VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO
CONPEDI/BRAGA - PORTUGAL
TEORIAS DA DEMOCRACIA E DIREITOS
POLÍTICOS
ARMANDO ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA
JOSÉ FILOMENO DE MORAES FILHO
THAIS NOVAES CAVALCANTI
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T314
Teoria da democracia e direitos políticos [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UMinho
Coordenadores: Alessandra Aparecida Souza da Silveira; Armando Albuquerque de Oliveira; José Filomeno de Moraes Filho; Thais Novaes Cavalcanti–Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-502-7
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Interconstitucionalidade: Democracia e Cidadania de Direitos na Sociedade Mundial - Atualização e Perspectivas
CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Internacionais. 2. Crise. 3. Instituições da democracia. VII Encontro Internacional do CONPEDI (7. : 2017 : Braga, Portugual).
VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI/BRAGA -
PORTUGAL
TEORIAS DA DEMOCRACIA E DIREITOS POLÍTICOS
Apresentação
Este livro congrega ensaios que abordam os grandes desafios políticos e jurídicos atuais em
torno dos temas da democracia e dos direitos políticos. São colaborações apresentadas no
Grupo de Trabalho intitulado “Teorias da Democracia e Direitos Políticos”, por ocasião do
VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, realizado na cidade de Braga,
Portugal, nos dias 7 e 8 de setembro de 2017.
O GT Teorias da Democracia e Direitos Políticos teve o início das suas atividades no
Encontro Nacional do CONPEDI Aracajú, realizado no primeiro semestre de 2015. Naquela
ocasião, seus trabalhos foram coordenados pelos Professores Doutores José Filomeno de
Moraes Filho (UNIFOR) e Matheus Felipe de Castro (UFSC).
A partir de então, além do Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho, coordenaram o GT nos
eventos subsequentes, os Professores Doutores Rubens Beçak (USP), Armando Albuquerque
de Oliveira (UNIPÊ/UFPB), Adriana Campos Silva (UFMG) e Yamandú Acosta (UDELAR
– Uruguai).
No VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, o referido GT teve a honra de
contar com a coordenação das Professoras Doutoras Alessandra Aparecida Souza da Silveira
(Universidade do Minho) e Thais Novaes Cavalcanti (Universidade Católica de Salvador),
além dos Professores Doutores José Filomeno de Moraes Filho e Armando Albuquerque de
Oliveira.
O GT vem se consolidando no estudo e na discussão dos diversos problemas que envolvem a
sua temática. Não há dúvida que, mesmo após a terceira onda de democratização ocorrida no
último quarto do século XX, o mundo se deparou com uma grave crise das instituições da
democracia e, por conseguinte, dos direitos políticos e da cidadania, concebida mais
amplamente, em vários países e em diversos continentes. O atual contexto, no qual se
encontram as instituições político-jurídicas brasileiras, ilustra bem esta crise.
Desejamos a todos uma boa leitura.
Prof. Dr. Armando Albuquerque de Oliveira (UNIPÊ/UFPB)
Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho (UNIFOR)
Profa. Dra. Thais Novaes Cavalcanti
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Revista CONPEDI Law Review, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
1 Pós-Doutor em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Advogado.
1
AS INSTITUIÇÕES DE DIREITO PÚBLICO NO ESTADO-CIDADÃO: DA CRISE DE LEGITIMIDADE E DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO DE 1988
THE PUBLIC LAW INSTITUTIONS IN THE CITIZEN-STATE: FROM THE LEGITIMACY CRISIS AND THE AMENDMENT PROPOSITION TO THE 1988
CONSTITUTION
Afonso Soares De Oliveira Sobrinho 1
Resumo
O Estado resulta de uma construção histórica de séculos. Objetivamos o estudo da crise de
legitimidade institucional associado ao Leviatã e o aprofundamento democrático por meio do
Estado-Cidadão. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo e os principais meios de
pesquisa são as fontes bibliográfica e documental. Concluímos que o Estado na sua
metamorfose necessita adotar uma postura de responsabilidade orçamentária com vistas à
função social do tributo; utilizar dos meios extrajudiciais de resolução de litígios para além
do processo e dos instrumentos constitucionais, a exemplo, do plebiscito; realizar uma
reforma política, administrativo-tributária como possível saída à crise.
Palavras-chave: Responsabilidade fiscal, Reforma constitucional, Democracia, Cidadania, Direito público
Abstract/Resumen/Résumé
The State results from a long historical development process. The current research addresses
the institutional-legitimacy crisis associated with the Leviathan, and investigates democracy’
s reinforcement through the Citizen-State. The methodology is of qualitative nature and lies
on literature and documentary sources. The State’s metamorphosis requires taking a
budgetary responsibility position focused on the social function of taxation; as well as using
extrajudicial means to set disputes that go beyond processing itself and the constitutional
instruments such as the plebiscite; and setting a political, administrative and tax reform as a
viable way to solve the crisis.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Fiscal responsibility, Constitutional reform, Democracy, Citizen, Public right
INTRODUÇÃO
A indagação sobre o destino atual da Teoria do Estado se faz urgente numa época de
propalada crise do Estado, que se institui enquanto discurso dominante apesar dos termos
imprecisos, como neoliberalismo ou globalização, e da relevância que a instituição continua
possuindo para as sociedades contemporâneas. O direito público, por exemplo, enquanto ramo
do direito, compõe-se de normas jurídicas que tratam das relações entre Estado e indivíduo,
da organização do próprio Estado, por meio da divisão de competências e das relações entre
Estados. Nesse sentido, vale fazer uma distinção entre o Estado-poder, detentor do poder
político, e seu destinatário, o Estado-sociedade. O primeiro é integrado por aqueles que
definem e aplicam as regras de convivência na sociedade, isto é, as regras jurídicas, como as
que regem o uso necessário da força, por exemplo, enquanto o segundo é formado por todos
os habitantes do país. As normas jurídicas que organizam o Estado-poder e regulam sua ação,
seja em relação com outros Estados, seja em relação com a própria entidade, por meio de seus
órgãos, ou com outras pessoas, que receberam o encargo de fazer as suas vezes, ou mesmo
com terceiros, particulares, no Estado-sociedade, a fim de realizar o objetivo deste, não
possuem o mesmo valor que as normas que regem as relações dos particulares entre si, ou das
comunidades por eles formadas. Compreende-se, assim, por que se ordenam institutos
jurídicos para o Estado-poder alcançar o bem comum dos indivíduos considerados
coletivamente enquanto participantes de um todo político, elementos do Estado-sociedade, os
quais não se confundem com aqueles oferecidos aos particulares para alcançar imediatamente
o seu bem individual, de cada qual isoladamente considerado, nas suas relações recíprocas
(BANDEIRA DE MELLO, 1979; SUNFELD, 2010).
A Teoria do Estado levanta alguns questionamentos sobre o estatuto da regulação
jurídica (estatal ou privada) e sobre o papel do poder judiciário nesse novo contexto que o
Estado contemporâneo vem experimentando. A equação, portanto, que se precisa resolver,
apresenta o Estado e o sistema político de um lado, o direito e o sistema jurídico do outro.
