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Desenvolvimento e dinâmica do direito internacional no contexto evolutivo das relações internacionais e a problemática da sua aplicação no ordenamento jurídico interno brasileiro

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Academic year: 2017

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DESENVOLVIMENTO E DINÂMICA DO DIREITO INTERNACIONAL

NO CONTEXTO EVOLUTIVO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E

A PROBLEMÁTICA DA SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO

JURÍDICO INTERNO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Internacional Econômico da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Antônio de Moura Borges

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria de Ana Cláudia Andrade Moreira Bittar, intitulado

Desenvolvimento do Direito Internacional no contexto evolutivo das relações internacionais e a problemática da sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro,

requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Internacional Econômico, defendida e aprovada em 29 de agosto de 2008 pela banca examinadora constituída por:

Prof. Dr. Antônio de Moura Borges Orientador

Prof.ª Dr.ª Leila Maria Da’Juda Bijos Membro Interno

Prof. Dr. José Rossini C. do C. Corrêa Membro Externo

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À memória de meu pai, Gilberto Prata Moreira, pelo exemplo deixado de afeto e honradez. A minha mãe, Celisa, pela confiança e zelo em minha formação.

Aos meus irmãos, Mônica e Gilberto Jr., pela aposta no meu potencial, sempre.

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Gostaria de expressar o meu profundo agradecimento ao meu orientador, Prof. Dr. Antonio de Moura Borges, pelo apoio imprescindível à realização desta dissertação. Aos meus professores de Mestrado, especialmente ao Prof. Dr. Jorge Fontoura que com dedicação e competência orientou dinâmicos seminários.

À Taciana, pela importante colaboração no uso de seu conhecimento da língua inglesa e, especialmente, pela nossa preciosa amizade. À Prof.ª Heloísa pelo cuidado na revisão do uso correto da gramática portuguesa.

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O desejo de conhecimento, para trazer certa satisfação, não necessita do conhecimento absoluto, ainda que seja esse seu fim último. O mero fato de progredir no conhecimento contenta quem é animado por tal desejo.

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RESUMO

Este trabalho consiste em analisar a evolução da sociedade internacional e o desenvolvimento do Direito Internacional a partir do processo histórico dos sistemas de Estados antigos até os fenômenos contemporâneos que afetam as soberanias e os ordenamentos jurídicos dos Estados, tais como: organismos internacionais, supranacionalidade e intergovernabilidade. Dessa análise, revelaremos os matizes que envolvem a aplicação do direito e sua adaptação aos conceitos estabelecidos pela sociedade internacional que se apresenta em constante processo de mutabilidade. Serão examinadas as correntes filosóficas assentadas no debate acadêmico promovido pela pluralidade de parâmetros teóricos-estruturais que causam implicações ao Direito Internacional. Inserem-se nesse contexto, as posições teóricas monista e dualista, através das quais procuraremos responder ao conflito de normas que se estabelece a partir da discordância entre os conceitos jurídicos interno e internacional. Por conseguinte, estudar-se-á, como o ordenamento jurídico brasileiro tem se relacionado com o Direito Internacional, tendo em vista que demonstra diferentes concepções interpretativas da lei e de suas diretrizes. Diante disso, interessa avaliar a situação da ordem jurídica brasileira e as limitações que efetivamente se impõem à observância dos Tratados Internacionais no sistema jurídico interno. Em última análise, ilustraremos a problemática que envolve a relação sistemática das regras constitucionais e infraconstitucionais que compõem o ordenamento jurídico interno brasileiro com as normas emanadas dos órgãos do Mercado Comum do Sul, que comprometem o desenvolvimento e a consolidação do bloco econômico. Procuraremos tratar com rigor científico este tema de fundamental importância, utilizando-nos de abordagem interdisciplinar, resultado da combinação de elementos de relevância política e social que abrangem os aspectos jurídicos envolvidos no âmbito do Direito Internacional.

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ABSTRACT

This paper aims at a analysing the evolution of international society and the development of International Law from the historical process of the Old States systems to the contemporary phenomena that affect the sovereignty and affairs of States, such as: international organizations, supranacionalism and intergovernamentalism. From this analysis we will discuss the aspects that involve the application of the law and its adaptation to the concepts established by international societies which are constantly changing. We will also examine the philosophical schools that are promoted by theoretical parameters that cause implications to International Law. In this context there are monist and dualist theories from which we will try to respond to the conflict of laws that are established from the disagreement between the juridical concepts. As a consequence, we will study how the brazilian legal system has related to International Law, as it has differents views of interpreting the Law and its guidelines. Because of this, we must evaluate the situation of the brazilian legal order and the boundaries that are established by International Treaties in the domestic law. Lastly, we will illustrate the problem that involves the brazilian legal system and the laws of the Southern Common Market that prevent the development and consolidation of the trade bloc. We Will try do deal with this important theme by combining elements of political and social revelances that embrace the legal effects involved in the International Law.

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RÉSUMÉ

Cette recherche s’occupe d’ observer l’évolution de la société internationale et le développement du Droit des Gens a partir du procès historique d’anciens systèmes internationaux jusqu’aux phénomènes contemporains qui s’engagent dans les souverains et dans les ordonnements juridiques établis par l’État, tels: les organismes internationaux, supranationalité et intergouvernabilité. On doit observer les philosophies qui sont proches des hautes études et qui présentent une pluralité d’enseignements à la vue du Droit des Gens. On va essayer aussi, de répondre aux conflits établis entre la loi interne et la loi internationale par les théories moniste et dualiste. De cette anlyse, on peut observer des nuances qui s’ engagent dans le droit et de son application aux concepts établis par la société internationale, toujours en train de se modifier. Il faut considérer aussi, la façon que l’ordonnement juridique brésilien s’engage au Droit des Gens, tandis que celui-là montre une pluralité d’interprétations de la loi et de ses directrices. Enfin, on va exposer la problématique qui est née de la différence entre les règles issues de l’ordennoment juridique brésilien et celles originaires du Mercosud, tandis que cela dérange la solidification du bloc. Cette discussion procède d’une étude interdisciplinaire, résultat de la réunion de principes historiques issues de l’importance politique et sociale où s’encadrent les aspects juridiques engagés au Droit des Gens.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

CAPÍTULO I DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL NO CONTEXTO EVOLUTIVO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 1.1.Considerações Iniciais ...14

1.2. A sociedade internacional e o Direito internacional...15

1.2.1. Pressupostos históricos da sociedade internacional... 17

1.2.2. Distinção entre comunidade e sociedade. ... 22

1.2.3. Sociedade Internacional de Estados ... 23

1.3. A concepção clássica de soberania formulada a partir do Estado moderno...24

1.4. Período entreguerras: A preocupação com a paz e a doutrina idealista...29

1.5. Elementos de poder: O enfoque realista e a crítica ao Direito Internacional...32

1.6. A nova configuração internacional: A criação da ONU como marco referencial do Direito Internacional contemporâneo...39

1.7. A derrocada do Estado assistencialista e a volta das idéias liberais... 42

CAPÍTULO II – A DINÂMICA DO DIREITO INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO 2.1. Considerações Iniciais ...43

2.2. O neoliberalismo...46

2.3. O Direito Internacional e os desdobramentos da disciplina frente a abertura de mercado ...48

2.4. A Globalização ...54

2.5.Regionalização X Globalização:Forças antagônicas ou complementares?...58

2.6. A integração regional e a formação dos Blocos ...60

2.6.1. O Mercosul... 62

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2.7. A reformulação do conceito de soberania em prol do processo integracionista...70

CAPÍTULO III – A INTERAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL COM O DIREITO INTERNO E A PROBLEMÁTICA DE SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO BRASILEIRO 3.1. Considerações Iniciais ...73

