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Expandindo caminhos metodológicos nos estudos turísticos: contribuições da filosofia bakhtiniana da linguagem

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Anais do Seminário da ANPTUR – 2016.

Expandindo caminhos metodológicos nos estudos turísticos:

contribuições da filosofia bakhtiniana da linguagem

Patrícia Zaczuk BASSINELLO1 Valdemir MIOTELLO2 Resumo: A proposta deste artigo visa trazer algumas contribuições do pensamento de Mikhail Bakhtin e seu Círculo para pensar um modo outro de construir compreensões sobre nossos objetos de estudos, mantendo discursos e textos como fontes preferenciais, adentrando o processo de humanização por meio da linguagem e seu movimento num contexto social concreto. Para tal, partimos inicialmente de contextualizar seu pensamento traçando seu posicionamento filosófico em relação a sua noção de verdade subjacente à produção do conhecimento no campo das Ciências Humanas em geral, priorizando as dimensões epistemológicas da pesquisa e que considera a busca de uma verdade do particular, do acontecimento, do singular, do irrepetível nas relações dialógicas, constituindo o que reconhece como forma heterocientífica do saber. Esta representa a busca da compreensão e interpretação dos sentidos nas relações constituídas. Em seguida, exploramos alguns dos elementos centrais de sua filosofia como caminho metodológico que permitem alargar e inovar o desenvolvimento de nossos estudos, em especial aqui, o campo do turismo, incluindo e revelando nessa constituição os modos de construção de significações, dos sentidos, das compreensões e das interpretações deste fenômeno e atividade humana.

Palavras-chave: Círculo de Bakhtin, noção de verdade, linguagem, texto.

Introdução

Nos dias atuais, em função do papel desempenhado pela ciência e pela tecnologia na transformação da vida cotidiana, vem tornando-se relevante problematizar os modos de produzir conhecimento na área das Ciências Humanas, a partir dos pontos de vista que pensam o ato de conhecer como uma busca pela compreensão dos problemas da vida e do mal-estar cultural da pós-modernidade (Bauman, 1998, citado por Oliveira, 2013)

As discussões sobre ciência por autores vinculados a correntes filosóficas diferenciadas no decorrer do tempo levaram-nos a refletir sobre como foi se dando a construção do pensamento científico e a posicionar-nos a respeito da vinculação da pesquisa educacional a uma determinada epistemologia e metodologia de pesquisa, dando consistência para a interpretação da realidade e conseqüentemente a produção de conhecimentos.

1 Graduação em Turismo pela PUC-Campinas, Mestre em Educação pela UNIMEP-Piracicaba e Doutoranda em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela UFSCar - São Carlos. Professora adjunta I da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CPAq – campus de Aquidauana. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9499149364348410. E-mail: pzbassinello@yahoo.com.br

2 Graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição, Mestrado e Doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Professor Associado IV da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9131819326282708.

E-mail: miotello@terra.com.br

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Apesar de seus avanços, a ciência ainda representa uma questão que preocupa cientistas e intelectuais já que vem nos apresentando não mais como exclusivamente seu poder em dominar, mas, sobretudo sua aproximação com a prática social e fenômeno cultural do desenvolvimento científico-tecnológico, reforçando a necessidade de encontrar caminhos alternativos mais sustentáveis de produzir ciência e tecnologia gerando um maior comprometimento de vida na Terra.

Somado a essas transformações, assistimos também a reivindicação da superação de dicotomias sobre as quais se funda o cientificismo, tais como, teoria e prática, sujeito e objeto. A epistemologia começa a direcionar esforços também para a construção de questões científicas e não somente analisar o espaço da racionalidade.

Nesse contexto, vimos emergir a consolidação de um quadro referencial de duas orientações filosóficas que, mesmo frente às críticas pós-modernas ou as pretensões de

“repaginar suas nomenclaturas”, continuam a representar posicionamentos hegemônicos no modelo de produção dos saberes e numa certa lógica da pesquisa educacional, a saber, o objetivismo e o subjetivismo.

Essas correntes refletem suas diferenças nas relações que estabelecem com a construção do conhecimento científico; de um lado uma objetividade e uma universalidade do conhecimento para que o mesmo possa ser reconhecido como válido e verdadeiro, um perfil centralizador, disciplinar e normatizador dos saberes cuja atenção foi a de deslocar e separar o sujeito do seu objeto de estudo, entendendo essa relação como neutra. Do outro lado, como contraponto e esgotamento à esse sistema objetivo estruturado, que obedece a leis específicas, começou a surgir um movimento subjetivista, que procurava mostrar que o conhecimento é antes de qualquer coisa vida, e está ligado ao mundo onde as verdades são históricas.

O subjetivismo vem ocupando um maior espaço nas ciências humanas e sociais por pressupor encontrar um lugar diferente ao empírico na compreensão da ciência. Porém, como destaca Lopes (2003), o que vem acontecendo é um estado confuso em relação à essas correntes nos espaços científicos, ora absolutizando um desses caminhos ora encontrando pontos de convergência das duas orientações na mesma pesquisa.

