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PUC-SP – COGEAE Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura

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PUC-SP – COGEAE

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu

Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura

MARCELO VINÍCIUS PICINI

“A mídia inserindo os homoeróticos na busca pelo

corpo imaginário: nuances do narcisismo

contemporâneo.”

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PUC-SP – COGEAE

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu

Semiótica Psicanalítica – Clínica da Cultura

MARCELO VINÍCIUS PICINI

“A mídia inserindo os homoeróticos na busca pelo

corpo imaginário: nuances do narcisismo

contemporâneo.”

Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação da Universidade PUC-SP – COGEAE, como requisito parcial para conclusão do curso de Especialização em Semiótica Psicanalítica- A Clínica da Cultura.

Orientador: Prof.º Dr. Claudio Cesar Montoto

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...pág 05

2. CAPÍTULO I : O início do movimento psicanalítico: de Freud a as Histéricas de Charcot à descoberta do inconsciente. ...pág 07

3. CAPÍTULO II : A idéia de sexualidade infantil para a Psicanálise...pág 14

4. CONTO : A paixão do saber...pág 21

5. CAPÍTULO III : O caso clínico do pequeno Hans...pág 22

6. CAPÍTULO IV : O complexo de Édipo e a homossexualidade como uma das possibilidades...pág 33

7. CAPÍTULO V : O impacto do HIV sobre os homoeróticos e as novas formas de subjetivação...pág 42

8. CAPÍTULO VI : Considerações Finais...pág 54

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5 Introdução.

Com o surgimento da epidemia pelo Vírus HIV, junto ao grupo de pessoas que se reconhecem como homoeróticas, ocorreram mudanças significativas no comportamento delas diante da sua imagem social. O vírus trouxe um estigma chapado, escancarado a esse grupo, associado à morte.

Graças à mídia associada ao consumo de produtos e serviços como também relacionada a entretenimento e lazer, voltados exclusivamente a esse segmento, criou-se uma nova imagem para que os homoeróticos pudessem se identificar, um clichê de aspecto positivo, diferente da imagem anteriormente associada a essas pessoas como aidéticos. A idéia capitalista foi associar esse grupo aos possíveis lucros que poderia ser obtidos por meio do consumo, do sexo, e da busca pelo corpo perfeito.

O corpo tornou-se uma fonte inesgotável de possibilidade de remodelação. O corpo deixou de estar em situação de perigo diante da possibilidade da contaminação pelo HIV para ser o lugar da idealização, valorização, beleza e do gozo. Como se o corpo diante destas mudanças pudesse ser um corpo imortal.

Este não quer saber da realidade do corpo mortal, levou, após o impacto da epidemia pelo HIV, junto ao grupo dos homoeróticos, a busca pela beleza física e a remodelação do corpo como estratégias de sobrevivência, diante da possibilidade da morte. Como se a possibilidade da contaminação pelo HIV despertasse a necessidade da construção de um corpo imaginário. Concebido a partir do olhar do que o outro quer ver.

Isay (1998) acredita que “a falta de modelos identificatórios faz com que os homossexuais se identifiquem com os atributos sociais presentes nessa imposição social inconsciente para que seja possível criar uma identidade sólida e única.” Como se a partir daí, pudesse diminuir a angústia que todo o ser humano sente diante da representação da sua própria morte.

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6 Passarelli salienta que no trabalho de prevenção de DST/AIDS é necessário “desvelar as diversas facetas da cultura homossexual na possibilidade de criar programas que intervenham de forma estrutural na realidade destas comunidades, em vez de, simplesmente, agir sobre o comportamento das pessoas. É importante que as informações sobre prevenção sejam contextualizadas pela cultura da comunidade homossexual, por mais difusos que sejam os contornos dessa cultura”. (Passarelli, 2001)

Como instrumental teórico para pensar nessas questões, vou recorrer à Psicanálise. Nesta monografia faço um levantamento dos principais conceitos teóricos da Psicanálise, que tenham relação com o tema deste estudo. A idéia é também poder pensar na psicanálise de uma forma contextualizada com a contemporaneidade.

Escrever sobre a Psicanálise foi retomar parte do conteúdo ensinado neste curso de especialização em Semiótica Psicanalítica – A clínica da Cultura. Da PUC-SP vinculado ao Programa de estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica.

Espero que o leitor tenha paciência para percorrer o caminho que usei para conceitualizar os termos psicanalíticos. Para facilitar a compreensão de quem está lendo vou delimitar alguns pontos importantes: O tema desta monografia é relacionar o surgimento da epidemia pelo HIV/AIDS junto ao grupo dos homoeróticos com a supervalorização que é dada a uma imagem corporal idealizada.

Até que ponto o impacto psíquico associado com a própria morte pôde ter contribuído para o aparecimento de mudanças comportamentais no modo de vida desse grupo, quanto a uma supervalorização da imagem do corpo como modelo de beleza e de jovialidade?

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7 CAPÍTULO I

O INÍCIO DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO: DE FREUD E AS HISTÉRICAS DE CHARCOT À DESCOBERTA DO INCONSCIENTE.

Em 1873, Freud ingressou na universidade e em 1881, recebeu o grau de doutor em medicina. Em 1885, foi para Paris, e na escola de Salpêtrière conheceu Charcot e suas histéricas. Charcot provara a autenticidade das manifestações histéricas, que até então eram entendidas como simulação, mostrou também a ocorrência de histeria em homens e a reprodução das paralisias e contraturas sob a sugestão hipnótica.

Charcot introduziu a histeria no campo das afecções psicológicas. Porém, acreditava na histeria como sendo resultado de uma pré-disposição hereditária. Desenvolveu a clínica do olhar. Empregava a hipnose para provocar ou remover artificialmente os sintomas histéricos, dando origem a demonstrações espetaculares: as pacientes seminuas se contorciam em malabarismos impressionantes, oferecendo-se à visão dos médicos e do público leigo.

Conforme Freud vai se aprofundando na clínica da histeria, vai entendendo-a como uma patologia independente das disposições constitucionais, hereditárias, demarcando que na histeria o corpo pode ser a expressão de algo que não pode ser dito, e o que não pode ser dito? Por que não pode ser dito? Charcot marca Freud com a frase “nem por isso deixa de existir”.

Inicia-se aí, uma clínica mais voltada para a escuta e não mais para o olhar. Freud começou a fazer uso da hipnose para empregar perguntas ao paciente sobre a origem de seus sintomas. Esse processo marca uma diferença fundamental entre ele e os outros médicos que faziam uso da hipnose para eliminar os sintomas e não para, a partir deles, recuperar a história. Nesta época, em 1891, travou conhecimento com o Dr. Josef Breuer.

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8 formados por resíduos de experiências emocionais, situações em que tiveram que subjugar uma poderosa emoção em vez de permitir sua descarga por meio de palavras, ações e/ou emoções.

“A noção de que cada idéia é acompanhada de uma intensidade afetiva particular forma a base da teoria da ab-reação. É precisamente a ausência desta que torna o evento patogênico, impedindo que a quantidade de afeto a ele vinculada se descarregue adequadamente.” (MEZAN, 1989)

Nesse tratamento, Freud havia investigado profundamente a relação de causa e significado dos seus sintomas histéricos, por meio da hipnose e da ab-reação da emoção, que estava ligada às emoções que apareciam enquanto Anna O. cuidava do pai enfermo, e tais sentimentos só eram acessados mediante a hipnose. Freud começou a usar desse recurso para chegar ao sentido do sintoma.

Juntos, Freud e Breuer denominaram esse método catártico, pelo efeito de purificação, de limpeza a que esse termo remetia. O método catártico propunha que sob o efeito da hipnose o sujeito retornasse à situação psíquica traumática original (situação na qual o afeto não pôde aparecer) e descarregasse o afeto correspondente.

Diferentemente de Charcot (teoria Funcional) e de Breuer (teoria Organicista) Freud vai compreender a origem dos sintomas histéricos a partir da teoria do Trauma. O trauma era entendido, nesta época, como um acontecimento, um trauma na vida sexual do indivíduo durante a sua infância. Quando na adolescência ao compreenderem o acontecido, eram tomados por um sentimento de culpa, porque eram acometidos por desejos e idéias de prazer.

Pela sua intensidade, pela incapacidade de responder a esse acontecimento de ab-reagir já que era recebida com horror e para se defender dessa idéia incompatível, geradora de conflito, livrando-se do desprazer no sentido do excesso de excitação, uma força age, separando a idéia do seu afeto correspondente. A esse mecanismo Freud irá chamar de recalque.

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9 trabalhos em 1893, “Comunicação preliminar com Breuer” em 1895, “Estudos sobre a histeria”, propõe outra visão etiológica sobre a histeria.