Nesse processo, saber quais são as funções dos institutos do direito público, dos tribunais etc.,
é essencial, tendo em vista as relações que o judiciário estabelece com o sistema político e a
posição da magistratura no sistema jurídico (CAMPILONGO, 2011).
As instituições políticas estatais possuem várias especificações funcionais, estruturais
e materiais, além de critérios de classificação desdobrados. No plano espacial, o Estado pode
ser dividido em unidades federadas, províncias ou municípios, numa divisão geográfica que
menores e dependentes. A secção dos poderes gerais do próprio Estado se dá no plano das
atribuições funcionalmente constituídas, no qual a divisão tripartite dos poderes se destaca
como forma mais tradicional, ainda que uma entre inúmeras possíveis. Os órgãos do Estado
podem ser governamentais ou administrativos, compreendendo, respectivamente, as estruturas
e ações diretamente investidas de poder, de grau decisório maior, e as estruturas e as ações
contingentes, típicas da burocracia, limitadas à legalidade, com menor grau de poder
discricionário. O exercício do poder por governantes, entre os quais se incluem o magistrado,
constitui o espaço dos órgãos governamentais. É a partir da função jurídica de poder que se
identifica o governo em cada Estado, emanando em geral das constituições. Os órgãos de
governo encontram-se quase sempre divididos a partir de poderes seccionados, como o
executivo, o legislativo e o judiciário nos Estados, pelo menos nas sociedades capitalistas
contemporâneas. Os órgãos administrativos, por sua vez, desdobram-se enquanto atividades
de exercício da administração pública. Juridicamente, os últimos são hierarquicamente
subordinados aos primeiros. Dessa forma, a moderna técnica do direito procede com o direito
público, que aparece diferenciado do direito constitucional e do direito administrativo
(MASCARO, 2015).
Aqui, importa escapar do hábito comum de elaboração de modelos de observação para
explicar as relações entre judiciário e política, que não consideram a especificidade do direito
e terminam por perder de vista a normatividade jurídica em meio ao emaranhado de outras
formas de regulação social (CAMPILONGO, 2011).
A política pela própria política se torna o objetivo central das explicações da teoria
política corrente, que abandona o esforço de construções mais críticas, mergulhadas no todo
das contradições sociais, devido ao triunfo do neoliberalismo e à baixa das lutas sociais a
partir das últimas décadas do século XX. Nesse contexto, o padrão de garantia absoluta dos
capitais, somado à democracia eleitoral, passou ao estado de panaceia política salvadora da
dignidade humana, em vez da compreensão da cidadania como meio da exploração
capitalista. Assim, a troca de categorias da totalidade estruturada para a compreensão do
capital pelas categorias somente políticas foi o grande retrocesso contemporâneo da Teoria do
Estado e da ciência política, impossibilitando o entendimento e a proposição de soluções para
a crise do capitalismo atual. A compreensão do Estado deve se fundar na crítica da economia
política capitalista, lastreada necessariamente na totalidade social. É no seio das explorações,
das dominações e das crises da reprodução do capital que se deve vislumbrar a verdade da
política, não na ideologia do bem comum ou da ordem, muito menos no louvor aos dados
Considere-se, por exemplo, a expressão ubi societas ibi jus: não há sociedade sem
Direito. Essa afirmação tem se tornado um consenso mesmo entre aqueles que sustentam a
hipótese da fase pré-jurídica de algumas culturas ou civilizações — ao menos tomam o direito
enquanto função ordenadora, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social,
possibilitando a cooperação entre as pessoas e a resolução de conflitos entre seus membros.
Assim, onde homens estabelecem vida social, o direito acaba por se impor como mecanismo
de regulação dessa mesma vida em algum momento do seu desenvolvimento orgânico
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012).
Aristóteles dizia que o homem é um animal político, isto é, com tendência a viver em
sociedade. Faz parte, portanto, de sua vocação imanente o viver em grupo, associado a outros
seres da mesma espécie. A sociedade não é uma forma artificial, mas uma necessidade natural
do homem, que precisa dos demais para sua própria conservação e aperfeiçoamento. Por isso
é que a contemplação de um agrupamento social revela as necessidades, os interesses, as
pretensões e os conflitos dos homens que nele vivem (ALVIM, 2014; ARISTÓTELES, 1985).
A positivação do direito é o processo pelo qual o sistema jurídico se diferencia e se
especifica funcionalmente em relação ao ambiente. Direito moderno é direito positivo, posto e
válido por sua decisão. Aqui, não se trata somente de redução da complexidade, que até se
incrementa em todas as dimensões do sistema jurídico: expansão dos temas juridificáveis,
variação do direito no tempo e geração de predisposição antecipada à observância das
decisões (legitimação pelo procedimento). Também se expande sua contingência, isto é, a
presença contínua do diverso como possível. Sistema autorreferencial, organizado na base de
um código comunicativo binário e específico, que define o lícito e o ilícito, o direito positivo
implementa programas condicionais, do tipo se isso, então aquilo, desempenhando função
infungível (generalização congruente de expectativas normativas). Como não entende outras
razões além daquelas traduzíveis nos termos de seu código, programas e função, deve resolver
de modo circular, tautológico e paradoxal o problema de seu fundamento. Nele, o juiz atua a
partir do cumprimento das condições iniciais previstas na norma, não em razão de quaisquer
fins (CAMPILONGO, 2011).
O principal objetivo deste sucinto texto é mostrar algumas das visões sobre o que se
entende hoje como o horizonte temporal da experiência e da ação humanas, na sua forma
genérica, que levaram à transformação histórica das instituições do direito público e suas
consequências na contemporaneidade. Particularmente no caso brasileiro identificamos: a
crise de legitimidade institucional e suas raízes históricas; o orçamento público e a função
o aprofundamento democrático-participativo por meio do plebiscito, da consulta popular; a
necessidade de uma reforma política, administrativo-tributária.
Trata-se de um estudo de cunho qualitativo apoiado por um referencial teórico que
procurou fazer uma revisão da bibliográfica e documental relacionada às instituições de
Direito Público, e as formas de enfrentamento da crise de legitimidade das instituições na
Nova República.
A justificativa para este estudo parte da premissa de que o Estado e a normatividade,
enquanto transposições temporais, bem como o caráter de estrutura de expectativas do direito,
demonstram uma estreita relação com o tempo e a necessidade da legitimidade das
instituições a partir do sentido de nação e identidade de seu povo. Ora, expectativas procuram
dominar horizontes futuros; permitem, inclusive, a antecipação e a transcendência daquilo que
é meramente inesperado. Essa indiferença contra eventos futuros imprevisíveis é reforçada
pela normatividade, para que se possa, assim, mostrar-se como uma forma de desvendar o
futuro. O que acontecerá se torna, então, a preocupação central do direito.