Não é simples encontrar um equilíbrio dessas perspectivas no processo de construção do conhecimento ou tentativas de mediar esse conflito, no campo da epistemologia. O debate sobre essa questão não pode obscurecer nossa percepção para este fato. O desafio que se impõe, a nosso ver, consiste em viver essas tensões de forma criativa e produtiva no sentido de apreender caminhos e possibilidades para a prática científica capazes de produzir uma alternativa de relações sociais bem como compreender como vai se compondo sua historicidade.

Alguns pensadores se colocaram nessa tarefa de compreender esse movimento tanto em seus aspectos epistemológicos quanto em seus aspectos políticos, questionando especialmente uma noção de verdade abstrata e universalizante, principalmente no processo de produção do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais em geral. Entre as críticas a essa concepção de verdade, por exemplo, podemos citar a Escola de Frankfurt,

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com destaque para Adorno e Horkheimer (1985). Outros pensadores problematizam essa visão tradicional entre construção do conhecimento e produção da verdade.3

No campo de estudos do Turismo também vimos emergir essa preocupação mais crítica na leitura, releitura e novas interpretações da produção de conhecimento nessa área.4

Para esta discussão, optamos pela postura filosófica que Bakhtin5 e seu Círculo6 que nos provoca a pensar e a escapar dessa dicotomia (conhecimento e vida) sem cair numa postura absoluta ou relativa em relação ao conhecimento e sua produção na contemporaneidade, que nos parece ainda tão pouco operativa. Bakhtin aposta numa outra forma de pensar e fazer ciência e privilegia outro caminho metodológico para se fazer pesquisa, onde a linguagem passa a ter relevância, refletindo e retratando o mundo, construindo diversas formas de nele intervirem e, como modo de constituição das subjetividades.

A filosofia da linguagem de Bakhtin fornece alguns meios para se compreender que todo o conhecimento produzido tem seu ponto de partida e de chegada nos processos da vida humana historicamente, na própria condição humana, em uma dimensão de totalidade sem separar conhecer/agir, ciência/vida, sujeito/objeto, homem/realidade. E para começarmos a pensar dessa forma, e que vamos explorar um pouco aqui, Bakhtin nos propõe a tomar como indicações metodológicas de pensamento e pesquisa uma posição dialógica para a construção do conhecimento que parte do texto – objeto pensante e falante - como eixo e objeto preferencial. E criar texto é uma atividade que se dá junto com a atividade humana, em qualquer campo de atividade. E para tal, por trás de cada texto, servimo-nos do suporte material da linguagem. Linguagem esta não interessada pelo sistema de línguas (fonemas, léxicos, etc), mas seu processo de mergulho de compreensão profunda nos enunciados completos e das relações dialógicas entre eles.

3 Podemos retomar alguns pensadores como Boaventura de Sousa Santos (1989), Milton Santos (2000), Michael Peters (2000), entre outros.

4 Remeto a alguns trabalhos como o de Alexandre Panosso Netto (2011), Marcellino Castillo Nechar e Alexandre Panosso Netto (2011, 2014), Margarete Jaguer, Félix Tomillo Noguero e Alexandre Panosso Netto (2011), John Tribe (1997), entre outros para elucidar esse panorama.

5 Bakhtin foi um filósofo e pensador russo que representou uma das figuras mais fascinantes e enigmáticas da

cultura européia de meados do século XX. Para saber um pouco da vida e percurso de Bakhtin ver: Miotello, V.

e Gege (Grupo de estudos dos gêneros do discurso). (2010). Para uma geografia de Bakhtin. Palavras e Contrapalavras: conversando sobre os trabalhos de Bakhtin. Caderno de estudos II para iniciantes. São Carlos:

Pedro e João Editores. e Brandist, Craig. (2016). A virada histórica de Bakhtin e seus antecedentes soviéticos.

Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. 11 (1).

6 O Círculo de Bakhtin era formado por um grupo de intelectuais, de diversificadas áreas de estudo, entre eles V.N. Volochínov e P. N. Medvedév que se reuniam periodicamente entre 1920 e 1930 na Rússia e que tinham em comum a paixão pela filosofia, pela linguagem e pelo debate de ideias.

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Nesse sentido, acreditamos que a aproximação à sua filosofia, trazendo alguns de seus elementos , permite despertar no campo das ciências sociais e humanas, em especial no campo de estudos do turismo, um caminho outro de desenvolvimento de nossos estudos e pesquisas, incluindo e revelando nessa constituição os modos de construção de significações, dos sentidos, das compreensões e das interpretações deste fenômeno e atividade humana.

1.1 Por uma forma heterocientífica do saber

Primeiramente vale destacar que Bakhtin não estava preocupado em apresentar um método para analisar discursos. Sua preocupação sempre foi com a vida, por isso, desde os seus primeiros escritos, sua preocupação era pela filosofia moral, acima de tudo pelo problema da responsabilidade. Logo, podemos reconhecer que ele constrói uma metodologia, um modo particular de orientar o pesquisador no emaranhado de complexidades que a linguagem comporta, ordenando o que pode ter sido descoberto de forma desordenada.

