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O QUE É E COM QUE FINALIDADE PRATICAMOS HOJE A DIDÁTICA DA HISTÓRIA. Aprendizagem histórica.

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2ECD43 |

Por que o subtítulo schilleriano?105A referência ao clássico é a minha maneira de

assobiar na floresta escura: dá coragem, espanta o medo. Pois quando se pensa sobre o estado atual da didática da história106, o meu tema deveria se chamar o que

a didática da história deixou de ser e por que ela não é mais praticada? Ela existe ainda como conjunto comunicativo vivo de especialistas engajados com o ensino e o aprendizado de história, estendendo-se para além da mudança de gerações?

Muitos indícios apontam o contrário: não há uma nova geração acadêmica, não há novos debates inspiradores nem controvérsias (e isto mesmo depois da reunificação da Alemanha!). Impera algo como a paz dos cemitérios. Tem-se a sensação de que quase nada está em movimento, de que não há rotinas de pesquisa e de ensino estabelecidas, as quais garantiriam para a disciplina ao menos um desenvolvimento tranqüilo e a permanência do que foi conservado, uma vez que ela não pode voar com entusiasmo.

O entusiasmo do fim dos anos sessenta e de início dos anos setenta deu lugar a uma sobriedade e a uma desilusão de longa duração.107 Muitos dos protagonistas

dos debates daquela época e dos pretensiosos conceitos de didática da história neles defendidos voltaram-se para outras áreas de trabalho, e agora não se tem em vista a formação de novos grupos, com novas idéias e reivindicações diferentes.

i0! Schiller, Friedrich: Was heist und zu welcbem Ende sutdiert man Universalgeschite? In: Schillers Werke.

Nationalausgabe, v. 17, Weimar 1970, p. 359-376. Ver Rüsen, Jõrn: Bügerliche Identitat zwischen Gesch-chtsbewusstsein und Utopie: Friedrich Schiller, in: Rüsen: Konfigurationen des Historismus (ver nota 6).

106 O texto foi escrito em 1990; meu pessimismo acabou nesse meio tempo.

107 Cf. os pensamentos reflexivos de Bodo von Borries, os quais eu aprovo com louvor: Krise und Perspektive

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Schiller formulou programaticamente em seu discurso inaugural como profes-sor de história em Jena a orgulhosa autoconsciência dos burgueses cultos: fazer o homem sair através do Esclarecimento do estado de menoridade em que se encon-trava por culpa própria e reorganizar a vida de maneira mais livre e mais humana. Hoje, os tons são mais abafados. A didática da história ainda pode se exibir com o nome de Schiller sem apenas esconder sua insuficiência por trás dele?

O que chamamos hoje de didática da história era na época de Schiller um pa-râmetro reflexivo permanente da escrita da história e aparecia sob diversos nomes (historiografia, metodologia, retórica).108 Desde a Antigüidade existe uma reflexão

dos historiadores sobre a arte da escrita da história, tratando principalmente do efeito da escrita da história sobre os ouvintes e leitores. Os escritores da história se asseguravam - e de maneira bastante regular e metódica - das possibilidades de causar através de sua exposição um efeito sobre os receptores: uma melhoria de suas capacidades para dominar problemas práticos da vida. Nesta fase pré-científi-ca, a didática ocupava o lugar hoje ocupado pela metodologia (como teoria do mé-todo histórico). A retórica apresentava as regras que definiam a história como arte (ars), enquanto a metodologia apresenta hoje as regras que definem a história como ciência.109 Se havia uma regra a que os escritores de história acreditavam-se

obriga-dos a obedecer, então era esta concernente ao efeito prático de seus produtos. Ao longo do processo de cientifícização da historiografia, esta reflexão sobre seus ne-xos de efeitos foi a princípio conservada. Mas com a institucionalização da ciência da história como disciplina especializada, esta reflexão foi sendo cada vez mais reduzida. Ela coagulou com a obviedade de uma exigência cultural que só foi ex-cepcionalmente formulada pelos historiadores profissionais. A didática da história migrou para um duplo exílio em relação à prática cotidiana da ciência da história: para a técnica da aula de história e - quase sem ligação com ela - para uma teoria pedagógica geral da formação, a qual se alimentou do prestígio cultural do histo-ricismo. Muito tempo passou até que ela se reintegrasse com pulso firme à disci-plina da ciência da história.110

108 Aqui, sobretudo, Pandel: Historik und Didaktik (ver nota 4).

109 Qf Rüsen, Jõm; Schulzi, Winfried: Historische Methode, in: Ritter Joachim; Gründer, Karlfried (orgs): Historisches Wõrterbuch der Philosophie. V.5, Basel, 1980, p. 1345-1355; mais em Rüsen, Jõm: Historische Methode, in: Rüsen: Historische Orientierung (ver nota 88).