3.2. Direito Internacional X Direito interno: As teorias clássicas ...74

I. Teoria Dualista II. Teoria Monista 3.3.1. Noções Gerais sobre Direito Internacional ... 79

3.3.2. As fontes e os modos de manifestação do Direito Internacional ... 82

3.3.3. O costume internacional ... 85

3.3.4. Os tratados internacionais... 87

3.3.5. Os princípios gerais do Direito Internacional ... 92

3.4. Relações entre o Direito Internacional e o ordenamento jurídico interno dos Estados...93

3.5. Conflito entre Tratados Internacionais e direito interno no Brasil ...96

3.5.1. A supremacia da Constituição Brasileira de 1988 ... 98

3.5.2. Equiparação hierárquica do tratado internacional à lei interna brasileira... 101

3.5.3. A estatura constitucional das normas de Direitos Humanos no âmbito do Direito brasileiro. ... 105

3.5.4. Posicionamento dos tratados internacionais sobre matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro: a particularidade do art. 98 do Código Tributário Nacional. ... 107

3.6. Procedimento de recepção das normas internacionais na ordem interna brasileira...110

3.6.1. A incorporação de normas do Mercosul pelo ordenamento jurídico brasileiro. ... 113

CONCLUSÃO...117

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ANEXO I . ... TRATADO DE ASSUNÇÃO

ANEXO I . ...PROTOCOLO DE OURO PRETO

ANEXO I . ... MERCOSUL/CMC/DEC.Nº23/00

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Esta pesquisa se divide em três capítulos relacionados ao Direito Internacional, que estão expostos de maneira sistemática e lógica: seu desenvolvimento, elaborado com base no estudo de algumas reflexões teóricas sobre a evolução da sociedade internacional diante das mudanças nas relações internacionais, enfocando, assim, o florescimento do direito nas diferentes formas de organização social, surgidas ao longo das civilizações; sua dinâmica, tendo em vista a necessária adaptação dos Estados ao sistema de cooperação e livre comércio que tem se estabelecido na atualidade e, por fim, sua interação com o ordenamento jurídico interno brasileiro, momento em que serão apontados alguns conceitos envolvidos na relação da lei interna com as leis internacionais.

Em primeiro plano, dar-se-á ênfase à evolução da sociedade internacional a partir da análise do processo histórico dos sistemas antigos à consolidação do Estado-nação na Idade Moderna. O objetivo é que com o exame da vasta gama de experiências oferecidas na esteira evolutiva da sociedade internacional seja possível observar, não apenas o desenvolvimento, mas também a relevância do Direito Internacional na solução dos problemas de cada época, em especial daqueles que sobrevieram à Guerra Fria.

Sob o enfoque do conceito evolutivo do Estado, notadamente quanto à formação de sua estrutura de poder no início do século XIX, defenderemos a premente necessidade de reformulação de determinadas noções conceituais, dentre elas a de soberania Estatal.

Será, portanto, analisada toda a celeuma que envolve a contraposição entre as concepções idealista, predominante a partir do ideal de colaboração e paz que se estabeleceu no período entreguerras, e, realista, pensamento ancorado no insucesso da Liga das Nações que defende o uso da força nas relações de poder, estrutura sui generis que passa a vigorar entre os Estados.

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Considerando a importância do Direito Internacional no desenvolvimento e equilíbrio das relações entre os Estados, no segundo capítulo discorreremos sobre sua dinâmica, contextualizando-o a partir de uma breve análise dos fenômenos da globalização e da regionalização.

Sobre o processo de integração regional, examinaremos as conseqüências advindas da fragmentação do sistema internacional resultante da composição dos blocos macroeconômicos.

O exame estará focado na evolução e nos feitos do Direito Internacional, de modo que, para cumprir os objetivos deste trabalho, interessa-nos verificar algumas vertentes da união entre Estados, bem como analisar determinados aspectos conducentes para a regulação nos grandes blocos.

Outrossim, de modo abreviado, veremos a influência na promoção do desenvolvimento cooperativo econômico entre os Estados, ou entre estes e os demais sujeitos e atores do Direito Internacional, cada vez mais presentes nas relações econômicas.

Ponto significativo a ser destacado tem relação com o fato de que o Direito Internacional está entre as disciplinas que mais sofrem mutações. Por introduzir novas formas de debate entre os Estados e estar em constante expansão, passa a ter importância cada vez maior nas Relações Internacionais, alterando significativamente a cena internacional.

A terceira e última parte integrante desta dissertação refere-se à descrição da estrutura atual de funcionamento do Direito Internacional, incluindo sua conformação, seus sujeitos e atores e as diversas fontes nas quais se baseia tais como tratados, costumes e princípios gerais de direito.

Momento oportuno para expor as doutrinas monista e dualista e destacar a contribuição dada por seus formuladores, Kelsen e Triepel respectivamente. O aproveitamento desta exposição implica no desenvolvimento do estudo da relação sistemática entre ordenamentos jurídicos, o doméstico e o internacional.

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CAPÍTULO I - DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL

Por ser o homem um ser social, necessita viver em comunidade. Nesse sentido, ao estabelecer-se nela, passa a trocar conhecimentos e experiências entre seus semelhantes, que o levará a assimilar e compreender o seu papel em relação à sociedade em que vive e, por conseguinte, obter meios para transformá-la. Desta forma, para entender a evolução da sociedade internacional é importante conhecê-la em suas variadas formas de organização social que serão estudadas neste capítulo, desde seus pressupostos históricos até sua conformação contemporânea.

1.1. Considerações Iniciais

O estudo das diversas formas de envolvimento entre as comunidades antigas, bem como a observância das normas de conduta que pautavam esses relacionamentos, tem permitido maior entendimento acerca da manutenção da ordem nos sistemas primitivos onde não havia Estado.

Para que possamos entender como a sociedade de Estados tornou-se o que é ou como pode se desenvolver no futuro, teceremos uma análise das entidades políticas da Antigüidade no intuito de investigar como eram organizadas, sem deixar de levar em conta as diferentes prioridades que as motivavam na época. Com isso, será possível reconhecer o Direito Internacional nessas sociedades, ainda que de forma embrionária, nas práticas que pautavam os relacionamentos da época.

As sociedades primitivas exibiam uma relativa ordem fundamentada na existência de princípios norteadores de parâmetros capazes de regular a convivência entre as comunidades. Na realidade, ao interagirem entre si, esses povos desenvolveram formas de conduta prevalecentes que foram se tornando necessárias à medida que procuravam se ajustar aos objetivos elementares da coexistência social. Entretanto, mesmo com uma estrutura análoga ao Direito Internacional, seria prematuro arriscar uma comparação à prática do sistema internacional moderno.

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entre os sistemas antigos e a atual sociedade internacional de Estados, a começar pela ausência de governo comum ou de poder político centralizado.

Pode-se dizer, portanto que, se a descentralização do Direito Internacional não lhe suprime o caráter normativo, tampouco isso ocorria nas comunidades passadas, pois, como dissemos, mesmo não possuindo uma autoridade superior única, os povos submetiam-se a limitações e comprometimentos, cuja intensidade oscilava de civilização para civilização, de acordo com a variação no grau de desempenho das funções de manutenção da ordem que levariam à formulação de regras.

Entretanto, não podemos dizer ao certo quando ou como, alguns grupos conseguiram obter poderes que lhes permitissem determinar questões relativas à vida de outras pessoas, embora se saiba que foi com o advento da atividade comercial que algumas sociedades começaram a manter transações entre si.

Os registros mais antigos dessas transações são provenientes da Suméria, da qual, em breve, falaremos.

1.2. A sociedade internacional e o Direito Internacional

Os povos da Antigüidade tinham como objetivo primordial conquistar autonomia e independência, e, assim, por uma questão de sobrevivência, utilizavam a força.

Na realidade, tais povos não passavam de comunidades isoladas dentro de um quadro de cultura comum1, com personalidade distinta e vida econômica individual.

Essas comunidades só entravam em contato entre si por meio de guerras. Deste modo, não havia um território propício para a formação de um direito que fosse capaz de reger suas relações. Sendo assim, se até então não havia a configuração de uma sociedade internacional, tampouco há que se falar em Direito Internacional.

No entendimento de Hedley Bull2, para que passasse a existir uma sociedade internacional seria necessário que houvesse um grupo de Estados, conscientes de certos

1 As semelhanças no idioma, na visão do universo, na religião e no código estético conferem aos povos antigos a concepção de cultura

comum ora descrita, servindo para facilitar a comunicação entre eles.