Para discorrer um pouco sobre esse outro modo de conceber ciência, de fazer pesquisa, e apresentar alguns de seus elementos constituintes tomamos como leitura essencial seu texto “Para uma filosofia do ato responsável” (Bakhtin, 2012) e Metodologia das Ciências Humanas”(Bakhtin, 2003).

Bakhtin rejeita a concepção bastante arraigada e aceita da verdade composta de momentos gerais, universais como algo reiterável e constante, separado e contraposto ao singular e ao subjetivo. Ele traz uma distinção entre a verdade istina, aquela que se obtém por sucessivas abstrações, constituída no interior de uma teoria em que se constrói um modelo abstrato de explicação do objeto. E, a verdade pravda, aquela que soma singularidades, que pode ser uma num momento, e outra em momento posterior, aquela que se dá na relação, como entonação do ato onde se acrescentam novos elementos para formular um juízo de valor.

Um valor igual a si mesmo, reconhecido como universalmente válido, não existe, pois sua validade é reconhecida e condicionada não pelo conteúdo tomado abstratamente, mas pela sua correlação com o lugar singular daquele que participa, determina e reconhece. (Ponzio, 2012, p.20)

Tudo o que existe genericamente, como abstratamente determinado, apaga a diferença singular, torna indiferente, aleatório, o ato singular, produzindo uma verdade constituída apenas de momentos gerais que submete o sujeito a um dever ser normativo;

em outras palavras, uma verdade obtida a partir de um olhar para o objeto da investigação, descolado e indiferente à historicidade desse objeto.

Como conseqüência de sua produção de uma forma indiferente à singularidade dos eventos e dos seres humanos em suas relações sociais, essa noção de verdade torna-se incapaz de orientar futuras ações que se realizam no mundo da vida, o mundo “de nomes

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próprios, [...] destes objetos singulares e de certos dados cronológicos da vida” (Bakhtin, 2012 p.114).É no mundo vivido como singularidade, no mundo da vivência única, que cada um se encontra quando conhece, pensa, atua e decide sobre ele, transformando a vida em objeto em correlação com a arte e a ciência.

Geraldi (2012) ajuda-nos a entender de uma forma mais didática e lógica esse raciocínio.

Os raciocínios que levam à verdade – istina são da ordem da implicação: “se p, q”; “se q, r” e assim sucessivamente, de tal modo que a conclusão final também será expressa na mesma fórmula: “se Y, X”. O raciocínio que leva à verdade-pravda é da ordem da adição: “p & q & r &...”. Toda vez que adicionamos nova informação, o produto final de nossa análise pode se alterar ou pode se confirmar com maior peso.” ( p.26)

Aqui se revela todo o alargamento sem fim do horizonte social apreciativo de Bakhtin. Elementos que passam a integrar qualquer atividade, acontecimento, realidade em transformação, vão se alargando o escopo da existência, alargando e possibilitando novos movimentos de se colocar diante da realidade, descobrindo sentidos outros de serem vivenciados, transformados.

A busca de uma ciência do particular contradiz os modos modernos de fazer ciência.

O mundo teórico deve comportar o ser em sua existência, integrado ao mundo da vida. Isso implica defender que é possível buscar a verdade do acontecimento, do singular, do irrepetível. “Construir uma ciência em que não cai no dogmatismo e nem no relativismo, mas na idéia que o mesmo e o diferente estão se dando no mesmo lugar, no mesmo evento”

(Miotello, 2014, p.68), onde o objeto é único, o evento é único, o sujeito é único e não universal, sem comparações e medidas de exatidão e quantificação. Essa busca é a de construir um espaço de reflexão onde o mundo, as coisas, os eventos não são dados, mas são constituídos na relação entre duas ou mais pessoas, entre duas ou mais consciências.

Nesse sentido Bakhtin instaura uma teoria em que sujeito e objeto se relacionam. Em que o fenômeno não é em si, mas vai se construindo na relação.

Para Bakhtin (2003) as relações podem se dar por três vias: relações entre objetos, como fenômenos físicos, químicos, etc; relações entre sujeito e objeto e relações entre sujeitos, que envolvem as relações pessoais, personalistas, dialógicas entre enunciados, relações éticas, etc. Quando vamos estabelecendo relações dialógicas com o Outro, com as outras coisas e as outras pessoas, esse Outro já é humanizado, pois ele já é constituído pelas materialidades sócio-históricas por onde andou e também porque é possuído pelo ponto de vista dos outros. O mundo humanizado pelo olho humano continua a ser humanizado nesse processo de interação. Interação, isto é, uma atividade de relação entre dois ou mais, que constitui. E, o único jeito de se constituir humano é pela mediação da matéria; de uma matéria humanizada. Uma construção que vem de fora, do exterior. E a matéria que media essas relações e que representa o produto da atividade humana coletiva é a linguagem, a linguagem dos signos. Sem a linguagem o humano do homem não se constitui. Ela é atividade constitutiva; a mediação entre um Outro e um Eu. E, para Bakhtin são as relações

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entre o outro - objeto/signo/valor – e um Eu o ponto de partida constituidor de qualquer realidade humana.

