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Processo

954/05.0TCSNT.L1

Data do documento 29 de janeiro de 2014

Relator Mário Mendes

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Resolução de negócio > Boa fé > Dever acessório > Comportamento concludente

SUMÁRIO

I - O princípio do pontual cumprimento dos contratos e a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, justificam a resolução do contrato, por violação do princípio da boa-fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, nos casos em que o comportamento do devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir, ou seja, justificadamente determinante da perda de interesse do credor.

II - A vontade de não cumprir pode resultar de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres convividos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpretados na inexecução do contrato.

III - Esses actos relevam, desde que, objectivamente apreciados, mereçam inquestionável censura, não sendo justo que o credor, por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento, esteja atido à vontade lassa do devedor.

IV - A resolução surge, nestes casos, como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo, através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual.

* sumário elaborado pelo relator

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

(2)

I - AA, intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra BB, CC e DD, EE e FF, GG e HH pedindo que seja declarada judicialmente a resolução do contrato de promessa que referenciam;

sejam os RR condenados a pagar à A, a quantia de €100,000,00, a título de devolução de sinal passado em dobro, nos precisos termos do n. o 2 do art. o 4420 do Código Civil; sejam os RR condenados a pagar à A, a título de indemnização, os juros de mora, vencidos de € 361,64, bem como os vincendos, à taxa legal, sobre a verba de €100.000,00, calculados desde 30/03/2005 até efectivo e integral pagamento; sejam os RR condenados a pagar à A., a título de indemnização, a quantia de € 2.097,96, correspondente ao valor global das despesas suportadas pela A directamente decorrentes das operações de compra e venda e de concessão de crédito bancário; condenados a pagar à A, a titulo de indemnização, os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre a verba de € 2.097,96, calculados desde a data da citação para presente acção até efectivo e integral pagamento e, ainda, condenados a pagar à A, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00.

Alega, em síntese, que por documento particular de 04-08- 2004, celebrou com a 2a R. mulher - esta por si e como procuradora dos demais RR - um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano que identifica, registado a favor dos RR em comum e sem determinação de parte ou direito, nos termos do qual prometeu comprar e os RR vender o aludido prédio, livre de ónus ou encargos, pelo preço de € 600.000,00, vindo a também R HH a subscrever, também, o dito contrato.

A escritura de compra e venda deveria realizar-se logo que estivesse reunida toda a documentação necessária por parte dos RR, o que se previa acontecesse no prazo de 100 dias contados da data do contrato-promessa, ocorrendo, porém, que os RR não criaram as condições para a realização do contrato prometido, apesar de várias vezes instados para o efeito, situação essa que conduziu a que, por carta de 30-03-2005, tenha manifestado, invocando a perda de interesse no negócio, a sua intenção de resolução do contrato e exigindo, em consequência a restituição do sinal passado, em dobro, ou seja, € 100.000,00;

acrescenta que o incumprimento contratual dos RR lhe acarretou vários prejuízos relativos a despesas com emolumentos, despesas notariais, bancárias, IMT, remuneração bruta deixada de auferir, no montante total de € 2.097,96 e que sofreu danos não patrimoniais com a frustração da compra os quais avalia em € 2.500,00.

Contestaram os RR BB e HH alegando que a eventual responsabilidade perante a A será apenas dos demais RR, que não sua já que havia falta de poderes da 2a R. para outorgar o contrato-promessa e vincular os restantes RR e mais arguindo a nulidade do contrato promessa em causa, por "não estar a ser prometida a venda de um bem da herança", de que o imóvel em causa faz parte, "e omissão de assinatura dos outorgantes com reconhecimento presencial."

Contestaram os 2°, 3° e 4° RR invocando a inoponibilidade da resolução, por ausência de notificação das cartas de resolução, no que aos RR. EE, DD, e BB concerne e Imputando à A - a quem assacam má-fé negocial por via da "inopinada resolução do contrato promessa" - o efectivo incumprimento do contrato, deduzindo no mais impugnação e concluindo com a improcedência da acção com retenção do sinal a seu favor.

Houve réplica da A, pugnando pela improcedência das excepções arguidas pelos RR., e concluindo como na petição inicial.

(3)

Por requerimento de folhas 236-240, deduziu a A incidente de habilitação dos sucessores do 1° R, BB sendo, por sentença de folhas 265, habilitados os requeridos como "únicos e universais herdeiros de BB, para com eles em lugar deste prosseguirem os presentes autos".