Freud defende que esses doentes têm algum motivo para estarem nessa situação e que a causa não pode ser diagnosticada com o método de avaliação diagnóstica utilizado até então, o anátomo-clínico. Mas sim, a partir da rememoração de experiências traumáticas vividas pelo paciente, conforme sua postulação da Teoria do Trauma. Aí sim poderia encontrar a origem dos sintomas. Durante o tratamento com estes pacientes, Freud verificou que estas experiências traumáticas estavam praticamente ausentes das lembranças do paciente, ou se faziam presentes de maneira bastante sumária. Todas essas idéias eram de natureza bastante aflitiva e capazes de despertar vergonha, censura e dor psíquica.

Devemos entender recalque, neste período, como o equivalente a defesa e como resultado do desejo de esquecer; existe uma motivação para o esse. Mais tarde, ao formular tal conceito, Freud vai postular uma força atrativa a partir do Inconsciente. A idéia de um núcleo afastado da consciência, mas com poder de atração e organização. Essa noção em relação ao Inconsciente a partir do seu estudo “A interpretação dos sonhos”, em 1900.

O recalque consiste, pois, no afastamento de certas lembranças traumáticas do campo da consciência, que são mantidas na esfera inconsciente. Os conteúdos recalcados se encontram assim inacessíveis ao domínio consciente e funcionam de acordo com o processo primário. Freud define simultaneamente dentro de todo esse percurso o conceito de Defesa. A defesa entra como o motivo das neuroses e o recalque estaria a serviço da defesa.

Com a ação do recalque, a idéia incompatível fica enfraquecida e o afeto fica livre, podendo se ligar à outra idéia ou seu representante, formando assim o sintoma. No caso da histeria, esse afeto se liga a uma parte do corpo pelo mecanismo de conversão. Na neurose obsessiva, o afeto se liga a pensamentos pelo mecanismo de deslocamento e na paranóia, liga-se ao mundo externo pelo mecanismo de projeção.

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10 Todo esse mecanismo dá sustento para o que Freud vai chamar de Princípio de Constância. A tendência do psiquismo é ficar sempre num estado que não permita nenhuma instabilidade, nenhum excesso de excitação. Para tanto, uma emoção deve ser descarregada, ou seja, ab-reagida. Na impossibilidade de fazê-lo, essa excitação fica retida e é percebida como excessiva, provocando desprazer, desconforto. Esse princípio será o precursor do Princípio de Prazer.

Em relação ao conceito de cura, nesta época, essa se dava pelo simples eliminar de sintomas. Freud começa a questionar na clínica o método por ele utilizado – o método catártico – pois percebe que nem todos os pacientes podem ser hipnotizados, e que os sintomas são eliminados sim, mas outros se formam ainda que tardiamente.

Apesar de a hipnose ter sido de imensa ajuda no tratamento catártico, Freud se apoiou na afirmação de Bernheim, médico com quem trabalhou, de que a lembrança do paciente se encontrava presente mesmo depois da hipnose e bastaria insistir para que ele se recordasse e só era preciso falar, que as lembranças voltariam com clareza.

Freud desenvolveu e experimentou o método da concentração, pressionando sua mão sobre a testa do paciente, induzindo-o a falar tudo o que lhe ocorresse, na posição deitada – resquício da hipnose. Todo este desenvolvimento teórico aplicado à clínica surgiu como precursor ao método da “associação livre”. Assim Freud abandona o lugar do saber, como o do médico que tem o suposto poder de curar e ocupa o lugar da escuta, onde quem sabe é o paciente e não o doutor. Com isso, rompe definitivamente com a medicina.

Freud ouviu de uma de suas pacientes, Emmy Von N., que exigiu seu silêncio para que pudesse falar. Logo Freud viu que não era necessária a hipnose para que as pacientes falassem e após um rápido período na sugestão (técnica da pressão), descobriu a associação livre.

À medida que Freud transforma clínica e teoria, vai aproximando-se da etiologia das neuroses, considerando-as sempre de fundo sexual. Nas suas investigações chegava à sexualidade, ou a algum fato ligado a ela.

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11 achava que sexualidade era sexualidade adulta, ou seja, o trauma ocorrido na infância não poderia ser entendido pela pessoa naquele momento.

Os pacientes reproduziam de sua infância, cenas nas quais eram sexualmente seduzidas por um adulto. Para a ciência da época, a criança era vista como um ser não sexual, passiva, despreparada para tal conhecimento. Como um ser assexual, não tinha condições de reagir a essa experiência.

Com o advento da puberdade, a partir da vivência de uma situação que tivesse algum ponto de contato com a experiência de sedução, haveria uma resignificação da primeira, e essa começaria a ter um sentido que até então não tinha. E seria neste jogo das duas cenas, neste entrelaçamento, onde a segunda cena dá um significado a primeira que se instalaria efetivamente o trauma (conceito de a posteriori, que se mantém depois no desenvolvimento da teoria psicanalítica).

O sintoma seria a formação de compromisso entre o desejo e o recalque. E o recalque só pode ser compreendido no fluxo das sucessões das cenas. Com tudo isso Freud instaura a Teoria da Sedução. Somente depois ele irá formular a sua teoria sobre Sexualidade Infantil.

No entanto, sendo Freud o homem que era, com uma ânsia de conhecimento, algo para ele estava no mínimo desconcertante nessa teoria da Sedução. Freud mantinha, nessa época, uma estreita relação com Fliess, médico otorrinolaringologista com quem ele vai compartilhando sua construção teórica. Neste período, Fliess funciona nesta relação como o outro que escuta como o analista de Freud, o alter ego de Freud. E em uma de suas cartas, datada de 21 de setembro de 1897, declara os motivos que fizeram abandonar a sua teoria da sedução: “tenho de te confiar imediatamente o grande segredo que lentamente em mim se iluminou no decorrer dos últimos meses: já não acredito na minha Neurótica. Quatro motivos levaram Freud a abandonar a teoria da sedução;

1) Por não conseguir completar nenhuma de suas análises, ou porque os pacientes interrompiam o tratamento ou pelo insucesso do mesmo, e quando havia sucesso, esse era parcial explicado de maneira habitual.

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12 sedução associada, como a base de sua etiologia, os pais incluindo os de Freud, teriam que ser acusados de pervertidos. Assim, a incidência da perversão teria que ser muito mais freqüente do que a histeria dela resultante, pois a patologia só se instalaria a partir de uma sucessão de acontecimentos com esse teor sexual, somados a um fator que contribuísse para o enfraquecimento da defesa.

3) O conhecimento seguro de que não há indicações de realidade do inconsciente, não podendo distinguir entre verdade e ficção que foram catexizadas pelo afeto. Constata a existência da realidade psíquica que se opõe à realidade material. 4) O fato de que nem nas psiconeuroses mais profundas, onde o processo primário

está escancarado, onde não há uma intervenção efetiva do eu, as experiências sexuais sofridas pela criança eram inacessíveis, ou se elas não teriam acontecido. A partir do abandono da teoria da sedução, Freud vai se dar conta de que “se os histéricos referem seus sintomas a traumas inventados por eles, é preciso tomar em consideração este fato novo (...) e conceder a realidade psíquica um lugar ao lado da realidade prática. Não tardamos, pois, em descobrir que tais fantasias se destinavam a encobrir a atividade auto-erótica dos primeiros anos infantis (...). Por trás delas apareceu, então, a vida sexual infantil em toda a sua amplidão. "História do Movimento Psicanalítico” de 1914.

Opondo-se à realidade material, a realidade psíquica permeada por desejos inconscientes e pelos fantasmas que lhe estão ligados. Refere-se aos processos inconscientes. Ex: raiva, vergonha etc. Vejam então que a idéia de Freud é que ocorrem constantes negociações entre consciente e inconsciente. O que pode passar e o que não pode passar – fazendo SINTOMA.

Com uma forma de existência especial, é a realidade psíquica que predomina na vida do indivíduo e é determinante na etiologia das neuroses. São duas forças lutando entre si, uma delas é a força do consciente sendo que o seu conteúdo pertence à realidade material que vai se defender de outro conteúdo, neste caso inconsciente/realidade psíquica.

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13 oposta à realidade material; no mundo das neuroses é a realidade psíquica que desempenha o papel dominante.”

O termo em alemão “phantasie” designa a imaginação, não a capacidade pura e simples de imaginar, mas como sendo a atividade criadora que anima esse mundo imaginário. A fantasia está ligada à satisfação de um desejo inconsciente. Tudo isso abre vários campos para a psicanálise:

1) Para a sexualidade infantil. A criança não é mais vista como um ser passivo, inocente, que sofre as molestações de um adulto, mas sim como alguém que tem um interesse sexual e que tem desejos e que se utiliza das fantasias para satisfazê-los.