Nada é construído de dentro para fora, ou por uma divindade qualquer. Nada é assim por si ou por destino. As realidades também não são de um jeito ou de outro jeito por desejo ou vontade de um homem apenas, qualquer homem. Qualquer ação é sempre resultado do movimento, na mesma direção ou oposta, de dois ou mais homens (consciências) relacionados. Nesse sentido é que Bakhtin estabelece sua crítica de razão dialógica para recuperar e renovar o fracasso dialético da fase hegeliana e da fase sartreana, que exaltavam o universal e reinvindicavam os direitos do individual-existencial.

Sua crítica é de razão dialógica, pois são as relações interacionais que ocupam um papel relevante de sua teoria e dialógica porque assume “a palavra como signo ideológico por excelência” (Bakhtin, 2006, p.41), sendo uma ponte entre um outro e um eu envolvidos nas comunicações sociais. As palavras circulam por diversos campos da atividade humana levando-se em conta a produção, a circulação e a recepção dos enunciados.

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:

interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.

(Bakhtin, 2003, p.348)

Para Ponzio (2010), Bakhtin é o fundador da filosofia do encontro, pois para ele a interação somente é possível entre duas consciências, entre dois centros de valores7. Não são necessariamente os encontros entre tu e eu. Ainda é pouco. Mais além: “Encontro de palavras” (p.02). São nossas palavras que precisam se encontrar. É no encontro de palavras que podemos pensar as relações de alteridade.

Conforme Miotello (2014) são as palavras que trocam sentidos, modos de pensar a realidade, trocam valorações, entram em contradição. Elas são a arena de luta. E complementa “se o que vai me alterar é o encontro de palavras, devo me abrir ao encontro.

Devo procurar a palavra outra, palavra diferente da minha; palavra que vai alargar a minha palavra, modificar a minha vivência, meu modo de ver e de pensar”. (p.71)

Nesse jogo podemos entender um pouco a crítica que Bakhtin faz do capitalismo e mesmo da forma positivista de se fazer ciência porque se criou um tipo especial de consciência solitária, onde todos os acontecimentos humanos pudessem ser desenvolvidos e resolvidos no âmbito de uma consciência. Esta é a lógica da identidade. Porém “a consciência é essencialmente plural, diz Bakhtin (2003, p.342). [...] Não é outro homem que permanece objeto da minha consciência, é outra consciência no gozo dos plenos direitos

7 Bakhtin utiliza a expressão centro de valores para designar o ser humano (em correlação) – aquele do eu e aquele do outro, que são “dois centros de valor da vida em si” entorno dos quais se constrói a arquitetônica do ato responsável.

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que está ao lado da minha e só em relação à qual minha própria consciência pode existir.

(pp. 342-343). Esta já é a força da alteridade alargando e quebrando a identidade.

Ponzio (2013) diz com plenitude que o eu é concessão do outro. Essa é a vida. Toda nossa vida é uma orientação em busca da palavra do outro; o outro me constituindo e me (in)completando, criando e renovando sentidos.

Conforme Almeida e Padilha (2015), o princípio de alteridade se manifesta não apenas como o reconhecimento da diferença, mas vai além, implica em processo de humanização por meio da palavra do outro. Logo, é dessa relação que vamos nos constituindo como sujeitos, demarcando nosso ponto de vista na relação, ajudando a construir e conceber o objeto, valorando, refratando, colocando a palavra outra. É o dialogismo bakhtiniano. O diálogo é o lugar dessa construção, é o acontecimento do encontro e interação com a palavra do(s) outro (s). Dialógico é o que junta, o que relaciona, qualquer que seja a relação, mediado pelas materialidades sócio-históricas das interações constituintes.

Quando tratamos da episteme bakhtiniana, reconhecemos que a constituição de uma maneira dialógica de se pensar o mundo, a vida, a linguagem por meio das relações foi uma das contribuições mais importantes da filosofia de Bakhtin.

Ele revela que seu caminho é diferente para a produção de conhecimento. Sua busca não é pela exatidão. Seu foco direciona-se para os sentidos. Para criar novos e diferentes movimentos, permitir mudanças e construir respostas para nossos objetos é buscando e compreendendo os sentidos nas relações; construindo profundidade, penetração nos objetos que tem muitas vozes. Para isso, defende uma forma heterocientífica do saber no movimento dialógico.

