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A CONSTRUÇÃO DA AFETIVIDADE NO PRIMEIRO ANO DE VIDA: UMA LEITURA SÓCIO-HISTÓRICA

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A CONSTRUÇÃO DA AFETIVIDADE NO PRIMEIRO ANO DE VIDA: UMA LEITURA SÓCIO-HISTÓRICA

Thamilly Rozendo Luppi1 Alvaro Marcel Palomo Alves2 LUPPI, T. R.; ALVES, A. M. P. A construção da afetividade no primeiro ano de vida: Uma leitura sócio-histórica. EDUCERE - Revista da Educação, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 99-133, jan./jun. 2019.

RESUMO: O desenvolvimento infantil foi alvo de estudos de diversos pensadores ao longo dos séculos XX e XXI. O tema da afetividade estu- dada pelos teóricos Lev Vigotski e Henri Wallon demonstra a importância do fenômeno para o entendimento de diversos sistemas que integram o psiquismo. Esses autores buscaram apresentar a afetividade sob um viés contextual, mediada pelos sujeitos da cultura e como sistema filogenético e ontogenético. Seguindo esses pressupostos, este estudo tem a finalidade de compreender por meio de uma pesquisa teórica a construção da afe- tividade no primeiro ano de vida em uma perspectiva sócio-histórica. A partir do estudo realizado foi possível identificar a afetividade como uma função psicológica superior e campo funcional intimamente relacionado com o primeiro ano de vida, etapa fundamental para a construção da afe- tividade. Ademais, demonstramos o caráter ativo da criança no início do desenvolvimento, rompendo com uma imagem inatista e biologicista da criança. O estudo permitiu desmistificar a ideia de que o primeiro ano de vida é um ano de total passividade, no qual o bebê pouco age no mundo e fica à mercê de processos espontâneos e maturacionistas. Vigotski e Wallon compreendem o primeiro ano de vida como um período impor- tante para a sociabilidade da criança e o estabelecimento das relações, mesmo carente de fala.

PALAVRAS-CHAVE: Afetividade; Desenvolvimento infantil; Psicolo- gia genética.

DOI: 10.25110/educere.v19i1.2019.6872

1 Graduada em Psicologia (UEM), Mestranda em psicologia pela Universidade Estadual de Maringá.

thamillyrozendo@hotmail.com

2Mestre em Psicologia da infância e adolescência pela UFPR, Doutor em Psicologia e Sociedade (FCL/UNESP), professor adjunto na Universidade Estadual de Maringá (Pr). ampalves@uem.br

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THE CONSTRUCTION OF AFFECTIVITY IN THE FIRST YEAR OF LIFE: A SOCIO-HISTORICAL READING

ABSTRACT: Child development was the subject of studies by several thinkers throughout the 20th and 21st centuries. Affectivity as studied by theorists Lev Vygotsky and Henri Wallon demonstrates the importance of the phenomenon for the understanding of several systems that integrate the psychism. Those authors sought to present affectivity under a contextual bias, mediated by the subjects of culture and as a phylogenetic and ontogenetic system. Following those assumptions, this paper seeks to understand, through a theoretical research, the construction of affectivity in the first year of life from a socio-historical perspective. From the study, affectivity could be identified as a superior psychological function and functional field closely related to the first year of life, a fundamental stage in the construction of affectivity. In addition, it demonstrates the active character of the child at the beginning of development, breaking with the inactist and biologicistical image of the child. The study allowed the demystification of the idea that the first year of life is a year of total passivity, in which the baby acts little in the world and is at the mercy of spontaneous and maturational processes. Vygotsky and Wallon understand the first year of life as an important period for the sociability of the child and the establishment of relationships, even if being devoid of speech.

KEYWORDS: Affection; Child development; Historical-cultural psychology.

LA CONSTRUCCIÓN DE LA AFECTIVIDAD EN EL PRIMER AÑO DE VIDA: UNA LECTURA SÓCIO HISTÓRICA RESUMEN: El desarrollo infantil fue objeto de estudios de diversos pensadores a lo largo de los siglos XX y XXI. El tema de la afectividad estudiada por los teóricos Lev Vigotski y Henri Wallon demuestra la importancia del fenómeno para el entendimiento de diversos sistemas que integran el psiquismo. Esos autores buscaron presentar la afectividad bajo un sesgo contextual, mediada por los sujetos de la cultura y como sistema filogenético y ontogenético. Siguiendo esos supuestos buscamos comprender, a través de una investigación teórica, la construcción de la

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afectividad en el primer año de vida en una perspectiva socio histórica. A partir del estudio realizado fue posible identificar la afectividad como una función psicológica superior y campo funcional íntimamente relacionada con el primer año de vida, etapa fundamental para la construcción de la afectividad. Además, demostramos el carácter activo del niño al inicio del desarrollo, rompiendo con una imagen inatista y biologicista del niño.

El estudio permitió desmitificar la idea de que el primer año de vida es un año de total pasividad, en el que el bebé poco actúa en el mundo y se queda a merced de procesos espontáneos y maturacionistas. Vigotski y Wallon comprenden el primer año de vida como un período importante para la sociabilidad del niño y el establecimiento de las relaciones, incluso carentes de habla.

PALABRAS CLAVE: Afectividad; Desarrollo infantil; Psicología genética.

INTRODUÇÃO

O debate entre natureza e cultura se fez presente ao longo do sé- culo XX e, particularmente na psicologia, carrega a influência das varia- das matrizes científico-filosóficas que originaram essa ciência (FIGUEI- REDO, 1992). Na visão inatista, as emoções e os afetos, por exemplo, são vistos como algo que se potencializam e se desenvolvem pelo meio social. Isso aponta para a noção de que o indivíduo nasce com essas con- dições e o mundo externo apenas estimula as questões internas do sujeito, que acabam se manifestando (GESELL, 1995). Entretanto, a psicologia histórico-cultural rompe com essa noção a respeito do fenômeno psico- lógico, entendendo que não é algo inato e pré-existente, mas construído.

Essa construção se dá por meio da relação com o mundo externo e pelo contato com a sociedade e a cultura, ou seja, o meio social não exerce o papel de influenciar, mas atua como processo determinante. Nesse sen- tido, há relação entre fenômeno psicológico e sociedade, uma vez que o fenômeno psicológico é um reflexo dos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais no qual o indivíduo está inserido.

Não é mais válido determinar as propriedades dos dois separadamente de acordo com suas nature- zas particulares. Os processos se dão de forma tal

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que os dois, o biológico e o social, são componen- tes complementares. Estas substituições: proces- sos em lugar de propriedades, atos no lugar de substâncias, são precisamente a revolução que a dialética provocou em nossos modos de cognição (WALLON, 1984, p.03 negrito nosso).

A psicologia sócio-histórica, fundamentada no materialismo his- tórico dialético, quebra com a ideia positivista que entende o fenômeno psicológico como algo externo, não levando em consideração os valores sociais como concretos. Mesmo a psicologia tendo que adotar os pressu- postos positivistas para se consolidar como ciência, o método materialista histórico e dialético permite iniciar uma crítica a respeito dessas concep- ções acerca do homem, buscando, dessa forma, superar as dicotomias presentes na psicologia. Essa nova proposta surge com a ideia de conhe- cer o homem em sua totalidade, compreendendo e conhecendo a realida- de social e suas transformações. Essa concepção histórica, materialista e dialética refere-se à necessidade de se compreender a história do sujeito, uma vez que ele é formado ontogeneticamente, a história, dessa forma, apresenta suas contradições, bem como se transforma, ou seja, está sem- pre em constante mudança e movimento.