2) Para o tratamento, pois o indivíduo passa a ser implicado em sua neurose, fundamentando-se no pressuposto segundo o qual os sintomas neuróticos têm uma base na realidade psíquica.

3) Para o inconsciente, esse sai do campo de adjetivo e passa a ser substantivo, no sentido de ser como um lugar psíquico especial, que não é uma oposição e nem está abaixo da consciência, mas que é um sistema que possui um mecanismo específico, com conteúdos e energia também específicos, com um valor dinâmico. Quando tratamos de realidade psíquica tratamos de inconsciente.

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14 CAPÍTULO II

A IDÉIA DE SEXUALIDADE INFANTIL PARA A PSICANÁLISE

Para escrever sobre a sexualidade a partir do ponto de vista da psicanálise foi necessário traçar brevemente o percurso da evolução dessa teoria: o tratamento das histéricas, a escuta dessas pacientes no consultório e a demanda que elas traziam para análise, a descoberta do método catártico, o conceito inicial de recalque, de realidade psíquica, fantasia e inconsciente. Toda essa trajetória foi determinante para que Freud posteriormente viesse a pensar em sua teoria sexual infantil.

Lembremos que nesta época era impensável que crianças até então vistas pela sociedade como assexuadas pudessem ser acompanhadas de desejos, fantasias e de prazeres de ordem sexual. Imaginem o reboliço que foi, na época, as idéias de Freud a esse respeito.

No entanto, foi só a partir da publicação dos “Três ensaios sobre a sexualidade”, em 1905, que suas idéias trouxeram verdadeiro alvoroço para a sociedade científica da época. Mas qual é o pensamento de Freud sobre a Sexualidade Infantil? Ele a distingue em duas etapas:

1) experiência auto-erótica, sugar os dedos, mãos na boca. “O prazer sexual está ligado predominantemente à excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanha a alimentação” (LAPLANCHE, 1988) é conhecida como fase oral, depois é a fase anal-sádica. O prazer sexual está ligado às funções de defecação (expulsão e retenção). O prazer é retirado do próprio corpo, Freud marca que algumas zonas têm privilégio sobre outras, no entanto, ambas, oral e/ou anal, estão ligados a pulsões sexuais e agressivas. Na fase oral com o surgimento dos dentes e na anal a destruição do objeto com a defecação e a possessão do objeto com a retenção.

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15 A idéia de sexualidade em psicanálise é diferente de outros campos científicos ou do senso comum porque é muito mais abrangente do que a idéia de sexualidade genital.

Freud nota a sucessão de estádios marcados pelo predomínio de uma zona erótica, ou seja, investida libidinalmente (a boca, a anal e a genital). Vários objetos investidos com uma mesma pulsão sexual. É no decorrer da sexualidade infantil que se desencadeiam os complexos de Édipo e de Castração.

Freud quando escreveu o texto “Pulsão e seus destinos Pulsionais de 1915 afirma que o objeto “é o que há de mais variável na pulsão, e originalmente, não está ligado a ele, só lhe sendo destinado por ser adequado a tornar possível a satisfação (...) Pode ser modificado quantas vezes for necessário no decorrer dos destinos que a pulsão sofre durante a sua existência, sendo que esse deslocamento da pulsão desempenha papéis altamente importantes”.

Qualquer objeto pode se constituir como um objeto de satisfação pulsional. Segundo Freud “uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão): o seu alvo é suprimir este estado de tensão que reina na fonte pulsional, é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir seu alvo (...) É na descrição da sexualidade humana que se delineia a noção freudiana da pulsão.” (LAPLANCHE. J & PONTALIS. J.B, 1988)

Nos “Três ensaios sobre a sexualidade” vai reafirmar que não existe um objeto adequado a pulsão.

“Chamou-nos a atenção que imaginávamos como demasiadamente íntima a relação entre a pulsão sexual e objeto sexual. A experiência obtida, nos casos considerados anormais nos ensina que, neles, há entre a pulsão sexual e o objeto sexual apenas uma solda, que corríamos o risco de não ver em conseqüência da uniformidade do quadro normal, em que a pulsão parece trazer consigo o objeto. Assim somos instruídos a afrouxar o vínculo que existe em nossos pensamentos entre a pulsão e o objeto. É provável que, de início, a pulsão sexual seja independente do objeto, e tampouco deve ela sua origem aos encantos deste”(FREUD, 1905)

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16 incluídos no repertório infantil. Freud afirmou que estava inteiramente certo ao chamar esses prazeres físicos de sexuais, dado tão claramente conterem as sementes da

sexualidade adulta e também relativamente cedo na vida, centrarem-se em torno do prazer genital e dos desejos de contato com os outros.” (KAHN, 2003)

Essas descobertas de Freud estavam intrinsecamente relacionadas à escuta de pacientes em sua clínica e às mudanças que o método psicanalítico foi tendo por meio da escuta analítica.

Freud descobriu que suas pacientes, mesmo não estando sob efeito da hipnose, falavam e iam descobrindo encadeamentos. Abandonou a hipnose e o método catártico de ab reação

,

em favor da livre associação. O que significa isso, os pacientes de Freud

associavam livremente? Na verdade, empenhavam-se em trazer e fazer associações livres, falar o que vinha à cabeça, com o mínimo de censura, restrição possível. Independente se considerava banal ou não, útil ou não, importante ou não. Mas que dentro do processo psicanalítico tudo tem a sua importância e relação com o tratamento, e conseqüentemente com o prognóstico de melhora do paciente.

Neste processo de escuta, Freud percebeu a relação dos conteúdos verbalizados pelas suas pacientes aleatoriamente, com significados, inconscientes na maioria das vezês, voltados para uma sexualidade, ou melhor, para a vida sexual, e que tais conteúdos haviam sidos recalcados, por estarem relacionados a desejos, como já vimos inconciliáveis à nossa consciência.

Freud percebeu a relação entre o desejo inconciliável, relacionado a um desejo sexual, a nossa consciência e o sintoma apresentado pela paciente. Por isso que na grande maioria das vezes os pacientes não conseguem relacionar seus sintomas com a sua vida sexual. De qualquer forma, esses desejos são inconscientes e fazem parte da vida psíquica do paciente e podem ter três destinos: 1) realização: o indivíduo se convence de que repelia sem razão o desejo e consente em aceitá-lo total ou parcialmente. 2) esse mesmo desejo se dirige para um alvo irrepreensível e mais elevado, sublimação do desejo. 3) o indivíduo mantém o recalque.

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17 Na tipologia freudiana a dividiu os estágios psicossexuais da criança usando como base suas observações sobre o desenvolvimento infantil, ou seja, usou do que é esperado para o desenvolvimento, o crescimento biológico infantil para pontuar quais as partes do corpo da criança que seriam possivelmente catexidas, isto é, investidas de uma energia sexual chamada libido. Existe uma divergência entre alguns autores com relação à idade cronológica de cada estágio. Estou usando neste trabalho as referências citadas por Kahn (2003):

- a fase oral (do nascimento até cerca de dezoito meses) - a fase anal (dos dezoito meses até cerca dos três anos)

- a fase fálica e o complexo de Édipo (dos três anos até cerca dos cinco anos). O significante fálico, o pênis, e a entrada do outro na relação anteriormente estabelecida somente entre o bebê-mãe/seio.

- o período de latência (dos sete anos até a puberdade)

- o complexo de Édipo (na puberdade) a resignificação dos sentimentos de prazer/medo relacionados à sexualidade, dentro de uma relação de dois, aqueles sentimentos vividos inicialmente e não elaborados na fase fálica, e resignificados na adolescência.

- a fase genital (da puberdade em diante). Preocupação com a relação propriamente entendida como sexual entre, por exemplo, o pênis e a vagina.

O período em que acontece cada etapa é uma indicação. Pode haver uma diferença na idade cronológica para mais ou para menos. Existe uma grande quantidade de energia psíquica investida pela criança em cada uma destas etapas, desejos e prazeres voltados para o órgão relacionado ao estágio em que a criança se encontra à medida que ela avança de um estágio para outro; parte dessa energia pode ficar retida no estágio anterior.

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18 com a mãe/seio. A pessoa pode estar procurando no excesso de comida o conforto e a proteção vivida por ela na sua relação mãe/bebê.

O meu objetivo não é detalhar etapa por etapa desse processo, mas é a partir da sexualidade infantil pensar nos possíveis caminhos que podem levar até ao complexo de Édipo e seus possíveis desfechos na escolha da orientação sexual.