O problema da pesquisa reside em apontar saídas à crise de legitimidade das
instituições como: a questão orçamentária associada à função social do tributo; o uso dos
meios alternativos de solução de conflitos para além do processo; a proposta de emenda à
constituição; o plebiscito, a consulta popular, entre outros instrumentos democráticos e
participativos na relação Estado-Cidadão. O tema central diz respeito as respostas que o
Estado oferece à sociedade diante da crise institucional e que estejam em sintonia com a
Constituição Federal de 1988. O ponto em que as mudanças nas necessidades sociais invadem
o direito reside numa variável essencialmente evolutiva, isto é, quanto futuro será necessário
para que a sociedade civil e o Estado possam viver o presente de maneira sensata, segura e
com a melhor segurança jurídica e previsibilidade possível? Assim, diante da crise de
legitimidade das instituições como aproximar o Estado do Cidadão? A saída seria uma nova
constituinte ou uma proposta de emenda à Constituição?
Concluímos destacando que as instituições, via de regra, são construídas quase sempre
como prerrogativa do Estado e não como exercício da cidadania, pelo distanciamento entre os
poderes constituídos, o modelo representativo-participativo e o povo. Observamos, assim,
uma crise de legitimidade dos poderes da Nova República. Propomos uma reforma
constitucional política e administrativo-tributária como norte à saída da crise institucional no
País; o aprofundamento democrático-participativo como a consulta popular, a audiência
pública como instrumentos dialógicos do Estado com o cidadão e a prática extrajudicial por
1 O PROCESSO COMO INSTITUTO DO DIREITO PÚBLICO E A BUSCA POR MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE LIDES
O Estado não tem plena liberdade e discricionariedade para agir na solução dos
litígios. Ao contrário, observa um método rígido, de caráter dinâmico, que se estabelece pela
formação de uma relação jurídica entre as partes e o órgão jurisdicional, cujo resultado será a
prestação jurisdicional, isto é, a imposição da solução jurídica para a lide, que passará a ser
obrigatória para todos os sujeitos envolvidos no processo3 – autor, réu e Estado (ALLORIO,
1963; COUTURE, 1974; THEODORO JÚNIOR, 2016).
No Estado Democrático de Direito, não apenas a lei, mas todos os atos de poder
devem se adequar aos padrões da ordem constitucional. Destarte, as ideias de
constitucionalidade e inconstitucionalidade se resolvem numa relação que se estabelece entre
a Constituição e um ato ou norma, que lhe está ou não conforme, sendo compatível ou não.
Assim, a inconstitucionalidade pode acontecer também no âmbito dos provimentos
jurisdicionais. Trata-se de uma relação de validade, pois, sem que se dê a adequação entre os
termos cotejados, não se poderá pensar em eficácia do ato. Por isso se diz que a concordância
com a vontade suprema da Constituição acarreta a relação positiva que corresponde à validade
do ato, e o contraste possibilita a relação negativa que implica invalidade (BASTOS, 2001;
TAVARES, 2001; THEODORO JÚNIOR, 2016).
A ligação entre direito e Estado é nuançada, o que choca a interpretação comum a seu
respeito, que geralmente trata de maneira simplista o problema, visto que os dois termos se
apoiam mutuamente. O juspositivismo toma o jurídico enquanto contornado pelo político,
sendo o Estado e o direito ângulos distintos de um mesmo fenômeno. O Estado soberano
institui o direito, valendo-se da norma jurídica como instrumento por excelência para tanto.
Para a ciência juspositivista, se o direito se reduz à norma jurídica, então o direito é o Estado
(ALTHUSSER, 1972, 2003; MASCARO, 2015).
Cada geração quer ser livre para vincular as gerações seguintes, mas não quer ser
vinculada pelos seus predecessores. Eis a essência dos paradoxos que têm sido utilizados para
confrontar a Constituição, entendida enquanto conjunto de regras vinculativas. Tanto o
paradoxo da democracia quanto o intergeracional conduz a posições teóricas substancialmente
distintas, materializadas no seu extremo na forma de teorias democrático-representativas
3“O processo é um método de exercício da jurisdição. A jurisdição caracteriza-se por tutelar situações jurídicas
puras e teorias constitucionais puras. A função da Constituição não é a mesma segundo uma
perspectiva ou outra, da mesma forma que não o é na leitura liberal ou na leitura moralmente
reflexiva da autovinculação por meio de regras constitucionais. Porém, há que se ter em
mente que falar em dicotomia entre constitucionalistas e democratas puros não significa que
constitucionalistas não sejam democratas ou vice-versa. Constitucionalismo pressupõe
valoração do processo democrático, da mesma forma que teoria democrática não existe sem
direitos individuais garantidos por lei. Onde há divergência é na forma de proteger esses
direitos e os bens constitucionais a eles inerentes. Enquanto os constitucionalistas tomam o
processo político como base das políticas públicas em relação aos direitos, ainda que não seja
suficiente para avalizar a justeza dessas políticas, os democratas puros acreditam na primazia
do autogoverno democrático e no processo político democrático como mecanismo para
assegurar a proteção da liberdade e dos direitos das pessoas (CANOTILHO, 2003).
Haja vista que o processo, enquanto método, não pode ser o mesmo se procura
conhecer a situação das partes ou se busca realizar concretamente o direito de uma delas,
alterando a esfera jurídica da outra. É por isso que a atuação do órgão judicial é distinta no
processo de conhecimento e no processo de execução, que possuem regulamentação e
sistemática própria a cada um. Na ordem cronológica, a prestação a que se refere a relação
jurídica tornada litigiosa vem depois da declaração de certeza, visto que, enquanto esta se
posta apenas no plano das ideias e palavras, aquela entra na seara da coação, atingindo a parte
devedora no seu patrimônio, isto é, na esfera privada. Destarte, a gravidade da atuação
executiva e de suas consequências práticas implica a preeminência da cognição sobre a
existência do direito do credor, o que, de ordinário, se faz por meio do processo de
conhecimento. Da observância dessa prioridade depende o afastamento do risco de agressão
patrimonial executiva sem controle da efetiva existência da relação que se há de fazer atuar.
Sem precedência da declaração competente de certeza jurídica, o processo de execução
redundaria em pura arbitrariedade. Execução sem conhecimento é arbitrariedade na ordem
jurídica, mas conhecimento sem possibilidade de executar a decisão tornaria ilusórios os fins
da função jurisdicional (ALLORIO, 1963; COUTURE, 1974; THEODORO JÚNIOR, 2016).
A título de ilustração considere-se, as lições de Didier Jr. et al. (2013) quando
lembram que direito à prestação é aquele poder jurídico conferido a alguém que lhe permite
exigir de um terceiro o compromisso de prestação de conduta, podendo assumir a forma e um
fazer, um não fazer ou um dar (dinheiro ou coisa distinta)4. Os direitos à prestação começam a
4 “As reformas do Código de Processo Civil, tendentes à implantação da executio per officium iudicis,
correr da lesão/inadimplemento, isto é, o não cumprimento pelo sujeito passivo do seu dever,
conforme prevê o art. 189 do CC 2002. A efetivação/satisfação de uma prestação é a
realização da prestação devida, de modo que o direito precisa ser concretizado no mundo
físico. Inadimplemento ou lesão são os termos utilizados para designar quando não se cumpre
a prestação. O titular desse direito não tem como, a despeito da pretensão, agir por si para
efetivar esse direito, já que a autotutela é, em regra, proibida. Precisa, portanto, recorrer ao
poder judiciário, tendo em vista a efetivação desse direito, que deve ocorrer com a
concretização da prestação devida. Tutela executiva quer dizer efetivação de direitos a uma
prestação, conjunto de meios para efetivar a prestação devida ou execução de fazer/não
fazer/dar, cada qual correspondendo a um dos três tipos de prestação existentes.