Utilizaremos o termo “sócio-histórico” para definir a psicologia de base marxista, que se estende para além das contribuições de Vigostski e seus colaboradores, incluindo autores como Wallon (1945), Sève (1978), Martin-Baró (1996) e Lane (1999). Quando nos referirmos es- pecificamente à obra de Vigotski e seus colaboradores usaremos o termo

“histórico-cultural”. A construção do sujeito para a abordagem histórico- -cultural está intimamente vinculada ao fator social, constituindo uma re- lação dialética e não determinista, em que o homem transforma a natureza ao mesmo tempo em que é transformado por ela.

Para os autores representantes da abordagem histórico-cultural o equívoco de algumas teorias consiste no fato de afastar a realidade social como participante no processo do desenvolvimento infantil. Com isso, faz-se necessário romper com a concepção idealista, que acaba por dimi- nuir o fator social, deixando-o à noção de “influência”. Assim, é preciso considerar a importância da relação criança-sociedade como um processo de construção e realização de atividades por meio de instrumentos. Nesse

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sentido, na visão de Vygotsky (1996), o grande equívoco da psicologia seria o de não compreender o fator social como participante do processo de desenvolvimento, isto é,

[...] considera o contexto [social] como algo exter- no em relação à criança, como uma circunstância do desenvolvimento, como um conjunto de con- dições objetivas, independentes, sem relação com esse processo, que pelo simples fato de existir acaba por influenciar a criança. [...] a realidade social é a verdadeira fonte de desenvolvimento (VYGOTSKI, 1996, p. 264).

Mas, vale ressaltar que, essa realidade não consiste em uma aná- lise imediata e, sim dialética, uma vez que a sociedade está em constante mudança. Vigotski (op.cit) compreende que é preciso desgarrar-se da ma- neira como o fenômeno se apresenta e buscar a essência, ou seja, as leis internas do desenvolvimento. Isso significa dizer que para a abordagem histórico-cultural o desenvolvimento se dá num processo construtivo e complementar entre os elementos sociais e biológicos do indivíduo.

[...] o desenvolvimento interno se produz sempre como uma unidade de elementos pessoais e ambien- tais, ou seja, cada avanço no desenvolvimento está diretamente determinado pela etapa anterior, por tudo aquilo que surgiu e se formou na etapa anterior (VYGOTSKI, 1996, p. 385).

Para a teoria histórico-cultural a criança nasce com capacidade de aprender. É por meio dos instrumentos e signos criados pela cultura que ela se integra à sociedade. Nesse caminho, indivíduos, grupos e ins- tituições se dividem na tarefa de transmitir o conhecimento e os valores acumulados pela humanidade.

Ao estudar o desenvolvimento infantil, Vigotski e seu grupo pre- tendiam romper com a visão biológica e mecanicista a respeito do de- senvolvimento, introduzindo conceitos como zona de desenvolvimento, situação social de desenvolvimento, signo, ferramenta, atividade-guia, funções psicológicas superiores, crise, entre outros (VIGOTSKI, 1984;

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1996; LEONTIEV, 2001).

O processo de periodização da infância na perspectiva histórico- -cultural corresponde a uma alternância de momentos estáveis e críticos, um processo que pode ocorrer de forma lenta, gradual ou violenta. Sendo assim, as funções psíquicas não se transformam de maneira evolutiva.

Cada idade está relacionada a uma atividade que desempenhará um pa- pel importante para o desenvolvimento. O desenvolvimento infantil pode sofrer mudanças e encontrar dificuldades, é o que denominamos de crise, que representam para o autor um papel importante na vida da criança, uma vez que reestruturam-se as vivências internas do sujeito e suas ne- cessidades e, consequentemente, as atividades sofrem uma mudança que atua de forma construtiva, ou seja, positiva para o desenvolvimento.

Para Vigotski (1996), a crise representa um papel fundamental para o desenvolvimento, pois possibilita a superação de um estágio para o outro. Por isso, o autor confronta a respeito da conotação negativa que é atribuída ao termo “crise”. Para ele, a crise representa um salto impor- tante no processo e se dá muitas vezes pela necessidade de uma atividade, importante para o progresso da criança.

A crise pós-natal, separa o período embrionário do desenvolvimento do primeiro ano. A crise do pri- meiro ano delimita o primeiro ano da vida inicial.

[...]. Os períodos de crise que se intercalam entre os estáveis, configuram pontos críticos, de viragem, no desenvolvimento, confirmando uma vez mais que o desenvolvimento da criança é um processo dialéti- co, onde a passagem de um estádio para outro não se realiza por via evolutiva, mas revolucionária (VI- GOSTKI, 1996, p. 258).

A criança após o nascimento separa-se da mãe fisicamente, mas permanece ligada a ela biologicamente. Isso demonstra que a criança pre- cisa do auxílio de um adulto para satisfazer suas necessidades e tê-las atendidas. O bebê em seu primeiro ano de vida é um ser totalmente de- pendente de outra pessoa, ou seja, de um adulto. Dessa forma, o contato com a realidade é mediado não pela linguagem, mas pelas emoções. Para ter suas necessidades básicas atendidas, a fim de garantir sua sobrevi-

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vência, o bebê utiliza várias formas de comunicar seu desconforto para o outro, pois nada pode fazer sozinho. O choro, por exemplo, é uma for- ma de expressão, assim como o sorriso é uma maneira de se comunicar com o mundo: “[...] A existência de estados emocionais agradáveis ou desagradáveis se manifestam nos primeiros dias de vida da criança, na expressão do seu rosto, na entonação de seus gritos, etc.” (VIGOTSKI, 1996, p. 282).

Dessa forma, os primeiros meses de vida do bebê são caracteriza- dos pela comunicação emocional que consiste no contato com o mundo e é uma das atividades centrais realizada pela criança. Assim, para Vigotski, essa fase inicial do desenvolvimento apresenta uma contradição: “(...) o desenvolvimento do bebê no primeiro ano baseia-se na contradição entre a máxima sociabilidade (em razão da situação em que se encontra) e suas mínimas possibilidades de comunicação” (VIGOTSKI, 1996, p. 286).

Isso remonta a ideia de que o desenvolvimento da linguagem é um instrumento importante para a comunicação do homem com o mun- do. A relação da criança com a sociedade e a cultura é possível por meio da mediação, que consiste em um processo muito importante e acontece por meio de instrumentos e signos que oscilam nos diferentes contextos culturais. Dessa forma, as funções psíquicas superiores que se originaram na coletividade também dependem da mediação para que possam se de- senvolver é o caso da atenção voluntária, a imaginação e da afetividade.

Concordamos com os autores da psicologia histórico-cultural quando dizem que os afetos, assim como a imaginação, dependem da mediação para a sua construção. É através da interação com o outro e com o mundo que ele se constrói e acaba sendo constituinte da experiência do indivíduo. Portanto, o contexto social onde a criança está inserida, bem como a mediação é que irão subsidiar a construção da afetividade.

A respeito disso vale ressaltar que Vigotski aborda as emoções como funções psíquicas superiores, integrando a perspectiva evolucionis- ta adotada por Darwin, Freud e William James. Notadamente em seu li- vro “Teoria das emoções” (1931-1933), Vigotski aborda essa temática em uma perspectiva inovadora, compreendendo as emoções como ligadas, portanto as condições sócio-históricas. Mas, por conta da não conclusão da obra, pelo seu falecimento, Toassa (2009) discute a questão de que os elementos apontados por Vigotski não chegam a ser uma teoria, mas uma

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concepção de grande relevância para compreender o assunto sobre uma nova perspectiva.

William James, por exemplo, acreditava que as emoções esta- riam vinculadas ao fator meramente biológico; Pavlov, por outro lado, difundia a teoria da reflexologia, muito aceita pela psicologia da época como explicação desses fenômenos. Nessa linha, Vigotski buscou não reduzir as emoções ao fator meramente biológico ou social e tentou, des- sa forma, romper com o determinismo ou reducionismo, apontando para esse epifenômeno como constituinte tanto de elementos biológicos como sociais, mas sobre a qual dominam a questão das leis sociais e culturais. A linguagem exerce papel importante nas emoções, pois além de organizá- -las é também uma via de expressão e comunicação com a realidade so- cial.