A criança não é vista mais como passiva e inocente, mas como alguém que possui desejos e que se utiliza das fantasias para satisfazê-los. E que o primeiro objeto de amor investido com fantasias sexuais tanto para meninos quanto para meninas é a mãe. É que existe outro na constituição da sexualidade, a mãe como aquela que seduz, e que se deixa seduzir, criando às vezes uma situação indiferenciada nesta relação entre mãe/bebê.

Na relação mãe/bebê o prazer é entendido como a eliminação de qualquer excitação – no princípio a fome. A fome que é saciada por outro, mas que para o bebê é ele mesmo, uma continuidade de si, mãe/seio-bebê formam um todo. Aqui a fase imperativa é o autoerotismo, onde as pulsões sexuais são isoladas, voltadas para cada zona erógena separadamente, de maneira anárquica, em um corpo fragmentado, misturado, confuso.

Pulsão sexual e de autoconservação andam juntas, a primeira se apoiando na segunda. O mesmo objeto satisfaz as duas – o leite materno extingue a fome e produz o prazer oral – definindo a pulsão como sexual. Progressivamente vão se separando.

A mãe é aquela que detém e decifra a incógnita: quem é o bebê? É ela quem diz por meio da linguagem ou com os olhos, quem ele é. Como se ela soubesse tudo sobre aquele que nada sabe sobre si. É como se fosse o espelho do bebê. O bebê é o que a mãe sente, vê e principalmente deseja. Mas até que ele, bebê, veja a si mesmo fora desse espelho, não precisa entender nada de si, porque os dois são um só.

“O duplo nasce do que Freud chama de narcisismo primário (...) o duplo é uma repetição de Idêntico provoca em si a inquietação, estranheza que é também uma estranha familiaridade. O duplo se encontra ligado ao inconsciente ao que Freud chama de compulsão à repetição, inscrito além do princípio do prazer”. (LÉGER, 1989)

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19 começa a se apresentar a partir de uma nova ação psíquica que se soma ao autoerotismo. O ego, um ego ainda rudimentar que terá que ser constituído.

No narcisismo primário o ego começa a se desenvolver e passa a ser investido pela libido. Há uma unificação desse corpo. A pulsão deixa de ser anárquica e toma o ego-corpo unificado – como objeto de amor, antes de escolher objetos exteriores.

Porém, no narcisismo primário não está ausente toda e qualquer relação intersubjetiva, mas há uma interiorização de um modelo de relação onde o Ego coincide com o prazer e é incorporado como fazendo parte dele, e o desprazer como estando fora dele, como algo estranho a ele.

E sob a égide do princípio do prazer o Ego afasta, separa e projeta para o mundo exterior qualquer desprazer, percebendo-o como hostil. Inicia-se uma distinção ainda tênue dentro/fora de mim.

Ao mundo exterior é destinado o ódio do desprazer e ao mundo interior (ego) o amor primeiro. Se entendermos prazer como ausência de excitação por meio da satisfação e pensando que o protótipo da satisfação é o seio, podemos dizer que há um continuum entre o seio e si mesmo. É nesse lugar que nasce o desejo, que é por excelência o hiato entre si e o mundo. Hiato que se apresenta cada vez mais, pois esse bebê vive num mundo regido pelo princípio de realidade. E é esse princípio que se interpõe entre a mãe e o bebê. É nessa brecha que entram os terceiros, que chamamos de pai, e que Lacan chama de não mãe. É aí que o espelho mágico se quebra. Ameaça ao narcisismo primário.

Porém, quebrando o espelho, liberta-o da prisão do Ego Ideal, construção impossível, porque por mais que a criança se aperfeiçoe, não deterá o desejo de sua mãe. Com a cisão no narcisismo, onde a libido estava concentrada em si mesmo e na mãe não como outro, mas como extensão de si, a libido começa a se dirigir para outros objetos. A criança deixa de se confundir com esse duplo, com essa imagem que a forma, ao mesmo tempo alienando-a primordialmente.

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21 A paixão do saber

Mãe, porque o dia escurece? Por que as estrelas ficam no céu? Mãe por que tenho que dormir?

Pacientemente, a mãe respondia às perguntas. Estava cansada, Queria fazer outras coisas, mas sabia que ele precisava de sua presença. O menino com a esperteza de seus seis anos, dava voltas à cabeça descobrindo sempre novas questões; era um investigador persistente. Quanto mais a mãe se apressava mais ele insistia:

Mãe, por que as nuvens não caem? Mãe, e por que eu não posso ficar acordado?

Divertia-se vendo o esforço que ela fazia para encontrar alguma resposta. Até que ao final, as nuvens caíam em sua cabeça: Chega! Não tem mais porquês. É hora de dormir e pronto.

Ah! Mãe então me conta uma história.

Aquela do menino que vivia fazendo perguntas.

O pai entra em cena: Chega! Hora de dormir. Eu conto a história...

Mas mãe me responde só uma coisa.

Mas o que é que você tanto quer saber?

Mãe você gosta de mim?

Gosto filho, muito, muito, muito...

Poxa, porque você não disse logo. Estou com sono, me deixa dormir, Amanhã você conta a história

Os pais o cobrem, lhe dão um beijo, despedem-se. Estão fechando a Porta do quarto, devagarinho, quando ele recomeça:

Mãe, por que tenho que dormir?

Enquanto há porquês, há paixão de saber. Há prazer de estar acordado, de fazer parte Da vida. Há desejo. E o desejo é como um menino persistente: não há respostas

Que o satisfaçam.

As crianças, em geral são sábias. Continuam sempre a perguntar.

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22 CAPÍTULO III

O CASO CLÍNICO DO PEQUENO HANS

Como não identificar as inquietações e curiosidades sexuais dessa criança investigadora, apresentada nesse conto, que usa das perguntas para tomar a mãe para si, tentando deixar o pai de fora, com as mesmas inquietações e tentativas de também excluir o pai da relação entre mãe e filho, de outra criança chamada Hans? O processo de associação que eu faço é o mesmo que Freud fez ao reconhecer que a emoção que a platéia experimentava diante do drama de Sófocles (A lenda do rei Édipo) é proveniente do reconhecimento inconsciente de que se desenrola no palco algo já vivido por cada uma das pessoas da platéia, na sua própria subjetivação.

Portanto, não é casual o fato de todos nós seres humanos passarmos pelos conflitos e ambivalências próprias da etapa da organização sexual infantil chamada Complexo de Édipo. Como também não é coincidência o fato de todos nós um dia compartilharmos, seja homem ou mulher, do mesmo e primeiro objeto de amor: a mãe.

Para a Psicanálise, o caminho para a constituição da subjetividade do homem, ou seja, a sua sexualidade e suas possíveis orientações, as suas identificações iniciais com o pai e/ou com a mãe, a presença subseqüente ou não de sintomas neuróticos ou perversos e em última instância a compreensão da própria origem desses sintomas dentro da subjetividade humana passa, pela repressão dos dois tabus fundamentais do totemismo, na origem da civilização; de dois desejos reprimidos do Complexo de Édipo a morte do pai e a conquista da mãe.

Freud no livro “Totem e Tabu”, de (1912-1913), faz uma rápida incursão tanto na teoria de Darwin quanto de Smith e volta ao divã analítico. Adotando a sua estratégia de comparação entre o sacrifício ritual em que se come o animal totêmico, associou essas suposições incomprovadas e bastantes incertas destes antropólogos com certas fobias de animais apresentadas por crianças neuróticas, introduzindo a seguir o Complexo de Édipo. (GAY P., 1988)

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23 Diferente do caso Dora, no qual Freud teve que lidar com o fracasso diante da complexidade do caso e, por conseguinte, o abandono de Dora da análise. O caso do pequeno Hans foi totalmente gratificante para Freud. As idéias gerais que pode salientar a partir deste caso são de extrema importância para o desenvolvimento da teoria psicanalítica. Algumas delas são: 1) o material patogênico que fazia Hans ou até mesmo qualquer adulto neurótico sofrer pode ser rastreado até os complexos da organização genital infantil, que se revelariam por meio dos sintomas, no caso de Hans por trás da Fobia; 2) O caso Hans servia como um complemento, ilustrando as conclusões que Freud havia esboçado em seu tratado: “Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”; 3) a exemplificação da teorização do Complexo de Édipo; 4) informações importantes sobre o trabalho de recalcamento.

O tratamento foi efetuado pelo pai da criança, Freud acompanhava o caso por meio das anotações assíduas e detalhadas que o pai de Hans fazia a ele. Em função desta metodologia, poderíamos dizer que dos diversos casos clínicos discutidos por Freud, esse é um dos mais particulares, até porque, tratava-se da análise de uma criança que na época do tratamento tinha apenas 05 anos de idade.

