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OS SENTIDOS QUE (RE) FAZEM O SENTIDO

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Academic year: 2021

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OS SENTIDOS QUE (RE) FAZEM O SENTIDO

Katia Cristina Schuhmann ZILIO1

RESUMO: Este trabalho trata-se de uma análise de texto chargístico a partir dos dispositivos teóricos e analíticos da Análise do Discurso compreendendo a língua como lugar do equívoco, da falha onde há a instauração da formação discursiva. O texto analisado oferece-se à leitura e análise compreendendo essa falha no ritual visto que deixa de ser humorístico para se apresentar como uma reflexão. Segue, também, nesse corpus recortado, uma análise do texto escrito que acompanha a charge a partir do olhar gramático-semântico. A análise é composta então por olhares que incursionam pela AD e pela estrutura textual devido à quebra da relação humorística e irônica e o uso de metalinguagem no texto escrito.

PALAVRAS-CHAVE: discurso; sujeito; formação discursiva.

1. Introdução

A análise do discurso permite especializar o dispositivo teórico para a compreensão dos sentidos a partir do exercício de análise, leitura e interpretação do texto. O objeto de análise é a linguagem no texto já produzido por um sujeito sobre o qual se projeta o olhar do analista para a compreensão das condições de produção. Os sentidos produzidos pelo discurso que se apresentam em um determinado texto podem suscitar uma análise a partir da posição sujeito do analista. Discurso é, então, efeito de sentido entre interlocutores, o que significa perceber esse efeito como relação de sujeitos simbólicos que participam do discurso numa determinada circunstância. Nesse jogo, muitos dispositivos de interpretação são mobilizados e muitos elementos se estruturam a partir da(s) posição(ões) sujeito tomada(s) naquele discurso.

Ao analista de discurso cabe “não negar o equívoco, mas considerá-lo em sua relação com a linguagem, não apagá-lo, mas trabalhá-lo” (ORLANDI, 1996, p. 92). O gesto da interpretação vem carregado de uma memória que possibilita ao leitor e ao analista diferentes olhares e deslocamentos de sentido. O dispositivo analítico permite ao analista compreender para além da estrutura, levando em consideração cada gesto de interpretação. Diante disso, convém ressaltar, no entanto, que a estrutura do texto possibilita o início dos olhares para restituir a espessura da linguagem que ora se apresenta no texto analisado. Para a análise mobilizamos alguns conceitos que formam o dispositivo analítico para o texto em questão, pois é importante compreender sujeito, formação discursiva, recorte, corpus, memória. No decorrer da análise do discurso muitos desses conceitos serão arrolados em face de sua importância na discussão do corpus escolhido.

Para fazer sentido, o sujeito é mobilizado pelas memórias discursivas que o afetam nessas circunstâncias e provocam esse e não outro sentido. O sujeito de um discurso não é, pois, um sujeito qualquer, mas sim o sujeito proposto pela posição sujeito. A língua é a materialidade do discurso que traz a história e a ideologia em si, pois o indivíduo é interpelado em sujeito pela própria ideologia.

Há que se estabelecer um funcionamento para esse e não outro sentido, e isso depende da inscrição do sujeito numa Formação Discursiva, (doravante tratada, neste texto, como FD).

Um sujeito se inscreve numa FD para produzir sentido. Orlandi (2006) afirma que as FD são a projeção, na linguagem, das formações ideológicas- o que determina o que pode e deve ser dito. (17). Assim também Pechêux (1988, p. 160) entende a FD dizendo que “a noção de FD

1 ¹Professora da Universidade do Contestado, Mestre em Educação, Doutoranda em Ciências da Linguagem.

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corresponde a um domínio do saber, constituído de enunciados discursivos que representam um modo de relacionar-se com a ideologia, regulando o que pode e deve ser dito”.

Para se estabelecer a análise do discurso, ao analista cabe fazer o recorte e estabelecer os aportes teóricos de que se valerá para a análise, esse recorte delimita o corpus a que se seguirá a análise e a posição do analista determina o recorte que articulará os conceitos e corroborará com os elementos com os quais o analista poderá compor seu olhar. É necessário verificar quais gestos de interpretação foram mobilizados para que se estabelecesse este e não aquele sentido. Cabe ao analista também depreender os gestos de interpretação contidos nos domínios dos objetos simbólicos e compreender como o texto produz sentidos e quais gestos de interpretação são trabalhados naquela discursividade que é o objeto interpretado.