Com isso, a afetividade bem, como as emoções e sentimentos são elementos aprendidos socialmente por meio da mediação e contato com a realidade, passíveis, portanto de mudanças e transformações: “O homem, em seu aspecto emocional, precisa ser compreendido como síntese das relações sociais, e neste sentido, as emoções são datadas historicamente e são construídas a partir das condições materiais de produção” (FACCI;

BARROCO; MACHADO, 2011, p. 656).

Buscando o aprofundamento do papel das emoções na consciên- cia, pretendemos discutir seu desenvolvimento no primeiro ano de vida do bebê humano, destacando as contribuições da psicologia materialista histórica de Vigotski e seus colaboradores e do psicólogo francês Henri Wallon.

METODOLOGIA

O estudo realizado foi caracterizado por uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica- conceitual. A pesquisa qualitativa busca fugir dos modelos positivistas que procuram quantificar as informações levantan- do assim dados numéricos, atendo-se ao fato de explicar os conceitos, buscando informações. O pesquisador preocupa-se com os aspectos da realidade não de forma empírica ou numérica, mas informativa, no intuito de compreender esses conceitos, bem como explicá-los.

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Fontes

A pesquisa contou com uma seleção de fontes que foram analisa- das em seus pressupostos epistemológicos e metodológicos. A pesquisa conceitual trata o texto psicológico como um discurso produzido na ativi- dade humana. Assim, buscar conhecer como autores de uma dada teoria psicológica conceituam seus objetos é de fundamental importância para a(o) profissional. Abaixo detalhamos as obras pesquisadas:

LEONTIEV, A. N. Contribuições para uma teoria da psi- que infantil;

WALLON, H. A evolução psicológica da criança;

WALLON, H. Psicologia e materialismo histórico;

Coletânea organizada por WEREBE & NADEL-BRUL- FERT intitulada Henri Wallon;

VIGOTSKI, L. S. Desarrollo de los interesses em la edad de transición. Obras Escogidas. Tomo IV;

VIGOTSKI, L. S. Desenvolvimento psicológico na infân- cia. Cap. 4 e 6;

VIGOTSKI, L. S Psicologia da Arte;

VIGOTSKI, L. S. La imaginacion y el arte en la infância;

VIGOTSKI, L. S. Formação social da mente;

ELKONIN, D. B. Enfrentando o problema dos estágios no desenvolvimento mental das crianças;

CAMILO, T. C. A periodização do desenvolvimento infan- til: Contribuições da teoria histórico-cultural;

MACHADO, L. V.; FACCI, M. G. D.; BARROCO, S. M. S.

Teoria das emoções em Vigotski.

Além dessas obras primárias, foram consultadas referências de comentadores das obras de Vigotski e Wallon para aprofundarmos alguns conceitos e seus usos contemporâneos.

Procedimento

Foram realizados fichamentos dos textos selecionados a fim de transformar as obras em dados a serem analisados. Posteriormente, se- guindo a orientação da epistemologia qualitativa desenvolvida por Gon-

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zalez Rey (2003) e Aguiar e Ozella (2006), foram levantados os pré-in- dicadores, indicadores e núcleos de significação. Tais núcleos são funda- mentais para termos uma visão geral da organização do nosso objeto de estudo.

Em primeiro lugar fez-se necessário entender como os afetos são compreendidos de forma geral pela psicologia. O objetivo dessa etapa foi analisar as diferentes concepções no que concerne aos afetos e às emo- ções. Após esse breve estudo, tornou-se importante entender a ruptura que a teoria sócio-histórica busca fazer a respeito dessas ideias que na- turalizam os afetos como pertencentes à natureza humana, no intuito de desconstruir essa visão geral e estagnada sobre a afetividade.

Posteriormente, fez-se necessário conhecer como o primeiro ano de vida é abordado pelos autores representantes da sócio-histórica, bem como o desenvolvimento infantil. Para tanto, estudar o processo de pe- riodização na infância fornece subsídio para a compreensão das fases, das crises e de como os autores da abordagem sócio-histórica entendem o desenvolvimento infantil, em especial Vigotski e Wallon. Essa etapa permitiu compreender de forma clara como tal abordagem vê o processo de construção e desenvolvimento do sujeito. Por fim, realizamos uma sín- tese entre as contribuições dos autores, destacando suas aproximações e distanciamentos em relação ao método dialético.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A psicologia histórico cultural e o primeiro ano de vida

Vigotski (1984; 1996), em seus estudos sobre a crise da psicolo- gia e as teorias do desenvolvimento psicológico, aponta que a vida psíqui- ca do recém-nascido foi objeto de grandes polêmicas e divergências no decorrer da história. Em consequência disso surgiram muitas teorias que tentaram de alguma forma responder a alguns questionamentos acerca do primeiro ano de vida. Dessa forma, o desenvolvimento da criança passou a ser explicado por alguns autores de maneira estrutural e linear, con- trariando a visão de Vigotski e outros autores marxistas que compreen- dem o desenvolvimento como um movimento dialético, portanto passível de mudanças. Para Vigotski, essas teorias são simplórias para explicar a

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complexidade das mudanças no primeiro ano de vida.

Na década de 1930, autores como P. P. Blonsky e L. S. Vygotsky debruçaram-se aos estudos acerca do desenvolvimento infantil e a questão dos estágios, apresentando uma visão materialista a respeito da temática.

Blonksy (apud ELKONIN, 2012) assinala a importância do meio no de- senvolvimento do ser humano, apontando para as condições sociais como participantes nesse processo (BISSOTO, 2012). Compreende-se que:

O homem moderno, sob condições favoráveis ao seu desenvolvimento, se desenvolve mais e mais rapida- mente do que os seres humanos de épocas históricas anteriores. Consequentemente a infância não é um fenômeno imutável, eterno: é diferente a cada dife- rente estágio da evolução no mundo animal, e é di- ferente também a cada diferente estágio do próprio desenvolvimento histórico da humanidade. Quanto mais favoráveis as condições econômicas e culturais do desenvolvimento, mais rápido é o passo. Em uma sociedade comunista as crianças se desenvolverão mais rápido e naturalmente serão muito mais desen- volvidas que as crianças de hoje, na mesma idade (BLONSKY, 1934 apud ELKONIN, 2012, p. 326).

Seguindo a afirmação de Blonsky (ibid.), o processo de periodi- zação da infância na perspectiva histórico-cultural não é visto de forma evolutiva, superando a visão biológica e mecanicista vigente nas primei- ras décadas do século XX, a escola de Vigotski, na URSS, e Wallon, na França, apontou para o fator social no processo de desenvolvimento psi- cológico. Para Bock (2007), a abordagem naturalista e inatista acerca do assunto exclui o fenômeno social como participante desse processo, não compreendendo a importância da história e do meio social para o desen- volvimento da criança.

As características do desenvolvimento de nossas crianças e de nossos jovens têm sido tributadas à natureza humana, isto é, têm sido naturalizadas como características do desenvolvimento humano.

A infância e a adolescência são pensadas como fases

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de um desenvolvimento esperado, previsto e natural (BOCK, 2007, p. 27).

Na perspectiva histórico-cultural, o processo de periodização da infância não é visto de forma sequencial, mas uma alternância de momen- tos estáveis e críticos, em um processo que pode ocorrer de forma lenta, gradual ou violenta. As funções psíquicas não se desenvolvem de maneira evolutiva, cada idade está relacionada a uma atividade que desempenhará papel importante para o desenvolvimento.

