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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

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Tribunal da Relação de Évora

Processo nº 1015/09.9TBTNV-B.E1 Relator: MÁRIO SERRANO

Sessão: 03 Novembro 2016 Votação: UNANIMIDADE Decisão: REVOGADA

LETRA DE FAVOR TERCEIRO CESSIONÁRIO

Sumário

I- O executado, não pessoalmente responsável pela obrigação emergente da relação jurídica fundamental, ao subscrever como aceitante a letra passou a ser responsável cambiário perante qualquer portador da letra que se encontre no domínio das relações mediatas – ou seja, perante qualquer portador alheio à convenção extracartular de favor.

II- A excepção de favor pode ser invocada perante terceiro adquirente do crédito por efeito de decisão proferida em apenso de habilitação de

cessionário, que reconheceu a sua qualidade de cessionário do crédito emergente da relação fundamental.

III- É, portanto, um portador do título executivo enquanto cessionário do crédito subjacente, e não por efeito da circulação cambiária do título.

Texto Integral

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

Por apenso aos autos de execução comum, fundada em título de crédito (letra), em que actualmente é exequente a sociedade «AA Construção Civil, Lda.», deduziu oposição à execução, por embargos, o executado BB.

Na petição de embargos alegou o executado, essencialmente, o seguinte: a letra exequenda foi sacada por «CC e Filhas, Lda.», em relação à firma

«Construções DD, Lda.», como sacada e aceitante, de que era à data sócio-

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gerente o aqui executado e embargante, como garantia na venda à segunda de materiais da sua actividade; a intervenção na letra do aqui executado e

embargante, ao assinar a mesma, foi como representante dessa firma, e não a título pessoal (não a tendo assinado como avalista); a referida «CC e Filhas, Lda.», entretanto já declarada insolvente, cedeu posteriormente o seu crédito sobre a «Construções DD, Lda.», e titulado pela letra exequenda, à actual exequente, contra a qual pode o executado opor a sua intervenção na relação comercial havida entre aquelas empresas como mero representante legal da empresa sacada, e não a título pessoal.

Realizado o julgamento, foi lavrada sentença que julgou improcedentes os embargos de executado e ordenou o prosseguimento da execução contra o aqui executado e embargante. Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: atenta a factualidade provada, resultou ter ficado demonstrado que o executado/embargante subscreveu como

aceitante a letra exequenda, enquanto legal representante e gerente da

«Construções DD, Lda.», para titular um contrato de compra e venda de materiais adquiridos à sacadora da letra pela empresa representada pelo executado/embargante; porém, uma vez que o executado/embargante aceitou pessoalmente a letra, ainda não paga até ao momento, assumiu o mesmo a obrigação de pagar a letra no vencimento, não o desobrigando de tal o facto de ter sido a sociedade de que era gerente, e não o próprio aceitante, a

comprar os materiais a que se refere a relação subjacente; não releva o facto de a entidade sacada ter sido entretanto declarada insolvente, já que o

portador da letra pode accionar qualquer um dos obrigados cambiários, como resulta do artº 47º da LULL; e também não desobriga o aceitante o facto de a

«CC e Filhas, Lda.», e aqui inicialmente exequente, ter cedido o seu crédito à ora embargada «AA Construção Civil, Lda.», a qual foi já declarada habilitada, como cessionária desse crédito, a prosseguir a presente execução como

exequente, por sentença transitada em julgado, proferida em incidente de habilitação apenso à execução.

Inconformado com tal decisão, dela apelou o executado/embargante, formulando as seguintes conclusões:

«1. O Tribunal recorrido decidiu em manifesta contradição com a matéria de facto provada;

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2. O recorrido não comprou quaisquer bens ou materiais à sociedade “CC &

Filhas, Lda.”, cuja relações comerciais subjacentes à emissão da letra de câmbio dada à execução ocorreram com a firma “Construções DD, Lda.”;

3. O Tribunal recorrido errou, ao interpretar e aplicar a Lei no sentido que, só por o recorrente ter subscrito como aceite a letra, emitiu uma declaração de vontade de pagar a letra ao portador, na data do seu vencimento, não se

desobrigando pelo facto de nada ter comprado ou feito transacções comerciais para si próprio;

4. Deveria o Tribunal recorrido ter interpretado e aplicado a Lei no sentido de que a letra de câmbio dada à execução não [tinha] subjacente qualquer

relação comercial entre os nela intervenientes como sacador e sacado (aceitante), o que constitui excepção que pode ser oponível ao portador da letra (relação sacador/sacado);

