Tribunal da Relação do Porto Processo nº 530/15.0T8AGD.P1 Relator: JORGE LOUREIRO
Sessão: 16 Dezembro 2015
Número: RP20151216530/15.0T8AGD.P1 Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: NEGADO PROVIMENTO
AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO DANOS MORAIS
Sumário
Deve ser liminarmente indeferida a petição inicial, por manifesta
improcedência do pedido, se o autor propõe uma acção emergente de acidente de trabalho contra a seguradora de acidentes de trabalho peticionando apenas uma indemnização por danos morais.
Texto Integral
Apelação 530/15.0T8AGD.P1 Autor: B…
Ré: C… - Sucursal Em Portugal
Relator: Jorge Manuel Loureiro 1º adjunto: Jerónimo Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
O autor era trabalhador subordinado de D…, SA, sendo que esta tinha
transferido para a aqui ré a responsabilidade civil por acidentes de trabalho que aquele sofresse ao seu serviço.
Ao serviço da D…, SA, o autor sofreu um acidente de trabalho no dia 29/2/2012.
Tendo esse acidente por objecto, correu termos no juízo do trabalho Tribunal
da Comarca do Baixo Vouga uma acção especial emergente de acidente de trabalho com nº 365/12.1T4AGD, no âmbito da qual lhe foi reconhecida uma IPP de 4,5%, tendo-lhe sido paga a quantia de 4.531,19 € a título de capital de remição.
O autor propôs a presente acção contra a aqui ré, peticionando a condenação desta a pagar-lhe quantia de 50.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes daquele mesmo acidente.
Na sua petição inicial o autor não alegou qualquer facto no sentido de
sustentar que tal acidente foi provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão -de -obra, ou resultou de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Alegou, mesmo, que o acidente se ficou a dever-se a causas imprevistas e imprevisíveis (art. 24º da petição).
Conclusos os autos para efeitos de despacho liminar, o tribunal recorrido indeferiu liminarmente a petição inicial nos termos seguidamente transcritos:
“Assim e em face de todo o exposto, uma vez que, mesmo que a provar-se toda a factualidade alegada, a presente acção sempre estaria votada à
improcedência, indefere-se liminarmente a petição inicial, nos termos do nº 1 do art. 54º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o nº 1 do art.
590º do Código de Processo Civil.”[1].
Como fundamento do assim decidido, invocou-se, designadamente, que o autor alega um acidente de trabalho devido a causas imprevistas e imprevisíveis, peticionando uma indemnização por danos morais por cujo pagamento nunca poderia ser responsabilizada a seguradora de acidentes de trabalho, ora ré.
Não se conformando com o assim decidido apelou autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
“1- Vem o presente recurso da douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que indeferiu liminarmente a petição inicial, nos termos do nº 1 do artigo 54º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o nº 1 do artigo 590º do Código de Processo Civil e, consequentemente, pôs termo ao processo;
2- O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo fundamentou a sua decisão invocando o disposto no art.º 18º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, havendo culpa do empregador, os danos constantes do elenco do regime da responsabilidade pelos acidentes de trabalho serão obrigatoriamente ressarcidos nos termos deste regime, abrangendo então os danos não patrimoniais, por terem um nexo de causalidade adequada com o acidente de trabalho ”;
3- Alegando ainda que o Autor apenas demandou a Companhia Seguradora;
4- E que pelos danos não patrimoniais apenas a entidade patronal poderia responder;
5- Salvo o devido respeito, de modo nenhum podemos concordar com a douta decisão recorrida;
6- A fundamentação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, toda ela foi no sentido de considerar que a entidade patronal também deveria ter sido demandada na acção sub judice.
7- Por a petição inicial ter sido apresentada a despacho liminar por
determinação do Meritíssimo Juiz a quo, a mesma só seria de indeferir quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, conforme estabelece o artigo 590º do Código de Processo Civil.
8- Na douta decisão recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo não faz qualquer referência a que o pedido seja manifestamente improcedente.
9- Quanto à excepção dilatória, a da ilegitimidade da Ré Seguradora, por desacompanhada da entidade patronal, a mesma não é insuprível, devendo aplicar-se o disposto no artigo 560º do Código de Processo Civil, conforme estabelece o artigo 590º, nº 1, parte final do mesmo diploma.