Segundo Vigotski (1996), o período pós-natal é considerado tran- sitório e importante para o desenvolvimento da criança. Essa concepção apontada pelo autor acaba contrariando algumas teorias que destacam o percurso do desenvolvimento de forma sucessiva e linear, não reconhe- cendo a dialética e a importância do salto de uma etapa do desenvol- vimento para a outra. Vigotski, dessa forma, refuta essas visões acerca do primeiro ano de vida. Para ele, essas teorias colocam o bebê como um ser totalmente asocial, apenas respondente aos estímulos do ambiente tendo uma atividade voltada apenas para a satisfação de suas necessida- des. Essa compreensão adaptativa e mecanicista sobre o desenvolvimento acaba por caracterizar o primeiro ano de vida como uma etapa de total passividade, na qual a criança ainda não é um ser social, reduzindo-a ao fator meramente biológico. Nesse sentido, fica claro que para Vigotski o desenvolvimento da criança não se limita ao fator biológico e se entrelaça fortemente com o social.

Ainda para Vigotski tais teorias limitam o desenvolvimento e apresentam uma visão errônea a despeito do primeiro ano de vida. Sen- do assim, o autor compreende que o bebê, após o seu nascimento, está imerso em um meio social, rodeado, portanto, de pessoas, caracterizando o primeiro ano de vida como uma etapa única e de total sociabilidade. É certo que o bebê é incapaz de satisfazer sozinho suas necessidades vitais e isso representa a necessidade que ele tem da ajuda de um adulto, tanto no que diz respeito à sua alimentação, à postura, ao caminhar etc. Ou seja, toda a conduta do bebê está entrelaçada com o social desde o seu nasci- mento e todo o seu contato com a realidade está socialmente mediado (VIGOTSKI, 1996).

A criança vai conferindo dessa forma, uma dependência do adul- to que ultrapassa os limites biológicos e adentram no campo socioafetivo.

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Por essa razão, a relação da criança com a realidade que a circunda é des- de o seu nascimento ativa e comunicativa, mesmo carente de linguagem falada.

Embora ainda não haja a linguagem, a criança se relaciona com o adulto de forma peculiar e única. Essa comunicação caracterizada pela ausência de palavras e pela manifestação de emoções e expressões é com- preendida pelo adulto, resultando na construção de afetos e emoções do bebê. Para Elkonin (1987), essa etapa caracteriza-se pelo primeiro estágio no desenvolvimento infantil, que é designada por ele de “comunicação emocional”. Dessa forma, para o autor o bebê utilizará os mais diversos recursos para que haja a comunicação com o adulto e isso inclui tanto o choro quanto o sorriso, que se apresentam como formas de o bebê de- monstrar as suas sensações a despeito do mundo que o circunda (FACCI, 2004).

Por esse ângulo, os afetos acompanham as etapas do desenvol- vimento da criança e participam da formação da personalidade, sofrendo modificações de acordo com cada idade. Para Vigotski, no primeiro ano de vida, os afetos experimentam um completo desenvolvimento.

Los impulsos afectivos sonel acompanãnte de cada etapa nueva em el desarrollo del niño, desde la infe- rior hasta la más superior. Cabe decir que el afecto inicia el proceso del desarrollo psíquico del niño, la formacíon de su personalidad y cierra esse proceso, culminando así todo el desarrollo de la personalidad (VIGOTSKI, 1996, p. 18)

Continuando o raciocínio acima, a atitude da criança frente ao mundo exterior revela-se sempre por meio de outras pessoas, entretanto, Vigotski assinala a contradição desta fase, em que se apresenta pela má- xima sociabilidade do bebê e as suas mínimas possibilidades de comuni- cação, no caso a linguagem humana.

Em continuidade à perspectiva de Vigotski, Leontiev (1998) nos diz que a criança reconhece a sua dependência das pessoas que fazem par- te do seu convívio e participam de sua vida, uma vez que as suas neces- sidades básicas são supridas pelo adulto. Assim, as emoções e os afetos também participam e se manifestam nessas relações estabelecidas entre a

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criança e o adulto.

É importante ressaltar que cada estágio do desenvolvimento da criança é caracterizado por uma relação determinada, ou seja, por uma atividade principal a qual desempenhará uma função de principal forma de relacionamento da criança com a realidade.

A atividade principal é então a atividade cujo desen- volvimento governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da criança em um certo estagio de seu desenvolvimento. (LEONTIEV,1998, p. 65)

É então por meio dessas atividades principais que a criança se relacionará com o mundo; em cada etapa do seu desenvolvimento surgem necessidades específicas em termos psíquicos. Leontiev enfatiza que o desenvolvimento dessa atividade condiciona as mudanças mais importan- tes nos processos psíquicos da criança e nas particularidades psicológicas da sua personalidade. Vale ressaltar que essas mudanças ocorridas em cada estágio do desenvolvimento não acontecem de forma independente, ou seja, não ocorrem de forma isolada.

Segundo Leontiev (2016), a criança ao longo de seu desenvolvi- mento vai adquirindo novas habilidades e algumas atividades começam.

Dessa forma, a perder o seu sentido, é nesse percurso que outras necessi- dades acabam surgindo e a criança, então, caminhará nessa direção. Em outras palavras, a criança no decorrer de seu desenvolvimento, perce- be que o lugar que costumava ocupar no mundo das relações humanas não corresponde mais as suas potencialidades. Desse modo, surge, como aponta o autor, a contradição entre o modo de vida da criança e as suas potencialidades que de certa forma já superaram este modo de vida. Sen- do assim, a sua atividade é reorganizada, dando início a outro estágio do desenvolvimento, no que confere a sua vida psíquica.

O desenvolvimento de sua consciência encontra ex- pressão em uma mudança na motivação de sua ati- vidade, velhos motivos perdem sua forma estimu- ladora e nascem os novos conduzindo a uma rein- terpretação de suas ações anteriores. [...] uma nova

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atividade surge e com ela começa também um novo estágio de desenvolvimento. (LEONTIEV, 2001, p.

82)

Cada atividade da criança não expressa simplesmente a sua rela- ção com a realidade objetiva, é preciso considerar que as relações sociais existentes se expressam também objetivamente em cada uma das ativida- des desempenhadas pela criança.

Isso porque, a criança não apenas muda de lugar no sistema das relações sociais, como também se torna consciente dessas relações e as interpreta. É importante assinalar que o desenvolvimento psíquico da criança depende das condições reais de vida. As relações que a criança es- tabelece com a realidade e com as pessoas que a circundam caracterizam um ponto específico e importante para o desenvolvimento (LEONTIEV, 2001).

É o que Elkonin conceitua como “Jogo de papéis” que designa a atividade pela qual a criança pré-escolar assimilará os conteúdos apresen- tados pelo adulto, ou seja, pela mediação a criança assimilará os papéis sociais que permeiam as suas relações no contexto em que está inserida (MAGALHÃES; MESQUITA, 2014). À medida que a criança se desen- volve, vai assumindo cada vez mais obrigações, interage e participa cada vez mais com a realidade, caracterizando uma relação dialética. Sendo assim, a transição de uma etapa de desenvolvimento infantil para outra é caracterizada por crises. Essas surgem no limite entre duas idades e as- sinalam o fim de uma etapa precedente de desenvolvimento e o começo da seguinte.

Do ponto de vista desta interpretação, as crises, são, é claro inevitáveis porque essas contradições são inevitáveis em quaisquer condições. Porém, não há nada mais falso na teoria do desenvolvimento da psique de uma criança do que esta ideia. (LEON- TIEV, 2001, p. 67)

Em consonância com esse pensamento, Vigotski aponta para a importância das crises no desenvolvimento infantil, na visão do autor isso possibilita a superação de um estádio para o outro. Assim, Vigotski con-

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fronta a conotação negativa que é atribuída ao termo “crise”. Para ele, a crise representa um salto importante no desenvolvimento e se dá muitas vezes pela necessidade de uma atividade, importante para o progresso da criança. A partir desses pressupostos pode-se compreender que o compor- tamento social da criança se entrelaça com as suas funções vitais e a sa- tisfação das suas necessidades, o qual ela reage e interage cada vez mais com esse mundo de vivências criado pelo adulto (VIGOTSKI, 1996).