Como se deu a aproximação da família de Hans com as idéias de Freud?

O pai do pequeno Hans era o musicólogo Max Graf, o qual durante anos fora membro do grupo que se reuniam às quartas-feiras em torno de Freud. A bela mãe do garoto – segundo a expressão de Freud – havia sido sua paciente e ambos estavam entre os primeiros adeptos da psicanálise em relação ao resto do mundo. Haviam concordado em criar o filho de acordo com os princípios freudianos, com o mínimo de correção possível. Eram pacientes com o menino, interessavam-se pelas suas tagarelices e achavam divertida a sua promiscuidade amorosa infantil. Vivia enamorado por todo mundo, pela sua mãe, pelas filhas de um amigo da família e por um primo.

Freud o descreve tendo “a sua ânsia pelo conhecimento como inseparável da sua curiosidade sexual.” (1909). Hans era um investigador da própria vida, como inúmeras outras crianças. “Enquanto há porquês, há paixão do saber”. “Há prazer de estar acordado, de fazer parte da vida”. “Há desejo”. “E o desejo é como um menino persistente; não há respostas que o satisfaçam”.1

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24 Apesar de toda a compreensão que Hans recebia dos pais ele não escapou da pressão sociocultural da época. Quando tinha três anos e meio, a mãe o surpreendeu tocando o “pipi” e ameaçou que ia chamar o Dr. A, para cortar o seu pipi. Este é um trecho do diálogo entre Hans e sua mãe.

Mãe: Aí, com o que você vai fazer pipi? Hans: com o meu traseiro.

“Ele deu essa resposta sem ainda possuir qualquer sentimento de culpa. Contudo, foi essa ocasião da aquisição do complexo de castração”. Freud (1909)

Concomitantemente com a descoberta do prazer obtido com a estimulação do “pipi” que levou sua mãe a repreendê-lo ameaçando inclusive de cortá-lo aconteceu o nascimento de sua irmãzinha, o grande acontecimento da vida de Hans, segundo Freud.

O enigma que se criou para Hans com o nascimento da sua irmã foi o seguinte: Como um ser tão parecido com ele, pode nascer sem um pipi igual ao seu? Hans estava, na época do nascimento de sua irmã, passando por um período de desenvolvimento sexual onde só estava informado quanto a um tipo e órgão genital, o seu o pipi.

Os pais de Hans contaram para ele a história da cegonha, para explicar o nascimento de sua irmã, explicação essa que não o convenceu, trazendo a ele novos questionamentos sobre o nascimento dos bebês, de onde eles vêm?

Mais tarde, quando seus pais tentaram esclarecer melhor, disseram que os bebês nascem dentro da barriga de suas mães e depois são empurrados para fora, assim como se expele um “lumf”, nome que Hans dava ao cocô.

Apesar de todos os cuidados que Hans recebia, não foram suficientes para que o jovem não tivesse algum tipo de sintoma neurótico. Desenvolveu um medo paralisante de ser mordido por um cavalo. Passou a ter medo também de grandes cavalos de tração que puxavam veículos, medo que pudessem cair, e começou a evitar estar em lugares onde poderia vê-los.

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25 De acordo com a sua teorização anterior a respeito da angústia, Freud conjeturou que o problema devia provir antes do “anseio erótico recalcado” de Hans pela mãe, à qual ele continuava à sua maneira infantil, tentando seduzir. Seus desejos eróticos e agressivos recalcados foram transformados em angústia, que então se fixaram em um objeto particular a ser temido – tal era a fobia do cavalo.

É interessante apontar que uma das recomendações de Freud ao pai de Hans no curso desse tratamento, estava relacionada a um erro que ele cometeu em sua análise do caso Dora; “você pergunta demais e investiga de acordo com seus próprios pressupostos, em vez de deixar o menino se expressar” Freud (1909)

. Freud tinha agido dessa forma com Dora. Seguir o método de Max Graf advertiu Freud é tornar a análise “impenetrável e insegura”.

A fobia de Hans tornou-se mais difusa. Relutava em sair de casa com medo dos cavalos. No zoológico, preferia evitar ver grandes animais. O órgão sexual reprodutor do elefante e girafas o incomodava visivelmente. E o pai procurava tranqüilizar Hans dizendo: “os animais grandes têm pipis grandes e os animais pequenos, pipis pequenos”. Hans respondia: “... e todo o mundo tem pipi e meu pipi está crescendo comigo quando eu fico maior; afinal está preso.”

Para Freud isso era o sinal claro de que o pequeno Hans tinha medo de perder o seu próprio pipi. O termo técnico para esse medo é a “angústia de castração”, “O complexo de castração” deve restringir-se, “àquelas excitações de conseqüências decorrentes do medo da perda do pênis. As crianças constroem para si mesmas esse perigo, utilizando os mais indiretos indícios, que jamais deixarão de existir.” (MEZAN, 1989)

No caso do pequeno Hans, a ameaça de castração é relatada pela mãe da criança como também pela fantasia de Hans onde o pai poderia ficar zangado com ele por desejar tanto “mimar” com a mãe e isso poderia trazer alguma conseqüência para ele.

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26 caído substituía o pai morto. O medo de Hans em relação aos cavalos era, portanto, um subterfúgio, uma forma de enfrentar emoções, sentimentos tão conflituosos.

Hans vivia seu conflito dolorosamente, por amar o pai, imaginando-se um rival dele, assim como alimentava desejos sádicos e obscuros pela mãe, ao lado de sua afeição apaixonada por ela. Freud com o sofrimento de Hans percebeu a presença atuante da ambivalência afetiva na vida mental. A ambivalência não é exceção, mas sim, regra do triângulo edipiano. Experimentava sentimentos conflituosos de amor e ódio por ambos os pais, independente das escolhas afetivas que ele investia na relação com seus pais.

À medida que a análise de Hans evoluía, percebia-se seus efeitos, ou seja, a diminuição da angústia de Hans. Pode assim admitir que abrigasse outros desejos, o de morte contra sua irmãzinha, seja durante o seu banho afogando-a ou mesmo levando um escorregão e caindo da varanda. Também lidava e comentava a sua teoria de “Lumf”, Hanna sua irmãzinha era um “Lumf ”– os bebês são “Lumfs”. A idéia de ser ao mesmo tempo mãe e pai de seus filhos, que daria luz analmente, Hans queria filhos, falava ele, e ao mesmo tempo não queria. O fato de verbalizar, expressar tais sentimentos era um salto para a cura de seus sintomas neuróticos.

Hans caminhava de uma forma surpreendente, expressava seus sentimentos, mesmo com a desaprovação do pai. Isso em relação ao seu desejo de morte da irmã, quando o pai recriminava Hans, ele falava: “Mas não posso pensar isso, é bom do mesmo jeito.” Freud não continha sua admiração: “Bravo pequeno Hans. Eu não poderia querer que um adulto entendesse melhor a psicanálise.” A solução de Hans para seus conflitos Edípicos foi também satisfatória. Imaginou seu pai casado com a sua própria mãe, avó de Hans. Assim ele, o pequeno Hans, poderia deixar vivo seu pai, o Sr. Graf, e ao mesmo tempo casar com a sua mãe e ter filhos com ela.

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27 A compreensão que temos do Complexo de Édipo, na teoria freudiana, está diretamente relacionada com a autoanálise de Freud. (Ele reconhecia que esta análise era “mais difícil do que qualquer outra”, mas tinha certeza de que “precisava ser feita”.)

Como escreve Gay (1988) “neste emaranhado de autobiografia e ciência é que surgiu o que entendemos hoje por Complexo de Édipo. Complexo esse que foi validado primeiramente, com o próprio Freud e depois genericamente com os casos clínicos e com a leitura psicanalítica. Freud foi muito cuidadoso e criterioso antes de afirmar que todos os seres humanos passavam na primeira infância por conflitos relacionados a desejos eróticos e de morte com relação aos pais. Reconhecia a lembrança de “paixão” pela mãe e ciúme do pai via esse acontecimento como sendo universal.”

Momentos decisivos como a morte de seu pai em outubro de 1896 e o abandono da teoria da sedução (todas as neuroses são resultados do abuso sexual de uma criança, praticado por um adulto, geralmente o pai), permitiram a Freud avançar cautelosamente em direção às suas descobertas sobre as fantasias, os desejos e a sexualidade infantil; foi um período muito difícil, um tema polêmico, principalmente para a época. Somente com os Três ensaios sobre a sexualidade de 1905 e mais precisamente com o segundo ensaio da obra, diminuíram um pouco os receios de Freud.