10-Nesse sentido e conforme estabelece o referido artigo 560º do Código de Processo Civil, a decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo deveria ter sido no sentido de convidar o Autor a apresentar nova petição inicial,
11-Ou, em alternativa, ser proferida decisão a julgar a Ré parte ilegítima, por forma a possibilitar ao Autor vir suprir a referida excepção dilatória.
12- Foram violados os artigos 54º do Código do Processo do Trabalho e artigos 590º e 560º do Código de Processo Civil.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento (fls. 44 e 45).
Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte única
questão a decidir: saber se deve subsistir o despacho de indeferimento liminar da petição.
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III – Fundamentação
A) De facto
Os factos provados
Os factos provados são os que resultam do relatório do presente acórdão.
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B) De Direito
Questão única: saber se deve subsistir o despacho de indeferimento liminar da petição.
A questão que vem colocada à nossa consideração reveste-se de grande simplicidade, não sendo credora de grandes esforços de fundamentação tendentes a demonstrar o acerto com que decidiu o tribunal recorrido.
Assentando o regime de reparação dos acidentes de trabalho, essencialmente, na teoria do risco económico ou de autoridade[2], ou seja, numa
responsabilidade objectiva da entidade patronal, independente da culpa,
prescreve o art. 2º/1 da LAT/2009 que “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.”, estatuindo o nº 1 do art.
8º do mesmo diploma que “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão
corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
Nos termos do art. 23º da LAT/2009, “O direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie — prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que
necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da
capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) Em dinheiro — indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.”.
Finalmente, prescreve o art. 18º/1 da LAT/2009 que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão -de -obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a
totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”.
Assim, no âmbito do acidente de trabalho os danos indemnizáveis não são todos aqueles que dele tenham emergido, mas apenas a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes da lesão corporal,
perturbação funcional ou doença.
Por outro lado, a reparação não é feita nos termos gerais previstos para a responsabilidade civil extracontratual, mas exclusivamente nos termos previstos no regime jurídicos dos acidentes de trabalho.
Como escreve Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, p. 185), a respeito da LAT/19997 mas em termos perfeitamente transponíveis para a LAT/2009, “O regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, consagra uma responsabilidade objectiva do empregador, cujo âmbito indemnizatório, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a responsabilidade emergente de acidente de viação (art.º 508.º do CC), está circunscrito, não por via do estabelecimento de um limite máximo de
indemnização, mas através da delimitação do conceito legal de acidente de trabalho e dos danos ressarcíveis, que apenas abrangem as despesas
respeitantes ao restabelecimento do estado de saúde e os danos resultantes da perda de capacidade de trabalho do sinistrado e os danos resultantes da perda ou diminuição da capacidade de ganho.”.
Flui do exposto que os danos que não sejam de natureza corporal ou funcional, isto é, que não tenham causado a morte, ou redução da capacidade de
trabalho ou de ganho, não são indemnizáveis ao abrigo da lei de acidentes de trabalho, razão porque, em regra, os danos não patrimoniais ou morais não são reparáveis – acórdão da Relação do Porto de 11/1/2010, proferido no processo 9/09.9TTLMG.P1, acórdãos da Relação de Lisboa de 26/2/2014 e de 6/2/2013, proferidos nos processos 4281/12.9TTLSB-A.L1-4 e
393/07.9TTSNT.2-L1-4, acórdão da Relação de Évora de 23/10/2014, proferido no processo 273/10.0TTFAR.E1.
As únicas situações em que a LAT/2009 prevê a ressarcibilidade dos danos morais são as previstas no já citado art. 18º/1, a saber: a) o acidente tiver sido provocado por culpa do empregador seu representante ou entidade por ele contratada ou empresa utilizadora de mão-de-obra; b) o acidente resultar da falta de observância por aqueles de regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Por outro lado, é preciso também ter em devida conta o estatuído no art. 79º/3 da LAT/2009, nos termos do qual “Verificando -se alguma das situações
referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem
prejuízo do direito de regresso.”.