O sentido não é transparente ele não está lá somente, há sempre a não evidência que relativiza a relação do sujeito com a interpretação. Isso pode ser compreendido como os pré- construídos, que, de acordo com Pêcheux (1988, p. 164): “o ‘pré-construído’ corresponde ao

‘sempre-já-aí’ da interpelação ideológica que fornece-impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade (o ‘mundo das coisas’)”.

Os pré-construídos dos sujeitos se articulam ao construído para comporem o sentido a fim de colaborarem com a interpretação e possibilitar ao sujeito compreender o discurso com aquilo que já viveu ou viu, ou ainda como diz Orlandi (1996, p. 85) se reconhecer no sentido que produz.

Nesse processo de interpretação, o analista deve buscar apreender as margens discursivas considerando a opacidade, a não fixidez dos sentidos, as heterogeneidades, as inconsistências e as contradições próprias do discurso. Assim como garante Orlandi (2001, p.

20):

O sujeito é a interpretação. Fazendo significar, ele significa. É pela interpretação que o sujeito se submete à ideologia, ao efeito da literalidade, à ilusão do conteúdo, à construção da evidência dos sentidos, à impressão do sentido já- lá. A ideologia se caracteriza assim pela fixação de um conteúdo, pela impressão do sentido literal, pelo apagamento da materialidade da linguagem e da história, pela estruturação ideológica da subjetividade.

É por isso que quando o sujeito se inscreve numa FD, parece a ele que o sentido é transparente e já está lá, o sujeito se reconhece nesse sentido que produz. A aventura maior em enveredar-se por este percurso é trabalhar com o fato de que o discurso é atravessado pelas falhas, opacidades, contradições que lhe são constitutivas, ou, em outras palavras, por sua heterogeneidade. E é isso que nos interessa nesta análise, compreender a falha que se instaurou no discurso para (re)significar aquilo que se quis dizer. O sentido que ora significa ao sujeito o faz pela sua memória discursiva que o impele à construção este e não de outro sentido.

A análise de discurso não é um método que visa à descoberta de sentidos 'ocultos' ou verdadeiros' ou 'imanentes' nem é um instrumento neutro de investigação. Ao contrário, trata- se de um conjunto de procedimentos teórico-metodológicos que a cada análise se redefine, retornando sobre seu próprio saber. Analisar é, pois, um processo de compreensão das formações discursivas que constituem o corpus a que os esforços depreendem olhares.

2. Das (des) construçõeS

O objeto desta análise se constitui numa charge veiculada no jornal A semana de Curitibanos SC, na edição no 1309, que circulou de 15 a 21 de novembro de 2008. A charge apresenta como primeiro nível de materialidade, o discurso jornalístico que tem arcabouço em notícias veiculadas geralmente na mesma edição e com ela estabelece relações de humor e

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ironia. É num palco de infinitas possibilidades de interpretação que circulam os discursos chargísticos. Estreitamente relacionada à prática jornalística, a charge é um gênero de discurso que não está isento de influências sócio históricas.

Figura 1 – Charge veiculada no jornal “A semana” de Curitibanos, SC

Identificadas pela mídia como peças de humor gráfico, as charges comportam a articulação do verbal (palavra) com o não verbal (imagem) que constrói múltiplas direções de leitura, associando recursos como a ironia e o desenho caricatural. Todo processo de elaboração das charges tem por base ou fonte de inspiração outros textos e discursos, principalmente notícias veiculadas por jornais impressos e outros meios de comunicação.

Tecido com fios de um humor irreverente, crítico, aparentemente inofensivo, o discurso da charge desvela o cotidiano da sociedade seus valores, experiências, misérias, fraquezas e grandezas marcadamente humanas. Por isso, as charges são potencialmente decisivas no processo de construção e veiculação de ideologias. É a característica humorística que foi posta em jogo no texto analisado: o discurso do humor foi quebrado pelo próprio texto verbal de forma metalinguística, propondo a não aceitação do humor num texto que tem essas características, tornando possível a análise desse enunciado na perspectiva discursiva, pois põe em jogo a maternidade na imagem que foi construída socialmente.