110 Para desenvolvimento e posicionamento da didática da história na República Federal Alemã cf. Rüsen,

lõrn: The Didactis of History in West Germany: Towards a New Self-Awareness of Historical Studies, in: Rüsen: Studies in Metahistory. Pretória, 1993; [Ed. Brás.: Rüsen: Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão, in: Schmidt, Maria Auxiliadora; Barca, Isabel; Martins, Estevão de Re-zende (orgs). Jõrn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010 p. 23-40]. Hoffmann, Eugen: Õffentliche Geschichtskultur und Entwicklung der Geschichtsdidaktik in derBundesrepublik Deutschland, in: Pellens, Karl; Quandt, Siegfried; Süssmuth, Hans (orgs): Geschichtskultur - Geschichtsdidaktik. Inter-nationale Bibliographie, Paderborn, 1984, p. 91-121; v e r t b . artigos relevantes nas antologias Bergmann/

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É sabido que isto ocorreu nos anos sessenta e setenta, quando as pretensões formativas do saber histórico produzido academicamente já haviam se esgotado e ainda se entendia como objetivo do ensino de história o de educar politicamente os jovens para se tornarem cidadãos responsáveis. Nesta situação de insegurança

ge-neralizada sobre formas, conteúdos e objetivos do ensino e aprendizado de história, a didática da história reconstitui-se como espaço acadêmico em que a crise de legitimação da formação histórica deveria ser superada e em que os pontos de vista necessários para um convívio adequado com a história no sistema educacional de-veriam ser refletidos e desenvolvidos.

Situações de crise são geralmente superadas através do retorno àquilo que é fundamental. Por isso, a didática da história enfrentou sua tarefa ocupando-se inten-samente com a reflexão sobre os princípios e a formação teórica. Sua elevação ao plano do fundamental seguiu uma tripla rota de destino: por um lado, ela se irmanou com os esforços teóricos e metodológicos da ciência da história por uma fundamen-tação capaz de sustentar seu status de disciplina e sua função cultural. Ela foi im-pregnada em grande medida pela historiografia. Ao mesmo tempo, ela se voltou pa-ra problemas fundamentais da prática de ensino e submeteu a aula de história a cri-térios rígidos do controle de metas e de um currículo regular. Os construtos teóricos da prática"1 foram acumulados sob a palavra mágica currículo. Por fim e em

tercei-ro lugar, ela tomou para si a demanda por uma justificativa funcional do ensino de história, interpretou as demandas sociais por uma orientação política através de memórias históricas como linhas mestras do ensino de história e as projetou genui-namente sobre as possibilidades e as necessidades de aprendizado das alunas e dos alunos. Tudo isso aconteceu em meio a uma excitação intelectual, adicionalmente estimulada pelas fortes controvérsias políticas sobre a necessidade de transforma-ção e a capacidade de conservatransforma-ção das formas burguesas de vida. Muitas contradi-ções entraram em choque: o engajamento político e a pretensão de objetividade científica, a busca utópica por um futuro melhor e o disciplinamento através da racionalidade específica da área, o interesse dos alunos por um mundo melhor, a legitimidade de relações sociais estáveis e o potencial de racionalidade da ciência,

Schneider: Gesellschaft, Staat, Geschichtsunterricht (ver nota 13); Leidinger, Paul (org.); Geschichtsunterricht und Geschichtsdidaktik vom Kaiserreich bis zur Gegenwart, Stuttgart, 1988; mais in: Süssmuth, Hans: (org.): Geschichtscidaktische Positionen. (ver nota 52); Pingel, Falk: Geschichte unserer Zeit - Zeit für Geschichte? Geschichtsdidaktik und Geschichtswissenschaft in ihrem Verhãltnis zur Zeitgeschichte in den Westzonen und in der Bundesrepublici, in: Tel Aviver Jahrbuch für Deutsche Geschichte 19 (1990), p. 233-258; Hasberg, Wolfgang: Didaktik der Geschichte. Eine Einfiihrung. Kõln 2006; Schõnemann, Bernd: Geschichtsdidaktik in erweiterten Perspektiven. Versuch einer Bilanz nach drei Jahrzehnten, in: Handro, Saskia: Jacobmeryer, Walfogang (orgs.): Geschichtsdidaktik. Identitat -m Bildungsgeschichte - Politik. Münster, 2007, p. 9-30. '" Cf. Schõrken, Rolf: Der lange Weg zum Geschichtscurriculum. Curriculumverfahren unter der Lupe, in: Geschichtsdidaktik 2 (1977), p. 254-270, 335-353.