Inadimplemento é condição necessária para a tutela executiva, fenômeno exclusivo dos
direitos a uma prestação (CPC, art. 580). É por isso, também, que se pode falar em prescrição
da execução (CPC, art. 617 e súmula do STF, n. 150), já que se trata de fenômeno jurídico
que se relaciona aos direitos a uma prestação5. A execução forçada dirige-se ao cumprimento
de uma prestação. Essa relação entre direito material e processo é fundamental para a
compreensão do fenômeno executivo (DIDIER JR. et al., 2013).
As alternativas ao processo judicial tornaram-se rotina em muitos países. Nos Estados
Unidos, uma alternativa para o judiciário dentro da própria estrutura do sistema legal são os
métodos alternativos de resolução de conflitos, que operam sob o que tem sido descrito como
“a sombra da lei” (ALMEIDA; ALMEIDA; CRESPO, 2012; GOLDBERG et al., 2012; KRITZER, 1986).
sabedoria penetram na própria estrutura de nosso sistema processual, para, em nome de garantias fundamentais voltadas para a meta do processo justo, extirpar reminiscências de romantismo anacrônico, incompatíveis com os modernos anseios de maior presteza e efetividade na tutela jurisdicional [...] Se se melhora, porém, a situação do credor e se reduz a área de defesa do devedor, isto se deveu à constatação ampla no seio doutrinário e jurisprudencial de que o sistema primitivo apresenta-se deplorável justamente por frustrar os desígnios da instituição da execução forçada. Com efeito, se esta foi concebida...como uma atividade de satisfação do direito do credor e para sujeição do devedor a cumprir a prestação já acertada e liquidada pela sentença, como entender que fosse essencial ao direito de defesa do obrigado o ensejo à instauração de um novo e amplo contraditório em ação de conhecimento incidental de embargos? Era justamente esse expediente que propiciava ao devedor inadimplente postergar...indefinidamente, a realização do direito do exequente. Daí que o aprimoramento do processo para alinhar-se com o rumo da efetividade somente poderia ser feito à custa de redução das faculdades
excessivas que o regime pretérito assegurava ao devedor” (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 89-90).
5 A nova concepção do cumprimento de sentença teve como objetivo, em termos práticos, evitar que o credor
Todo o mundo ocidental de raízes romanísticas tem procurado modernizar o ordenamento positivo processual seguindo orientação mais menos similar, cuja preocupação dominante é a de superar a visão liberal herdada do século XIX, excessivamente individualista e pouco atenta ao resultado prático da resposta jurisdicional. A nova orientação, dominada pelos ares do Estado Social de Direito, assume compromisso, a um só tempo, com a celeridade processual e com uma justiça mais humana a ser proporcionada àqueles que clamam pela tutela jurídica. Vários são os expedientes a que recorrem os legisladores reformistas, podendo-se ressaltar, no entanto, a recorrente perseguição a duas metas: a desburocratização do processo, para reduzir sua duração temporal, e a valorização de métodos alternativos de solução de conflito, dentre os quais se destaca a conciliação (seja judicial ou extrajudicial) (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 52-53).
O conceito já se tornou um pressuposto geral na área de ADR nos Estados Unidos.
Não se trata de entendimento que vigore na maioria dos países da América Latina, onde o
abismo entre a lei escrita e sua prática se constitui num problema real. Nesses países, os
direitos como os de acesso à justiça figuram apenas enquanto aspiração, visto a fragilidade
dos mecanismos de implementação, em que pese o fato de as constituições assegurarem a
proteção dos direitos dos cidadãos. Assim, a resolução de conflitos na América Latina opera
em uma área de ‘pálida sombra da lei’. Isso pode levar a acordos não tão justos, ou seja, sem garantias de imparcialidade (ALMEIDA; ALMEIDA; CRESPO, 2012; GOLDBERG et al.,
2012; KRITZER, 1986).
A multiplicidade e a complexidade dos conflitos têm sido apontadas pela doutrina
como causa para adoção de mecanismos legítimos que visem sua eliminação. Por isso, a
entrega da prestação jurisdicional não pode estar calcada apenas no seu aspecto jurídico,
enquanto subsunção do fato à norma, mas levar também em conta aspectos psicológicos,
sociológicos e filosóficos, ratificando a ideia de que a normatização jurídica da vida em
sociedade constitui questão interdisciplinar, donde o imperativo de relacionamento do direito
com outras áreas do conhecimento (MANCUSO, 2010; TARTUCE, 2008).
Nas culturas e comunidades em que as desigualdades de poder são prevalentes, a
negociação à sombra da lei aparece como mecanismo essencial para contrabalançar a
capacidade de manipulação dos processos da parte dos poderosos, proporcionando recursos de
poder aos despossuídos. Estudos em favelas brasileiras demonstram que estruturas informais
de poder têm influência direta nos métodos alternativos, exercendo até mesmo coerção sobre
os processos naquelas áreas onde a sombra da lei é fraca. Onde a anomia e o poder bruto
prevalecem, são os pobres que mais sofrem. Na América Latina, as iniciativas de mediação
ilustram bem esse ponto. (ALMEIDA, 2013; DONOVAN, 1994; EMERSON, 1970).
A realidade é bem diferente da teoria em torno do tema. Enquanto que, num terreno de
contenda nivelado, onde as partes dispõem de recursos, capacidades e poderes equivalentes,
os métodos alternativos aparecem como elemento verdadeiro de transformação, ampliando o
acesso à justiça. Não existe nenhum juiz que possa confirmar direitos6 das pessoas destituídas
de poder num processo que se destina à negociação de interesses. Ao contrário da área civil,
em que as questões ligadas ao direito privado, como o direito comercial e o direito de
contratos, podem ser resolvidas de maneira privada pelas partes, o direito público, com
matérias ligadas ao direito de família e à legislação trabalhista, por exemplo, restringe
questões e políticas à supervisão ou resolução de um tribunal. Em alguns países da América
do Sul, a falta de supervisão civil ou dos governos sobre alguns processos de arbitragem
comercial pode ser nociva ao interesse público, como no caso das empresas que estão
causando destruição ambiental na bacia do rio Amazonas (ALMEIDA, 2013; DONOVAN,
1994; EMERSON, 1970).