5. A garantia pessoal de pagamento, a existir, deveria ter ocorrido segundo a figura do aval, no verso da letra de câmbio;

6. As letras de câmbio são títulos de crédito formais quanto à intervenção de cada um dos obrigados cambiários;

7. O Tribunal recorrido olvidou, de todo, que no lugar destinado ao sacado/

aceitante deve figurar a pessoa jurídica que realiza transacções comerciais com o sacador (e que foi a firma “Construções DD, Lda.), por as letras de câmbio serem títulos de crédito, o que constitui matéria (excepção) oponível nessa relação imediata (sacador/sacado), confundindo a obrigação do

recorrente com a que a Lei atribui ao avalista;

8. Foram, pois, violados, entre outros, os artigos 615º, nº 1, al. c), CPC e os artigos 17º, 27º, 30º, 31º, 32º e 47º da L.U.L.L..»

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr.

artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo

conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações do executado/embargante resulta que a matéria a discutir se resume a apurar se ocorre nulidade de sentença, por alegada

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contradição entre fundamentos e decisão, decorrente de a decisão se fundar em pressupostos de facto que apontariam para solução de sentido contrário (com referência ao artº 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do NCPC), e se assiste razão ao tribunal recorrido no seu entendimento de que a subscrição da letra exequenda pelo aqui executado, na posição de aceitante, como legal

representante da entidade sacada, determina a sua responsabilidade a título pessoal pelo pagamento do respectivo título perante a entidade cessionária do crédito emergente da relação subjacente.

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

A) DE FACTO:

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:

«A. A sociedade “CC & Filhas, Lda.” era portadora de uma letra de câmbio, sacada por “Construções DD, Lda.”, e aceite pelo ora executado/embargante BB, enquanto legal representante (gerente) da mesma.

B. Esta letra de câmbio tem data de emissão de 7/5/2008; local de emissão; o montante de € 11.646,53; e a data de vencimento de 27/8/2008.

C. A letra não foi paga, na data do seu vencimento, nem posteriormente.

D. A letra foi sacada para garantir o pagamento de bens e materiais que a sociedade “Construções DD, Lda.”, no exercício do seu comércio, havia comprado à sociedade “CC & Filhas, Lda.”, no valor global de € 11.646,53, preço este que não foi pago.

E. Em consequência, a sociedade “CC & Filhas, Lda.” instaurou a execução apensa contra o aceitante da letra, ora executado/embargante, em 28/8/2009, dando a letra à execução.

F. A sociedade “Construções DD, Lda.” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 19/8/2008, no processo de insolvência nº 461108.0TBACN do Tribunal Judicial.

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G. A sociedade “AA Construção Civil, Lda.” foi declarada habilitada, como cessionária, do crédito da sociedade “CC & Filhos, Lda.”, por sentença transitada em julgado, proferida em 18/9/2013, nos autos apensos de habilitação de cessionário nº 1015/09.9TBTNV-A.»

B) DE DIREITO:

1. Comece-se por apreciar, até pela sua precedência lógica, a suscitação pela recorrente da questão da nulidade da sentença, com referência ao artº 615º, nº 1, al. c), do NCPC.

Quanto a essa questão de eventual nulidade da sentença por contradição entre fundamentos e decisão (artº 615º, nº 1, al. c), do NCPC), note-se que a

contradição que está em causa no preceito citado é a que intercede entre os fundamentos da própria decisão, tal como apresentados pelo juiz, e essa

mesma decisão. Como diz ALBERTO DOS REIS, tal situação ocorre quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 141).

Ora, olhando à decisão recorrida, não se vislumbra nela qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo a solução encontrada conforme à argumentação que a sustenta. O tribunal recorrido partiu da factualidade que foi efectivamente declarada como provada – designadamente, que a letra foi assinada pelo executado na posição de aceitante da mesma e enquanto legal representante da entidade sacada, e não por aquele em nome próprio –, e não de qualquer outra de sentido diverso; e, de seguida, tentou argumentar no sentido de que essa circunstância não obstava à responsabilidade do

executado a título pessoal pelo pagamento da letra.

Ou seja, não há qualquer contradição entre fundamentos e decisão, que sempre tem de ser aferida pelo confronto entre os concretos fundamentos invocados e a orientação definida na parte decisória. Questão diversa é a parte discordar desses fundamentos – mas aí a divergência já não se resolve no

plano da nulidade da sentença, mas no da procedência ou improcedência da pretensão substantiva formulada.

