com a chancela do mesmo ou com a emissão do próprio contrato de seguro, pois «para além da objectiva aparência criada, existem indícios manifestos de que o próprio segurador contribui para a criação dessa aparência, dotando o mediador de meios que a suportam».

Nesta mesma linha de entendimento, adverte Manuel Gonçalves de Jesus[11], que os « eventuais indícios suscetíveis de integrar os mencionados elementos objetivos da representação aparente, não têm um valor absoluto, não possuindo sempre o mesmo significado para efeitos de enquadramento na previsão da norma», pois é «significativamente diferente o caso em que o tomador contrata um muito simples seguro automóvel ou um seguro de saúde, com um prémio de centenas e Euros, da situação em que esse cliente subscreve um produto financeiro ou segura a frota inteira de uma empresa de transportes internacionais, com prémios no valor de vários milhares de Euros».

Referências

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