2 Hedley Bull, um dos maiores técnicos das Relações Internacionais, graduou-se em Filosofia e Direito em 1952, pela Universidade de

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valores e interesses comuns ou que participassem das mesmas instituições3, no sentido de se considerarem ligados por um único conjunto de regras.

Havia, contudo, um sistema internacional4 no qual o simples envolvimento de entidades políticas ou comunidades de pessoas que interagissem umas com as outras já seria suficiente para classificá-lo como tal.

Utilizando como recurso um espectro imaginário, Adam Watson5 divide o

sistema internacional em segmentos: independência, hegemonia, domínio ou império.

Ao considerar que um sistema impõe limitações às entidades políticas integrantes, Watson pôde avaliar o grau de comprometimento entre elas, tendo como parâmetro seus posicionamentos nos segmentos, e ainda, definindo-as de acordo com a categoria a que cada civilização pertence.

Suas organizações, dependendo do tipo de entidade, localizar-se-iam em algum ponto do espectro de noções imaginado. Nesse diapasão, incluem-se tanto sistemas independentes quanto suseranos ou imperiais, ou seja, entre a independência absoluta e o império absoluto. No entanto, não se deve esquecer que as duas posições marginais são preceitos teóricos que inexistem na prática.

Assim, quando Watson usa o termo hegemonia, significa que qualquer autoridade num sistema, seja um Estado individual poderoso ou um grupo de Estados nessas condições, determina as relações externas entre Estados-membros, enquanto os deixa internamente independentes.

De modo a demonstrar a presença do direito no mundo antigo, será apresentada, por meio de uma breve notícia histórica, a evolução da sociedade internacional, tendo como referência inicial os sistemas de Estados antigos.

3 Bull introduz a diferença sobre a denominação entre sistema e sociedade internacional de Estados. Na concepção do autor, a idéia de

sociedade internacional está intrinsecamente ligada à ordem internacional, o que o faz considerar a sociedade de Estados “anárquica”, diante da inexistência de um poder central. As regras do Direito Internacional só poderiam se fazer relevantes na manutenção da ordem internacional, e, assim, justamente por não se verificar tal ordem, o Direito Internacional não vigora. O autor só concebe a formação de uma sociedade internacional a partir do final do séc XV, organiza-se como estrutura baseada em relações econômicas e estratégicas no séc XIX e consolida-se como sociedade internacional global logo após a Segunda Guerra Mundial. Deste modo, pretende conceder ao Direito Internacional o mesmo caráter evolutivo da noção de ordem internacional. BULL, Hedley. A sociedade anárquica. Um estudo da ordem política mundial, Ségio Bath (trad. ). Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia. 2002, p.19.

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Corroborando o pensamento de Hedley Bull (The Anarchical Society), Watson entende por sistema internacional de Estados, a rede impessoal de pressões e interesses que une os Estados de maneira suficientemente capaz de fazer do comportamento de cada um deles um elemento necessário nos cálculos dos demais. WATSON, Adam . A evolução da sociedade internacional. Uma análise histórica comparativa. René Loncan (trad.). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2004. p.16.

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1.2.1. Pressupostos históricos da sociedade internacional: Os sistemas dos Estados Antigos

A Suméria possuía um dos mais sofisticados sistemas de Estados da Antigüidade. Tendo por base o conhecimento do termo hegemonia, podemos afirmar que as cidades-Estados sumérias faziam parte de um sistema hegemônico.

Impressiona o fato de que, apesar de ser um dos povos mais antigos da Mesopotâmia6, os sumérios construíram as primeiras cidades, Ur, Uruk e Lagash, cada qual com o seu governo. Dependiam da agricultura e do comércio, que só era possível graças aos rios que as banhavam, Tigre e Eufrates.

Tais cidades-Estado, apesar de serem comunidades separadas, preservavam uma cultura comum, porém com personalidade distinta, ou seja, tinham autonomia religiosa, política e econômica.

Diante do papel fundamental que os rios desempenhavam em suas vidas, não fica difícil imaginar a existência de disputas entre os povos que lá habitavam, uma vez que, cada qual buscava preservar seus direitos sobre água, terras e comércio.

Interessante saber, também, como esse comércio era regulado, como era controlada a concorrência ou como era preservada a independência, a despeito do envolvimento estreito entre as cidades-Estado.

Ao que parece, a resposta reside na concepção que tinham os sumérios do mundo.7

A crença de que o mundo estaria submetido ao domínio dos deuses acabava por lhes conferir certa ordem. A realeza, legitimada pela religião, era suficiente para manter a concorrência e o uso da força dentro de limites aceitáveis, entretanto não tinha o direito de interferir em assuntos internos de cada cidade-Estado. Assim, evitava-se a formação de coalizões anti-hegemônicas.8

6 Região do Oriente Médio situada entre o rio Tigre e Eufrates. Por longo tempo foi objeto de disputa entre diversos povos da Antigüidade. 7

Na visão desse povo cada cidade era protegida por um deus ou uma deusa, assim como cada uma era governada por um rei que era representante direto do seu respectivo deus ou deusa. Esses deuses se faziam representar na figura de um grande rei, que, além de desempenhar a função de árbitro supremo, governava a cidade mais importante. Assim, a realeza que era legitimada pela religião era suficiente para manter a concorrência e o uso às limitações impostas por um único deus, todos deviam submeter-se.

8 Se fosse causada alguma insatisfação diante de poder abusivo ou algo semelhante por parte do grande rei, outra cidade seria eleita com

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Gradualmente, foi se intensificando o envolvimento das cidades-Estado sumérias com os impérios da Babilônia e da Assíria, e, ainda, com os Estados menores dos hebreus e dos fenícios, resultando num efêmero reinado.

O grande rei semítico utilizava-se de uma espécie de suserania relaxada, apoiada em força militar que não era suficiente para lhe garantir um controle imperial efetivo. Entretanto, por volta de 1700 a.C., a grande cidade semítica da Babilônia assumiu esse controle9, impondo à força um domínio mais completo e permanente sobre as comunidades, diferenciando-se assim da hegemonia suméria.10

O rei mais notável da Babilônia foi Hamurabi. Além de ampliar o Império, estendo suas fronteiras até o Golfo Pérsico, Hamurabi se destacou como legislador, pois foi responsável pela elaboração de um dos primeiros códigos de leis que se tem conhecimento.

Durante o período de domínio oscilante entre as terras dos dois rios houve outros Estados imperiais no Oriente próximo sendo que os mais importantes foram o do Egito11 e o dos hititas, atual Turquia.

Trocas diplomáticas entre egípcios e hititas foram documentadas em aramaico e relatavam negociações comerciais ou assuntos referentes às guerras.12

Vale frisar que esses diálogos só foram viabilizados pela imunidade imputada aos mensageiros de um governante a outro. A razão disso é que apesar do extenso deserto que lhes servia de proteção, a expansão econômica e militar para além do vale do Nilo colocava os faraós e seus governos em contato com outros Estados vassalos ou com outras estruturas imperiais independentes.

Os impérios egípcio e hitita desenvolveram convenções, procedimentos

complexos para regular suas relações.13 Nesse aspecto, já preconizavam uma sociedade

9 Apesar de ter certo controle, a suserania babilônica delegava a administração dos territórios aos reis locais, que nada mais eram que

vassalos aprovados ou indicados pelo grande rei da Babilônia. No caso dos babilônios, assim como dos sumérios, a legitimidade do rei era conferida pela religião, porém sem as limitações impostas por estes últimos.

10 Quando Adam Watson considera a existência de gradações na utilização dos termos hegemonia, domínio e império, pretende demonstrar

deste modo, as variações na forma de administrar. A medida que tais impérios têm, ou não, de um núcleo de administração direta e rígida é o que determina a escolha da configuração entre hegemonia ou domínio. WATSON, Adam – A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica comparativa. René Loncan ( trad.). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2004.p.31.

11 A civilização egípcia foi construída em torno do rio Nilo pela capacidade de fertilizar as regiões desérticas. Há cerca de cinco mil anos

as aldeias egípcias se uniram e passaram a ser governadas por um único rei (faraó), que era considerado um deus na terra. Nota-se, portanto, que o poder político e a religião estão mais uma vez envolvidos.