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a pragmaticidade da experiência escolar acumulada e sistematizada e os processos de aprendizado elaborados planejadamente. Em todas essas contradições e diferen-ças e em toda a disputa em que elas resultaram, formou-se algo como uma coerência disciplinar, um status favorável ao estabelecimento da didática da história como disciplina especializada. Há uma série de indicadores favoráveis a isso: o estabele-cimento de cátedras de didática da história nas universidades112, a fundação de uma

revista especializada própria113, a publicação de sínteses abrangentes, seja na forma

de manual114ou de exposição totalizante115 e, por fim, (talvez o mais importante)

também a admissão de conteúdos didáticos da área pelos cursos de licenciatura em escolas superiores.

O manual encalhou na terceira edição116, a revista não existe mais e não poucos

dos protagonistas dos inspiradores debates sobre o sentido e a finalidade, a forma e o conteúdo do ensino de história não se ocupam mais ou ocupam-se apenas margi-nalmente com as questões da didática da história117. A antiga disputa de opiniões

não foi capaz de transmitir a sua força produtiva a uma nova geração de protagonis-tas com novos questionamentos.

Quais são os motivos para este declínio? Há motivos externos e internos. O externo - talvez o mais importante - é que por conta das taxas de natalidade em baixa, quase toda uma geração de estudantes de licenciatura não tiveram chance alguma de exercer a profissão aprendida. Justamente no momento em que havia se estabelecido com o novo título de disciplina e até mesmo conseguira se inserir nas estruturas curriculares, a didática da história perdeu os seus clientes, as jovens his-toriadoras e os jovens historiadores, que, inspirados por ela, queriam se tornar pro-fessores. Ela ficou sem chão na sociedade.

Também há motivos internos, uma contraparte interna a seu abandono externo. A didática da história havia obtido seu status de disciplina lateralmente ou mesmo para além da prática sobre a qual desenvolvera teorias. O seu estabelecimento se deu sem a institucionalização de uma referência à prática. Com isso se quer dizer mais do que o simples fato de que, na Alemanha, a formação dos professores se divide em uma área técnico-acadêmica e em uma área escolar prática, que não

po-112 Ver, p. ex., Bochum, 1973. . . .

1,3 Geschichtsdidaktik - Probleme, Projekte und Perspektiven seit 1976, 1987. 114 Bergmann; w.aa. (orgs.): Handbuch der Geschichtsdidaktik (ver nota 31).

"5RohIfes, Joachim: Umrisse einer Didaktik der Geschichte, Güttingen, 1971; Rohlfes: Geschichte und

ihre Didaktik, Güttingen, 1986; cf. minha revisão: Juste milieu-geschichtscidaktisch, in: Geschichte lernen, H.2 (mar. 1988), p. 6-7.

Nesse momento existe uma nova versão não editada e uma nova edição reorganizada em preparação. Um exemplo: Na nota 100, a cadeira de ensino de Bochum alerta que perdeu seu foco didático na disci-plina (e isso - como escutamos - sem grandes alardes). ,

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dem ser ligadas pelas didáticas especializadas por não se ter um antídoto para a separação e o isolamento institucional das duas áreas formativas. Este isolamento foi ainda mais fortalecido pela integração de muitas faculdades de pedagogia às universidades. Perdeu-se juntamente com as faculdades de pedagogia, uma boa por-ção da referência prática fundamental da didática desta área. A falta desta referência prática reflete-se até mesmo no campo da formação teórica: não é coincidência que ao amplo trabalho de reflexão sobre os princípios didáticos do ensino de história não tenha seguido uma metodologia de ensino correspondentemente fundamentada e desenvolvida. A tentativa de complementar o manual de didática da histórica com um manual da metodologia do ensino de história falhou lamentavelmente porque a metodologia de ensino não pode ser simplesmente deduzida de teorias de didática da história, só podendo ser obtida como reguladora da prática de ensino no interior da mesma e a partir dela.