Dessa forma, o bebê desde o seu nascimento se encontra em uma situação de desenvolvimento especial e todo o seu comportamento está imerso ao social e por não conseguir satisfazer sozinho suas necessida- des, recorre a ajuda de outras pessoas a fim de satisfazê-las. Com isso, as relações sociais do recém-nascido não se separam nem se diferenciam da situação ao qual ele pertence.”Su actitud ante el mundo exterior se revela simpre através de otras personas. Cabe decir, por tanto, que La conducta individual del bebé está inmersa, entrejida com lo social, [...]”

(VIGOTSKI, 1996, p. 22).

Para Vigotski, a psique do bebê está incluída desde o primeiro momento de sua vida em uma existência comum com outras pessoas. A criança, dessa forma, responde aos estímulos e sensações não de forma isolada, mas como uma forma de interação com outras pessoas, processos estes que sempre são mediados. Consequentemente, a criança vai estabe- lecendo cada vez mais contato com as pessoas que a rodeiam e com o seu mundo. “Seria erróneo suponer que el recién nacido, perciebi el mundo como um caos de sensaciones disgregadas, incoherentes, aisladas [...]”

(VIGOTSKI, 1996, p. 6).

A criança pequena não percebe o mundo como uma categoria objetiva, ou seja, como algo separado de si. Dessa forma, ela no início conhece apenas uma categoria o “nós”. Ou seja, o outro constitui uma categoria única, coerente e de ajuda mútua em sua vivência, o que aponta para o elemento social como participante no desenvolvimento infantil, representando assim um papel de extrema importância nesse processo.

A partir disso, Vigotski assinala que logo no segundo mês de vida a criança já apresenta reações cada vez mais complexas e de grande ca- ráter social, o que demonstra o seu contato ativo com outra pessoa. Além de outros sinais que constatam que a criança em seu primeiro ano de vida sabe distinguir as pessoas das coisas. Além disso, toda a relação da crian-

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ça, o que inclui os objetos, é mediada pelo adulto, ou seja, passam pela relação com outro alguém.

El adulto és el centro de cualquier situacíon em el primer año.[...]. La atividade Del niño em presencia Del adulto se realiza siempre a través de El. Por este motivo, La outra persona es para el bebé el centro psicológico de toda la situacíon. (VIGOTSKI, 1996, p. 22)

O desenvolvimento do primeiro ano de vida na perspectiva de Henri Wallon

Henri Wallon nasceu na França no ano de 1879, vivenciando períodos importantes da história, como as duas grandes guerras. Sendo assim, Wallon experienciou um contexto de grande instabilidade tanto no aspecto social e econômico como político. Todo esse cenário propiciou ao autor um engajamento com as questões sociais e políticas de sua época, adotando uma postura científica que buscou integrar a ciência ao fenô- meno social, entendendo que as influências do mundo externo participam claramente do processo de desenvolvimento do homem. Henri Wallon se formou em Medicina, atuando na área da psiquiatria o que despertou cada vez mais o seu interesse pela psicologia, principalmente no que concerne a questão do desenvolvimento (GALVÃO, 1998).

Nessa sequência, as experiências de Wallon no campo da me- dicina propiciaram ao autor a apreensão de conhecimentos na área da neurologia e da psicopatologia que o auxiliaram na elaboração de sua teoria. Desse modo, a teoria desenvolvida por ele foge das concepções mecanicistas e reducionistas a despeito do desenvolvimento que acabam por limitar o entendimento do sujeito e do psiquismo. A concepção psico- genética e dialética de Wallon contribui para o entendimento do indivíduo em sua totalidade, contrapondo-se também ao dualismo corpo e mente tão presentes na época (WEREBE, 1986).

O autor esteve à parte dos avanços na área da neurologia e dos es- tudos desenvolvidos em sua época, opondo-se dessa forma à visão loca- lizacionista que a seu ver limitava o entendimento do sujeito, defendendo em sua teoria a ideia da plasticidade do sistema nervoso. As experiências e estudos de Henri Wallon propiciaram a constatação da forte relação

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entre movimento e psiquismo e o papel desempenhado pelo ambiente nessas funções (GALVÃO, 1998).

De acordo com Galvão (1998), a teoria de Wallon defende a ideia de uma integridade da vida psíquica, formada por três dimensões – moto- ra, afetiva e cognitiva -, que coexistem e atuam de forma integrada. Dessa forma, o processo de desenvolvimento do sujeito se entrelaça entre o fator biológico e social.

Entre os fatores de natureza orgânica e os de natu- reza social as fronteiras são tênues, é uma comple- xa relação de determinação recíproca. O homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito, por- tanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência (GALVÃO, 1998, p. 20).

Wallon, ao conceituar a questão da afetividade, entende que em um primeiro momento a afetividade está intimamente ligada ao orgâni- co, ou seja, está atrelada às necessidades biológicas do sujeito. Aos pou- cos o meio social configura uma importância fundamental para o desen- volvimento da afetividade que se mostra progressivamente como uma manifestação social. A partir disso é possível perceber que para Wallon o organismo é apenas um aparato que confere recursos para o homem, apontando para a relevância do social no desenvolvimento do sujeito, pois é a partir do que lhe é apresentado que o indivíduo vai se colocando no mundo, vai aparecendo e se construindo. Com isso, ao colocar a afe- tividade ligada ao fator orgânico, a teoria walloniana faz uma fusão entre o corpo e o meio social, defendendo a ideia de um sujeito organicamente social (FERREIRA; RÉGNIER, 2010).

Seguindo em seu pensamento, Wallon aponta a afetividade como um conjunto funcional que se expressa de três maneiras distintas: pela emoção, pelo sentimento ou pela paixão. Segundo Wallon, a emoção cor- responde às primeiras manifestações da afetividade sendo este de ordem biológica, enquanto o sentimento possui caráter mais cognitivo, portanto, de ordem psicológica. A paixão, nesse sentido, corresponde ao autocon- trole, ou seja, à capacidade de dominar um elemento em prol de um obje- tivo a ser conquistado. Para Wallon, é por meio da emoção que o indiví-

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duo biológico se transforma em ser social (ALMEIDA, 2008).

Enquanto as primitivas manifestações de tonalida- de afetiva são reações generalizadas, mal diferen- ciadas, as emoções, por sua vez, constituem-se em reações instantâneas e efêmeras que se diferenciam em alegria, tristeza, cólera e medo. Já o sentimen- to e a paixão são manifestações afetivas em que a representação torna-se reguladora ou estimuladora da atividade psíquica. Ambos são estados subjetivos mais duradouros e têm sua origem nas relações com o outro, mas ambos não se confundem entre si (AL- MEIDA, 2008, p. 347).

Ao estudar o desenvolvimento, Wallon se contrapõe à concepção da linearidade desse processo, compreendendo que este não segue de for- ma sequencial, mas se apresenta como um processo dinâmico marcado por crises e rupturas que na visão do autor são fundamentais para o de- senvolvimento. Dessa maneira, ao iniciar uma nova etapa, a criança não rompe com a anterior, mas a incorpora. Para Wallon, o surgimento de uma nova etapa do desenvolvimento implica na incorporação dinâmica das condições anteriores, ampliando-as e ressignificando-as.

Para Wallon o homem é um ser indissociável no que concerne ao biológico e ao social. Assim, ao unir o orgânico e o psíquico a psicologia estaria para ele situando-se no campo das ciências naturais e sociais, es- tudando o psiquismo nas suas dimensões biológicas e sociais entendendo que o homem está em constante mudança e transformação (GALVÃO, 1998).