12 Registros da civilização egípcia deixam transparecer indícios da existência da arbitragem para a solução de litígios e da prática do

resgate ou troca de prisioneiros de guerra.

13 Segundo Gerson de Brito Mello Boson, os pactos celebrados entre egípcios e hititas podem ser considerados os mais importantes do

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internacional, pois eram duas civilizações com culturas distintas. Não havia, portanto, prática hegemônica entre impérios de civilizações diferentes, apenas relações relaxadas e regulatórias. Entretanto, o pensamento da existência de um possível Direito Internacional regendo tais práticas não coaduna com o “caráter pessoal” expressados nos pactos celebrados, nos quais, como bem expressa Gerson de Mello Bóson 14, “se entrevê a existência de uma irmandade real.”

Durante o tempo em que o Oriente próximo foi dominado pelos hititas, Egito e Babilônia, outro povo semítico lutava para atingir importância: os assírios.

Esses povos ocupavam uma área no norte da Mesopotâmia ao redor do Tigre, do qual também se beneficiavam na agricultura e no comércio.

Viviam sob pressão, diferentemente dos egípcios que eram protegidos geograficamente pelo deserto. Com medo das invasões dos povos hititas (turcos) e babilônicos, dos quais já haviam sido subjugados, os assírios se preveniam reforçando seu exército.15

Com isso, e adotando táticas de informação a respeito de seus inimigos, conquistaram a Mesopotâmia, prosseguindo no ataque até as fronteiras egípcias, chegando até aos judeus,16 na Palestina. Dominaram o Oriente Médio nos séculos IX e VII a.C.

Era evidente que não seria possível governar todo o povo antigo diretamente, então evoluíram para um sistema de vassalagem, ou seja, mantia-se os governos nativos com guarnições assírias. Nesse esquema, as cidades dotadavam-se de certa autonomia, porém pagavam pesados impostos aos assírios para a manutenção do exército.

Para que seus súditos vivessem sob seu jugo, os assírios se utilizavam de artimanhas, como a de fazê-los acreditar nas vantagens de seu deus, Asshur.

Não obstante, esses povos dominados se revoltavam, e assim, conseqüentemente eram deportados para terras distantes, também dominadas pelos assírios.

dos mais importantes acordos, o pacto concluído entre Ramsés II do Egito e Hatusili II, dos hititas, onde se estatui, inclusive, regras de

extradição.

BOSON, Gerson de Brito Mello. Constitucionalização do Direito Internacional: internacionalização do Direito Constitucional, Direito Constitucional Internacional brasileiro. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1996, p.106.

14 Id. Ibd, p.106.

15 Conhecidos por serem cruéis e impiedosos, os Assírios utilizavam-se de armas de ferro superiores a de outros povos, além de serem os

primeiros a utilizar cavalos de guerra.

16 Boa parte do que se sabe sobre os hebreus se baseia em relatos contidos no Antigo Testamento. O ataque a esses povos na Palestina

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Essas deportações promovidas pelos assírios se fundamentavam na crença de que o nacionalismo estaria enraizado no solo da pátria, portanto, afastar os povos de sua terra natal eliminaria estímulos patrióticos.

Todavia, na prática, era impossível para as autoridades imperiais administrar a totalidade da área que dominavam ou sobre a qual exerciam influência. Dez anos depois, os assírios não apenas permitiram o retorno dos deportados, como também colaboraram para a restauração de suas propriedades e para a reconstrução de suas cidades. Esse fato exemplifica bem a dificuldade de se controlar um grande império.

Tinham uma área central de administração direta em torno de Nínive e Assur e domínio sobre a Babilônia e a Suméria. Além destas regiões, os assírios queriam que Estados como Judá se tornassem reinos clientes autônomos que lhes deveriam pagar uma contribuição, sobretudo para que não fizessem acordos com os inimigos da Assíria.

Quando invadiram o Egito, este deixou de ser independente, porém, continuava sendo um Estado separado e uma potência imperial (pouco mais que uma hegemonia), governado por faraós egípcios clientes. Apesar de subordinado ao Império Assírio, assim como a Babilônia, os egípcios continuaram suficientemente autônomos na prática, ou seja, ainda tinham como negociar uma coalizão anti-hegemônica com inimigos externos dos assírios, os medos.17

Percebe-se, portanto, que a situação vivida por comunidades subjugadas, cujas administrações se mantiveram sob suserania hegemônica, foi determinante para a queda do Império Assírio.

Os persas, que viviam na região onde atualmente é o Irã, eram considerados um império moderado. Em 550 a.C., o rei persa Ciro conseguiu unir as diversas tribos, formando um exército organizado para a conquista de territórios vizinhos. Dominaram toda a Mesopotâmia, Fenícia e Palestina e, vastas áreas que iam até a Índia.

Também no Egito estabeleceram uma relaxada supremacia política imperial, contudo, conservou-o como um Estado separado. Embora fosse mantida a administração egípcia, o rei persa se tornara o faraó. Deste modo, não raro, ocorriam resistências às autoridades imperiais, chegando a ponto de rebelião.

No reinado de Dário, foi construído um canal ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho que estimulou o comércio entre o Egito e a Índia, também sob a supremacia persa. Com isso, o Egito tornara-se atraente para as cidades gregas independentes.

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O império persa serviu de união cultural e comercial da Ásia com a Europa, o que significa que, além de tolerar a cultura dos povos dominados, permitiu-lhes autonomia nesse sentido.

Desenvolveu práticas de governo com influência imperial brandas18, o suficiente para que o sistema se aproximasse de uma sociedade hegemônica de Estados baseada em vantagens àqueles dispostos, ao menos, a aquiescer com sua autoridade.

Ao lidar com Estados além do alcance de sua superioridade militar (especialmente em seu envolvimento com as cidades gregas independentes), os persas exploraram conceitos correspondentes aos direitos e responsabilidades das grandes potências numa sociedade de Estados, que nos dias de hoje encontram-se deturpadas.

As relações mantidas com os povos da Índia não são fáceis de serem mensuradas em virtude da concentração política, religiosa e intelectual dos hindus aos limites de seu país. Configurados em reinos isolados entre o Himalaia e o mar, os Estados indianos construíram um mundo próprio. Entretanto, existem muitos registros de guerras entre suas populações,19 a despeito de serem ligadas pela mesma comunidade em termos de origem e religião.

Na China não foi diferente quanto ao isolamento. Os chineses consideravam bárbaros aqueles que viviam além de suas fronteiras. Fica difícil ver um terreno propício ao desenvolvimento de relações jurídicas internacionais numa cultura com padrões restritos, ainda mais por ter na figura de seu imperador a autoridade suprema.

As cidades-Estados da Grécia antiga exemplificam situações internacionais parecidas com as da atualidade tais como franquia alfandegária, garantia de pessoas e bens no caso de conflito entre as cidades. Entretanto, a despeito de qualquer intenção jurídica, os gregos fundamentaram-se como um conjunto de Nações independentes através de seu sistema cultural, apoiado na unidade da raça e em suas convicções religiosas.

Em Roma, deu-se espaço ao jus gentium20, expressão usada no Direito Romano para configurar as relações inter alia, entre romanos e estrangeiros. Com isto, direitos passam a ser concedidos a todos os povos.

18 O desejo persa de trabalhar com as populações locais, contanto que cooperassem com sua autoridade imperial (a colaboração seria no

sentido de que os povos dominados deveriam ser submetidos ao pagamento de pesados impostos), é mostrado por sua política em relação aos judeus: muitos deles subiram a posições de destaque no sistema persa. Ciro, o primeiro rei persa, e depois Dário autorizaram o retorno a Judá dos exilados que quisessem fazê-lo e o restabelecimento de uma posição militar em Jerusalém.

19 A área ocupada por aquela civilização era dividida em grande número de unidades independentes. 20 Segundo Joaquim da Silva Cunha e Maria da Assunção do Vale Pereira. In:

(23)

O rancor dos romanos aos estrangeiros não se compara ao isolacionismo dos gregos, ao contrário, a conquista de outros povos se torna cada vez mais necessária para subjugá-los. Fato este que, por si só, afasta das relações internacionais, a prática do Direito.