A folhas 282-284, requereu a A a notificação dos RR para procederem ao pagamento de juros moratórios vencidos, no montante de € 18.819,81, sob pena de capitalização e a admissão da ampliação do pedido de condenação dos Réus, no pagamento do valor de € 18.819,81.

O processo seguiu seus termos operando-se saneamento, relegando para final o conhecimento das arguidas excepções; foi realizada audiência final e, em sua sequência foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente por provada a acção, condenou os RR:

a) a pagar à A a quantia de € 100.000,00, a titulo de devolução do sinal em dobro,(€50.000,00x2), quantia à qual acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da recepção da carta de resolução do contrato, 05-04-2005 até 24-05-2012 que ascendem a 28.558,90 e vincendos desde 23-05-2012 até efectivo e integral pagamento (artigos 8050 e 806~ ambos do CC);

b) a pagar à A a quantia de € 2729,96, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal para os juros civis, que ascendem a € 599, 13, contados desde a data da citação - 5- 04-2005 até hoje - 24-05-2012 e os vincendos, desde 22- 05-2012, até efectivo e integral pagamento;

c) a pagar a quantia de €1 000,00, quantia à qual acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal de 4%, desde a citação - 05-04-2005 e até à presente data - 24-05-2012 - que se computam em € 285,59, bem como os vincendos, sobre aqueloutra quantia desde 22-05- 2012 até efectivo e integral pagamento (artºs.

8050 e 8060 do CC).

Inconformados, recorreram os RR CC, EE e BB, e, separadamente, a Ré HH tendo, na sequencia desse recurso, sido proferido o acórdão constante de fls 628 a 657 que, na procedência das apelações, revogou a sentença recorrida, absolvendo os RR do pedido.

II. Deste acórdão vem interposto o presente recurso de revista.

Apresentou a recorrente as suas alegações que constam de fls. 672 a 686, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo havido contra alegações da parte da R recorrida HH, constantes de fls.

694 a 702 e da parte dos restantes recorridos no termos constantes de fls 706 a 715, cujo teor, de umas e de outras, se dá, igualmente por reproduzidos.

Em resultado das alegações referidas, e delimitando o objecto do recurso, resulta fundamentalmente colocada a questão de saber se dos factos provados se pode concluir pela verificação de uma situação que justifique a perda de interesse contratual da A[1], enquanto promitente compradora, traduzindo esses mesmos factos uma vontade séria e determinada dos promitentes compradores em não quererem (ou poderem) cumprir – artigo 808º CC[2][3].

III. Os Factos:

III. 1 – Dados como assentes -

A) Por documento particular designado por contrato promessa de compra e venda, a 2aR, declarou outorgar por si, e pelo 1° e 4° RR, em virtude de procuração, e, sem procuração, na qualidade de cabeça de casal de sua mãe, em representação dos seus irmãos, os 5° e 3° RR., tendo declarado prometer vender à A, o prédio urbano Regueira dos Cepos, sito em Fontanelas, S. João das Lampas, descrito na 1 a

(4)

conservatória de registo predial de Sintra sob o nº 09068, pendente à data de rectificação de áreas, e a A declarou comprar, pelo valor de €600.000, sendo a escritura a realizar logo que estivesse reunida toda a documentação necessária, por parte dos RR, em termos e condições que constam de fls. 20, 21 e 22 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B) Em data posterior à outorga do documento supra referido, a 5a R. assinou o referido documento;

C) O imóvel em apreço tem pela apresentação 18/19102004, a propriedade registada em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos RR em termos de fls. 24;

D) A A efectuou o registo da aquisição provisória a seu favor por meio da ap. 01/20041207, tendo, na mesma data, sido efectuado o registo provisório das hipotecas a seu favor, cf fls. 24;

E) No dia 4/9/2003, o 1°R constituiu sua procuradora a 2aR., com diversos poderes, de entre os quais o de prometer comprar e vender quaisquer bens móveis e imóveis de que seja proprietário ou co-proprietário em Portugal, nos termos de fls. 25 que ora se dão por reproduzidos;

F) No dia 28/10/2004, o 3°R constituiu sua procuradora a 2aR., com diversos poderes, de entre os quais o de vender a parte que lhe pertence no prédio misto sito em São João das Lampas, Sintra, com a matriz predial urbana U- 04065 e R- 00067YY, nos termos de fls. 27 e 28, sito na Estrada Principal das Azenhas do Mar, Fontanelas, que ora se dão por reproduzidos, tendo FF, igualmente 3aR autorizado a venda, em termos de fls. 29;