No presente, portanto, a didática da história se encontra em mal estado. Mas tal situação de sobriedade e ceticismo talvez seja especialmente vantajosa para no-vamente perguntar o que é e qual tarefa tem a didática da história. Eu gostaria de fundamentalmente fazer esta pergunta, perguntar por que a didática da histórica deve existir também no futuro como forma independente do pensamento sobre a história. O motivo é tão simples quanto forçoso: há uma demanda fundamentalmen-te prática ou funcional pela didática da história: historiadores e historiadoras preci-sam adquirir certas competências se quiserem dar validade prática a sua perícia acadêmica e a sua competência técnica no sistema educacional e nas áreas difusas da cultura pública da história, como, por exemplo, em museus, exposições ou na proteção ao patrimônio histórico. Entendo como perícia acadêmica e competência técnica a capacidade de lidar com o saber histórico produzido cientificamente e, eventualmente, produzir por conta própria tal saber, mas, em todo caso, ser capaz de disponibilizá-lo onde ele for necessário. Atribuímos a estudantes do curso de história um diploma acadêmico que os habilita profissionalmente quando podemos atestar que eles ou elas dominam princípios cognitivos determinantes para a histó-ria como ciência e são capazes de participar de maneira exemplar da discussão de uma linha de pesquisa em pelo menos uma área específica. Contudo, a perícia aca-dêmica tem seus limites. Ela se encontra nos lugares onde se faz uso do saber e onde se trata também dos critérios desse uso.

Este limite e a necessidade de superá-lo e obter uma competência própria do uso prático da história são evidentes para o ensino de história. É, afinal, a necessidade de formar professores que constitui a didática da história como instituição. Exata-mente na medida em que a educação de crianças por meio do saber histórico é por princípio diferente do trabalho com o saber histórico na ciência, faz parte dela uma competência que já não é idêntica à perícia de historiadores profissionais. O mesmo

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vale para o tratamento especializado da história fora da escola: para ela não basta a perícia que, como de costume, é identificada com a competência na aquisição de saber conformada à ciência.

Deve-se unir a esta competência cognitiva primária uma competência de ação cultural para que seja garantido um tratamento especializado da história nos locais em que acontece seu uso prático em interesse público. E o interesse público consis-te no e reascende-se sempre através do fato de que a memória histórica comparti-lhada, sua duração para além da mudança de gerações e sua disseminação por todos os segmentos da vida social são necessidades culturais da vida social. Esta demanda funcional fornece um fundamento social firme para a didática da história. Pergunta-se, no entanto, qual edifício deve ser construído sobre tal fundamento. Pois a deter-minação objetiva de uma demanda cultural para a qual não basta a competência téc-nica orientada pela pesquisa dos pesquisadores profissionais pode ser preenchida de diversas maneiras. O espaço de variabilidade dessas diferenças pode ser descrito preferencialmente com uma figura argumentativa que Schiller empregou para des-crever a finalidade em razão da qual se pratica história universal.

Schiller esboçou com a distinção entre o "intelectual do ganha-pão" e a "cabeça filosófica" 118 duas possibilidades tipologicamente ideais para realizar as demandas

práticas por competência especializada. O "intelectual do ganha-pão" restringe-se aos limites das determinações funcionais da práxis e vê sua competência técnica como mero meio para fins pré-estabelecidos fora de sua área de estudo. O intelectua-lismo do ganha-pão se expressa na didática da história através das palavras suposta-mente insuspeitas "aplicação" e "utilização" do saber histórico em situações defini-das pedagogicamente. Pensa-se no saber histórico enquanto produto científico como se ele fosse uma mercadoria comercializada no mercado da formação e da educa-ção, ou como uma ferramenta com a qual podem ser produzidos certos produtos de formação e educação. O saber pronto é referido a fins de utilização prontos e aplica-do em correspondência a esses fins, ou seja, de maneira racionalmente objetiva.

As nomenclaturas "aplicação" e "utilização", assim como o entendimento de uso prático inserido nelas, são mais problemáticas do que parecem e do que sugere o seu difundido emprego na descrição cotidiana da didática da história. Pois a dinâ-mica interna que caracteriza o saber histórico no contexto da ciência pode se perder na aplicação e na utilização. Tenho em mente a dinâmica de um conhecimento his-tórico que Max Weber chamou de sua "eterna juventude"119, sua capacidade de

to-mar questionamentos do presente e transformá-los em progresso do conhecimento. 118 Como.na nota 93, p. 360-363.