Cabe ao relator homologar, ou não, a autocomposição das partes, sempre que o processo estiver no tribunal (art. 932, I, CPC). A ele também homologar a autocomposição quando ela for celebrada após a sentença, mas antes de a apelação ter sido distribuída ao tribunal: com a prolação da sentença, o juiz de primeira instância já não poderia homologar esse negócio jurídico. Se a sentença foi proferida, e não houve apelação, há trânsito em julgado; nesse caso, havendo autocomposição, cabe ao juízo de primeira instância, a quem competiria processar a futura execução da sentença (art. 516, II, CPC), homologá-la. A homologação da autocomposição, na instância recursal, implica extinção do procedimento recursal com resolução do mérito (art. 487, III, CPC). A autocomposição, no caso, abrange os objetos litigiosos dos procedimentos principal e recursal (DIDIER JR., 2016, p. 51).
6“A decisão judicial é um exemplo de enunciado normativo. De sua interpretação podem ser extraídas normas
Na esfera civil, arena de múltiplos conflitos passíveis de judicialização, como os
conflitos na área de família, já se percebeu que a sentença, per se, não é o suficiente para
trazer o espírito de paz aos litigantes, caso não se faça uso de mecanismos de outra natureza
para superação das mágoas que a união malsucedida provocou. O aspecto econômico das
relações sociojurídicas é outro ponto que tem sido utilizado para justificar a premente
necessidade de se alargarem os mecanismos de eliminação das controvérsias (MANCUSO,
2010; TARTUCE, 2008).
Os cidadãos, que incorporam o papel de partes, devem assumir o protagonismo na efetivação de direitos. Para isso, devem envidar esforços para participar ativamente da construção do procedimento de resolução de conflitos e, por via de consequência, empoderar-se como indivíduos pertencentes a uma sociedade civilizada, capaz de resolver seus próprios
desentendimentos. Acima de tudo, cabe a todos – atores diretos ou indiretos
do processo, servidores ou “clientes” do judiciário – compreender que a busca do processo não deve ser apenas por justiça, numa concepção de ganha/perde, mas sim pela pacificação. Afinal, apenas com a mudança de postura perante os conflitos é que se pode cogitar a construção de uma cultura baseada no diálogo (ZANETI JR.; CABRAL, 2017, p. 88).
O aprimoramento da sombra da lei na América Latina depende essencialmente da
participação. Os códigos atuais existentes nesses países, importados em grande parte da
Europa, carecem da participação das partes envolvidas interessadas no seu cumprimento. Para
que isso mude, é essencial a criação de uma legislação interna sustentável, isto é, leis que não
são importadas, mas criadas internamente. Afinal, a participação no processo legislativo
garante mais sustentabilidade e estabilidade. Elas seriam possíveis por meio de um processo
de construção de consenso para suplementar os processos representativos democráticos
tradicionais. As leis poderiam ser cumpridas mais facilmente mediante um aumento do nível
de participação em uma fase preliminar de consulta, tornando-as sustentáveis em longo prazo.
Um acordo quase unânime abre espaço para uma implementação satisfatória, podendo ser
estabelecido por um método para construção de consenso. Trata-se da busca das melhores
soluções que respondam às preocupações de cada parte envolvida, o que vai além da simples
aprovação e rejeição. Essa fase inicial de um processo legislativo pode servir para reforçar a
própria legislação, inserindo os interesses, a criatividade e as preocupações dos cidadãos nos
processos, além de prevenir qualquer descontentamento resultante de uma legislação
impopular. Um mecanismo participativo como os Tribunais Multiportas pode melhorar os
cumprimentos dos acordos e transformar as atitudes e normas culturais em relação às leis da
América Latina, além de garantir a sustentabilidade. Ao dar aos cidadãos a capacidade de se
significativa, possibilita-se também a aquisição das competências necessárias para
participação tanto na resolução de conflitos na área privada quanto na área pública. O contato
mais próximo e mais significativo com o processo judicial possibilita a adoção de uma atitude
de apoio em relação à lei, em vez da corrente postura depreciativa (ALMEIDA; ALMEIDA;
CRESPO, 2012; ESQUIROL, 2008; LEON, 2005).
Os ajustes que vinculam os administrados têm levado ao entendimento de que a
arbitragem é plenamente possível na relação entre o Estado e o particular, respeitados os
preceitos da ordem pública, permitindo a distinção do disponível e do indisponível, única
maneira de se permitirem a aplicação e o progresso de novos meios para a eliminação de
conflitos. Ao mesmo tempo, as crises não se dirimem de maneira ordinária, como em regra
sempre ocorria, dada a morosidade do judiciário, a complexidade e a especialização das
controvérsias para as quais se exige nível de conhecimento mais apurado. A doutrina chega a
propor que as chances de solução por uma via (adjudicação) ou outra (meios alternativos)
operem de maneira célere e eficiente, para que não se permita que uma ou outra seja a
escolhida por ser mais rápida. Para que não se veja exclusivamente no Estado-juiz a única
possibilidade, busca-se a inversão da lógica de eliminação nas crises, levando em
consideração outros atores e que se incluam efetivas possibilidades de superação pelos
próprios conflitantes na máquina judiciária7, mas também na fase extrajudicial (MANCUSO,
2010; TARTUCE, 2008).
Assim, a consolidação da cultura da conciliação, da mediação e de outras formas de
RADs8, exigirão por parte dos atores uma renovada busca pela eficiência, sem que com isto se
perca o sentido da segurança jurídica em nome da celeridade.
7 “Em seu artigo 3º., o Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) determina que os métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados pelos atores do processo. Em adição, ainda na vacatio legis do novo CPC, promulgou-se a chamada “Lei de Mediação” (Lei 13.140/2015), com o objetivo de disciplinar a autocomposição de conflitos. Neste contexto, os métodos adequados de resolução de conflitos têm sido abordados pelo meio jurídico sob duas principais óticas: de um lado, uma visão mais otimista, julgando que as alterações legislativas podem inaugurar um novo paradigma quanto à concepção de acesso à justiça e quanto ao tratamento dos conflitos entre os cidadãos; de outro, uma perspectiva mais apreensiva, desacreditando na mudança, seja pela falta de crédito dos mecanismos em si, seja pelas carências estruturais do Estado brasileiro” (ZANETI JR.; CABRAL, 2017, p. 68-69).
8“Originalmente...RADs representava a sigla para ‘Resolução Alternativa de Disputas’, servindo como
2 DA POLÍTICA FINANCEIRA À RESPONSABILIDADE ORÇAMENTÁRIA: A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO
A chamada tragédia do Estado, entendida como a transmutação do sucesso da
estatalidade em insucesso do paradigma político-estatal, é a principal fonte dos problemas da
teoria da constituição. Assim, o Estado se torna vítima de seu sucesso. A estatalidade pura que
animava as teorias clássicas da constituição, como as de Schimitt ou Forsthoff, não levava em
conta a ideia controversa, mas nunca posta em dúvida, de que a categoria Estado constituía
apenas uma ideia diretriz radicada no seio da sociedade, como tantas outras (CANOTILHO,
2003).
A Economia da Política explica a tendência de muitos Estados pela manutenção dos
défices orçamentais em alta e pela condução de políticas orçamentais pró-cíclicas com base
no conjunto de incentivos que conforma o comportamento dos agentes políticos.