Resulta do exposto que nas duas situações previstas no art. 18º/1, o
agravamento aí previsto apenas será suportado pelo empregador, nunca pelo segurador de acidentes de trabalho, o qual só responde pelas prestações normais decorrentes do regime jurídico dos acidentes de trabalho – Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição p. 874; parecer nº 46/08/DCM/DSP, de 10 de Outubro, do Instituto de Seguros de Portugal, Revista Fórum, ano XII, nº 26, Outubro de 2008, pp. 98 e 99.
No caso em apreço, invocando e descrevendo um acidente de trabalho sem invocação de quaisquer circunstâncias susceptíveis de integração numa das situações de responsabilidade agravada acabadas de enunciar, o autor
demanda a seguradora de acidentes de trabalho peticionando a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização por danos morais.
Ora, em face do supra referido, é manifesta a improcedência[3] da pretensão do autor pois que em nenhuma circunstância pode a demandada ser
responsabilizada pelo ressarcimento de danos daquela natureza.
Não se trata aqui, ao contrário do que parece pretender o recorrente, de uma situação de ilegitimidade processual passiva da ré[4], a justificar uma decisão de absolvição da instância da mesma, mas de uma situação de verdadeira improcedência substantiva da pretensão deduzida conta a ré a justificar o indeferimento liminar da petição inicial (art. 590º/1 do NCPC).
Por outro lado, em função da remissão constante do art. 590º/1 do NCPC para o respectivo art. 560º, cabe ao recorrente a iniciativa de apresentar nova petição, não cabendo ao tribunal recorrido qualquer dever de proceder a qualquer convite no sentido dessa apresentação.
Finalmente, não tendo sido alegados factos susceptíveis de integrar os pressupostos de responsabilização agravada da entidade empregadora prevista no citado art. 18º, também não fazia qualquer sentido qualquer iniciativa do tribunal no sentido de fazer intervir nos autos a entidade
empregadora do recorrente (art. 27º/a do CPT), pois que em face do alegado na petição inicial sempre seria de concluir no sentido da improcedência da pretensão do autor.
Assim, bem decidiu o tribunal recorrido ao indeferir liminarmente a petição.
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IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar a apelação improcedente, mantendo- se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 16/12/2015.
Jorge Loureiro Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva ___________
[1] O trecho acabado de transcrever é por si só elucidativo de que não é exacto o teor da conclusão 8ª da recorrente no sentido de que “Na douta
decisão recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo não faz qualquer referência a que o pedido seja manifestamente improcedente.”.
[2] Sobre a evolução do regime jurídico da reparação infortunística e das teorias que o sustentam pode ver-se Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pp. 9 a 13, bem como Cruz de Carvalho,
Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, L. Petrony, 1983, pp. 9/10;
acórdãos do STJ de 29/1/2014, proferido no processo 1008/06.8TTVFX.L1.S1, de 17/12/2009, proferido no processo 455/04.4TTLMG.S1; acórdão da Relação de Coimbra de 3/7/2014, proferido no processo 1162/11.7TTCBR.C1; acórdão da Relação de Porto de 22/4/2013, proferido no âmbito do processo
253/11.0TTVNG.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 26/2/2014, proferido no processo 4281/12.9TTLSB-A.L1-4.
[3] É manifestamente improcedente a pretensão do autor se procedendo-se a um julgamento antecipado do seu mérito, no pressuposto de que os factos alegados pelo autor são verdadeiros, se concluir no sentido de que a mesma nunca poderá proceder, sendo inútil qualquer instrução ou discussão posterior – Alberto do Reis, CPC Anotado, Vol. II, p. 385, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma, I vol., p. 259 e III vol., p. 182, acórdão da Relação de Lisboa de 15/9/2015, proferido no processo 16407/15.6T8LSB.L1-7
[4] Na decisão recorrida não se alude nunca a qualquer espécie de
ilegitimidade da ré decorrente do facto de se encontrar desacompanhada da entidade empregadora do autor.
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Sumário:
Deve ser liminarmente indeferida a petição inicial, por manifesta
improcedência do pedido, se o autor propõe uma acção emergente de acidente de trabalho contra a seguradora de acidentes de trabalho peticionando apenas uma indemnização por danos morais.
Jorge Loureiro