Outrossim, conceder direitos aos estrangeiros, apenas sob a hipótese de que estivessem de acordo com os critérios expansionistas de Roma, ou seja, a prerrogativa de interpretação das normas continuava lhe pertencendo.

Contudo, a despeito da submissão das nações mediterrâneas, Roma se rendeu à necessidade de normas internacionais. Por certo, o mérito histórico de condicionar a formação da cultura ocidental e sua evolução rumo ao mundo contemporâneo sempre pertencerá aos romanos.

1.2.2. Distinção entre comunidade e sociedade

Alguns doutrinadores utilizam as duas expressões para designar a mesma coisa. Trata-se, entretanto, de um equívoco, pois são realidades diferentes.

Se de um lado a comunidade é resultante de uma forma de associação que independe da escolha de seus membros, do outro, a sociedade não obriga à participação de seus associados, que se unem no intuito de realizar objetivos comuns.

O que caracteriza uma comunidade são os vínculos imperativos de união, alheios à vontade própria, 21 enquanto que a sociedade é orientada pela racionalidade, pois só passa a existir através da vontade dos que dela participarem.

Como se destina a obter determinada finalidade, a sociedade não se fundamenta em sentimentos subjetivos como tradição, laços e fatores emocionais, pois, se assim fosse, ter-se-ia apenas uma comunidade, o que não seria propício à existência do Direito Internacional.

Daí dizer que uma comunidade, ao primeiro conflito, torna-se uma sociedade. Isso parece fazer sentido quando Hedley Bull22 afirma que a formação de uma sociedade internacional só pôde ser notada a partir do século XV, momento em que esta se

21 Aqui se trata de vínculos como família, nação e Estado. Os familiares, por exemplo, ou o fato de se possuir a mesma nacionalidade que

outros, criam vínculos, mas não são deliberados. 22 BULL, Hedley.

(24)

organiza através de estruturas baseadas em relações econômicas e estratégicas, notadamente quando os europeus se expandiram e dominaram o resto do mundo.

Segundo o autor, essas expanções teriam sido, de certa forma, o fator determinante para a formação do processo histórico da sociedade internacional, conforme relata a seguir:

(...) teria se dado como conseqüência da expansão dos Estados europeus pelo mundo, realizando a agregação de diversos sistemas internacionais regionais, que operavam com base em distintas regras e instituições, definidas, por seu turno, por alguma cultura dominante.

Infere-se dessa assertiva que, configurada a heterogeneidade, estabelece-se a relação de hierarquia, passando a existir uma sociedade internacional.

1.2.3. Sociedade internacional de Estados

Quanto à necessária presença de conflito de interesses como fator determinante para a existência de uma sociedade internacional, pode-se seguir a mesma linha de pensamento em relação ao direito. Aliás, na opinião de Roberto Luiz Silva23, o Direito Internacional só pode estar inserido no contexto de sociedade internacional, que é onde se verifica a tensão de domínio.

Dentro dessa concepção, a sociedade européia deixou de ser uma comunidade, com a dissolução da comunidade cristã ocidental24, que caracterizou a Idade Média, ou seja, a partir do Estado Moderno, quando os interesses dos Estados passaram a entrar em conflito.

Nesta acepção, acredita-se que a sociedade internacional teria se iniciado, portanto, com os descobrimentos portugueses do século XV, e, na mesma proposta, seguiu-se com a partilha da África, no século XIX. Numa segunda fase, as regiões incorporadas ou dominadas pela Europa conseguiram se libertar e assumir seu lugar como membros da

23 SILVA, Roberto Luiz.

Direito Internacional Público , 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002 .

24 Na Idade Média, com uma religião comum, mantinha-se a consciência de unidade. Toda comunidade se submetia ao mesmo domínio

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sociedade internacional. Assim com o movimento anti-colonialista e os movimentos de libertação africanos e asiáticos25 favoreceram à construção da sociedade internacional.

O reconhecimento de que a soberania é um atributo de todos os Estados foi fundamental para a formação da sociedade internacional.

Um exame, mesmo que superficial, do desenvolvimento do conceito de soberania a partir da formação do Estado Moderno, necessariamente há de ajudar a compreender o teor da formação da Sociedade Internacional, já que esta resulta fundamentalmente de uma sociedade de Estados.

1.3. A concepção clássica de Soberania formulada a partir do Estado Moderno

A palavra soberania26 tem origem do latim superanus, que significa grau

máximo de hierarquia política e exprime uma idéia de primazia, mas que também pode invocar um grau de superioridade.

É na Idade Média que a palavra soberania surge, mais precisamente nos últimos trinta anos do século XIII.

Contudo, antes mesmo que o termo soberania tenha sido empregado já existiam noções que abrangiam seu sentido como o termo autorictas, utilizado para designar autoridade suprema e a recusa de toda a ingerência de um superior do nível de uma potência reconhecida legítima, e, potestas, que corresponde a poder público. Assim entendida, ela pode ter tanto um alcance absoluto, como também relativo. 27

O Imperador, consagrado pelo Papa, detinha a autorictas, e o Papa, por sua vez, a potestas.

25 Refere-se ao processo de descolonização da Ásia, que teve início na década de 1940, e se completou na África, no início dos anos 1960. 26 A definição clássica de soberania que aqui se refere é traduzida com perfeição através do pensamento de Marcel David:

“ (...) autoridade suprema e a recusa de toda ingerência de um superior do nível de uma potência reconhecida legítima.” DAVID, Marcel. In: Programa interdisciplinar direito e globalização, UERJ. Anuário de direito e globalização: A soberania. MELLO, Celso de Albuquerque (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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Como se viu em tópico anterior, na Antigüidade, soberania não existia, o que existia era o conceito de auto-suficiência, que significava independência política. 28

Por certo que algumas cidades-Estado Sumérias gozavam de certa autoridade devido à sua auto-suficiência, o que acabava exatamente por determinar suas relações externas, mas não chegavam a ser “soberanas”.

Foi apenas na Grécia Antiga que apareceu uma sociedade mais sofisticada, cujo desenvolvimento econômico impôs a divisão do trabalho e a conseqüente divisão da sociedade em classes, que é fator determinante para que a existência do Estado seja necessária, e, por conseguinte, sua soberania. Nessa época a palavra soberania era empregada nas referências aos deuses.

Podemos, portanto, dizer que, em certos momentos, alguns grupos conseguiram obter um poder que lhes permitia determinar questões relativas à vida de outras pessoas.

Com Jean Bodin29 a teoria da soberania vai ter o seu maior formulador.

Uma de suas grandes contribuições foi a divisão entre soberania e o exercício do poder soberano, ou seja, entre Estado e governo Em 1.576, o jurista francês publicou sua obra mais importante Les six livres de la République, na qual define o termo da seguinte forma: “(...) é o poder supremo “puissance” absoluto e perpétuo de uma República.”

No entanto, à época do Império Romano não se falava em soberania, pois os Césares governavam com poder absoluto, como explica Bodin:

(...) Para demonstrar o absolutismo do rei, faz-se a distinção entre contrato e lei, sendo que o primeiro obriga a ambas as partes, enquanto a lei vem de quem tem a soberania, obrigando a todos os seus súditos e pode não obrigar a si mesmo. A soberania só é limitada pelo direito natural e pelo direito das gentes.30

Quando se deu a queda do império Romano, o poder se esfacelou entre os proprietários das enormes glebas de terras, a Igreja Católica e o Estado Central. Este período

28 Os sumérios, um dos povos mais antigos da mesopotâmia (região do Oriente Médio situada entre o Tigres e Eufrates), construíram as

primeiras cidades, cada qual com o seu governo. Tais cidades-Estado preservavam uma cultura comum, porém com personalidade distinta e vida econômica individual.