O autor francês partilhava do mesmo entendimento de Freud e outros estudiosos da época ao apontar a expressão afetividade nos pri- mórdios do desenvolvimento como, por exemplo, o choro e o sorriso do bebê, ligados às experiências de prazer e desprazer na sua interação com o mundo, relacionada assim com o fator biológico. Nesse sentido, tendo em vista que as necessidades biológicas do sujeito precisam ser satisfeitas é por meio dessas expressões que a criança consegue se relacionar com o outro, interagir com o mundo e como afirma Junqueira (2010, p. 37) “[...]

o bebê expressa sua insatisfação por meio do choro, que de início é sua

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única maneira de relacionar-se. Esse choro mobiliza a mãe e ela o inter- preta de acordo com seus valores e significados culturais.”.

A teoria desenvolvida e apresentada por Wallon entende o de- senvolvimento de forma dialética em uma relação intrínseca entre o fator orgânico e social, fazendo uma síntese que une os elementos afetivo, cog- nitivo e motor. Dessa forma, o indivíduo não é compreendido de forma fragmentada, negando-se a entender sujeito sob um único viés, propondo dessa maneira um estudo que integra todos esses elementos como parti- cipantes no processo de desenvolvimento do sujeito (FERREIRA; RÉG- NIER, 2010).

Para Wallon, afetividade e cognição são elementos indissociá- veis sendo os dois primeiros anos de vida marcados pela dependência da criança em relação ao outro. Isso quer dizer que a criança nesse período precisa do auxílio do adulto para satisfazer as suas necessidades, carente de linguagem, as reações emocionais nessa etapa surgem como forma de se comunicar com o outro e de interagir com o mundo, estabelecendo as suas primeiras relações sociais.Para Henri Wallon, o afeto é fundamental- mente social, uma vez que precede e supera os recursos cognitivos como pontuam Ferreira e Régnier (2010, p. 27): “Assim como a afetividade, a cognição é um elemento fundamental na psicogênese da pessoa completa, sendo o seu desenvolvimento também relacionado às bases biológicas e suas constantes interações com o meio”.

Desse modo, pode-se entender que a questão da afetividade para Wallon é vista de forma ampla que compreende o elemento orgânico como base para o seu desenvolvimento que aos poucos se configura e ad- quire um status social por meio da relação estabelecida e construída com o outro. Esse processo e essa relação são fundamentais para a construção do sujeito, apontando para a importância da afetividade no desenvolvi- mento do sujeito completo (GALVÃO, 1998).

Sendo assim, tanto a afetividade quanto cognição são elementos fundamentais para a construção e o entendimento do sujeito, entendendo que o desenvolvimento das funções cognitivas e afetivas estão fortemente relacionados às bases biológicas, ao mesmo tempo em que estão imersas no social. Assim, a cognição, bem como a afetividade emergem das fun- ções orgânicas que se mostram como um aparato importante, mas que vai conferindo certa complexidade e diferenciação na relação dialética com

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o social.

[...] ao longo do desenvolvimento a afetividade vai alternando com o conjunto funcional cognitivo em um movimento dialético ora centrípeto e ora centrí- fuga. Assim, podemos compreender a afetividade, de forma abrangente, como um conjunto funcional que emerge do orgânico e adquire um status social na relação com o outro e que é uma dimensão fun- dante na formação da pessoa completa. (FERREI- RA; RÉGNIER, 2010, p. 27)

O processo de periodização na visão de Wallon entende a criança contextualizada, permitindo dessa forma, perceber que entre os recursos biológicos da criança e os disponíveis no meio social, há uma dinâmica dialética em que cada etapa do desenvolvimento estabelece um tipo sin- gular de interações do sujeito com o meio social (JUNQUEIRA, 2010).

O primeiro ano de vida é caracterizado, predominante, pelo ca- ráter afetivo pela carência da linguagem sendo esse um instrumento que possibilita a comunicação e o estabelecimento das relações sociais com o meio, interagindo assim com o mundo numa dinâmica ativa e não apenas passiva como defende alguns teóricos. Esse período é denominado de es- tágio impulsivo-emocional e corresponde a força centrípeta, ou seja, está voltado para a construção do sujeito. De acordo com Junqueira (2010), a teoria estruturada por Wallon compreende que as primeiras manifesta- ções da afetividade são desorganizadas, mas vão adquirindo ao longo do desenvolvimento novos significados à medida que a criança assimila e se apropria dos conteúdos que lhe são apresentados, bem como participa cada vez mais de forma autônoma no mundo. Portanto, o desenvolvi- mento deve ser compreendido em toda a sua dimensão, não excluindo os aspectos sociais e culturais do processo de desenvolvimento da criança (JUNQUEIRA, 2010).

Já o estágio sensório-motor e projetivo é marcado pela aquisi- ção de movimentos importantes para a criança, que possibilitam a ela ter maior autonomia, explorando o mundo físico, além da aquisição da lin- guagem. Essas mudanças permitem à criança a manipulação de objetos, explorando ao máximo a realidade que o cerca.

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Nos estágios impulsivo-emocional, personalismo, puberdade e adolescência, nos quais predomina o movimento para si mesmo (força centrípeta) há uma maior prevalência do conjunto funcional afetivo, enquanto no sensório-motor e projetivo e categorial, nos quais o movimento se dá para fora, para o co- nhecimento do outro (força centrífuga), o predomí- nio é do conjunto funcional cognitivo. (FERREIRA;

RÉGNIER, 2010, p. 09)

Desse modo, é possível compreender que para Wallon apenas o aparato biológico não é suficiente para o desenvolvimento pleno do su- jeito; ao defender a psicogênese da pessoa completa o autor entende que o social é um elemento fundamental no desenvolvimento (FERREIRA;

RÉGNIER, 2010).

De acordo com a perspectiva walloniana, o desenvolvimento infantil é marcado por conflitos, não os vendo como algo negativo as- sim como Vigotski, mas entendendo como um elemento importante no salto do desenvolvimento. Dessa forma, ao compreender o homem em constante mudança e transformação, o desenvolvimento é visto de modo alternado entre os elementos cognitivos e afetivos, em cada etapa há o predomínio de uma atividade que corresponde às condições e às necessi- dades do indivíduo (FERREIRA; RÉGNIER, 2010).

Conforme as disponibilidades da idade, a criança in- terage mais fortemente com um ou outro aspecto de seu contexto, retirando dele os recursos para o seu desenvolvimento. Conforme as disponibilidades da idade, a criança interage mais fortemente com um ou outro aspecto de seu contexto, retirando dele os recursos para o seu desenvolvimento. Com base nas suas competências e necessidades, a criança tem sempre a escolha do campo sobre o qual aplicar suas condutas. O meio não é, portanto, uma entidade es- tática e homogênea, mas transforma-se juntamente com a criança. (GALVÃO, 1998, p. 27)

Em suma, afetividade e cognição são elementos indissociáveis,

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que se integram, em uma relação dialética, estando em constante mudan- ça e movimento. Wallon, compreende a afetividade como uma manifesta- ção que engloba a dimensão psicológica e biológica do sujeito, exercendo papel importante não só no desenvolvimento, mas também na construção do conhecimento (BUSSAB; PEDROSA; CARVALHO, 2007).

Merece um destaque especial, nessa discussão, a inseparabilidade entre aspectos emocionais e cog- nitivos da intersubjetividade, a motivação intrínseca para o compartilhamento, a presença muito precoce, ainda que rudimentar, de uma intersubjetividade, e as transformações ontogenéticas que permitem o de- senvolvimento de uma teoria da mente, bem como a questão da imersão cultural via compartilhamen- to (BUSSAB; PEDROSA; CARVALHO, 2007, p.

125).