G) No dia 7/5/2003 o 4°R constituiu sua procuradora a 2aR, com diversos poderes, de entre os quais o de vender a parte que lhe pertence no prédio misto sito em São João das Lampas, Sintra, com a matriz predial urbana U-04065 e R- 00067YY, nos termos de fls. 31, sito na Estrada Principal das Azenhas do Mar, Fontanelas, que ora se dão por reproduzidos;

H) No dia 4 de Março de 2005, pelas 11 h, nas instalações do SIC, sitas em Lisboa, na Rua Andrade Corvo, foi agendada a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel referido em A), tendo comparecido a A e todos os RR, com excepção do 1 °R, representado no acto pela 2aR;

I) No dia 2/3/2005 foi pago pela A, o valor de €36.000, correspondente ao IMT sobre a aquisição em causa, cf. fls. 49;

J) A escritura pública em apreço não foi outorgada, tendo sido certificado pelo cartório em causa, que a 5aR não pretendeu celebrá-la por discordar com a forma de distribuição do produto da venda, cf. fls. 53;

L) Por carta datada de 30/3/2005, dirigida à 2aR por si e na qualidade de procuradora do 1°, 3° e 4°RR, a A declarou a sua intenção de resolver o contrato promessa, em termos e condições que constam de fls. 54 e cujo teor se dá por reproduzido;

L 1)[4] Por carta datada de 30/3/2005, dirigida à 5ª R, que a recebeu, a A declarou resolver o contrato por perda de interesse na realização do negócio prometido, conforme documento de fls 57 a 59, que aqui se dá por reproduzido;

M) O 1° R outorgou no dia 25/2/2005 uma declaração onde fixou o destino a dar ao quinhão hereditário resultante do produto dessa venda, cf. fls. 108;

N) A A pretendeu efectuar no dia da escritura o pagamento da quantia remanescente em dívida, por meio de cinco cheques visados, de €343.750 a favor do 1°R, por corresponder a 20/30 avos do imóvel, de

€51.562,50 a favor de cada um dos demais RR, correspondente a 3/32 avos de cada um;

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O) No dia da escritura a 2aR pretendeu receber o valor correspondente ao seu quinhão e de seu pai, 1°R, num único cheque, endereçado em seu nome.

III.2 - Da base instrutória

1 - A quantia de €50.000, correspondente ao sinal e princípio de pagamento referido no documento mencionado em A), foi entregue pela A. à 2aR.

2 - A 2aR entregou à A. cópia das procurações referidas de E) a G).

3 - O cartório notarial recusou inicialmente marcar a escritura de compra e venda em virtude de a propriedade do imóvel ainda se encontrar, fiscalmente, na caderneta predial, em nome do 1°R., e não de todos os RR, não permitindo a liquidação do IMT.

4 - E ainda em virtude de as procurações referirem a descrição do imóvel objecto de venda não actualizada.

5 - Destes factos a A deu conhecimento à 2aR.

6 - A 26/1/2005, a inscrição na matriz relativa ao imóvel em causa, estava efectuada em nome dos RR.

7 - No dia da escritura referido em H), os RR não lograram obter consenso sobre a forma de distribuição do produto da venda prometida.

8 - A A. contactou os RR diversas vezes com vista a ser realizada a escritura em apreço, sendo que após o dia da escritura referida em H), a A contactou os RR com vista a ser realizada a escritura em apreço.

9 - Nunca tendo os RR acedido a tal.

10 - Por emolumentos registais derivados do registo provisório de aquisição e hipoteca a A. despendeu

€489,26.

11 - E €393,35 a título de despesas notariais cobradas pela escritura agendada, apesar de não realizada.

12 - E a título de despesas bancárias cobradas pela operação de crédito à habitação aprovada junto do BES a A. suportou €375 a título de comissão de estudo do processo e €208,25 pela avaliação.

13 - A A desmobilizou saldos da sua conta poupança com vista à aquisição do imóvel em causa, tendo perdido a quantia de €632, 1 de remuneração bruta.

14- A não aquisição da casa criou desgosto e angustia na A.

15 - Porque tinha projectado na mesma uma nova vida para o seu filho.

16 - A A foi reembolsada do valor despendido em IMT.

III.3 - Prova Documental, nos termos do art. 657° do CPC.

17° O contrato promessa descrito em A. não tem as assinaturas reconhecidas presencialmente - cf. doc. fls 20 a 22 cujo teor se dá por reproduzido.