29

Jean Bodin (1530-1596), jurista francês defensor da doutrina do direito divino dos reis, um desdobramento da noção medieval de

imperium (poder para fazer as leis). A autoridade dos reis deveria ser perpétua e a propriedade privada inviolável, segundo os princípios do

Direito Civil Romano. Suas idéias retratam o Estado Absolutista no ancian regime. 30

(27)

foi considerado pelos ingleses como o período “sem luz”, pois não havia Estado forte, autoridade governamental e centralização do poder.

Tal situação foi propícia para o surgimento da idéia de soberania, uma vez que o Estado precisava achar uma base que permitisse a retomada das parcelas perdidas para a Igreja e para os senhores feudais.

Não se pode deixar de notar que o absolutismo 31 consolidou o Estado

Moderno32, que serve de base para a ciência política, e, a partir desse momento, a sociedade internacional transforma-se em uma sociedade interestadual.

Como conseqüência da modernização da sociedade, processo iniciado no século XVI que culmina no advento da Revolução Industrial33, o Estado passa a ser o único Estado-soberano, fundamental para a formação da sociedade internacional.34

O direito, então, afirma que o Estado não pode se obrigar a nenhuma norma jurídica que não tenha emanado de sua própria vontade.

Desse modo, o Estado que representa a força máxima de organização humana, se consagra no poder legitimador do Povo.

Ao contrário da época em que se vigorava a multiplicidade das fontes 35

caracterizada pela pluralidade de poder distribuídos entre Império, Igreja e senhores feudais,

31 Aqui demonstramos que o Estado Moderno não nasce de uma só vez. Passa pela monarquia, que encontra sua representatividade no

poder soberano do Rei, que passa a representar “o interesse do povo” ; na realidade, da classe burguesa. A segunda fase do Estado Moderno é o Estado Liberal advindo das Revoluções Liberais na França e na Inglaterra. Este momento caracteriza-se pelo ideal dos Direitos do Homem e pela separação de poderes. Na terceira fase do Estado Moderno, surgida no final do século XIX, o Estado Liberal entra em crise. Isto se deve à falta de capacidade do Estado de suprir as exigências sociais, dando suporte ao surgimento de doutrinas extremistas como o facismo e nazismo. surge uma quarta fase: a do Estado democrático Liberal, no qual, em decorrência da crise de 1929 que abalou as economias mundiais, estabeleceram-se medidas sociais. Ao implantá-las, o Estado passa a ser denominado Estado-Providência..

Posteriormente, nos Governos Thatcher, Kohl e Reagan, idéias neoliberais foram implementadas, impulsionando a economia de mercado. Essas idéias, que foram defendidas por Friedrich Hayek e Milton Friedman , não acatam o intervencionismo do Estado e a restrição à liberdade dos indivíduos (idéias Keynesianas).

32 O Estado Liberal teve sua origem na primeira Constituição Liberal, de 1787, que inspirou a Revolução Francesa de 1789. Compreende

povo, território e finalidade (o que determina sua natureza), bem como consagra a separação de poderes e atribuições entre Legislativo, Executivo e Judiciário e a noção de Soberania e auto-determinação dos povos. As revoluções francesa e inglesa (inspirada nas idéias de Locke) do século XIII marcaram o fim do feudalismo e do absolutismo e o rompimento com as instituições do passado.

33 A Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra por volta de 1750, transformou e delineou o mundo contemporâneo. Com ela vieram

as indústrias e a urbanização. A Sociedade Moderna se caracteriza, portanto, pelo emprego da tecnologia, pelo aumento da produtividade e a possibilidade da mobilidade social.

34 Ao promover a centralização do poder na figura do soberano, o Estado emancipa-se da Igreja e do Império, não reconhecendo nenhuma

autoridade que lhe seja superior.

35 A Igreja, o Império e os senhores feudais exerciam o poder em âmbitos próprios de atuação, o que garantia o equilíbrio de poder, uma vez

(28)

com a criação do Estado Moderno, unificam-se as fontes do direito na lei e se estabelece a centralização do poder, expressão da soberania estatal.

Neste momento de formação dos Estados nacionais, as fontes que eram utilizadas para a solução de litígios (costume, jurisprudência e norma legal), passam a ter conotação diferente das da na época de poder da Igreja36 e dos senhores feudais, ainda que transferidas algumas de suas características, como o poder coativo, haja vista o direito de usar a força37 que passa, então, a ser do Estado.

Assim, em seu território, ou seja, aonde conduz um corpo político organizado, o Estado passa a empregar a força com exclusividade, submetendo o povo ao seu poder centralizador, consagrado por Hobbes38 como imprescindível para a manutenção da ordem, paz e segurança coletivas.

Com a Paz de Westfália39 inaugura-se um novo momento para o sistema

internacional, o do reconhecimento da igualdade entre potências católicas e protestantes. Assim, as guerras que se seguiram não tiveram como causa principal a religião, mas, questões de Estado, fato que possibilitou grandes inflexões no alinhamento dos países europeus.

Pode-se dizer então que, no momento em que princípios e noções como o de soberania estatal e igualdade40 dos Estados-nação passam a ser reconhecidos, surge o Direito Internacional.

Vale lembrar que a preocupação com o equilíbrio de forças teve início com os termos de paz estabelecidos no Congresso de Viena41 , ocasião em que, através do Tratado de Paris, em 30 de Maio de 1814, se impõe a ordem legitimista. 42

36 A vertente autoritária é típica do discurso jurídico advindo do próprio discurso persuasório coercitivo que caracterizou a igreja católica,

cujas linhas diretrizes eram o memento mori como prenúncio do momento final (morte /juízo, inferno/paraíso).

37 O estado natural do homem é o de “guerra de todos contra todos”, dizia Thomas Hobbes (1588-1679), inaugurando-se assim o direito de

natureza ou o jusnaturalismo (conjunto de regras que se supõe existir em decorrência da própria natureza do homem, ou da natureza em geral, e que, por isso, independem de qualquer legislação feita pelo homem, opondo-se, portanto, ao conceito de Direito Positivo).

38 O Teórico do absolutismo Thomas Hobbes, autor de Leviatã, procurava na origem do Estado sua razão de ser, sua finalidade. Para

Hobbes o Estado soberano significava a realização máxima de uma sociedade civilizada e racional.

39 A chamada Paz de Westfália (Paz de Vestfália) – 1648, também conhecida como Tratados de Münster e Osnabrück, designa uma série de

tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos. Foram reconhecidas oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça. 40 A igualdade a que se faz referência consiste no fato de não se levar em consideração diferenças de religião ou regime político. 41

Conferência entre embaixadores das grandes potências européias que teve lugar na capital austríaca, entre 1º de Outubro de 1814 e 9 de Junho de 1815, cuja intenção era redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior.

42 O princípio da legitimidade determinava que as dinastias reinantes no período pré-revolucionário deveriam ter de volta seus tronos e os

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As grandes potências européias da época, Rússia, Prússia, Áustria, Inglaterra e França, se reuniram para formar uma pentarquia, no intuito de governar a Europa.

Quando passa a existir o domínio dessa espécie de “Diretório”, fica impossível pensar na existência de “equilíbrio” ou de se reconhecer a igualdade entre os Estados. Uma política desse teor é, na verdade, o domínio político de Estados mais poderosos em nome do “interesse de uma sociedade internacional.”

Portanto, quando um ou mais Estados impõem sua vontade sobre os demais, além de estabelecer um desequilíbrio nas relações internacionais, torna-se um desrespeito à noção de soberania.

Embora já se tenha ouvido falar sobre “soberania absoluta”, importa ressaltar que o emprego do termo é um equívoco, uma vez que, se uma soberania se tornasse de fato absoluta, seria inconcebível a existência de uma sociedade internacional. 43

A idéia clássica de soberania que teve início com a Revolução Francesa44,

(momento em que se limita o poder do monarca ou governante soberano) 45, portanto, não apenas sobreviveu à era napoleônica, como resistiu ao curto período de domínio pentárquico (1818-1822), passando a dominar o século XIX, e vai até à 1ª Guerra Mundial.

43 Se houvesse um único Estado mundial, não haveria sociedade internacional, e, por conseguinte, não haveria de se falar em Direito

Internacional. A relação direta estabelecida entre sociedade internacional e Direito Internacional está inserida em tópico anterior que trata do tema ( vide 1.1.1).