A partir disso, é possível compreender a importância das relações humanas para o desenvolvimento do homem constatado na história da hu- manidade. A sociedade e a cultura sem dúvida são fatores essenciais para o aperfeiçoamento do sujeito, tendo em vista que foi por meio do proces- so civilizatório que o homem construiu os seus papéis sociais, suas cren- ças, valores, em um processo dialético que permite a constante mudança e transformação não só desse homem, mas também da sociedade. Ao fazer a interface entre psicogênese e história, Henri Wallon procurou apontar para a ligação presente entre as relações sociais e a constituição do su- jeito, ressaltando para a fusão do orgânico e social como participantes do processo de desenvolvimento e construção do homem. Sem o social não seria possível essa evolução do homem, pois para Almeida (2008, p.

348): “o aparato orgânico não é capaz de construir a obra completa que é a natureza humana, que pensa, sente e se movimenta no mundo material”.

Na perspectiva de Henri Wallon (1995), as primeiras expressões do bebê, como o choro ou sorriso, são, em um primeiro momento, de ordem biológica, causadas pelas sensações experimentadas por ele na sua interação com o mundo. Entretanto, essas manifestações causam im- pacto afetivo nos adultos pela necessidade que possuem do outro para ter as suas necessidades satisfeitas, o que pressupõe uma relação. Com

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isso, de acordo com o autor é a partir dessa interação com o outro e com a consequente maturação do aparto biológico que essas manifestações vão se configurando cada vez mais como algo social e menos biológico (WALLON, 1995).

Dessa maneira, na visão de Wallon, é a partir dessa relação de re- ciprocidade que se configura uma correspondência entre os atos do bebê e os efeitos provocados no ambiente. Sendo assim, os gestos e expres- sões que inicialmente eram apenas respostas dos estados fisiológicos da criança, relacionados a estados de prazer e desprazer, vão adentrando aos poucos numa dimensão afetiva, tornando-se sociais (WALLON, 1995).

Desde as impressões que acompanham o exercício duma função até os critérios que regulam a reali- zação duma tarefa, aquilo que se chamou a lei do efeito alargou consideravelmente o domínio daque- las reacções circulares que são o princípio dos pri- meiros exercícios espontâneos aos quais se entrega a criança na tenra idade. No campo das experiências possíveis, ela suscita os seus actos de investigação e de aquisição concreta (WALLON, 1995, p. 74).

Desse modo, torna-se fundamental compreender a dinâmica e os processos que atravessam a construção do sujeito que une o fenômeno biológico e social como integrantes do desenvolvimento do sujeito e de sua personalidade; destacando, assim, para a importância das relações, do social e do outro para a construção de um sujeito pleno, como defende Henri Wallon em seus estudos (ALMEIDA, 2008).

Síntese da perspectiva de Henri Wallon e da psicologia histórico-cultural acerca da afetividade no primeiro ano de vida

O desenvolvimento infantil foi alvo de estudos de teóricos como Piaget (1993) e Gesell (1995) dentre outros. Entretanto, autores como Henri Wallon e Lev Vigotski buscaram compreender o desenvolvimento infantil sob um viés metodológico conhecido como materialismo históri- co dialético.

Na perspectiva de Wallon (1995), o bebê em seu primeiro ano de vida conta com um aparato biológico ainda em processo de amadu-

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recimento, ou seja, condições precárias de maturidade orgânica. Para o autor, a criança é dependente do adulto para que possa ter as suas neces- sidades atendidas. Sendo assim, os dois primeiros anos de vida da criança caracterizam-se pela dependência que ela possui em relação ao adulto. Si- milarmente a isso, Vigostki (1997) também reitera a ideia da necessidade de auxílio que o bebê possui em relação ao adulto, uma vez que é incapaz de satisfazer sozinho suas necessidades. Para Vigostki, isso representa que o desenvolvimento do bebê está fortemente relacionado com os fato- res filogenéticos e sociais, em um movimento dialético que não exclui a importância do biológico, mas que ao mesmo tempo não isola o processo do crescimento infantil da realidade social, que na visão do autor, se apre- senta como um elemento fundamental para o desenvolvimento pleno da criança.

Embora Henri Wallon seja menos explicitamente marxista em suas análises quando comparado a Vigotski, o autor francês compreende o homem como um ser biologicamente social, produto de sínteses dialé- ticas entre o pensar, o sentir e mover-se.

Wallon admite o organismo como condição primei- ra do pensamento, afinal toda função psíquica supõe um equipamento orgânico. Adverte, contudo, que não lhe constitui uma razão suficiente, já que o ob- jeto da ação mental vem do exterior, isto é, do grupo ou ambiente no qual o indivíduo se insere. Entre os fatores de natureza orgânica e os de natureza social as fronteiras são tênues, é uma complexa relação de determinação recíproca. O homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência. (GALVÃO, 1998, p. 20)

Semelhante a Wallon (1968; 1984), Vigostki (1996) entende o meio social como primordial para o desenvolvimento pleno da criança, uma vez que é por meio da mediação que o bebê conhecerá o mundo, bem como a realidade que o cerca.Na visão do autor, desde o primeiro momento de sua vida o bebê está imerso na existência com outras pes- soas, o que pressupõe a importância das relações que serão estabelecidas

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ao longo do seu desenvolvimento. Dessa forma, ao esboçar um riso ou choro a criança não está respondendo de forma mecânica aos estímulos do ambiente, mas sim interagindo com outras pessoas em um processo que é sempre mediado (VIGOSTSKI, 1996).

Pelo fato do primeiro ano de vida ser demarcado pela carência da linguagem, essas manifestações emocionais como o choro e o sorriso são entendidas por Vigotski como uma manifestação não só afetiva como social. Para Wallon (1995), as primeiras manifestações da afetividade são desorganizadas e embora compreenda o choro e o riso como uma ex- pressão da afetividade, Wallon entende essas manifestações sob um viés biológico, o qual na visão do autor, estão relacionadas às experiências de prazer e desprazer. Dessa maneira, para Wallon, tanto o choro quanto o sorriso configuram-se em um primeiro momento como algo de caráter biológico para só então ser social, uma vez que para ele é por meio dessas expressões que a criança consegue se relacionar com o outro (GALVÃO, 1998).

Tanto Vigotski quanto Wallon compreendem o desenvolvimento de forma dialética e não linear. Para Vigotski, o processo de periodiza- ção da infância corresponde a uma alternância de momentos estáveis e críticos, em um processo que pode acontecer de forma lenta, gradual ou violenta. O autor diferencia as funções psicológicas elementares como a atenção e memória involuntárias, das funções exclusivamente huma- nas, que denominou de funções psicológicas superiores. Ao contrário das funções elementares, as superiores possuem gênese fundamentalmente cultural e não biológica.

O autor não estabelece, contudo, uma dicotomia entre as funções elementares e superiores; afirma que as formas inferiores não se aniquilam, mas continuam existindo como instância subordinada às funções superiores. As relações entre as funções elementares e superiores explicam-se, na análise de Vygotski (1995), por meio da categoria de supera- ção, uma importante categoria do método dialético.

(PASQUALINI, 2009, p. 34)

Isso aponta para a ideia que Vigotski (1984), assim como Wallon,

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defende o desenvolvimento numa perspectiva dialética entre os fatores biológicos e sociais, ressaltando a importância do aspecto social nesse processo.

Para Wallon, o processo de desenvolvimento depende tanto da capacidade biológica do sujeito quanto do ambiente onde vive. Com isso, homens e mulheres nascem com um equipamento orgânico que lhes ofe- rece determinados recursos, entretanto é o meio que permitirá que essas potencialidades se desenvolvam. Como parte dessas relações que são es- tabelecidas no primeiro ano de vida, a afetividade é amplamente estudada pelo autor. Ao detalhar as origens orgânicas da afetividade, Henri Wallon pretende compreender a natureza humana e não justificar os afetos numa visão biologicista, mas social. Para esse autor, o aparato biológico permi- te que o bebê expresse a sua afetividade por meio de gestões e expressões.