Não existe um texto único onde Freud escreve toda a sua construção sobre o conceito do Complexo de Édipo. Freud se utiliza de vários textos, podemos citar entre eles: O termo Complexo de Édipo só é introduzido em 1910, no artigo “Sobre um tipo especial de escolha de objeto no homem”; e depois sucessivamente sua compreensão desse conceito vão aparecendo nos demais trabalhos quase que seqüencialmente em 1914, no texto “Introdução ao Narcisismo”, em 1923, “Organização Genital Infantil e depois, 1925, “A dissolução do Complexo de Édipo. Isso sem esquecer os “Três ensaios sobre a sexualidade infantil,” de 1905.

No texto “Pacto Edípico e Pacto Social” (Da gramática do desejo à sem-vergonhice brasílica) do psicanalista Hélio Pellegrino ele escreve de uma forma muito esclarecedora o que Freud entendia pelo Complexo de Édipo.

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28 de sua evolução libidinal, o menino deseja sexualmente a mãe, a partir de uma posição genital infantil, e odeia o pai, rival que lhe impede a satisfação de sua paixão incestuosa. O menino quer possuir a mãe, sexualmente, e quer matar o pai. Ele luta contra a interdição do incesto, que o separa da mãe. Quer matar o pai, seja como rival, seja como representante da Lei da Cultura.

Édipo representa a derradeira etapa de um progressivo e doloroso – processo de separação: corte do cordão umbilical, desmame e, por fim, proibição do incesto, ao nível da genitalidade infantil. Édipo obriga o ser humano a superar a infância, isto é, a sua dependência à mãe e ao desejo dela e, a essa medida, corresponde a um segundo nascimento, segunda expulsão do paraíso.

De que maneira o menino transcende, segundo Freud, o seu Complexo de Édipo? O garoto o transcende, inicialmente, pelo medo que passa a ter da castração. E aqui se articula com o Complexo de Édipo o Complexo de Castração, de importância central no pensamento psicanalítico.

O menino descobre, na época de seu Édipo, isto é, na fase fálica, a diferença anatômica dos sexos. Verifica, aterrorizado, que a menina não tem pênis e que a mãe também não o possui. Passa a ter medo que o mesmo lhe possa acontecer, como castigo imposto pelo pai, em virtude de seus impulsos incestuosos e parricidas. A fantasia de castração corresponde também a um dos fantasmas originários, aos quais Freud atribuiu dimensão filogenética, arquetípica. O menino, como vimos, valoriza extraordinariamente o seu pênis e lhe atribui altíssimo significado narcísico. O medo da perda do pênis filogeneticamente condicionado o obriga a um recuo. O menino acaba, na hipótese mais favorável, por abrir mão de seu projeto incestuoso. Ele internaliza a proibição do incesto e se identifica com os valores paternos. Dessa forma, cumpre uma etapa fundamental, que o prepara no sentido de tornar-se sócio da sociedade humana.

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29 Com a mudança definitiva da família para Viena, Hans percebeu que a presença constante do pai, e a diminuição de suas ausências, dificultavam a realização dos seus desejos, momentos de intimidade, de “mimar” com a mãe. Simultaneamente o desejo passou no sentido de que o pai morresse. A angústia proveniente desse impulso que a presença de dois sentimentos simultâneos e contrários, um relacionado ao amor de Hans pelo pai e outro em relação ao desejo que ele morresse, se encontra na origem da fobia dos cavalos, que marca o início de seu sintoma neurótico.

“Hans amava profundamente seu pai, contra quem ele nutria esses desejos de morte; enquanto seu intelecto objetava a tal contradição, ele não podia deixar de demonstrar o fato da existência desta, batendo no seu pai e logo depois beijando o lugar em que ele tinha batido (...) A vida emocional do homem é, em geral feita de pares de contrários como estes de Hans. De fato se não fosse assim, as repressões e as neuroses talvez nunca ocorressem.” 2

Outra compreensão a partir da teoria psicanalítica do Complexo de Édipo para o surgimento do sintoma fóbico no menino Hans foi o lugar que seu pai ocupou na educação de seu filho, ou seja, à medida que o pai de Hans se endereça ao seu filho em nome da Teoria Psicanalítica e não em nome próprio, elimina a possibilidade de sustentar um ato educativo junto ao filho, e o não exercimento desse foi de grande importância para o surgimento desse sintoma fóbico neurótico na vida do pequeno Hans.

Freud ao procurar justificar, por que o tratamento de Hans foi conduzido pelo pai, sob uma espécie de supervisão sua, fornece-nos um bom indicativo da posição do pai diante do filho. Afirma que a análise só foi possível de uma criança tão pequena “porque as autoridades de um pai e de um médico se uniam numa só pessoa, e porque nela se combinava o carinho afetivo com o conhecimento científico, é que se pode, neste único exemplo, aplicar o método em uma utilização para a qual ele próprio não se teria prestado, fossem as coisas diferentes” (FREUD, 1909).

Assim situa a relação do pai de Hans como polarizada entre afeto e interesse científico, isto é, em certo nível, Hans se tornou um objeto de pesquisa de um pai interessado pela Teoria Psicanalítica.

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30 Tendo em vista esta finalidade afirma Freud: “tenho encorajado amigos e alunos a reunir observações sobre a vida sexual das crianças (...) e afirma que os relatos que ele recebeu em intervalos regulares sobre o pequeno Hans logo começaram a assumir uma posição proeminente”. (1909)

Quando Hans apresenta inicialmente sua fobia “ele estava num passeio com a mãe e expressou a ela um medo de que um cavalo o mordesse.” O pai diz que o filho apresenta um distúrbio nervoso e começa a tecer hipóteses psicanalíticas sobre a fobia do menino: a mãe seria responsável pela neurose do menino, “em face de suas excessivas demonstrações de afeto para com o Hans e também da freqüência e facilidade com que o levava para a sua cama (FREUD, 1909).

Onde estava o pai no momento em que ocorre o idílio entre a mãe e o filho? Aparentemente como está descrito no caso o pai estava anotando o romance de seu filho com a mãe. Podemos pensar que: enquanto o pai ficava registrando tudo, o filho afundava nas águas sombrias do Desejo do Outro, pensado como hipótese no modo sedutor com que a mãe respondia às suas seduções. A única chance do menino é construir o sintoma fóbico para colocar o pai em seu lugar: aquele que serve de anteparo ao Desejo do Outro. Sabemos que Freud, em sua análise, remonta a fobia de cavalo de Hans a sua relação com o pai na conjuntura edípica, ou seja, Hans precisa amedrontar-se com o pai, para valorizá-lo (CALLIGARES, 1986). Assim, o mecanismo de produção do sintoma fóbico e de seu correlativo objeto (o cavalo) consiste em uma inflação imaginária do pai para que este possa fazer frente à Demanda do Outro, para que possa operar a partir do seu lugar na configuração edípica.

A relação entre o objeto fóbico e o lugar do pai, enquanto simbólico no Édipo é destacada por Lacan quando diz “estes objetos tem, com efeito, uma função bem especial, que é suprir o significante do pai simbólico” (LACAN, 1995), ou seja, o Nome-do-Pai.

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31 A autodemissão do ato educativo do Pai de Hans, em nome da Psicanálise, deixa-o entregue a demanda do Outro. O pai não fala em nome próprio, o seu desejo junto a sua mulher não é colocado em jogo.

Hans sabe da impotência do pai em aplacar a demanda da mãe, em servir de um anteparo para que esta não o reduza a um objeto. Diante da constatação desta impotência, Hans promove uma inflação imaginária do Pai, amedronta-se com os cavalos. Amedrontar-se com os cavalos o defende da angústia suscitada pelo confronto com a Demanda do Outro que poderia fantasmaticamente destituí-lo de sua posição de sujeito, reduzindo-o a um objeto do gozo do outro. O objeto fóbico é um para-gozo do Outro, um ponto de basta suplementar ao pai simbólico, um aplacamento da angústia servindo simbolicamente de anteparo a Demanda do Outro.

Além desta falta de anteparo frente à demanda do outro que acabou levando Hans ao sintoma fóbico, função omitida pelo pai de Hans, outro fator que trouxe conseqüências na vida de Hans foi o nascimento de sua irmã Hanna, acontecimento que acabou desorganizando sua vida afetiva. Despertou nele a curiosidade em saber a origem dos bebês, de onde vêm os bebês? Hans teve que aprender a dividir sua mãe com mais uma pessoa, além da percepção de que sua irmãzinha tinha um órgão sexual diferente, que não era parecido com o dele, ou melhor, será que alguém cortou o “pipi” dela? Todas estas novidades trouxeram inúmeros questionamentos para ele.