Cumpre reconhecer o sentido não como forma não científica, mas como uma forma heterocientífica do saber, dotada de suas próprias leis e critérios internos de exatidão. (Bakhtin, 2003, p.399)

Essa compreensão nos põe diretamente para dentro do campo das ciências humanas. “O objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante” (Bakhtin, 2003, p.395). Um homem que fala com outro homem que fala. Este é o objeto das ciências humanas. “As ciências humanas são as ciências do homem em sua especificidade e não de uma coisa muda ou um fenômeno natural. O homem em sua especificidade humana sempre exprime a si mesmo (fala), isto é, cria texto (ainda que potencial)”. (p.312)

Santos e Almeida (2012) destacam que para Bakhtin o objeto da pesquisa é objeto falado, é o próprio texto fazendo um duplo movimento: como resposta ao já dito e também sob o condicionamento da resposta ainda não dita, mas solicitada e prevista, assim o objeto também é falante a explicar e compreender. Bakhtin diferencia o que ele vê entre as ciências com relação ao objeto.

Nas ciências naturais, há uma relação monológica porque o objeto é mudo;

nas ciências humanas (ciências do espírito), uma relação dialógica porque o objeto é um texto. Nas ciências naturais, o sujeito contempla e fala sobre

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uma coisa muda; nas ciências humanas, há pelo menos dois sujeitos sociais e historicamente localizado, o que analisa e o analisado. (p.85)

Desse modo, estamos preocupados em buscar a compreensão profunda dos sentidos vivos de um fenômeno que emergem naquela determinada interação a partir daquele determinado texto e contexto.

Aí, representa o campo das descobertas, das revelações, das tomadas de conhecimento, das comunicações. Aí, o critério não é a exatidão do conhecimento, mas a profundidade da penetração. (Bakhtin, 2003, p.394). Desse modo, o fazer científico é materializado por gestos interpretativos, por continua atribuição de sentidos.

O confronto com o texto é buscando sentidos, é construindo respostas. Sentidos são respostas às perguntas. São os momentos dos processos de transformação do mundo e constituição dos humanos nas relações sociais concretas e contextos vivenciados. É colocar o texto em relação com a vida, com as coisas, com o mundo e daí fazer emergir sentidos que se renovam e se constroem a cada relação.

1.2 A questão da linguagem e do texto

A Filosofia da Linguagem representa uma dimensão fundamental da própria filosofia.

“A filosofia da linguagem é uma investigação metalingüística sobre a função, sobre o sentido, sobre os fundamentos e as condições das linguagens de todos os setores do conhecimento e da práxis humana”. (Ponzio, Cafelato, Petrilli, 2007,p 321).

Estudar a linguagem, do ponto de vista da filosofia da linguagem, comporta estudar as condições, os fundamentos do significar, do comunicar e do interpretar, como também destacado por Petrilli (2013) comporta verificar os fundamentos implícitos ou explícitos nas várias concepções da linguagem verbal e não verbal, nos diversos modelos do signo e da subjetividade.

Deste ponto de vista, a linguagem constitui o lugar não só do conhecimento e do valor da verdade, mas também do juízo ético e estético, da crítica, da responsabilidade, da tomada de posição.

Para entender um pouco sobre a filosofia da linguagem, em especial a adotada por nós, pela perspectiva bakhtiniana, vale primeiramente compreendermos um pouco do que é linguagem. Volochínov (2013) nos afirma que, o primeiro momento para entendê-la é observar o processo de sua formação e desenvolvimento como também o lugar e o destino que ela tem na vida social. Em suas palavras, “a linguagem não é um dom divino nem um presente da natureza. É o produto da atividade humana coletiva e reflete em todos os seus elementos tanto a organização econômica como a sociopolítica da sociedade que a gerou.”(p.141).

Por ser produto da vida social, a linguagem nasceu da necessidade de comunicação dos reagrupamentos humanos mais primitivos, inicialmente se compondo de gestos, mímica e depois de material sonoro. A comunicação facilitava a organização do trabalho coletivo como também a organização do pensamento social, da consciência social. Logo, a linguagem

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começa a criar um mundo novo, separado do natural, que é o mundo do homem social, o mundo da história social.

A partir de então começamos a reconhecer a linguagem humana, verbal e não verbal.

Conforme Ponzio, Cafelato, Petrilli (2007) a linguagem é constitutiva, tanto dos sujeitos que interagem, como da própria linguagem. Ela é a sua forma materializada e seu instrumento de criação. Ela representa a capacidade de modelação específica da espécie humana,

“semiótica”8. É a linguagem que permitiu a evolução do homem até ao atual Homo sapiens sapiens. O falar, e, por conseguinte, a formação das línguas, marcam a passagem ao Homo sapiens.

Conforme Bastazin (2015), a linguagem representa o instrumento de imbricação do homem com o mundo para a diversidade do saber. A linguagem responde de certa forma ao homem na busca de conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo. Ela permite perceber, entender e expressar o mundo, da mesma forma como pode negar tudo que vemos e somos, ou seja, tudo aquilo que nos constitui como seres capazes de produzir sempre novas formas de representação.

Bakhtin e seu Círculo estavam preocupados com a questão da linguagem como constituidora do mundo e do próprio homem, em relação com outro homem. Para compreender essa relação, era necessário entender a relação da linguagem com a vida; a relação da linguagem com a infra-estrutura e a superestrutura; como também compreender a relação da linguagem com as determinações das superestruturas ideológicas (ciência, religião, política, etc) e as atitudes responsivas do sujeitos que vivem nesse concreto mundo histórico de relações sociais. Para entender o exercício da linguagem humana seu objeto real e material é o exercício da fala em sociedade.