O que clama por sentido e, por isso, é tema de análise é a quebra da relação humorística e irônica, pois ao se inscrever no discurso jornalístico, o sujeito subverteu a própria forma do seu texto à reflexão para mostrar a subversão social. A temática desenvolvida pela referida charge diz respeito à agressão de crianças pelos próprios pais ou parentes. Ela encontra ressonância na matéria ”Filhos da dor” que circulou na mesma edição e que diz respeito à agressão a crianças e a primeira prisão de mãe agressora na região onde circula o semanário.

O corpus é composto da imagem e do texto escrito, e cabe discutir cada um, visto sua estrutura e combinação. O uso da metalinguagem e a presença do texto imagético colaboram para o recorte e estabelecem a falha que, de acordo com Orlandi (2012, p. 231): “A ruptura se dá quando a língua se abre em falha [...]”. A falha na relação com a materialidade do discurso de humor e ironia que é anunciada no próprio texto motiva a Análise do Discurso.

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Ao elaborar o texto charge o sujeito/autor usou, como já foi mencionado, a reportagem que diz respeito à violência infantil, mas na linguagem imagética utilizou como personagem uma menina de vestido e ou camisola que se encolhe em um canto de um quarto (ou qualquer outro lugar fechado). Essa menina, agarrada a uma boneca (ou bicho de pelúcia), tem o olhar voltado para o que se pode imaginar uma porta, e, dali, surge a sombra feminina com a mão estendida como que para bater. A charge em preto e branco reafirma o ponto de luz e sombra que metaforiza o bem e o mal na imagem.

Se o trabalho de um analista de discurso é, como diz Orlandi (1996, p. 80) “mostrar como um objeto de significação trabalha em texto, qualquer texto”, cabe verificar o efeito metafórico da sombra feminina no texto imagético da charge. A interpretação dessa imagem traz a lembrança da mãe como aspectos positivos quanto ao amor materno. A imagem contraria o pré-construído de mãe ideal de amor.

Língua e história se ligam pelo equívoco, esse equívoco permite compreender a relação do sujeito com o inconsciente e o interdiscurso, como aquilo que não é dito, mas está lá. A interpretação da imagem escura como sombra feminina de mãe é da ordem da interpretação que faz sujeito e faz sentido. O sentido não está lá no texto, entretanto o sujeito, no gesto de interpretação, mobilizando as marcas que a compõem, reconhece o sentido já lá.

A leitura da charge e as relações de sentido são oriundas do gesto de interpretação que move o sujeito para a compreensão daquilo que ele acredita já estar no texto. De acordo com Orlandi (1996, p. 80), “o sujeito está sob o efeito do apagamento da alteridade com exterioridade, historicidade, por isso infere evidência de sentido ao próprio texto”.

Parece então visível ao sujeito leitor que a imagem escura na charge seja a mãe, e as construções interpretativas que se fazem a partir daí dão conta do que o sujeito autor já previa:

ler e compreender que a mãe é agressora nesse texto, como na reportagem que deu origem à charge. Compor esse espaço é compactuar da memória discursiva da figura materna que ama incondicionalmente. A falha se instala nessa ruptura que o texto imagético oferece ao sujeito.

Então, partindo do princípio acima, a união do texto imagético que compõe a charge ao texto verbal que dele também faz parte, assujeita o sujeito leitor à interpretação a que o texto escrito remete, de não achar graça visto que a violência infantil hoje é tratada como crime previsto em lei.

Esse assujeitamento, a que nos referimos, avilta o sujeito às suas convicções histórico- religiosas, pois esse sujeito é interpelado pelo sentido que ele acredita estar no texto residindo passivamente e o determina internamente como origem do sentido que o produz. A transparência/opacidade que o texto/ charge oferece ao sujeito o interpela para compreender o que não está no texto, mas que o sujeito acredita residir nele (no próprio texto).