Compreender o tipo de incentivos em jogo na adoção de exigências de políticas econômicas
de curto prazo, em vez da priorização das exigências de médio/longo prazo de equilíbrio de
finanças públicas, possibilita o estabelecimento de vias possíveis de alteração dos esquemas
de incentivos vigentes, acrescentando esquemas de incentivos corretivos (GONÇALVES et
al., 2013). Com exceção de H. Geller, o Estado tornou-se, ele, a própria ideia diretiva na
teoria da constituição, transformando-se em categoria ontológica, ignorando sobranceiramente
a secularização e civilização da política e a contingência da ordem social, subsistindo quase
como categoria religiosa (CANOTILHO, 2003).
Hoje, parece normal que se procure um Estado cuja atuação se norteie por dois
princípios máximos, isto é, a supremacia do interesse público em detrimento do particular e a
dignidade da pessoa humana. O primeiro permite a intervenção estatal na esfera privada, nos
casos legalmente previstos, sendo inerente a qualquer sociedade e condição para sua própria
existência. A intervenção estatal, por exemplo, pode restringir, garantir ou ampliar direitos.
No primeiro caso, temos os institutos da desapropriação e da requisição, expressamente
elencados no art. 5º., incisos XXIV e XXV, de nossa Lei Maior. No segundo, temos aqueles
casos em que o Estado interventor age para possibilitar a efetivação de direitos fundamentais,
tais como a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, que prevê uma série de normas
interventivas na iniciativa privada para possibilitar uma paridade de armas entre a parte
hipossuficiente e os fornecedores do produto ou serviço. No terceiro, temos os casos em que o
Estado cria novos direitos para suprir determinada insatisfação social ou desordem
econômica. Obviamente, restringir, ampliar e garantir não são ideias restritas, pois muitas
Aqui, a compreensão tem fins didáticos e puramente acadêmicos (MELO, 2010; ALMEIDA,
2013).
O direito de crise, a título de ilustração, que é um direito de necessidade ou
emergencial, não é uma ficção jurídica. Foi instituído no passado, em países como Estados
Unidos, Inglaterra e França, diante da necessidade de criar um direito que seria imposto em
tempos de exceção, às vezes sujeito ao controle de constitucionalidade, às vezes nem isso,
mas comumente aplaudido pela generalidade da população. Na maior parte dos casos, os
mecanismos ou instrumentos emergenciais utilizados para lidar com crimes graves se dirigiam
para crises políticas, sociais ou provocadas por causas naturais. Em tempos mais recentes, o
terrorismo passou a ser elencado no rol de situações previstas para aplicação do direito de
crise, geralmente pouco amigo dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito.
Basta pensar em soluções legislativas que permitem e facilitam escutas telefônicas
indiscriminadas, o acesso a contas bancárias e outros dados pessoais, a detenção por tempo
indeterminado de suspeitos de terrorismo, o acesso a computadores ou o recurso à tortura para
obtenção de confissões mais rápidas. A doutrina sobre o tema também tem considerado a
possibilidade de acionamento do direito de crise em face de graves crises econômicas, visto
que podem causar danos à ordem constitucional da mesma magnitude dos causados pelas
crises políticas ou de origem natural (GONÇALVES et al., 2013).
[...] cabe ao Poder Judiciário velar pela supremacia da Constituição, há de se empenhar em evitar e reparar qualquer ofensa às regras e princípios por ela ditados, sempre que se deparar com tal tipo de agressão jurídica. Se o legislador ainda não cuidou de instituir um remédio processual específico para tanto, os órgãos jurisdicionais terão de cumprir sua imissão de guardiões da Constituição com os meios e instrumentos de que dispõem, adaptando-os às necessidades do caso concreto, mas nunca se negando a reprimir o mais grave atentado contra o Estado Democrático de Direito, que é o desprezo pela prevalência do primado da ordem constitucional (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 181).
Ora, o núcleo material da forma política capitalista é o Estado. A administração é o
corpo burocrático do Estado e o governo é o núcleo poderoso e dirigente. Governo e
administração, portanto, são os organismos da política estatal. Aqui, todas as instituições
políticas tendem a ser consideradas enquanto fenômenos derivados do Estado, como que
surgidas do autodesdobramento ou de uma vontade criadora estatal. Trata-se de uma
derivação, apesar de possível num plano imediato, decorrente de uma dinâmica complexa,
variável e contraditória das próprias instituições e do Estado com reprodução econômica
capitalista e suas formas sociais fundantes. Derivada das formas econômicas do capitalismo, a
interna. No capitalismo, as instituições políticas operam sua dinâmica sob a coerção da forma
política e das formas sociais do capital (MASCARO, 2015).
Os manuais e tratados de direito tributário se esforçam em abordar as garantias dos contribuintes, não sem razão, eis que as mesmas, vez por outra, cedem lugar a equívocos e abusos indevidos por parte do poder público. Todavia, poucas linhas são escritas em prol das garantias para o terceiro elemento da relação tributária: a sociedade, ou a parcela da mesma que vive carente de recursos e à margem dos principais processos econômicos e políticos, (sobre) vivendo, em um número cada vez maior, abaixo da linha de pobreza. São, em última análise, ou deveriam ser por força constitucional, os destinatários de grande parte dos tributos e como tais têm absoluto interesse em participar ativamente daquela relação. Tal inanição não é por desatenção, certamente. Ela é promovida, em boa parte, por viúvos e viúvas do liberalismo econômico que criticam a participação ativa do Estado na economia, que chamam de democracia esse regime aristocrático e mantenedor do status quo [...]. (BASTOS, 2006, p. 149).
Dessa forma, é na supremacia do interesse público que a fiscalidade9, a
extrafiscalidade10 e, também, a parafiscalidade tributária ganham fundamento, permitindo que
o poder público atue na ordem econômica, sobretudo ampliando e/ou restringindo direitos em
favor do interesse coletivo, como se expressa na ideia de equilíbrio da ordem econômica
(MELO, 2010; ALMEIDA, 2013).
No estudo da extrafiscalidade, vários outros aspectos merecem atenção. A finalidade jurídica é essencialmente axiológica. A edição de uma norma decorre de uma intenção, busca atingir uma finalidade e, portanto, garantir um valor. Por outro lado, a intencionalidade jurídica é aquela interna ao
9“Os signos fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade são termos usualmente empregados no discurso da
Ciência do Direito, para representar valores finalísticos que o legislador imprime na lei tributária, manipulando as categorias jurídicas postas à sua disposição. Raríssimas são as preferências que a eles faz o direito positivo, tratando-se de construções puramente doutrinárias. O modo como se dá a utilização do instrumental jurídico-tributário é o fator que identifica o gravame em uma das três classes. Fala-se, assim, em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva [...] podemos definir parafiscalidade como o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares. Dois aspectos, por conseguinte, hão de ser atendidos para que venhamos a isolar o chamado tributo parafiscal: 1) sujeito ativo indicado expressamente na lei instituidora da exação, diferente da pessoa política que exerceu a competência; e 2) atribuição, também expressa, do produto arrecadado, à pessoa apontada para figurar como sujeito ativo. Poderão ser sujeitos ativos de tributos parafiscais as pessoas jurídicas de direito público, com ou sem personalidade política, e as entidades paraestatais, que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desenvolvem atividades de interesse público. Inúmeros são os casos de tributação parafiscal no direito positivo brasileiro. O pedágio cobrado pelo DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S.A – entidade paraestatal); as quantias exigidas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil – autarquia federal) e muitos outros” (CARVALHO, 2012, p. 228-232).