Desse modo, para Bakhtin, sem linguagem, sem fala, não há o humano do homem, não há consciência. “A linguagem é constitutiva, tanto dos sujeitos que interagem, quanto da própria linguagem.” (Miotello, 2012, p.154). E o jeito de dar existência ao mundo é tornando-o signo.

Logo, retornamos a expressão “filosofia da linguagem” para designar uma ciência dos signos. E é nesse ponto que Bakhtin e seu Círculo entram com seus trabalhos, pois colocam atenção ao estudo dos signos, em particular os signos verbais, pois esses constituem a

“matéria” da arte verbal e da ideologia. Ele coloca e recoloca o signo no contexto vivo da dialogicidade. Identifica a especificidade do signo verbal no fato de que ainda que esse, assim como outros signos, seja feito de matéria física, ele não desenvolve funções extra- sígnicas, instrumentais. Nesse sentido, o signo verbal é o signo por excelência (Bakhtin, 2006, p.42). A sua capacidade expressiva é muito mais ampla em relação aos signos não verbais que, dentro de certos limites, pode falar de si e, com isso, exercitar uma função metalingüística9.

8 A semiótica é um modo exclusivamente humano de pesquisar, que consiste em refletir – de maneira informal ou sistemática – sobre a semiose humana. Compreende a ciência geral dos signos.

9 Metalinguistica - Orientação filosófica de Bakhtin e seu Círculo – ciência da linguagem, do signo ideológico.

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Por isso propõe uma abordagem marxista da filosofia da linguagem e, ao mesmo tempo, para praticamente todos os domínios das ciências humanas e sociais. Considera a linguagem como atividade, instituída em um processo concreto em que o signo se instaura ideológico e dialogicamente. A linguagem no ponto de vista de Bakhtin é o objeto da comunicação e vai se constituindo em cada interação social.

As reflexões que Bakhtin e seu Círculo têm interesse são pela dialogicidade da palavra e, logo, pela própria consciência, que na palavra exprime-se. Com sua metalingüística, Bakhtin quer indicar uma abordagem que supere os limites da filologia e da lingüística assim como estavam sendo praticados na época, isto é, das relações entre a língua, enquanto código, das relações lingüísticas entre os elementos do sistema da língua ou entre os elementos de um enunciado singular. Propõe uma inversão do foco se preocupando com as relações dialógicas dos atos de palavra, dos textos, dos gêneros do discurso, considerados no seu processo histórico de formação e transformação. Desloca sua atenção em direção a enunciação completa e suas formas. Sua direção é na compreensão do dialogismo como constitutivo de todas as relações, como a força motora da história humana feita por pessoas que falam com outras pessoas que falam; compreender como a interação é o movimento que modifica sujeitos e mundos; compreender como se desenvolvem as atividades de interação nos jogos em que as linguagens estão em uso, seja no movimento de superfície, no aqui e agora, seja nos mergulhos mais profundos, na história, na memória, que vão agindo com mais intensidade e presença.

Sua potência em estudar a linguagem não está nos “recortes” dos discursos, mas no enunciado completo, total, para cotejá-lo com outros enunciados fazendo emergirem mais vozes para um mergulho de compreensão profunda de um discurso, de uma atividade humana. O enunciado é a palavra viva, voltada ao outro, orientada para o outro, que expressa a relação entre outros, uma palavra que requer a escuta, palavra dialógica.

Bakhtin elege o texto como ponto de partida de todo objeto de pesquisa e pensamento. “O texto no sentido amplo de qualquer conjunto coerente de signos. O texto como a realidade imediata (do pensamento e das vivências). O texto como enunciado incluído na comunicação discursiva. O texto como origem que reflete todos os textos de um dado campo do sentido.”(Bakhtin, 2003, p.307-308).

Todo texto participa de uma relação humana, de uma atividade humana. “Todo texto tem sujeito, um autor ( o falante ou quem escreve). Aglutina o verbal e o extraverbal. Onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento.” (p.308) Essa é a sua proposta metodológica, isto é, todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem, onde o texto entra em relação com outros textos em conexão com diferentes contextos. Daí emerge os sentidos presentes em cada interação e dispostos a seres interpretados e compreendidos, possibilitando a criação e recriação permanente, do presente e do passado, na projeção de hipóteses de tudo o que está por vir (futuro).

Criar texto é uma atividade que se dá junto com a atividade humana, em qualquer campo de atividade. Humanos estarão em interação. E colocarão nessa atividade seu ponto de vista, seu projeto de dizer, sua ideologia. “Dois elementos que determinam o texto como

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enunciado: a sua ideia (intenção) e a realização dessa intenção”(p.308). E, para isso, por trás de cada texto, nos servimos do material da linguagem. “Cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido (sua intenção em prol do qual ele foi criado)” (p.319).