44 A Revolução Francesa (1789) inspirou a separação de poderes e atribuições entre Legislativo, Executivo e Judiciário e a noção de

Soberania e autodeterminação dos povos. Assim, ao estabelecer a vigência do Estado de Direito, ou seja, do império das leis diante das arbitrariedades monárquicas, a Revolução Francesa marca o momento de vitória dessa nova ordem política, portanto, marco inaugural de um novo período da história ocidental.

45 A lógica do poder, que é, antes de mais nada, a lógica da força, contribuiu para a justificar governos absolutistas dos séculos XVII e

XVIII, lógica essa há muito desmascarada por Maquiavel (1469-1527) através de sua obra O Príncipe, onde critica o abandono da ética para

(30)

1.4. Período entreguerras: A preocupação com a paz e a doutrina idealista

O impacto causado pela Primeira Guerra Mundial46 provocou a existência de

interesses comuns entre os Estados. Como forma de reação moral aos horrores da guerra constatou-se a necessidade da colaboração entre os mesmos.

Os Estados Unidos emergiram como uma grande potência mundial, ocupando uma posição privilegiada. Nesta concepção de destaque, os norte-americanos poderiam construir uma nova ordem internacional de acordo com seus valores liberais.

Assim, em 1918, o então presidente dos Estados Unidos da América, Woodrow Wilson, apresentou os “14 Pontos,” 47 onde se buscava limitar a guerra por meio de acordos internacionais e organizações internacionais.48

Nesse momento, estabelece-se a Sociedade das Nações49 e, também, um sistema de segurança coletiva,50 que passa a defender a importância do Direito Internacional e das instituições internacionais para resolver os conflitos entre os Estados.

Infelizmente, ficará provado que os Estados não estavam prontos para abdicar de uma parcela de suas competências em prol de uma organização superior capaz de instaurar a

segurança nacional, como bem lembra Dupuy 51: “Pretendendo ao mesmo tempo a paz e a

soberania, acabaram por perder uma e outra (...).”

Importa relembrar que, em 1919, representantes dos países vencedores reuniram-se em Versalhes para elaborar um tratado de paz, consagrando-reuniram-se assim, o fim da Grande

Guerra. Contudo, o Tratado de Versalhes 52 impunha condições duras à Alemanha53 que

46 Os vitoriosos da Grande Guerra reuniram-se em janeiro de 1919, no palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, para as decisões do

pós-guerra. O encontro foi presidido presidente norte-americano e os chanceleres Lloyd George, da Inglaterra e Georges Clemenceau da França. 47 Woodrow Wilson propôs uma cruzada em favor do domínio da lei internacional. “Os 14 pontos de Wilson”, programa apresentado pelo

então presidente dos Estados Unidos, foi recebido por algumas potências como “admirável, porém abstrato”, por não levar em conta certas realidades, ou seja, por não punir a Alemanha devido a sua responsabilidade no conflito.

48

HALLIDAY,1999, p.23 apud Ana Lúcia Guedes. Abordagens de relações internacionais em Direito Internacional. In: Direito Internacional no cenário contemporâneo, Wagner Menezes (coord.). Curitiba: Ed.Juruá, 2003, p.15.

49 A Sociedade das Nações ou Liga das Nações foi praticamente a primeira organização internacional criada com o propósito de funcionar

como um fórum internacional com interesse de manutenção da paz universal. No entanto, esta entidade já nasceu falida, uma vez que dela não participaram a Alemanha e a Rússia, e, nem mesmo o principal patrocinador, os Estados Unidos.

50 O Conselho de Segurança da Liga das Nações era composto de membros permanentes (as grandes potências) e dos demais membros, em

número de seis, não permanentes. 51 DUPUY, Pierre-Marie.

Droit International Publique, 6 éd., Paris: Dalloz, 2002.

52 Tratado que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial, assinado em 1919, em Versalhes, cujos termos, estabelecidos pelas

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vieram a repercutir no agravamento da insatisfação e agitação popular, e, posteriormente, culminaram em ideologias nacionalistas. 54

A Liga das Nações ratificou o Tratado de Versalhes, o que acabou por contrariar as expectativas dos Alemães que acreditavam que seriam incluídos no programa dos “14 Pontos.”

Na realidade, o Presidente Wilson teria vislumbrado na Liga das Nações uma espécie de sociedade de Estados que iria permitir, democraticamente, a criação de mecanismos de resolução de conflitos e de garantias de seguranças mútuas. Assim, nasce o paradigma idealista. 55

Os idealistas acreditavam que o direito e as instituições podiam formar a base e inspiração para a comunidade dos Estados.

Algumas experiências bem sucedidas como a Corte Internacional de Haia e o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia reforçam o primado da razão em detrimento do uso da força, facilitando um maior entendimento entre as nações. Cabe destacar que, tanto nas duas conferências de paz em Haia como no Tratado de Versalhes a idéia que se tinha era de “colaboração.”

Essa concepção fica clara nas palavras de Maurim Falcão56, a seguir:

No bojo da reorganização política inscrita na Ordem de Versalhes de 1919, as cooperações social, cultural e financeira entre as nações, passaram a fazer parte da agenda internacional e figuravam dentre os propósitos das nações de proporcionar uma nova era de paz e de crescimento econômico.

Entretanto, até mesmo a Sociedade das Nações estava fadada ao insucesso57tendo em vista a não participação dos Estados Unidos.

53 Os termos impostos à Alemanha pelo Tratado de Versalhes incluíam a perda de uma parte de seu território para um número de nações

fronteiriças, de todas as colônias sobre o oceano e sobre o continente africano, e uma restrição ao tamanho do exército. A Alemanha teve que reconhecer a independência da Áustria.

54 Os conflitos originados pelo Tratado de Versalhes disseminaram fortes sentimentos nacionalistas após o fim da Primeira Guerra, como o

nazi-fascismo.

55 Também chamada de abordagem da “paz através das leis,” a escola idealista tem suas raízes no pensamento de Hugo Grotius (1583-1645)

e em Vattel (1714-1767), que busca a conciliação de regras para resguardar a idéia de justiça internacional. 56

(32)

Percebe-se que a falta de ratificação ao projeto de Wilson, pelo senado norte-americano acabou se tornando uma tendência para os Estados Unidos, mesmo nos dias atuais. Essa contatação pode ser verificada nas palavras de Francis Fukuyama58:

Os Estados Unidos têm um histórico consistente de uso de táticas de força para moldar acordos internacionais à sua vontade e depois abandona-los no último momento. Este padrão vem desde os tempos de Woodrow Wilson e da Liga das Nações, e continuou nas negociações sobre os pactos do Rio e Kioto e a Comissão Internacional de Comércio.

Assim, embora tenha sido criada sob o viés da solidariedade, a Liga das Nações não foi suficientemente capaz de conter a Segunda Guerra Mundial. Nesse caso, deve-se considerar o fato de que a Alemanha se sentiu humilhada59 pelas outras potências européias, e, ainda, a insatisfação da Itália, uma vez que não foram atendidas suas pretensões imperialistas.

Complementando com o pensamento de Maurim Falcão :

(...) a crise nos meios de pagamentos internacionais que, aliadas aos problemas econômicos internos das principais economias e, ainda às perspectivas de um novo conflito de envergadura mundial, contribuíram para o retrocesso desse cenário otimista. Em conseqüência os países se voltaram para seus problemas internos, dando origem aos nacionalismos, razão da déblâce do sistema criado a partir de Versalhes. Começa desta forma, o declínio da Sociedade das Nações.

57 Embora tenha sido o presidente dos Estados Unidos da América, Woodrow Wilson, a conceder as bases para o contrato social entre os

Estados (o que veio a se tornar o Pacto das Sociedades das Nações), o senado norte-americano não lhe garantiu a ratificação. Com a ausência dos Estados Unidos, o pacto já estaria fadado ao insucesso.