" " M a x Weber, Die 'Objektivitât' sozialwissenschaftlicher und sozialpolitischer Erkenntnis, in: Weber: Gesammelte Aufsâtze zur Wissenschaftslehre, Ed. Johannes Winckelmann, 3. ed. Tübingen, 1968, p. 146-214, cit. p. 206.

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Esta dinâmica interna do conhecimento histórico, as inspirações da contemporanei-dade que a adentram, os potenciais de racionalicontemporanei-dade garantidos a ela pelo método regulador da pesquisa e a argumentação discursiva a ela ligada, perdem-se com a racionalidade objetiva da "aplicação" e da "utilização". Sob os princípios regulado-res dessa didática do intelectual do ganha-pão, faz-se do pão da história, o alimento cultural da vida social, a matéria morta do ensino ou - para não exaurir os exemplos da escola - o material enfíleirado com apuro nas vitrines de museu. De ambos, da matéria escolar e do conteúdo da vitrine, não parte nenhuma energia inspiradora para aqueles que se vêem com eles confrontados.

O intelectualismo do ganha-pão conserva na didática a competência de se mo-ver com perícia em situações pedagogicamente definidas, abaixo do nível cognitivo em que se encontra a ciência da história na dinâmica do progresso do seu conheci-mento. A força formadora de cultura da memória histórica, que sempre está posta no progresso do conhecimento da ciência da história, perde-se com uma didática que não pode desvincular de maneira própria esta força das situações em que o conheci-mento histórico é preciso para o domínio de problemas práticos de orientação. (Há tal intelectualismo do ganha-pão também na pesquisa do livro didático: se os livros didáticos são analisados sob pontos de vista que não são desenvolvidos genuina-mente a partir de seu uso pedagógico, mas preponderantegenuina-mente ou exclusivagenuina-mente a partir de estratégias de conhecimento da pesquisa histórica120, a perícia aplicada

está realmente de acordo com o objeto estudado?).

Schiller define a cabeça filosófica, por outro lado, por não restringir a sua com-petência técnica aos limites da objetividade funcional, sendo potencializada pela capacidade de seguir por meio da perícia esta própria finalidade até seu fundamen-to. Isso certamente não quer dizer que a didática deve se elevar por meio de teorizações acima das demandas práticas que a tornam necessária, mas que deve ir até o seu fundamento, que deve e pode teorizá-las até o fundo para efetivamente se tornar justa para com elas.

Como é que uma cabeça filosófica pratica a didática da história? Como ela pode ser justa para com a sua "finalidade", a sua determinação final mais elevada, a de gerar uma competência técnica digna das demandas práticas das tarefas culturais da memória histórica na escola e na sociedade?

Para evitar o erro de cair no abismo através de uma teorização abstrata, a didá-tica da história deveria partir dos conjuntos de ações cujo domínio requer justamen-te a competência para cujo desenvolvimento ela é necessária. Esses conjuntos de 120 Uma nota secundária: Mesmo no Eckert-Institute, centro de pesquisa internacional líder para os livros

didáticos, ninguém sabe mais sobre o papel que os livros desempenham realmente na sala de aula, sobre o tipo de uso prático, de que modo que os livros são escritos.

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ações que efetivamente a fundam e a sua necessidade de orientação não podem ser facilmente reduzidos a um conceito, porque são várias as instituições e as situações em que a história é utilizada de maneira prática e vital. A mais importante, mas não a única, é a escola. O conjunto de ações aqui dominante é definido pela pedago-gia. Trata-se de aprendizado histórico. Este também é o caso em áreas de trabalho público com a memória, as quais fazem parte da prática profissional de historia-dores, como, por exemplo, o museu, o trabalho em monumentos ou a proteção ao patrimônio histórico? Sem querer esconder as principais diferenças em relação à escola, gostaria de responder esta pergunta com um sim ao utilizar um conceito abrangente de aprendizado.