10“A função extrafiscal importa realizar os fins constitucionais do Estado, mediante a canalização de recursos
signo jurídico; está impregnada na relação entre significante e significado deste signo. Ademais, a norma tributária de cunho extrafiscal desempenha uma função interna ao ordenamento jurídico (MENDES, 2009, p. 66).
O bem comum, finalidade de realização do Estado, segundo a visão de diversos
autores, é noção difícil e complexa. Grosso modo, pode ser definido enquanto ideal que
promova o bem-estar e conduz a um modelo social capaz de garantir o pleno desenvolvimento
das potencialidades humanas, estimulando a compreensão e a prática de valores espirituais. O
Estado desenvolve inúmeras atividades para atingir esse fim, cada uma delas objetivando a
tutela de alguma necessidade pública, entre as quais aquelas de natureza essencial, como as
concernentes à segurança pública ou prestação jurisdicional, cabendo ao Estado sua realização
de forma direta e indireta. São de interesse primário do Estado, indelegáveis em função da
indisponibilidade do interesse público, diferentes daquelas que representam interesses
secundários, podendo ser desenvolvidas diretamente pelo poder público ou concessionadas
para outras instituições, normalmente empresas estatais. Antigamente, o Estado se valia de
requisição de bens e serviços de seus súditos, de colaboração gratuita e honorífica destes no
desempenho de funções públicas e do apossamento de bens de inimigos derrotados na guerra,
quando se tratava da realização dessas atividades. Tais processos foram substituídos pelo
regime de despesa pública no Estado moderno, que consiste no pagamento em dinheiro dos
bens e serviços necessários à realização do bem comum. Por isso a atividade financeira do
Estado, na procura de meios para satisfazer às necessidades públicas, isto é, obter, criar, gerir
e despender dinheiro indispensável às necessidades assumidas pelo Estado, busca o dinheiro e
sua aplicação para consecução das necessidades públicas primárias, que são aquelas de
interesse geral satisfeitas exclusivamente pelo processo do serviço público. Assim, a atividade
financeira do Estado pode ser conceituada como atuação estatal voltada para obter, gerir e
aplicar os recursos financeiros necessários à consecução das finalidades do Estado que, em
última análise, se resumem na realização do bem comum (BALEEIRO, 2004; DEOADATO,
1968; HARADA, 2016).
No Brasil, é dever da União estabelecer normas gerais sobre a administração
financeira e orçamentária conforme previsto no texto constitucional (art. 24, I e II, da CF/88).
No entanto, isso não exclui a competência suplementar dos Estados, municípios e do Distrito
Federal. De acordo com o art. 30, II, da Lex Legum, a título de ilustração, o município poderá
legislar suplementarmente no que não conflitar com a legislação federal ou estadual. Assim, o
ente municipal pode fixar normas especiais de controle interno e de administração financeira e
futuro, nem sempre seus autores conseguem êxito em suas previsões, o que gera situações de
déficit. É por isso que o princípio do déficit fiscal deve estabelecer o equilíbrio entre as
aspirações sociais e os gastos efetivamente desembolsados no sentido de satisfazê-las.
(BRASIL, 2004)
A interação estratégica permite que seja alcançado um nível de bem-estar social se as
políticas monetária e fiscal são descentralizadas, porque uma “mão invisível” harmoniza as
decisões do Banco Central e do Tesouro Nacional. Enquanto a taxa de inflação e o nível do
produto devem ser estabilizados pelo Banco Central, o Tesouro Nacional deve estabilizar a
trajetória da dívida pública e o nível do produto. Trata-se de resultados relativos a momentos
de normalidade no ciclo econômico, por suposto, que são alterados na presença de grandes
choques de demanda. Inflação e produto estável são condições necessárias para o bem-estar
social, mas não suficientes, já que se deve evitar a criação de grandes desequilíbrios
financeiros. A crise global trouxe mudança no entendimento comum, que tomava como certo
que considerações sobre estabilidade financeira não deveriam desempenhar um papel nas
decisões sobre política monetária, já que esta não teria influência sobre aquela. Entretanto, os
bancos centrais tiveram de admitir que não era bem assim, tendo em vista a exigência de uma
sorte considerável para que os objetivos tradicionais de política monetária, como estabilização
do nível de atividade e da taxa de inflação, coincidissem com os da estabilidade financeira.
Assim, é tarefa dos reguladores macroprudenciais como os bancos centrais o monitoramento e
a avaliação quanto ao risco para a estabilidade financeira em torno das posições financeiras
assumidas por instituições alavancadas. Mais especificamente, devem analisar se a cauda
inferior da distribuição dos resultados futuros do conjunto de instituições financeiras é muito
grande, de forma a gerar um risco sistêmico. Daí a independência da estabilidade financeira
em relação à política monetária (LICHA, 2012).
Reduzida da sua função política no momento de chegada, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias, importada das constituições francesa e alemã, aqui aparece como arquitetada
pelo executivo central, e não pelo legislativo, que apenas vota no Brasil. Torna-se instrumento
estratégico fundamental para impedir que o país chegue à bancarrota, dada a malversação do
dinheiro público a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal (MORGENSTERN, 2014).
A Lei de Responsabilidade Fiscal estatuiu normas severas para sua aplicação, com a
finalidade de coibir gastos desmesurados nos três poderes e nas três esferas jurídicas. A
doutrina viu em alguns de seus princípios afronta aos princípios federativos, como é o caso do
art. 20, que chegou a ser questionado perante o poder judiciário por afrontar o princípio da
Hoje, fala-se de um modelo de Estado subsidiário que emerge da busca de reequilíbrio
entre o campo da liberdade individual e da interferência estatal na vida privada, tendo por
característica a convivência entre o conjunto de atribuições de que está incumbido e o espaço
da liberdade e da responsabilidade da sociedade, que deve atuar de forma autônoma em
alguns campos da vida. Tem-se, assim, uma interdependência crescente entre o Estado e a
sociedade, num modelo no qual cada comunidade deve cumprir parte das tarefas (ELALI;
MACHADO SEGUNDO; TRENNEPOHL, 2011).