18° A requisição de Registo provisório a favor da A da propriedade do imóvel objecto do contrato promessa descrito em A está assinada por todos os RR. - cf. doc fls 212 e 213 cujo teor se dá por reproduzido.

IV – Do mérito –

Ao contrário do entendimento que esteve subjacente à decisão proferida pela 1ª Instancia – os factos provados são suficientes para a A, como qualquer cidadão médio concluir que os RR não celebrariam a escritura e para, consequentemente, haver uma objectiva e justificada perda de interesse na efectivação/celebração do contrato prometido – entendeu-se no acórdão recorrido, pelas razões que aí se mencionam, que esses mesmos factos apenas configuravam uma situação de mora e não dispensavam a A

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(promitente compradora) de proceder à necessária interpelação admonitória dos RR (promitentes vendedores) com vista a converter a mora em incumprimento definitivo[5].

Nas condições que são reflectidas pela factualidade provada, constatamos que os RR prometeram vender à A um imóvel cuja propriedade se encontra registada em seu nome, em comum e sem determinação de parte ou direito (comunhão hereditária)[6]; nestes termos, e esta circunstância é de particular relevância para toda a análise que iremos efectuar, a celebração/efectivação do contrato definitivo em termos válidos e eficazes imporia a intervenção de todos os promitentes vendedores – artigos 2091º, 1404º e 1408º 2 CC.

Para além disto, está igualmente demonstrado (v. teor do contrato promessa referido na alínea A dos factos assentes) que esse mesmo contrato promessa foi celebrado em 4/8/2004 e que nele era prevista a realização da escritura no prazo de 100 dias, sendo certo que esse acto notarial apenas veio a ser marcado para 4/3/2005; demonstrou-se, também, que a escritura não foi outorgada pelo facto de a R HH ter declarado expressamente não a querer celebrar, conforme consta do documento notarial constante de fls.

53 (documento 16), acrescendo, ainda, que nesse dia os RR não lograram obter consenso (entre eles) sobre a forma de distribuição do produto da prometida venda[7], sendo certo, como acima tivemos ocasião de referir, que dada a situação de titularidade do imóvel objecto do contrato – propriedade registada em comum sem determinação de parte ou direito – apenas através do acordo e da intervenção de todos os promitentes vendedores era possível a realização do contrato prometido.

Evidencia, ainda, a factualidade provada que a A recorrente, mesmo após o dia da não outorga da escritura, contactou os RR para ser realizada a escritura nunca tendo estes acedido a tal, tendo ela A, na sequencia destes factos (que designa como “sucessão de incidentes”), enviado as cartas constantes dos pontos L e L1 dos factos provados, pelas quais comunica aos RR a perda de interesse na celebração do contrato.

Perante os factos, todos os factos tomados por relevantes, temos que ter presente, com vista à subsunção jurídica dos mesmos que a resolução - art. 432º CC - tem de ser consequência, legal ou convencional, da violação do programa negocial e não é admitida sem que a mora se converta em incumprimento definitivo, seja através de interpelação admonitória, seja pela verificação de perda, objectivamente considerada, do interesse do credor – art. 808º, nºs 1 e 2, CC; o direito de resolução é, recordemos, um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, ou seja para que exista tem de verificar-se um facto determinativo ou constitutivo desse direito, sendo que tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência - J. Baptista Machado “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro, II, Scientia Jurídica, págs. 348/349.

Sublinhe-se, por outro lado e num breve percurso pelo quadro legal que tomamos por incontornável na tomada de decisão, que no conceito legal de incumprimento cabem quer as situações de incumprimento definitivo,

quer as situações de impossibilidade de cumprimento ou a declaração antecipada de não cumprimento.

Como, de forma muito clara e precisa, se refere no acórdão deste STJ de 28/6/2011 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas) o incumprimento definitivo (cuja eventual verificação haverá de relevar para efeitos da decisão a proferir) restringe-se a quatro situações:

- recusa de cumprimento (repudiation of a contract ou riffuto di adimpieri);

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- termo essencial (prazo fatal);

- cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade);

- ou, finalmente e aqui com especial interesse, perda do interesse na prestação, sendo que, nesta ultima situação, essa perda de interesse do credor deve ser apreciada objectivamente, em termos concretos, não bastando que este se limite a alegá-lo, mais concretamente, tem de ter na base uma razão objectivamente perceptível e compreensível para o cidadão comum[8].