O ponto de partida e a extensão da didática da história são os processos de aprendizado necessários para a vida prática nos quais a história é processada, ou mais exatamente: os processos de aprendizado em que as experiências com o passa-do humano são feitas e interpretadas de maneira tal que adentrem como grandezas determinantes o quadro orientador da prática de vida atual. Assim, o passado é elevado à consciência de maneira tal que é transformado ou processado de modo interpretativo em capacidades para o domínio de tarefas do presente. Aprender é adquirir competência por meio de processamento de experiência. Isso vale certa-mente para o ensino de história na escola, em especial, mas também vale fundamen-talmente para o trabalho de memória pública no museu e em todos os locais em que o passado é conscientemente conservado ou tornado presente. Trata-se continua-mente de um processo de presentificação guiado por mais ou por menos perícia, o qual é endereçado a receptores, a um público, a uma comunidade, visando causar algum efeito. O passado é formulado como uma mensagem que deve ser entendida; ele é apresentado como uma experiência que deve ser interpretada e é formulado como uma interpretação que deve ser assimilada e aplicada a fins orientadores. Tratam-se sempre de transformações na subjetividade dos receptores, de assimila-ções e mudanças que devem pôr os sujeitos em movimento, transformá-los.

Tomemos o exemplo da escola. Por que as crianças devem aprender história? A resposta conhecida é a seguinte: porque sem uma memória histórica elas não ènten-dem o seu próprio presente e nem a si mesmas, não podendo desenvolver para a sua própria vida prática uma perspectiva orientadora do futuro. O ensino de história não deve transmitir conteúdos do saber histórico como fins em si mesmos," mas sim pro-ver por meio deles a capacidade de memória e orientação histórica. Ele precisa cultivar uma memória coletiva que deve agir como parte integrante da orientação cultural na vida presente e futura daqueles que estão em crescimento. Trata-se, por-tanto, do desenvolvimento, treinamento e cultivo das forças da memória histórica. Tais forças consistem na capacidade de experimentar e perceber o passado, de in-terpretar o passado percebido e experinientado com ajuda de representações

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abrangentes de uma vinculação impregnada de sentido e significado entre o passa-do, o presente e o futuro. Essas forças consistem também na capacidade de aplicar, na vida prática, o passado assim interpretado bem como a representação da história obtida com base na experiência como parâmetro de orientação cultural.

O tratamento prático da história com base no conhecimento especializado, pre-tendido pela didática da história, é fundamentalmente marcado pela intenção de es-timular essas capacidades, despertá-las, desenvolvê-las, aumentá-las, treiná-las e cultivá-las. Isso pode ser categorialmente descrito com o conceito de aprendizado. A palavra didática da história é apropriada na medida em que não trata apenas do aprendizado organizado escolarmente e de processos de educação e formação institucionalizados, mas também, de maneira mais geral, de uma atividade especia-lizada na área da cultura histórica. A didática da história é a ciência que cria a perícia necessária a esta atividade. Enquanto ciência, ela produz conhecimento, mas um conhecimento cuja lógica interna é determinada pela prática, a qual necessita dele para ter sucesso.

O que isto quer dizer concretamente? Quais conhecimentos e qual saber a didá-tica da história deve produzir e a qual lógica vincula-se esta produção de saber? A didática da história é a ciência do aprendizado histórico. O aprendizado histórico tem um lado externo e um interno. O lado externo refere-se a sua instituição e orga-nização, à forma das ações que perfazem o aprendizado e as diversas condições que o influenciam. Fazem parte desse lado externo a escola, a burocracia da cultura, as diretrizes, os livros escolares, os museus, as exposições, todo empreendimento cultural em que se trata de história, festejos rememorativos organizados pelo Esta-do, as mídias de massas e semelhantes. Tudo isso pode ser resumido pela categoria "cultura histórica.'"21 A didática da história tem a tarefa de pesquisar esta cultura

histórica em todas as particularidades e no contexto geral da vida social. Com esta tarefa ela se distingue de muitas outras ciências, como, por exemplo, da sociologia do saber, mas também da ciência da história, quando se trata da dimensão diacrônica do saber histórico, portanto, no que se refere ao modo como no curso do tempo o pensamento sobre a história e a função social deste pensamento se transformou. Mas a didática da história tem a sua própria lógica no fato de que tematiza a cultura histórica como âmbito condicionante do aprendizado histórico. Ela divide com muitas