O gesto de interpretação do sujeito vem carregado de uma memória, no caso do texto analisado, da memória de que o texto charge é sempre humorístico que é negado explicitamente pelo texto verbal da charge analisada, e da memória da imagem de mãe que contraria, na charge, o ideal filiado à memória do sujeito. A essa memória foi possível constituir sentido e sujeito, visto que ambos, ao se constituírem, fazem-no na construção do mundo pela linguagem: onde está o mesmo, está o diferente. O indivíduo, interpelado em sujeito pela ideologia, significa o texto. O sujeito, ao ler, recorre a um arquivo dos discursos disponíveis que possibilitam a construção de sentidos possíveis àquele texto. A veiculação, na mídia impressa, de um texto que desestabiliza a imagem da mãe (quando fala do acolher e afagar) para deslizar na formação metalinguística da própria charge, faz deslocar o sentido.

Há então o deslocamento de sentido para que se estabeleça a interpretação do que seja o texto de charge e como foi representado no jornal, em sua abordagem metalinguística na relação com a imagem. A interpretação foi possibilitada pela memória que, no texto imagético, revela-seno contexto iluminado (mais claro) e a sombra que se aproxima com a mão levantada.

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A falha do ritual de interpretação da mãe como figura de amor e carinho desliza na imagem da mão, que o texto já anuncia que não será para carinho, e que contrasta com a memória que temos da figura materna. É aí que “o irrealizado advém formando sentido no interior do seu sentido” (PÊCHEUX, 1988, p. 16).

O espectro da sombra do escuro da mão levantada é um acontecimento em que o real vem se afrontar com o imaginário (PECHEUX 1990 apud INDURSKY, 2005), que confronta violência e civilidade na relação pais e filhos, ou que se confronta ao pátrio poder endereçado aos pais a partir da delegação do Estado. No entanto, é esse mesmo Estado que condena o ato de violência e o pune pelo exagero. Pode-se pensar, então, no conflito que se estabelece no imaginário que constitui a mãe figura humana, educadora e a figura do carrasco que pune (remontando a idade média). Orlandi (2001, p. 115) afirma:

O espaço de interpretação no texto materializa o político, projetando diferentes formações discursivas que se apresentam no recorte. Em outras palavras, os significantes se materializam na historicidade, em sua disposição temporal ou espacial, na medida em que se coloca o discurso em texto ‘refletindo nele’ o jogo ideológico.

A ruptura e reconfiguração do que é charge e sua relação metalinguística como texto imagético é que clama sentido àqueles que não se inscreveram nessa FD. É perceptível, contudo, uma identificação do texto imagético em 1o plano e uma correlação dele com a outra FD (a do texto escrito que possibilita novos olhares situando o sujeito na FD do texto escrito).

Ao fazer a leitura da charge, o sujeito leitor se identifica com a FD do sujeito autor. Essa identificação do sujeito do discurso com a forma sujeito da FD afeta o sujeito (assim como descreve Pêcheux) caracterizando o discurso contra a violência infantil numa identificação positiva e contra atos dessa natureza.

Ao mesmo tempo o sujeito, através de uma tomada de posição se contrapõe aos saberes que se organizam no interior da FD levando-o a contra identificar-se com alguns saberes veiculados pela FD. Por isso a indignação diante da imagem e mesmo do texto escrito podem encontrar uma contra identificação com essa mesma FD que o afeta. O sujeito é, pois, afetado pela imagem, já o texto escrito supõe inscrição no texto jornalístico/humorístico charge para que seja compreendido.

Cabe observar a relação metalinguística do texto escrito, que estabelece um contrato com o leitor: o convite de “Quebremos as regras” funciona como um dispositivo que aciona na leitura um comportamento de filiação a uma FD àquela de que o sujeito sabe a regra a ser quebrada.

O uso do SE (conjunção adverbial condicional) anuncia a regra que irá ser quebrada, no texto, essa conjunção é acentuada em sentido negativo pela presença de outras duas conjunções aditivas de sentido negativo NEM para logo após concluir (sem uso de conjunção conclusiva).

O uso da pontuação, mais precisamente o uso das aspas, que de acordo com a gramática são utilizadas para indicar o início e o fim de uma citação de modo a diferenciá-la do restante do texto, que parecem querer demonstrar a fala do sujeito autor um movimento de metalinguagem que se auto especifica e reafirma o que o texto imagético oferece à leitura.