O primeiro ano de vida da criança é predominan- temente afetivo e é por meio da afetividade que a criança estabelece suas primeiras relações sociais e com o ambiente. Os movimentos do bebê, de início, são caóticos, mas as relações que estabelece, gradu- almente permitem que a criança passe da desordem gestual às emoções diferenciadas. (JUNQUEIRA, 2010, p. 35)

Para o autor, a afetividade é fundamentalmente social, uma vez que precede e supera os recursos cognitivos.

Na visão de Vigostki (1996), é por meio da relação da criança com a cultura e a sociedade que as funções psíquicas superiores se ori- ginam, como a afetividade, por exemplo. Entretanto, para o autor russo, o afeto é primordialmente social desde as primeiras manifestações do bebê, haja vista, este ser carente de linguagem falada e as manifestações emocionais como o choro, se tornarem um instrumento de comunicação utilizado pelo bebê para interagir com o meio que o circunda: “(...) o afeto e o intelecto não são dois polos reciprocamente excludentes, mas duas funções psíquicas estreitamente vinculadas entre si e inseparáveis”

(VIGOTSKI, 1996, p.314).

É certo que ambos os teóricos se debruçaram ao estudo do desen- volvimento infantil, compreendendo-o não de forma linear, mas passível

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de mudanças e transformações. Vigotski entende que as crises, ao contrá- rio do significado negativo dado pelo senso comum, representam papel fundamental no processo de desenvolvimento, possibilitando a superação de um estádio para o outro.

Não são as crises que são inevitáveis, mas o mo- mento crítico, a ruptura, as mudanças qualitativas no desenvolvimento. [...] não ocorrerão crises se o desenvolvimento psíquico da criança não tomar forma espontaneamente e, sim, se for um processo racionalmente controlado, uma criação controlada.

(LEONTIEV, 2001, p.67).

A crise seria a prova de que um momento crítico ou uma mudança não se deu em tempo e abre um leque de possibilidades aos educadores, pois, cabe ao(à) professor(a) apresentar novas tarefas que correspondam às potencialidades em mudança da criança e a sua nova consciência da realidade. Em conformidade com essa ideia, Wallon também defende a ideia de um desenvolvimento infantil descontínuo, marcado por rupturas e mudanças. Para Wallon (1995), as passagens dos estágios também não acontecem de forma linear, mas dialética. Dessa forma, os conflitos são na visão do autor propulsores do desenvolvimento, sendo, portanto be- néficas.

Por fim, é preciso considerar que tanto Wallon quanto Vigostki compreendem o desenvolvimento infantil sob um viés materialista his- tórico dialético, em que consideram os fatores sociais e biológicos como participantes desse processo. A despeito da afetividade no primeiro ano de vida, Vigotski entende que o bebê após o nascimento se separa da mãe fisicamente, mas permanece ligado a ela biologicamente em virtude da necessidade que possui para satisfazer as suas necessidades básicas como alimentação, por exemplo. Com isso, o autor defende a ideia de que a mediação é responsável pela construção da afetividade, que se caracteriza pela relação estabelecida entre o bebê e o adulto - mesmo com a ausência de linguagem - uma vez que há comunicação emocional.

Analogamente a isso, Wallon (1968) também reconhece que pela falta de maturação biológica, o bebê necessita do auxílio do adulto que não permite que ele satisfaça sozinho suas necessidades. O afeto encon-

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tra-se intimamente ligado, em um primeiro momento, à satisfação das necessidades para, posteriormente, se configurar como algo social. Para o autor, afetividade e cognição são elementos indissociáveis, entendendo o homem como um ser organicamente social, o qual a sua existência se realiza entre as exigências da sociedade e as do organismo.

Para Vigotski (1996), a criança pequena não percebe o mundo como uma categoria objetiva, como algo separado de si. Nessa perspecti- va, ela conhece apenas uma categoria, o “nós”. Ou seja, o outro constitui uma categoria única, coerente e de ajuda mútua em sua vivência, o que aponta para o elemento social como participante no desenvolvimento in- fantil. Similarmente a isso, é possível encontrar na teoria walloniana o papel relevante do outro no desenvolvimento da subjetividade e na cons- tituição da consciência de si e do mundo.

Entre a ação e a espécie de consciência aí vinculada não há necessidade de um terceiro princípio. A cons- ciência em seu início se confunde com a ação, como seu efeito e como seu estimulante ao mesmo tempo, e é deste modo que ela é igualmente seu objeto ou a sua meta mais próxima. Especificamente vinculada à função postural, a consciência segue-lhe todas as variações, mas, inversamente, torna-se seu motivo e pode suscitá-las ou orientá-las. Toda e qualquer diferenciação de uma acarreta uma diferenciação da outra (Wallon, 1986, p. 146).

Wallon compreende que há íntima relação entre sujeito e meio, em que não é possível conhecer o homem dissociado de seu contexto e das suas relações.

O meio, com toda a sua complexidade, com seus grupos e redes de relações, é interiorizado pelo su- jeito, constituindo o socius. O socius faz parte da consciência individual. Portanto o meio é parte constitutiva da pessoa humana, fazendo do homem um ser dotado e contextualizado (GULASSA, s/d, p. 100).

Portanto, assim como Vigotski, Wallon considera o fator social

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não como um facilitador no processo de desenvolvimento e construção da afetividade, mas como uma estrutura fundamental, sendo a apreensão da realidade como situação social de desenvolvimento o ponto-chave para compreendermos a evolução do psiquismo humano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do estudo realizado foi possível apresentar a questão da afetividade no primeiro ano de vida sob um viés da denominada “psico- logia marxista”. As teorias de Vigotski e Wallon rompem com as concep- ções mecanicistas acerca do desenvolvimento e entendem a construção da afetividade no primeiro ano de vida como integrada à consciência, em profunda relação de afirmação e oposição com as demais funções psico- lógicas (Vigotski) e campos funcionais (Wallon).

Nosso objetivo foi o de apresentar cada sistema teórico respei- tando o método dialético, afirmando por meio de teses, antíteses e síntese (expressa num 3º discurso), os determinantes histórico-políticos das ideias dos autores. Atribuímos as discordâncias entre eles pela diversa compre- ensão adotada acerca do método dialético. Vale destacar que Wallon se utiliza do materialismo mais metodológico do que epistemológico, uma vez que viveu na França, um país que não era socialista. Já Vigotski viveu na URSS revolucionária e tomou a psicologia como um instrumento na construção do novo homem. Ademais, o estudo desses autores nessa pers- pectiva crítica mostrou-se fundamental para o entendimento de diversas questões, abrindo a possibilidade para outros estudos como a função da educação infantil na construção da afetividade ou aplicações na clínica infantil. Isso porque foi possível compreender que é por meio da direção e orientação dos adultos que a criança consegue atuar com os objetos, destacando a importância da mediação no processo de desenvolvimento.

Para além disso, Vigostki ao conceber uma nova forma de olhar para o desenvolvimento e para a educação, coloca a escola não apenas como transmissão dos conteúdos historicamente produzidos pelo homem, mas também um espaço que permite a humanização, isto é, o contato com outros sujeitos. Nessa perspectiva, o professor(a) assume o papel que não se limita apenas a guiar as atividades aos alunos, mas também contribui para a humanização desses sujeitos. Diante disso, a mediação torna-se

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fundamental, pois é necessário identificar não apenas aquilo que já está

“maduro” na criança, isto é, o que está aparente, mas também aquilo que pode ser desenvolvido, ou seja, trabalhar para que as máximas potenciali- dades do sujeito sejam desenvolvidas por meio do ensino.

Concluímos que o conhecimento das bases psicológicas da afeti- vidade num viés sócio-histórico pode contribuir para a superação de uma visão organicista, espontaneísta e subjetivista no cuidado de crianças pe- quenas, atribuindo à educação o papel de mediar a evolução das funções elementares para as superiores.

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Referências

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