121 Cf. Rüsen, Jõra. Was ist Geschchtskultur? Überlegungen zu einer neuen Art, über die Geschcte

nachzu-denken, in: Rüsen: Historische Orientierung (ver nota 88). [Ed. Espanhola: Rüsen, J: "iQué es Ia cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia", 2009. (Unpublished Spanish version of the German original text in K. Füssmann, H.T. Grütter and J. Rüsen, eds. (1994j. Historische Faszination. Geschichtskultur heute. Keulen, Weimar and Wenen: Bohlau, pp. 3-26). Accesso em 16 jun. 2012 em http:/ /www. culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf]. Ver tb Frõhlich, Klaus; Grõtter, Theodor Heinrich; Rüsen, Jorn (orgs): Geschichtskultur (Jahrbuch für Geschichtsdidaktik 3 (1991/1992). Pfaffenweiler, 1992.

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ciências da cultura a tarefa de desvendar teoricamente o campo fenomenológico da cultura histórica e pesquisá-lo empiricamente. Mas a sua tarefa própria e especial de conceitualização e pesquisa consiste em olhar para a cultura histórica como um processo objetivo de aprendizado. Com esta tarefa de pesquisa, o ensino de história permanece à vista, pois ele é uma das instituições mais importantes da cultura histó-rica e é, como tal, determinado de maneira especial pelo aprendizado. Ao mesmo tempo, porém, a didática da história vê mais longe e mais fundo; aparecem-lhe campos de pesquisa novos e ainda mal explorados. Menciono apenas um, a título de exemplo: a museologia histórica. Há peritos tanto nos campos da prática quanto da teoria - mas não há uma pesquisa praticada de maneira sistemática e continua, nem mesmo um conjunto de discussões dos interessados e responsáveis que vá além de meras intenções.122 O mesmo vale para a história nas mídias de massas e para a

maior parte das áreas da cultura histórica extra-escolar.

O lado subjetivo do aprendizado histórico refere-se a processos mentais em que e por meio de que a subjetividade humana se constitui ao serem especificamente processadas as experiências históricas temporais. Aprende-se a capacidade de dizer a si mesmo "eu" e "nós" a respeito de memórias articuladas em comum e a orga-nizar a própria vida prática sob representações temporais orientadoras. Trata-se, portanto, de identidade histórica, ou, para formulá-lo de maneira mais acadêmica: trata-se da consistência diacrônica da subjetividade, da capacidade de ultrapassar os limites da própria vida, de prolongar a própria subjetividade até o passado, de ligar a própria vivência de intenções determinantes de ações ao agir e sofrer de outras pessoas no passado e projetá-la sobre o agir e sofrer de outras pessoas no futuro. Pode-se, por exemplo, despertar estimulantemente a própria moralidade através do pensamento próprio acerca das atrocidades do passado das quais não se teve participação.

Pode-se vivificar a força da validade e da efetividade de pontos de vista norma-tivos da própria vida por meio da lembrança de sua origem, dos acontecimentos de uma fundação de sentido que pode pertencer a um passado muito distante. Todos estes processos, toda esta vida do passado nos procedimentos mentais da memória pode ser resumida com a categoria de 'consciência histórica'.123 E tarefa da didática

da história pesquisar a consciência histórica na infinita multiplicidade de sua exten-são e suas realizações mentais, e, ao mesmo tempo, pesquisá-la como conjunto ge-ral de procedimentos subjetivos.

122 Cf. a visão de Theòdor Heinrich Griltter: Geschichte im Museum,'in: Geschichte lemen, caderno 14 (mar.

1990), p. 14-19; ver tb. Fèhr, Michael; Grohé, Stefan (orgs): Geschicte, Bild, Museum. Zur Darstellung von Geschicte im Museum, ICõln, 1989; Korff, Gottfried; Roth, Martin (orgs): Das historische Museum. Labor, Schaubühne, Identitãtsfabrik. Frankfurt am Main, 1990.