O dado e o criado no enunciado verbalizado. O enunciado nunca é apenas um reflexo, uma expressão de algo já existente fora dele, dado e acabado.

Ele sempre guia algo que não existia antes dele, absolutamente novo e singular, e que ainda por cima tem relação com o valor (com a verdade, com a bondade, com a beleza, etc). Contudo, alguma coisa criada é sempre criada a partir de algo dado (a linguagem, o fenômeno observado da realidade, um sentimento vivenciado, o próprio sujeito falante, o acabado em sua visão de mundo, etc). Todo o dado se transforma em criado. (p.326) Em outras palavras, Bakhtin quer reforçar que o ato de conhecer encontra seu objeto de estudo já atravessado por valores, avança afirmando que tudo isso sempre vai se dando em atividade interativa criadora, se dando na fronteira de duas ou mais consciências, no limite e embaralhando e quebrando esses limites.

O passo adiante da questão metodológica em Bakhtin é a questão da compreensão;

de compreensão profunda. Para construir uma compreensão profunda e dar passos para o processo de interpretação de contextos a um texto é, conforme Geraldi (2012) assumir a postura do cotejo de textos. Cotejar um texto com outros textos recupera parcialmente a cadeia infinita de enunciados a que o texto responde, a que se contrapõe, com quem concorda, com quem polemiza, que vozes estão aí, etc.

Ao ir cotejando os textos com outros textos vai elaborando conceitos ou reutilizando conceitos produzidos em outros estudos (até mesmo em outros campos) com que se aprofunda a penetração na obra em estudo. O resultado apresentado é uma “tese” no sentido de que contém um ponto de vista argumentado em que se sustenta a interpretação construída. A tese que aqui se constrói é por adição, de modo que os sentidos são inacabáveis. Interpretar é construir um sentido para um discurso, para um texto, e a validade dessa interpretação se mede por sua profundidade e pela consistência e coerência de seus argumentos. (p.33-34)

A compreensão completa o texto, pois ela é aberta, ativa e criadora. Bakhtin ressalta que a compreensão criadora multiplica a riqueza artística da humanidade, pois não há limites para o contexto dialógico (que se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). “Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão de forma renovada (em novo contexto)” (Bakhtin, 2003, p.410). Isso representa o aprofundamento do texto em outra temporalidade, em outro contexto, no “grande tempo”

das culturas e civilizações, lugar do encontro do diálogo infinito e inacabável, onde nenhum sentido está morto por definitivo.

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Para Bakhtin o critério da profundidade da compreensão representa um dos critérios mais supremos do conhecimento em ciências humanas. No ato da compreensão desenvolve- se uma luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento; a compreensão dos elementos repetíveis e não-repetíveis do todo. “Identificação e encontro com o novo, o desconhecido. Esses dois elementos (o reconhecimento do repetível e a descoberta do novo) devem estar fundidos indissoluvelmente no ato vivo da compreensão” (2003, p.378).

Logo, as etapas do movimento dialógico propostas por Bakhtin para a compreensão são: o ponto de partida – um dado texto; o movimento retrospectivo – contextos do passado; movimento prospectivo – antecipação e início do futuro contexto. Esse movimento revela um jeito diferente, pois é uma construção de profundidade de penetração no sujeito onde sua orientação se dá precisamente pelo projeto-de-dizer do analista/interlocutor/pesquisador. A manutenção das vozes e dos diálogos entre textos e contextos é absolutamente necessária para construirmos o sentido profundo (infinito).

Apagar isso é cair na coisificação, na objetificação, nas relações lógicas. “ Manter os diálogos é construir as palavras “outras-próprias”, que duram eternamente, que se renovam criativamente em contextos novos”. (Miotello, 2012, p.165)

Nesse sentido é que a interpretação do objeto de pesquisa, pautada nessa lente teórica, exige um posicionamento do pesquisador, de um lugar diferenciado do pesquisado, porém realizando-se como um agir participativo, não-indiferente ao fenômeno pesquisado.

Oliveira (2013) ressalta que esse modo de conceber a investigação configura a relação entre a palavra e o objeto a ser conhecido e representado não como uma roupagem externa, uma entidade pronta para designar esse objeto, mas como uma relação constitutiva, sendo a palavra (em sua inteireza, em seus aspectos conceitual, imagético e avaliativo) convocada à posição de candidata privilegiada à apreensão da natureza múltipla desse mesmo objeto; das relações que vão se dando entre o outro e o eu na produção do conhecimento.

Em resumo, podemos então entender que esse “jeito de trabalhar” com Bakhtin elegendo a interação do homem com os outros homens no desafio de construir compreensões do mundo vivido levam-nos hoje a retomar as enunciações para nelas detectarmos e reafirmarmos elementos indicadores de caminhos a percorrer no nosso processo investigativo dos eventos singulares e práticas sociais em ação.