É certo que o recorrente acaba por expressar, nas alegações de recurso, uma discordância quanto à decisão jurídica do caso. Mas, havendo essa

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discordância, é óbvio que a questão, quando colocada no plano da nulidade da sentença, se mostra suscitada de forma desfocada: discordância quanto a solução de questão de direito situa-se num plano meramente substantivo, que se projecta na procedência ou improcedência da pretensão apresentada ao tribunal – e não como nulidade de sentença.

Resta, por ora, concluir pela improcedência da arguição de nulidade da sentença fundada no artº 615º, nº 1, al. c), do NCPC, passando a apreciar a substância da impugnação ínsita no presente recurso.

2. Quanto à questão substantiva da eventual responsabilidade pessoal do executado pelo pagamento do título executivo em apreço, por o ter assinado na posição de aceitante, importa começar por salientar que foram dados como provados dois factos que merecem especial atenção: por um lado, declarou-se que o executado subscreveu a letra de câmbio em causa, como aceitante, na qualidade de representante legal da sociedade «Construções DD, Lda.» (cfr.

ponto de facto sob a al. A supra); por outro lado, ficou também assente que a relação subjacente ao título corresponde a um contrato de compra e venda de materiais, em que é vendedora a sociedade «CC e Filhas, Lda.» e compradora a sociedade «Construções DD, Lda.», estando por isso afastada a hipótese de o executado ter comprado esses materiais para si e em nome próprio (cfr. ponto de facto sob a al. D supra).

Perante o teor do título executivo (cuja junção por cópia foi determinada por este Tribunal de recurso, para melhor percepção da matéria dos autos), constata-se que ocorreu um evidente lapso de escrita na enunciação desse primeiro facto: declara-se que a letra foi «sacada por Construções DD, Lda.», quando a sacadora (i.e., a entidade que saca ou emite a letra, na posição de primitiva credora, e dá a ordem de pagamento ao sacado) é a credora na relação subjacente (enquanto vendedora dos materiais), ou seja, a sociedade

«CC e Filhas, Lda.»; quando muito, ter-se-ia querido dizer que a letra fora

«sacada a [ou em relação a] “Construções DD, Lda.”», formulação que seria coerente com a afirmação, feita no mencionado segundo facto, de que a devedora na relação subjacente, enquanto compradora dos materiais, seria essa sociedade.

Mas se será esta a melhor leitura do ponto de facto sob a al. A supra (que se deve ter por rectificado para essa segunda formulação), não pode também ela ocultar uma outra realidade, que também emana do teor do título executivo. É que não figura na letra, seja em que parte for, qualquer menção à sociedade

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«Construções DD, Lda.»: em bom rigor, esta entidade não ocupa a posição de sacada na obrigação cartular, já que a letra indica nessa posição o nome do executado (BB). Se é certo que a intenção das partes da relação subjacente («CC e Filhas, Lda.», como credora, e «Construções DD, Lda.», como

devedora) era a de emitir um título cambiário que acrescentasse uma garantia reforçada de cobrança da dívida (como se consignou no ponto de facto sob a al. D supra), também é verdade que essa garantia foi alcançada pela inscrição no título, na posição de sacado, do aqui executado, em vez da sociedade

«Construções DD, Lda.», a qual foi depois reiterada pela assinatura que o próprio executado terá aposto transversalmente, no lado esquerdo da face do título, prestando desse modo o aceite da letra (como ficou assente no ponto de facto sob a al. A supra). E se o aqui executado surgiu no título – como sacado e aceitante – por ser legal representante (gerente) da sociedade devedora (como se referiu no ponto de facto sob a al. A supra), não deixa de ser igualmente evidente que essa qualidade não se extrai da literalidade do título, pelo que o obrigado cambiário é, afinal, o próprio BB. Contudo, se não era ele, em nome próprio, o devedor na relação subjacente (como se declarou no ponto de facto sob a al. D supra), então como enquadrar a sua intervenção pessoal no título?