Assim como o Estado do Bem-Estar Social foi o Estado da Sociedade Industrial,
entrando em crise pela voracidade na extração de recursos financeiros da sociedade para
financiar políticas desenvolvimentistas e de pleno emprego, o Estado subsidiário é o Estado
da Sociedade de Risco. Em vez de um Estado pós-moderno, conduzido por mecanismos de
desregulamentação e autorregulação, o que se tem é um Estado pós-positivista, ainda
moderno, pautado em suas ações no princípio da transparência para superar os riscos sociais
(TORRES, 2006). Do regime jurídico do direito público que incide sobre os serviços públicos
decorrem certas prerrogativas especiais em favor do Estado prestador ou daqueles que
prestem atividade no seu nome, podendo ou não vir associadas a deveres especiais, naqueles
casos em que princípios como universalização, modicidade tarifária, continuidade e outros
integram o regime jurídico de direito público que hoje deve levar em conta a responsabilidade
fiscal e a função social do tributo11. Por fim, tais prerrogativas, de grande abrangência,
compreendem diversos benefícios e privilégios conferidos ao Estado prestador dos serviços
públicos ou a quem atue no seu lugar por delegação, como benefícios fiscais (artigo 31 da
Constituição Federal de 1946) e privilégios em processos de execução patrimonial. A
exclusividade de prestação concedida à atividade se constitui como uma das prerrogativas
mais relevantes entre as que incidem sobre os serviços públicos no chamado regime jurídico
de direito público, que transforma a atividade em uma ação prestada em regime de
exclusividade estatal. Ipso iure, a prestação de um serviço público implica reserva de mercado
11“Para fins de compreensão da expressão função social do tributo, deve-se, primeiramente, considerar que do
exclusiva nas mãos do Estado, subtraindo a atividade do âmbito da livre iniciativa econômica,
fazendo com que apenas o Estado ou quem dele receba delegação possa explorar a atividade.
3 DA CRISE DE LEGITIMIDADE DAS INSTITUIÇÕES: A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUÇÃO.
Verificamos, na contemporaneidade, a pouca credibilidade da população no Estado.
Esse fato se deve não só à desconfiança na representação política, mas reside na crise de
legitimidades das instituições. No caso brasileiro, esse fenômeno tem suas raízes no pacto
colonial com a burocracia institucional, o patrimonialismo, o personalismo como herança
lusitana que prevalece até nossos dias por meio da lei da vantagem advinda dos desmandos
com a coisa pública. Essa cordialidade13 calcada na simbiose público-privada das relações
sociais invade a esfera política e jurídica por meio de correlação de forças desigual no campo
deliberativo não só da justiça, mas da própria democracia brasileira. No atual estágio do
Estado brasileiro, embora haja independência e harmonia entre poderes, cada qual funciona
representando interesses corporativos que, em grande medida, destoam do fim ao qual foram
escolhidos pelo povo: garantir o interesse público. É preciso compreender, nesse sentido, que
os poderes do Estado trabalham em sintonia para manter o statusquo, seja pela política como
campo da representação, seja pela esfera jurídica e administração do aparelho da justiça: o
Leviatã está em decadência. Urge a necessidade do mutatis mutandis pela participação do
cidadão na Pólis.
A lógica do campo jurídico que orienta as práticas e discursos é determinada em dois
sentidos: a) pelas relações de força específica que estruturam e orientam os conflitos de
competência das diversas instituições do sistema de justiça; b) pela delimitação do espaço do
possível, ou seja, do universo das soluções propriamente jurídicas, a partir da lógica interna
das obras jurídicas. E esse determinismo compromete a harmonia entre os agentes e o
resultado de boa parte dos esforços no sentido de tornar o sistema judiciário e o direito mais
democráticos14, participativos, inclusivos, universais, recíprocos e horizontais15. Esses
13 Acerca do tema, ler Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, que trata do homem cordial revelado nos
laços de parentesco e na mistura entre o público e o privado nos negócios do Estado (HOLANDA, 2008).
14 Cf. Gustavo Zagrebelsky (2012) destaca a necessidade de “institucionalizar a democracia”: “[...] um povo que
seja o sujeito da política, não objeto ou instrumento. Os realistas que se julgam mais inteligentes que os demais – os mesmos que lisonjeiam o povo e dão lições de democracia aos que se permitem criticá-los – dirão que isso é ilusão, como nos falam todas as concepções elitistas da política, as quais sublinham o papel ativo das minorias e o papel inevitavelmente passivo da maioria. Mas aqui se pode ver a atuação do pensamento da possibilidade
[...]” (ZAGREBELSKY, 2012, p. 143).
15 Ou como bem defende Forst (2010), ao afirmar que a pretensão de justificação de universalidade e
mecanismos são assemelhados aos requisitos que Habermas16 descreve como a necessidade de
harmonia entre a autonomia política e a autonomia privada. A autonomia política surge da
auto-organização de uma comunidade ou povo, que exerce sua vontade soberana atribuindo a
si mesmo suas leis. A autonomia privada, por sua vez, diz respeito aos direitos fundamentais,
que ocupam o lugar de garantia do domínio anônimo das leis. Sem autonomia privada das
pessoas de direito, não há qualquer direito. O que equivale a dizer que os direitos
fundamentais ocupam o lugar de medium para a institucionalização jurídica das condições que
permitem o exercício da autonomia pública dos cidadãos de um Estado. Destacamos nessa
direção as audiências públicas por meio do Decreto 8.243 de 201417.
Há, no entanto uma crise institucional pelo desequilíbrio de forças entre os poderes e
seu distanciamento do cidadão. Juristas como Bierrenbach, Carvalhosa e Dias (2017),
apontam como raiz da crise a burocracia do Estado18, impossibilitando-o de dar respostas aos
reclames sociais, pois traria em seu bojo a face do casuísmo e do corporativismo. O caminho
seria uma nova constituinte como curso natural da história. E propõem uma reforma
estrutural, política e administrativa como indispensável à restauração da ordem institucional,
com eliminação do foro privilegiado; eliminação da desproporção de deputados eleitos por
Estado; voto distrital puro e eleição dos parlamentares por distrito; referendo em caso de o
Congresso Nacional legislar em causa própria; estabelecimento de consulta (referendo ou
plebiscito) para qualquer matéria constitucional relevante; vedação de parlamentar exercer
cargos na administração pública durante o cumprimento do mandato; entre outras alterações
substanciais19 (BIERRENBACH; CARVALHOSA; DIAS, 2017).
possibilidade da liberdade ética positiva. O espaço universal da autonomia ética particular é a autonomia jurídica [...]. Qualquer argumento que generaliza valores éticos objetiva atingir a universalidade. Por isso, a universalidade e a reciprocidade justificam e legitimam normas que não violam as pretensões básicas de autonomia das pessoas e lhes concedem o status jurídico concretizado, protegido pela positivação das normas (FORST, 2010).
16 HABERMAS, 2004.
17“Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Participação Social - PNPS, com o objetivo de fortalecer e
articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil” (BRASIL, 2014).
18 “Os constantes escândalos comprovam a inviabilidade do vigente sistema político-constitucional. Ele
representa um modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico [...]. Por ser um compromisso de interesses entre as forças que disputavam o poder após a ditadura, a Carta de 88 foi recheada de casuísmos e de corporativismos. Estabeleceu um absurdo regime político que se nutre de um sistema pseudopartidário, excessivamente fragmentado e capturado por interesses de corporações e de facções político-criminosas”. (BIERRENBACH; CARVALHOSA; DIAS, 2017).
19 Fim dos cargos de confiança na administração pública, assim, os cargos seriam ocupados por servidores