58 FUKUYAMA, Francis; MONTINGELLI, Nivaldo Jr. (trad.).

Construção de Estados: governo e organização mundial no século XXI. Série: Idéias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

59 A Alemanha, dentre outros fatos anteriormente citados, viu-se obrigada a devolver a Alsacia-Lorena à França; as antigas colônias alemãs

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A despeito de o pensamento idealista estar pautado numa das mais elevadas aspirações do homem, que é o alcance da paz, todas essas circunstâncias contribuíram para o questionamento da doutrina, uma vez que não condiz com a realidade60de um período mais conhecido pela disputa imperialista do que pela efetiva colaboração entre as Nações.

Inaugura-se, então, o chamado realismo político61, uma nova corrente teórica desenvolvida a partir do fracasso da política idealista conduzida na Europa.

1.5. Elementos de poder: o enfoque realista e a crítica ao Direito Internacional.

Num sistema político anarquista, os interesses dos Estados estão em larga medida determinados pelo seu poder e suas capacidades.

Segundo os realistas, o Direito Internacional se resume a simples afirmações morais, não podendo ser nem mesmo considerado uma modalidade de direito, uma vez que a ausência de poderes constituídos no sistema internacional impede a existência de uma ordem legal. Acreditam que o que condiciona as relações internacionais é o poder. Cabe lembrar que os realistas consideram utópicos62, aqueles que defendem que o Direito Internacional possa regular a disputa pelo poder no sistema internacional.

Ana Lúcia Guedes expõe a vulnerabilidade do direito utilizando-se do seguinte comentário de Barker63:

60 Há quem acredite que o idealismo constitui um grande óbice à construção científica, pois se apóia em conceitos metafísicos e subjetivos,

ignorando o caráter histórico social dos fenômenos. Divide-se em duas vertentes: jusnaturalismo e criticismo.

O jusnaturalismo é um pensamento que não trabalha em cima de realidades concretas, tende a considerar a existência de uma lei natural, eterna e imutável, como se houvesse um universo já legislado. Tem por defensores Stammlre, Del Vechio, Grotius, Thomasius, dentre outros.

O criticismo kantiniano concebe como princípio fundamental para o Direito a idéia de liberdade. Duas são as normas regentes da conduta humana: a moral, entendida como consciência, e o direito, como disciplinador do fórum externo, ou seja, dá-se a idéia de coercitividade do Direito.

61 A doutrina do realismo apresenta a realidade internacional sob o jugo das relações de força e poder. Suas raízes encontram-se em

Maquiavel e Hobbes. 62

O termo Utopia vem do grego ou topos, que significa “não lugar”, “lugar-nenhum” ou “lugar que não existe”. A expressão tornou-se popular graças ao livro Utopia ( 1516), escrito pelo humanista inglês Thomas Morus, no qual o autor apresenta um Estado imaginário, formado por instituições ideais sob o domínio das quais todos os cidadãos viviam de forma ideal.

63 BARKER, J.C.

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(...) apesar da existência de instituições como as Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça, e o Conselho de Segurança, nenhuma delas possui legitimidade (i.e., poder) para obrigar os Estados a cumprirem os acordos internacionais.

De fato, percebe-se o desequilíbrio nas relações de poder mesmo na ONU, 64

que, embora expresse em sua carta o reconhecimento da universalidade do sistema de Estados, é visível a hierarquia política estabelecida, haja vista o direito de veto de seu Conselho de Segurança ser restrito ao seleto grupo das cinco grandes potências permanentes (EUA, URSS, Grã-Bretanha, França e China).65

Interessante contradição esta, já que a Declaração dos Direitos Fundamentais66 da ONU declara o respeito à soberania no seu Art. 1º, quando fala da “igualdade de direitos” e na “autodeterminação dos povos”, e, ainda, no item I do seu art. 2º, ao referir-se ao princípio da igualdade: “a organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus membros.”

Assim, o que se nota é que não existe igualdade sequer na ONU,67 tendo em

vista que a igualdade que aqui se fala é a mesma defendida já no século XVIII por Vattel68 que, na definição do que ele mesmo chamava de Droit des Gens ou Direito das Nações, afirma: “as nações são iguais porque são formadas de homens que são iguais entre si”, e conclui: “o que é permitido a uma Nação o é também a qualquer outra e o que não é permitido a uma, não o é também a outra.”69

64 A ONU ( Organização das Nações Unidas) foi fundada em 1945 com a finalidade de promover a paz e a segurança mundiais e instituir

entre as nações cooperação econômica, social e cultural.

65 Os membros permanentes do Conselho de Segurança são os que lutaram durante a 2ª Guerra Mundial contra o eixo composto pala

Alemanha, Japão e Itália e que assinaram a Carta das Nações no ano de 1945, em São Francisco.

66 No século XX, o princípio da igualdade jurídica vai figurar em diversas declarações, entre elas a da OEA, que no seu art. 9, cap. IV trata

dos Direitos e Deveres dos Estados; a da ONU, na Declaração dos Direitos Fundamentais, em seu preâmbulo “ (...) na igualdade de direito dos homens e das mulheres”, assim como “(...) das nações grandes e pequenas”.

67 A composição do Conselho de Segurança da ONU não reflete fielmente a finalidade econômica e política dos diversos membros da ONU.

Existe um grupo de trabalho dentro das Nações Unidas que estuda, entre outras questões, o aumento de membros permanentes e não-permanentes, a criação de postos rotativos ou partilhados, o direito de veto e as relações entre o Conselho, a Assembléia Geral e outros órgãos das Nações Unidas.

68 Vattel, súdito prussiano que se tornou estadista na Saxônia. Vattel é referenciado por Watsom porque pregava a igualdade de todos os

Estados perante a lei, dizendo: “Um anão é tão homem quanto um gigante: uma pequena república não é menos que um Estado do que o reino mais poderoso”.

69 VATTEL, Emer de.

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Entretanto, como bem lembra Adam Watsom70, até mesmo Vattel, grande defensor da igualdade de todos os Estados perante a lei, reconheceu não haver muito sentido numa igualdade jurídica de soberanos, a menos que fosse pautada pelo equilíbrio de poder.

As grandes potências defendem que têm interesses universais e que, portanto, devem participar das grandes negociações enquanto que às outras Nações cabe apenas participar dos assuntos que lhe dissessem respeito. Se lhes fosse permitida a participação em algumas situações seria unicamente para manter a “estabilização das relações políticas entre os Grandes” 71, e não em nome de uma igualdade.

Desta forma, tampouco a soberania se encontra em pleno exercício, pois, apesar de ter como aspecto interno o direito de autodeterminação, que se traduz no direito do Estado de ter seu governo preservado da interferência estrangeira, no seu aspecto externo deixa a desejar, uma vez que é ligado à independência, que pressupõe direito à igualdade.

Importa frisar que estas noções de não interferência e de igualdade não devem ser confundidas com a noção clássica de soberania, herdada do absolutismo72, que consolidou o Estado Moderno. Não se defende aqui que o Estado não deva submeter-se a qualquer outra norma jurídica que tenha emanado de sua própria vontade, mas tão somente, que passe a ser tratado de maneira igualitária no plano internacional.

Ainda duas outras abordagens conceituais dizem respeito ao entendimento do Direito Internacional: a naturalista e a positivista.

A primeira, como o próprio nome diz, defende a existência de um Direito natural,73 baseado na razão, enquanto que a segunda crê na atuação do homem, através da feitura de leis com a anuência do Estado. Este último pensamento, o da predominância da vontade dos Estados, é o que vigorou no século XIX, e, neste contexto, desenvolveu-se o Direito Internacional.

70

WATSOM, Adam. A Evolução da sociedade internacional: Uma análise histórica comparativa. René Loncan (trad.). Brasília: Ed. UNB, 2004, p.285-286.

71 VISSCHER, Charles de.

Théories et Ralités en Droit International Public. 2 ed., 1995, Paris: Ed. A. Pedone, p. 67-68.

72 Faz-se menção ao conceito clássico de soberania que tem início com a Revolução Francesa e domina século XIX até a Primeira Guerra

Mundial. O que se quer demonstrar é que tal conceito nada tem haver com direito de autodeterminação.

73 Direito natural é o conjunto de regras que se supões existir em decorrência da própria natureza do homem, ou da natureza em geral, e que,

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