É neste momento que intervém os elementos vinculados ao erotismo anal. É aí que se vinculam a série fezes = bebês. Hanna era um “Lumf” – os bebês são “Lumfs”. Essas associações de Hans estavam relacionadas à sua constituição sexual. A zona genital foi extremamente investida libidinalmente. O único outro prazer semelhante do qual ele deu sinal foi o prazer excretório, aquele ligado aos orifícios que por meio dos quais a micção e a evacuação dos intestinos são efetuadas. Junto com esse prazer, estava à fantasia de ter filhos em “fazer tudo o que se pode fazer com os filhos”, desejo de estar casado com a sua mãe e ter filhos com ela.

O amor de Hans pela sua mãe era tão grande que ele próprio encontrou uma maneira estratégica de resolver seus conflitos relacionados aos desejos de morte do pai e de ficar sozinho com a sua mãe.

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32 mãe sozinha para ele. Hans soube usar o seu potencial da ordem do ódio em relação ao pai em benefício próprio, de uma forma funcional, saudável. Hans encontrou na fantasia uma forma de ser o único da mamãe.

“Mas mãe, me responde só uma coisa Mas o que é que você tanto quer saber?

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33 CAPÍTULO IV

O COMPLEXO DE ÉDIPO E A HOMOSSEXUALIDADE COMO UMA DAS POSSIBILIDADES.

“A sexualidade é aquilo que a palavra diz que ela é. Acreditamos que somos ou que outros são heterossexuais, bissexuais e homossexuais porque nosso vocabulário sexual

nos coage a identificarmos desta maneira” (COSTA, 1994).

“(...) nós psicanalistas e quaisquer outros, profissionais ou não – não entendemos a homossexualidade. Nossa ignorância inclui não sabermos o que é chamado homossexualidade; qual é a sua dinâmica; etiologia; epidemiologia; curso de vida e

prognóstico; e como melhor a tratamos como aplicamos técnicas de pesquisa para comparar nosso tratamento-nossas técnicas e nossos resultados – com outros ou com nenhum; quais são os feitos a longo prazo do tratamento. As regras do jogo ainda não

foram estabelecidas.” (STOLLER, 1998).

Depois de escrever sobre como Freud entendia a sexualidade infantil, e as etapas psicossexuais desse período, falta escrever sobre como a psicanálise entende a homossexualidade. Apesar das palavras do especialista Stoller em sexualidade humana não serem muito animadoras, vou usar das pesquisas bibliográficas que realizei sobre o assunto, e de uma organização mínima das idéias psicanalíticas que considero esclarecedoras e fundamentadas.

Para a psicanálise, a homossexualidade seria como mais uma forma de subjetivação do ser humano? Será que Freud explicou a homossexualidade? Ele tentou curar o homossexualismo?

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34 Quando pensamos em sexo, aceitamos de imediato que existem dois tipos diferentes, o masculino e o feminino, e não temos a consciência de quão recente é essa noção e do quanto implicou em uma mudança radical na história.

Segundo Costa (1995), “No modelo médico do one-sex model, o sexo se referia exclusivamente aos órgãos do aparelho reprodutor”. Não era algo evasivo que perpassava e determinava o caráter, amores, sentimentos e sofrimentos morais dos indivíduos. Esse sexo absoluto, onipotente e onipresente só se tornou teórico-culturalmente obrigatório a partir do momento em que se criou a noção de bissexualidade originária. Com ela, surgiu a necessidade imperativa de se definir “um novo sexo” com uma natureza, norma, desvios, finalidades, características etc.” A idéia de uma bissexualidade originária está fundamentada tanto na teoria psicanalítica como na teoria da biologia.

As recentes pesquisas biológicas na área da genética humana já demonstraram que o feto é feminino. Até a quinta semana da vida fetal, as estruturas que originarão os órgãos genitais internos masculinos e femininos não apresentam diferenças entre si. Estas estruturas são chamadas de gônadas bipotenciais, pois tem a possibilidade de se diferenciar em gônadas femininas (ovários) ou masculinas (testículos), as quais estarão formadas até a sexta semana de gestação. É somente a partir da sétima semana de gestação que começa a evolução dessas gônadas bipotenciais para ovários (no feto feminino) e para testículos (no feto masculino). Este complexo processo denomina-se diferenciação gonodal.

Buscando no site www.google.com o assunto o “feto é feminino” tem um texto do escritor Luiz Fernando Veríssimo no qual expõe que o feto é feminino, depois que são acrescentados os atributos, digamos assim, masculinos. “A história biológica do ser humano é exatamente o inverso do seu principal mito de criação, em que a mulher que saiu de dentro do homem. Veríssimo afirma que todos os mitos desde os inaugurais, como toda a cultura humana, tem sido masculinos, num contraponto ressentido com a história biológica, verdadeira, feminina, da espécie, pura inveja.”

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35 Em 1909, Freud descobre o elo da bissexualidade originária com a ambivalência afetiva primordial. No caso do pequeno Hans, o assunto fica muito nítido com a ambivalência de sentimentos que Hans sentia de uma forma muito angustiante em relação tanto ao pai quanto à mãe. E que nesse caso clínico esse conflito se encontrava na origem da fobia dos cavalos, na origem dos seus sintomas fóbicos. A dualidade de sentimentos de um amor muito grande ao pai e simultaneamente de desejos de morte e/ou desejos sádicos e obscuros por sua mãe ao lado de sua afeição apaixonada por ela.

A bissexualidade, diz Freud (1923), “ofusca e embaralha nossa visão sobre a natureza das escolhas objetais primárias”. A elaboração da bissexualidade é determinante para o destino de Édipo quando a sua dissolução e a formação de seu herdeiro o superego. A ambivalência não é exceção, mas sim, regra no triangulo edipiano.

Fazendo uma leitura do caso clínico do “Pequeno Hans” com o texto de Daniel Delouya, identificamos que não foi o curso libidinal da excitação genital do pênis ou o seu interesse narcísico pelo seu pênis (pipi), que inseria Hans na cena edípica. O estímulo e a masturbação ocorrem antes de haver qualquer fantasia de cunho edípico. Tampouco é a imersão na trama edípica que dota o sujeito da noção sobre as diferenças sexuais. No caso do Hans com o nascimento de sua irmã Hanna. A percepção da diferença entre homens e mulheres antecede à aquisição do sentido simbólico em torno do falo (Freud, 1925).

O Édipo, portanto, é de ordem simbólica. Diz Delouya:

“um dado momento instaura-se o valor simbólico do falo. Os investimentos e as identificações em relação, e com os pais se aglutinam em um conflito e o pênis adquire um valor narcísico e as diferenças sexuais estarão prestes a adentrar e a ressignificar em nova configuração psíquica, sob o comando e as modalidades ditas pelas diferenças anatômicas. Estamos no auge do complexo da castração. O que vem de cima (fora), o simbólico age sobre as trilhas de (baixo), do programa filogenético, possibilitando o processo. O que se processa é a bissexualidade originária.” (2003)

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36 desmentindo-a ou rejeitando-a todas estas defesas expressam diferentes modos de fuga da castração e um recuo à bissexualidade originária.” (Delouya, 2003)

Para Freud a homossexualidade masculina seria uma forma de evitar a angústia de castração. No lacanismo, quando não há a castração, teríamos o sujeito preso à relação simbiótica e falaríamos em psicose, porque não está inscrita no mundo simbólico ficando preso no mundo imaginário; já no chamado segundo momento ele percebe a castração, mas nega que ela exista, tendo assim as perversões e no terceiro momento percebe e aceita a castração (teme) e teremos a neurose. A ameaça de castração possibilita ao menino a saída do Édipo.

Na resolução do complexo de Édipo positiva simplificada, o menino escolhe o pênis, e com essa escolha evidencia-se pelo interesse narcísico que o garoto tem pelo seu próprio órgão genital, o medo da perda de tal órgão operado pela função (pai) lei, e interdita à criança o objeto materno, inaugura o período de latência e precipita a formação do superego.

Em outras palavras, o desejo, no Complexo de Édipo, tende a um gozo impossível, que nos levaria à morte, seria a necessidade do gozo pleno, ilimitado e absoluto. O simbólico – lei à função paterna cumpre o objetivo de colocar um limite. Assim, impede o gozo absoluto e permite a possibilidade do prazer, da alteridade da subjetivação.