Dando um in (acabamento) provisório de um jeito outro de trabalhar

Nossa proposta neste artigo foi primeiramente discutir, na esfera da produção do conhecimento, a noção de verdade e seu processo de construção traçando alguns pressupostos presentes no pensamento de Mikhail Bakhtin e seu círculo no sentido de contribuir para as inúmeras discussões que se trava no campo dos estudos turísticos.

Percebemos que o pensamento bakhtiniano questiona especialmente uma noção de verdade abstrata e universalizante ou um perfil centralizador, disciplinar e normatizador dos saberes cuja atenção foi a de deslocar e separar o sujeito do seu objeto de estudo; para

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valorizar e considerar a ciência como uma construção social, como um sistema aberto que interroga as barreiras disciplinares propondo um caminho que encontre no limite das fronteiras dos fenômenos humanos e sociais, suas ligações e articulações.

Bakhtin acredita numa ciência do singular, uma ciência da relação, da interação social e sígnica, aquela que aceita novos diálogos com diferentes áreas do saber, que consiste no colocar em relação campos e objetos de estudo mesmo distantes através de um processo de deslocamento e de abertura, como a que podemos provocar a partir deste escrito, uma aproximação possível entre os estudos de linguagem e o turismo. Essas novas relações permitem fazer outros pactos, isto é, com estudos da ordem das humanidades, com base em um olhar dialógico que considera a plurivalência da realidade e considerando a linguagem esse lugar do encontro e o material de mediação e constituição do homem com o mundo.

Somado a isso e tentando elucidar seu pensamento, destacamos alguns elementos da abordagem bakhtiniana que integram seu jeito diferente de produzir conhecimento, isto é, seu caminho outro de pensar o fazer científico, que é construindo uma heterociência, que convida o sujeito a construir compreensões possíveis no emaranhado de sentidos e, amorizando as relações de qualquer natureza, isto é, trazendo a vida para as nossas pesquisas, considerando que o fazer científico deva ser pensado como parte da unidade do ato responsável do sujeito pesquisador.

Bakhtin elege a linguagem e a experiência que construímos com ela como o modo de compreensão do mundo social. Utilizamos as palavras (oral, imagéticas, escrita, etc) para falar das coisas, dos fenômenos, dos acontecimentos e relações, que nos permitem pensar, sentir, dizer sobre o mundo e a produzir determinadas realidades. A linguagem está no plano das práticas operando nas relações de saber e poder nas quais estamos envolvidos.

Nossos olhares e sentidos que construímos acerca da realidade constitui as condições de possibilidade de leituras sobre o mundo ou de encontro com as coisas da vida. Por isso, Bakhtin concebe o mundo como um grande texto, onde as relações dialógicas (relações que nos constitui e as formas como vamos respondendo às práticas e aos discursos) vão se materializando em enunciados (únicos e concretos) criando uma conexão com uma rede sem limites de outros enunciados.

Ao conceber o texto como ponto de partida de todo objeto de pesquisa e pensamento e, que todo texto participa de uma relação humana, de uma atividade humana, Bakhtin coloca acima de tudo uma nova postura metodológica para rever, repensar e repropor interpretações dentro de um campo de estudos que se coloca sempre em aberto, para novas ressignificações e compreensões, onde o texto represente o grande revelador de novos sentidos e significados.

Essa é a sua proposta: colocar o texto em relação com outros textos (cotejar textos) em conexão com diferentes contextos. Trata-se de uma relação falante-falante, o que nos conduz a uma perspectiva sócio-interacionista que pressupõe sujeitos ativos que são transformados e que transformam o mundo. Ao cotejar textos, priorizamos o movimento de compreensão e penetração profunda no objeto em questão, sempre em interação social.

Um movimento aberto, ativo e criativo, que necessariamente deve reconhecer, como

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aponta Geraldi (2010), a infinitude do processo dialógico, em que todo o dizer e todo o dito dialogam com o passado e o futuro, e paradoxalmente deve reconhecer a unicidade e irrepetibilidade dos enunciados produzidos em cada diálogo.

Bakhtin foi o pensador das interações nas fronteiras, compreendendo e valorizando as relações produtoras de sentidos, a partir dos quais vai se construindo conhecimento. Se quisermos incluir entre nossos objetos de estudo os modos de construção das significações, dos sentidos, das compreensões e das interpretações, mantendo discursos e textos como nossos objetos preferenciais, teríamos que reconhecer a linguagem e seu movimento enquanto mediação da construção do conhecimento das fronteiras dos inúmeros campos de estudos, apostando nas incertezas das enunciações para nelas encontrar e criar sentidos novos. Reconhecer e dar atenção ao cotidiano, às vivências cotidianas, como parte da revolução no campo da pesquisa em ciências humanas e sociais.

Por acreditarmos nessa maneira de ver, trabalhar e conviver, indicamos este caminho e alguns de seus instrumentos como possibilidade de construir aproximações e compreensões sobre o conhecimento em Turismo, com vistas a contribuir para a investigação das práticas discursivas nas várias esferas desta atividade humana, e permitir a abertura de novas interpretações e sentidos para esta área do saber em crescimento e maturidade científica.

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