Para o que aqui releva temos como certo que para a conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo a interpelação admonitória não se torna necessária naqueles casos em que tenha verificado uma situação qualificável como recusa de cumprimento ou tenha ocorrido e sido justificadamente invocada a perda de interesse do credor; nestes referidos casos relevam, de forma directa ou indirecta, enquanto princípios sempre presentes nas relações jurídicas os princípios da boa fé e da confiança, princípios fundamentais que impõem num plano ético-jurídico que uma parte não defraude as expectativas da outra e que o iter negocial decorra, sem excepções, com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem[9].

É, precisamente, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos - art. 406º CC - e à confiança que os contraentes colocam no cumprimento das prestações recíprocas que se considera constituírem fundamento para a resolução do contrato aqueles casos ou situações em que o comportamento do devedor evidencie, de todo, uma clara e inequívoca vontade de não cumprir ou em que o devedor actue por forma a justificar a perda objectiva do interesse contratual por parte do credor.

Dependendo o referido exercício do direito à resolução de uma ponderação objectiva de interesses terá que existir uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os pressupostos ou limites que conformam o instituto; essa exigência de um fundamento importante, de um fundamental breach na linguagem anglo- saxónica, isto é, de um incumprimento com relevante gravidade (apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa fé que obste a situações de manifesto abuso do seu exercício decorrentes de um incumprimento insignificante ou pouco prejudicial nos seus efeitos, ou e situações em que o credor alega factos determinados por razões de mera conveniência pessoal ou que revelem e se traduzam num aproveitamento das circunstâncias[10].

Revisitando, à luz de tudo o que acima deixamos dito, os factos provados que temos por essenciais no processo de tomada de decisão destacamos que, após o decurso de um prazo marcado pelas vicissitudes reveladas nos pontos 3 e 4 dos factos provados e que excedeu significativamente os 100 dias que estavam previstos a promitente compradora a A recorrente - que já tinha despendido as significativas quantias de € 50000 de sinal e € 36000 de IMT (estes últimos depois reembolsados) – se confrontou com a declaração expressa e inequívoca de uma das promitentes vendedoras (HH) no sentido de se recusar a cumprir, declaração essa que se encontra exarada em documento notarial (ponto de factos J e documento de fls.53). Não podia, perante isto, a A deixar de considerar e ponderar na decisão de manter ou não a vontade negocial (e essa consciência tê-la-iam, também, os RR promitentes vendedores) que esse facto, esse circunstancia, inviabilizava em absoluto a outorga do contrato prometido atenta a situação de

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indivisão (comunhão hereditária) em que se encontrava o imóvel objecto do contrato. Acresce a isto – como evidenciam os factos nºs 7 e 8 relativos a respostas dadas à base instrutória – que a A se confrontou, ainda e na mesma altura (data designada para a celebração da escritura), com um desacordo entre os vários RR sobre a forma de repartição do produto da venda, sendo certo, por outro lado, que na sequencia destes factos os RR nunca acederam à marcação de nova data para a escritura apesar de para isso contactados (pontos 8 e 9).

No contexto de facto que ficou referido a actuação dos RR, particularmente da R HH que recusou cumprir inviabilizando a concretização do contrato prometido como reflecte o documento notarial lavrado na data designada para a escritura mas igualmente dos restantes RR que manifestando divergências entre eles quanto à repartição do preço não atenderam ás insistências da A no sentido da realização da escritura, tem que considerar-se reveladora de uma atitude de injustificável protelamento do cumprimento do contrato incompatível com o principio da boa-fé negocial e violadora da confiança depositada pela A na concretização do contrato prometido, objectivamente fundamentadora da criação de uma perda de interesse contratual.

Devemos tomar em conta que quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de protelar injustificadamente o cumprimento através de atitudes que tornem justificável a perda de interesse do credor ou de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o não tem, nestes casos, o credor de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação.[11]

No caso em apreço a situação de perda de interesse que justifica a atitude resolutiva por parte da accipiens justifica-se pela situação de retardamento no cumprimento da prestação acompanhada de recusa de cumprimento por parte de um dos promitentes vendedores e de circunstanciais desacordos entre outros que justificam o invocado desinteresse do credor na execução do contrato.

Ainda que na perspectiva da doutrina e da jurisprudência se tenha maioritariamente por assente que para a perda de interesse legitimadora do direito potestativo de resolução ou da possibilidade de liquidação da relação, na acepção germânica, não é suficiente que o contraente fiel afirme, mesmo convictamente, que já não tem interesse na prestação verdade é que, em face das circunstâncias, se mostra alegado e provado que a perda do interesse corresponde, neste caso, a uma disfuncionalidade objectiva da relação contratual que impede a execução do contrato[12].