Afigura-se-nos evidente que se está, ao fim de contas, diante de uma letra de favor. Como afirma ABEL PEREIRA DELGADO, «estamos perante uma “letra de favor” quando (…) alguém assina a letra sem ter para com o sacador ou tomador qualquer responsabilidade anterior. Subjacente à obrigação

cambiária assumida pelo favorecente, não se encontra uma relação jurídica fundamental» (Lei Uniforme sobre Cheques Anotada, 4ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1980, p. 102). Com efeito, o executado não era pessoalmente

responsável pela obrigação emergente da relação jurídica fundamental, mas ao subscrever como aceitante a letra passou a ser responsável cambiário perante qualquer portador da letra que se encontre no domínio das relações mediatas – ou seja, perante qualquer portador alheio à convenção

extracartular de favor (que aqui se estabeleceu entre a sacadora, primitiva exequente, e o aceitante, aqui executado, enquanto representante da

sociedade devedora na relação subjacente, em benefício de outrem – i.e., da entidade sacadora, em primeira linha, e, mediatamente, de todos os que dela venham a receber o título).

Como afirma FERRER CORREIA, «o firmante de favor pode ocupar qualquer posição cambiária» (Lições de Direito Comercial, vol. III, Universidade de Coimbra, ed. polic., Coimbra, 1975, p. 50), sendo que in casu se posicionou como aceitante. E, ao fazê-lo, colocou-se na posição de obrigado cambiário

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perante terceiro portador da letra, que não tenha sido parte na convenção de favor e a quem tenha sido validamente transmitida. Tratou-se, afinal, do estabelecimento de uma relação de garantia, com o objectivo de, através da emissão de uma letra e da assinatura do favorecente, permitir ao sacador passar a ter um título susceptível de circulação e de obtenção de meios

financeiros através dessa circulação. Porém, se o favorecente não pode eximir- se ao pagamento da letra perante um terceiro portador, já o pode fazer

perante o favorecido. Segundo o mesmo autor, «o favorecente não pode opor ao portador a excepção de favor», mas «a excepção de favor é sempre

oponível» ao favorecido (ob. cit , pp. 51-52). E prossegue: «(…) a relação entre o favorecente e o favorecido é uma relação de garantia: para garantir a

obrigação deste, em face do portador do título, é que o favorecente

subscreveu a letra. Por isso, se o favorecido invocar o direito emergente da letra contra o firmante de favor, este, reportando-se à convenção entre ambos estabelecida, paralisará essa pretensão» (idem, p. 52).

Isto significa que o executado aceitante (e favorecente) podia recusar o pagamento da letra no domínio das relações imediatas, ou seja, perante a sociedade «CC e Filhas, Lda.», exequente originária (e favorecida), enquanto parte na convenção de favor. Em face de situações similares se tem

pronunciado, nesse mesmo sentido, vária jurisprudência, de que constitui exemplo o Ac. RP de 9/12/2008 (Proc. 0826266, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler o seguinte: «(…) se, em acção executiva fundada em letra de favor, o sacador (favorecido) demanda o aceitante de favor (favorecente), exigindo-lhe o pagamento da referida letra, este pode opor-lhe a excepção do favor» – o que teve, nesse caso, como consequência a procedência da oposição à execução.

Mas, sendo assim, poderia então dizer-se que a actual exequente (a sociedade

«AA Construção Civil, Lda.») já seria um terceiro portador da letra, perante o qual o executado deixaria de poder invocar a excepção de favor. Note-se, porém, que essa sociedade apenas surge como actual exequente por efeito de decisão proferida em apenso de habilitação de cessionário, que reconheceu a sua qualidade de cessionária do crédito da sociedade «CC & Filhos, Lda.», emergente da relação fundamental (cfr. ponto de facto sob a al. G supra), e a fez ficar investida na titularidade da letra exequenda. É, portanto, uma

portadora do título executivo enquanto cessionária do crédito subjacente, e não por efeito da circulação cambiária do título – o que faz toda a diferença.

Nos termos do artº 17º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), «as

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pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores» – o que implica que «as excepções decorrentes das convenções extra-cartulares e as excepções causais são oponíveis ao portador imediato (ou seja, àquele portador do título que foi parte nas mesmas

convenções)», mas também que estas «são inoponíveis ao portador mediato»

(assim FERRER CORREIA, idem, p. 67). Porém, o autor esclarece que «na mesma situação do portador imediato está também o possuidor da letra que a tenha recebido por título diferente do endosso: cessão, sucessão mortis causa»

(idem, p. 71). E explicita: «(…) trata-se aqui de um representante do

transmitente e, portanto, são-lhe oponíveis todas as excepções que seriam oponíveis a este» (ibidem). Ou seja, considera-se que se situa ainda no domínio das relações imediatas a que intercede entre um subscritor e o

portador da letra, quando este, «pela natureza do modo de aquisição da letra, tenha a posição de mero cessionário ou sucessor» do sujeito cambiário

imediato (idem, p. 72).