Ao anunciar a quebra de regras com uso do subjuntivo (modo verbal que considera o fato como uma possibilidade, um receio, um desejo, mas não o considera ainda como uma ocorrência) o texto já oferece ao leitor a ideia de que pode ocorrer. Há o que se pode chamar de atravessamento que interrompe a forma lúdica da charge ao quebrar a regra material da forma textual da charge para corresponder a quebra social e isso é feito sob a perspectiva, principalmente, da imagem: a forma se diz nela mesma. O uso dos dois pontos tem a função de introduzir um esclarecimento, diz respeito a que regra se refere a quebra.

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O uso da 1a pessoa do plural (nós) possibilita a participação de quem lê o texto para quebrar a regra, funciona como um convite que explicado a partir das orações subordinadas condicionais introduzidas pela conjunção SE de forma negativa (visto o uso de nem) estabelece com o leitor um trato de concordância com o enunciado que se segue. O texto aproveita-se da memória do sujeito leitor e negocia o sentido na construção do período com orações subordinadas adverbiais condicionais, pois estabelece, nesse contexto, um contrato que o leitor vai compactuar visto que a violência infantil é rejeitada na sociedade. O que chama a atenção é o uso do verbo QUEBRAR que representa, de certa forma, um gesto violento para tratar da violência contra a criança numa relação consensual metalinguística com a estrutura do texto charge.

O uso dos conectivos “nem, nem” aliados ao advérbio “não” acentuam o valor negativo do texto imagético, pois ativa a memória no que diz respeito ao já lá numa opacidade que se institui na aparente transparência do texto. O enunciado retoma o discurso da violência infantil pelo viés da memória do sujeito que empreende o sentido a partir do que vê/ lê e lembra ou faz lembrar. As famílias parafrásticas vão se constituindo na imagem e na palavra para, no movimento do sentido, significar.

Assim como afirma Guimarães (1989, p. 74): “Nada se mostra a si mesmo na linguagem. Algo sozinho nunca é linguagem. Algo só é linguagem com outros elementos e nas suas relações com o sujeito. Isto dá o caráter inescapavelmente histórico da linguagem”.

3. Fechando com efeito fecho

A partir da análise linguística do corpus, cabe perguntar se há presença de acontecimento discursivo ou acontecimento enunciativo. Para compreendê-los e diferenciá-los pode-se recorrer a Freda Indursky (2005) que faz a diferenciação a partir do texto “Unicidade, desdobramento, fragmentação: a trajetória da noção de sujeito em AD”. Para ela, alicerçada em Pechêux “o acontecimento discursivo determina o surgimento de uma nova forma sujeito e, por conseguinte, de uma nova formação discursiva [...] já o acontecimento enunciativo implica apenas a instauração de uma nova posição sujeito no interior de uma mesma formação discursiva” (INDURSKY, 2005, p. 28).

Considera-se que a atenção e o estranhamento que o texto imagético impôs para o sujeito leitor, instaurou uma nova posição sujeito na formação discursiva na qual esse sujeito estava inscrito. A ruptura que o texto imagético da charge instaurou fez surgir novos saberes.

A luta desses saberes tem reflexos da ideologia dominante, daquilo que conhecemos como família e, ao mesmo tempo, o estranhamento proporcionado pelo indizível, daquilo que se origina na autoridade da mãe e de como ela se instala nesse texto de forma a subverter o sentido da autoridade materna que já se conhece, de tal forma que outro sentido, até então interditado, passa a ser enunciado. Esse estranhamento é ainda mais acentuado quando tomamos o texto escrito que, na função metalinguística, nega o humor no texto humorístico (a charge). Para o sujeito leitor de charge, há o estranhamento e a instauração de uma nova posição sujeito. No texto verbal, há uma interrupção de sentidos já conhecidos que são mobilizados para leitura desse tipo de texto, para mobilizar outros, já anunciados no texto, pois para haver sentido na palavra é necessário que ele já tenha existido. A imagem não se move, mas o sujeito vê a agressão a que a menina está sujeita e, por isso, indigna-se perante o que acredita ser o sentido construído pela sua leitura, inscrito que está no discurso da violência e no da charge corrompido pela contra identificação que a FD possibilitou. É assim que a AD desliza e delineia novos olhares e sentidos que alargam e retém o tempo para significar na história. É inegável, no entanto, que muito ainda se tem a dizer para que, na esteira do texto, deslize o sentido que se pensa ser ele.

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