Os factos revelam uma vontade séria e determinada, por parte dos recorrentes (promitentes-vendedores) de não quererem cumprir o programa negocial justificando-se a invocada perda do interesse contratual o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória[13].

Em conclusão:

1 . O princípio do pontual cumprimento dos contratos e a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, justificam a resolução do contrato, por violação do princípio da boa-fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, nos casos em que o comportamento do devedor

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evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir ou seja justificadamente determinante da perda de interesse do credor.

2. A vontade de não cumprir pode resultar de comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente em função dos deveres convividos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato.

3. Esses actos relevam desde que objectivamente apreciados mereçam inquestionável censura, não sendo justo que o credor, por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento, esteja atido à vontade lassa do devedor[14].

4. A resolução surge, nestes casos, como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual[15].

IV – Decisão – Nestes termos acorda-se em conceder a revista revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a decisão contida na sentença proferida em 1ª Instancia.

Custas, nas instancias e neste recurso, pelos RR (aqui recorridos).

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014

Mário Mendes (Relator) * Sebastião Póvoas Moreira Alves

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[1] A perda objectiva de interesse, referida no nº 2 do artigo 808º implica o recurso ao padrão da pessoa normal, funcionando em concreto – Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1º, 55. Como refere Galvão Telles (Obrigações, 3ª edição, 253) não basta a declaração do credor de que a prestação já lhe não interessa devendo verificar-se (jurisdicionalmente) se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas.

[2] No acórdão de 6 de Fevereiro de 2007, de que é relator o Conselheiro Sebastião Póvoas defende-se que o direito de resolução terá de ser “aferido em termos de razoável normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual não dependendo de meros caprichos ou impulsos de ocasião”. A perda de interesse não é um mero não quero mas tem de se fundar numa causa objectiva que o cidadão comum possa apreender e compreender. E tenha-se presente que a perda do interesse tem de resultar da mora, isto é, de relevante retardamento da prestação. (cf. Prof. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obras Dispersas I, 1991, 137/146; Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 924 e Prof. A. Varela, RLJ 118-55. No mesmo sentido, os Acórdãos de 14 de Abril de 2011 e de 20 de Outubro de 2009.

[3] Cabe à A alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse,

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susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir; a perda de interesse reveste, a esta luz, a natureza de facto constitutivo do direito que o credor se arroga de proceder, com esse fundamento, à liquidação da relação contratual (art. 342.º, n.º 1, do CC) – acórdão deste STJ de 15/3/2012 (relator Conselheiro Gabriel Catarino).

[4] Aditado nos termos que constam do acórdão recorrido.

[5] Entendemos que a operação de apreciação objectiva da perda de interesse é uma questão de direito sindicável pelo STJ em sede de recurso de revista – em sentido contrário o acórdão de 13/9/2012 (relator Conselheiro Serra Batista).

[6] Alíneas A) e C) dos factos assentes.

[7] Ponto 7 dos factos provados na BI.

[8] Com se refere no acórdão deste STJ de 15/3/2012 (relator Conselheiro Gabriel Catarino) - já acima referido - a objectividade do critério não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor.” - cf. Batista Machado Baptista Machado, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", in Obras Dispersas, vol. I, Braga, 1991, pag. 137. No mesmo sentido, Ac.

STJ de 29/11/2001, (relatado pelo Conselheiro Miranda Gusmão).

[9] Acórdão de 28/6/2011 citado.

[10] cf. Brandão Proença, “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, págs. 288, 289, 290 e 291, citado no acórdão deste STJ, de 15/3/2012 , referido na nota 8.

[11] Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 20.05.2010.

[12] É o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução Baptista Machado, ob. cit., pág. 352.

[13] cf. Brandão Proença, "Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral", in Bol. da FAs. de Direito de Coimbra, nº especial de 1989, págs. 238 a 241; Baptista Machado, R.L.J. 118º, pág. 332, nota 35; Calvão da Silva, "Sinal e Contrato Promessa", 5ª ed., págs. 103 e segs.

[14] Acórdão STJ, de 22/6/2010 – relator Conselheiro Fonseca Ramos, que em parte se transcreve.

[15] Brandão Proença define resolução “como poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude de circunstâncias (subjectivas e objectivas) posteriores á sua conclusão e frustrantes do interesse de execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações.”

Fonte: http://www.dgsi.pt

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