Ora, como vimos, a actual exequente tem, precisamente, a posição de cessionária – conforme se declarou no ponto de facto sob a al. G supra – e está, por isso, na mesma posição da anterior exequente (e sacadora da letra), que era a de portadora imediata do título. Consequentemente, se o aqui

executado (enquanto favorecente) podia opor à anterior portadora (enquanto favorecida) a excepção de favor, eximindo-se assim ao pagamento da letra, então por identidade de razão também esse executado pode opor à actual portadora a mesma excepção, por esta portadora (e actual exequente) ser cessionária do crédito e do respectivo título cambiário. E, deste modo, somos levados a concluir que a actual exequente não pode fazer prosseguir a

presente execução por essa letra contra o aqui executado – assim devendo proceder os presentes embargos de executado.

3. Convirá ainda dizer que, na hipótese de se entender – como parece que acabou por ser o ponto de vista do tribunal a quo – que a intervenção do executado no título (como aceitante) ocorrera como representante legal da sociedade «Construções DD, Lda.», e não em nome pessoal, se teria de considerar que daí também não adviria para o aqui executado a sua própria responsabilidade a título pessoal.

Com efeito, nessa eventualidade haveria que tomar essa sociedade

simultaneamente como sacada e aceitante (já que, como decorre do artº 21º da LULL, o aceite constitui um acto do próprio sacado, e não de qualquer

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outra pessoa), e, nesse caso, a assinatura do seu gerente, sob a forma de aceite, só poderia vincular essa mesma sociedade – e não o gerente a título pessoal. Assim se tem entendido em diversa jurisprudência, que vem

decidindo no sentido da necessidade de coincidência entre aceitante e sacado e de que a falta de tal coincidência conduzirá mesmo à nulidade do aceite, conforme se colhe, v.g., dos Acs. RP de 28/1/1993 e de 3/10/2000 (Procs.

9210348 e 0020340, respectivamente, in www.dgsi.pt): diz-se no primeiro desses arestos que «sacada uma letra sobre uma sociedade, e, sem mais, assinada por seu representante com a sua assinatura pessoal, nem a

sociedade sacada fica obrigada pela letra, nem aquele representante, por falta de forma do aceite»; e no segundo escreveu-se que «a assinatura aposta pelo apelante [executado que, tendo a qualidade de sócio gerente da sociedade sacada, foi demandado a título pessoal] no lugar destinado ao aceite nem vincula a sociedade sacada, uma vez que não foi feita qualquer menção à sua qualidade de gerente, nem vincula pessoalmente aquele, por não ser ele o sacado, sendo nulo o aceite que efectuou».

Aderindo a essa orientação (que se nos afigura ser a única conforme com as disposições da LULL, como bem se demonstra na jurisprudência citada),

forçoso seria concluir, também nessa outra perspectiva das coisas – ainda que diversa da que acabámos por acolher –, que o aqui executado/embargante não seria pessoalmente responsável pelo pagamento da letra em apreço, não

devendo contra ele prosseguir a presente execução. E a isso não obstaria a circunstância de a actual exequente (e actual portadora da letra) já não ser a entidade sacadora: a cessão do crédito emergente da relação subjacente, por parte dessa primitiva portadora da letra e a favor da actual exequente, fez transmitir para esta a respectiva posição que antes pertencia à primitiva credora, com os mesmos direitos e deveres – e que se estendeu à letra, em idênticas condições, por efeito da decisão proferida no incidente de

habilitação. Ora, se a entidade sacadora não podia accionar o aqui executado a título pessoal, também não o poderia fazer a cessionária – e, nesse contexto, também não poderia prosseguir a execução por tal letra contra o aqui

executado.

4. Em suma: pelas razões acima aduzidas, a presente apelação merece

provimento, devendo ser revogada a sentença recorrida, julgando procedente a oposição à execução deduzida pelo executado BB contra a exequente «AA Construção Civil, Lda.», entretanto habilitada como tal nos autos para

prosseguir a presente execução, e relativamente à letra de câmbio exequenda sob referência.

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III – DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento à presente apelação,

revogando a sentença recorrida, e, em conformidade, julgam-se procedentes os presentes embargos de executado, quanto ao executado BB e relativamente ao título executivo em apreço.

Custas pela exequente apelada (artº 527º do NCPC).

Évora, 3/11/2016

(Mário António Mendes Serrano)

(Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes)

(Mário João Canelas Brás)

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