O que é ser castrado senão constatar dolorosamente que nosso corpo e nossos desejos são limitados? “... a castração que atinge o filho, não será também o que o faz ter acesso pela via justa ao que corresponde à função do pai? (...)E não é isto mostrar que de pai para filho que a castração se transmite?” (LACAN, 1992)

No sentido simbólico, a castração dá lugar ao sujeito psíquico, retirando-o da relação dual (simbiótica) mãe/filho e inscrevendo-o em um mundo onde possa existir enquanto sujeito psíquico ou sujeito desejante em busca do outro (não sou da mamãe e a mamãe não é minha). Em síntese, o menino se apaixona pela mãe, sofre a ameaça de castração pelo pai, ou quem exerce esta função paterna, e desiste da mãe e passa a se identificar com o pai.

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37 investimento (hetero ou homoerótica) e se identificando com um dos progenitores (função pai ou função mãe).

Todas as formas de investimentos ou identificações são saídas possíveis para o Complexo de Édipo, não constituindo necessariamente qualquer anormalidade nisso. Na resolução dita negativa do Complexo de Édipo é o inverso, amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. “O menino não tem apenas uma atitude ambivalente e uma escolha objetal terna dirigida à mãe; ao mesmo tempo se comporta como uma menina mostrando uma atitude feminina terna em relação ao pai e a atitude correspondente de hostilidade ciumenta em relação à mãe.”Nasio (2007) caso o pai se constitui como “objeto incestuoso”.

Para este mesmo autor o desejo incestuoso é um desejo virtual, nunca saciado cujo objeto é um dos pais e cujo objetivo seria alcançar não o prazer físico, mas o gozo. Que gozo? O gozo prodigioso que proporcionaria uma relação sexual plena em que os dois parceiros adulto genitor e criança diluiriam em uma total e extática fusão. Naturalmente esse é um desejo, um sonho irrealizável, um mito ou a mais louca e imemoriável das fábulas.

Mais adiante ele explica que para o menino o desejo incestuoso de ser possuído pelo pai é uma das possibilidades da expressão do desejo incestuoso. Teríamos duas outras possibilidades: o desejo de possuir sexualmente o corpo do outro em particular o da mãe e o desejo de suprimir o corpo do outro em particular o do pai. Desejo de possuir, de ser possuído e de suprimir são os três movimentos que podem surgir simultaneamente do desejo masculino. (NASIO, 2007)

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38 No texto o “Ego e o Id” Freud diz:

“Em minha opinião, é aconselhável em geral, e muito especialmente no que concerne aos neuróticos, presumir a existência do Complexo de Édipo completo. A experiência analítica demonstra então que, num certo número de casos, um ou outro dos constituintes desaparece, exceto por traços mal distinguíveis: o resultado então é uma série com o complexo de Édipo positivo normal numa extremidade e o negativo invertido na outra, enquanto que os seus membros intermediários exibem a forma completa, com um ou outro dos seus dois componentes preponderando, na dissolução do Complexo de Édipo, as quatro tendências em que ele consiste agrupar-se-ao de maneira a produzir uma identificação paterna ou uma identificação materna”. (1923)

...continua Freud:

“o amplo resultado geral da fase sexual dominado pelo Complexo de Édipo pode, portanto, ser tomada como sendo a formação de um precipitado no ego, consistente dessas duas identificações unidas uma com a outra de alguma maneira. Esta modificação do ego retém a sua posição especial, ela se confronta com os outros conteúdos do ego como um ideal do ego ou um superego”. (1923)

Para Freud, a resolução do Complexo de Édipo terá duas conseqüências decisivas na estruturação psíquica do menino (a):

1- o superego “herdeiro do complexo de Édipo”. A criança apropria-se desses pais inicialmente como objetos sexuais por meio dos possíveis desejos incestuosos depois do surgimento das fantasias de angústia, no caso o menino tem medo de ser castrado pelo pai repressor e inicia-se um processo de dessexualização dos pais, esses mesmos são incorporados como objetos de identificação “quero ser igual a eles, inconscientemente” em suas virtudes, ambições e fraquezas. Nessa passagem da sexualidade, a moral é que designamos superego – sentimentos que exprimem pudor, senso de intimidade, vergonha etc.

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39 criança, aos três anos, a diferença anatômica não está ainda bem definida. A criança, no caso, o menino, conhece o seu pênis como sendo a única possibilidade capaz de servir como referência das demais pessoas diferentes dele, seja outro menino ou mesmo menina. Vive sob a égide do fantasma de onipotência – o Falo.

Lembremos no caso do pequeno Hans o seu espanto com o nascimento de sua irmã Hanna e a sua visão do corpo nu feminino, desprovido do pênis. E o valor simbólico que teve em sua vida. No entanto, a identidade sexual masculina que emana desta região genital e que vai além do órgão sexual reprodutor masculino, só será adquirida muito mais tarde, também na adolescência. Por isso, a adolescência é um momento crítico de rever as vicissitudes próprias, das soluções individuais, que cada um pode conquistar diante das possíveis soluções do seu Édipo. Para Lacan, o ideal do eu é o tipo viril ou tipo feminino que o menino ou a menina estão destinados a assumir. A virilidade e a feminização são os dois temas que traduzem o que é essencialmente função edípica. Encontramo-nos aí o ponto em que o Édipo está diretamente ligado a função do ideal do eu. (NASIO, 2007)

Não é fácil chegar a um conhecimento que dê conta de todas as variações e correntes de pensamento sobre a compreensão psicanalítica da homossexualidade. Para que isso não se torne, neste trabalho, um obstáculo intransponível, vou usar dois autores Costa (1995) e Barbero (2004) que pensam de uma forma relativamente semelhante sobre o mesmo tema para não divergir as idéias de um autor de outro ou mesmo ficar apenas com uma visão de um único autor. Principalmente na inclusão ou não da homossexualidade como uma estrutura perversa. De uma forma bem resumida vou citar algumas idéias destes autores.

Segundo Costa (1995) o conceito de uma estrutura clínica perversa, tal como formulado pelos autores psicanalistas pós-freudianos, é bastante ambíguo e impreciso contendo em si explicações que remetem a outras estruturas psíquicas.

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40 próprio Freud tenha feito uma distinção (não muito clara) entre homossexual e invertido sexual.

Todas as teorias de Freud sobre a homossexualidade são sempre derivadas de suas formulações sobre a sexualidade infantil, e daí advém a articulações relacionando-a com fases mais “primitivas” desse desenvolvimento (onde encontramos a passividade e o narcisismo como “causas” dela).

O que Costa (1995) procura salientar é a oscilação dessas teorias entre uma aceitação do comportamento homossexual como uma das formas, entre outra, de resolução do Complexo de Édipo, e a patologização dessa conduta, ratificando o senso comum e a norma sexual vigente.

Os desdobramentos da teoria psicanalítica a partir de Freud balizaram-se nessas mesmas alternâncias, acabando por considerar a homossexualidade como uma categoria clínica a mais, se tomarmos como base a classificação freudiana das neuroses e das psicoses.

Tanto Costa (1995), como Barbero (2004), refutam a concepção psicanalítica da homossexualidade como perversão, ambos debruçam-se sobre as relações entre parceria homoerótica e ética sexual conjugal. A minha intenção não é dar conta e esgotar um assunto tão complexo como este nesta monografia, quem tiver interesse, aconselho a leitura utilizada na bibliografia.

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41 A segunda razão seria de ordem política e moral e tem haver com o reconhecimento público dos sujeitos homoeroticamente inclinados, ou com os laços sociais estabelecidos entre esses sujeitos e o restante a sociedade.

“Por essas razões creio que a tentativa de lutar contra o preconceito invocando a condição natural da homossexualidade encontra o seu principal obstáculo na linguagem escolhida como instrumento de luta. Essa linguagem é um jogo de cartas marcadas, no qual o discriminado é forçado a recorrer ao vocabulário do discriminador para identificar-se como sujeito e para reivindicar a consideração moral a que aspira” (COSTA, 1992)

Com estas razões assim colocadas, a partir deste momento vou substituir neste trabalho o termo homossexualismo por homoerotismo para falar desse público dentro da cultura gay, uma cultura homoerótica, por concordar com as razões citadas pelo autor. E quando falar sobre saúde-prevenção DST/ HIV vou usar uma linguagem própria da área da saúde coletiva, homens que fazem sexo com homens, HSH3, um neologismo criado pelo Ministério da Saúde.

3 A construção de uma categoria única de HSH (Homens que fazem sexo com Homens), constitui um ponto de vista

Imagem

Figura 1.1 – O corpo associado à prática do sexo sem camisinha.
Figura 2 - O corpo ressignificado pelo HIV/AIDS.
Figura 1.9. – Demonstração de corpo apolíneo, utilizado em um flyers de uma boate gay

Referências

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