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Esta tarefa ela também divide com muitas outras ciências (principalmente com a psicologia, que infelizmente nada sabe desta tarefa124), atribui-se a ela ao mesmo

tempo, contudo, - como já no caso da cultura histórica - a realização de uma pesqui-sa específica, que só pode ser feita por ela e por mais ninguém: tematizar a consci-ência histórica como processo de aprendizado. Já indiquei o que isto significa: a aquisição de capacidades a partir de um convívio com o passado que é perceptivo-empírico, interpretativo, orientador e, finalmente, também motivacional. À diferen-ça da demanda funcional de um desvendamento do conteúdo fenomenológico da "cultura histórica", em que não se chegou a uma formação teórica abrangente e diferenciada, a didática da história já começou há algum tempo com as pesquisas empíricas, em que os conceitos teóricos pré-trabalhados são testados e modifica-dos. Aliás, os déficits do saber são imensos. Ainda não há nenhuma teoria plena-mente desenvolvida do aprendizado histórico que integre e dê continuidade às pes-quisas sobre a especificidade, a estrutura, a função e as manifestações empíricas da consciência histórica. Toda uma área da consciência histórica, sua dimensão pré-cognitiva e emocional, quase não foi pesquisada, embora seu significado para o aprendizado histórico seja indiscutível.125 Não sabemos quase nada sobre um

fenô-meno tão elementar quanto a percepção histórica ou a experiência histórica. Final-mente - e é aí que vejo o maior desafio da didática da história que se ocupa da consciência histórica como processo de aprendizado -, quase não há pesquisas so-bre o desenvolvimento ontogênico da consciência histórica.126

124 São exceções: Reulecke, Wolfram: Lernpsychologische Annahmen zum, historischen Lernen, in:

Geschi-chtsdidaktik 10 (1985), p. 267-271. Straub, Jürgen: Historischepsuchologische Biographieforschung. Theo-retische, methodologische und methodisched Argumentationen in systematischer Absicht. Heidelberg, 1989; Reulecke: Denken mit den Opfern. Nationalsozialismus und Zweiter Weltkrieg in autobriographischen Wrzãh-lungen: Psychologische Analysen, in: Psychologie und Geschichte 2 (1991), p. 115-129; Reulecke: Kultureller Wandel ais konstruktive Tranformation des kollektiven Gedãchtnisses. Zur Theorie der Kulturpsychologie, in: Allesch, C.G. w.aa. (orgs): Psychologische Aspekte des kulturellen Wandels. Wien 1992, p. 42-54; ders.: Geschichte, Biographie und friedenspolitisches Handeln. Biographieanalytische und socialpsychologische Studien auf der Basis von narrative Interviews mit Naturwissenschaftlern und Naturwissenschaftlerinnen. Opladen, 1993; Reulecke: Collective Memory and Collective Past as Constituens of Culture: An Action-Theoretical and Culture Psychological Perspective, in: Schweizerische Zeitschrift für Psychologie 52 (1993), p. 114-121; Rüsen: GeschichtsbewuBtsein. Psychologische Grundlagen (ver nota 72).

125 Uma rara exceção (dificilmente sem discussão ou ataques) é Knigge, Volkhard: Triviales.

Geschichtsbe-wusstsein und vertehender Geschichtsunterricht. Pfaffenweiler 1988; ver tb. Die ausserordentlich fruchtbaren Andeutugenbei Erdheim, Mario: Die gesellschaftliche Produktion von Unbewusstheit. Eine Einfunhrung in den ethopsycho-analytischen Prozess. Frankfurt am Main 3. ed. 1990; ver mais em Mütter, Bernd; Uffelmann, Uwe (Eds): Emotionen und historisches Lernen. Forschung, Vermittlung, Rezeption. Frankfurt am Main, 92.

126 "Intuitively we recognize enormous differences amaong interest in, und understanding of, history at ages

eight, eighteen, and twenty-eight. Yet we call ali these diverse engagements sith the past studying, history, and, using the one term for them ali, we tend to depreciate thejr differences. Nor do we have anything like a theory of the development of historical understanding and history teaching that recognizes, refines, and ela-borates the implications of these differences." [trad.: "Intuitivamente, nós reconhecemos enormes diferen-ças entre interesses e entendimentos históricos nas idades de oito, dezoito e vinte e oito. Ainda podemos

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Com o conteúdo fenomenológico do aprendizado histórico em sua manifestação objetiva como cultura histórica e em sua manifestação subjetiva como consciência histórica, delimitei o campo do objeto da didática da história e indiquei a sua tarefa de explorá-lo através do desenvolvimento de construtos interpretativos em forma de teoria e pesquisá-lo empiricamente com ajuda desses construtos. Com direitos iguais aos da teoria e da empiria, aparece ainda um terceiro tipo de tratamento da pesquisa do aprendizado histórico: a pragmática. Poderíamos caracterizá-la con-ceitualmente como "teoria da arte", como averiguação dos reguladores da ação que trata do aprendizado histórico. O exemplo mais conhecido de tal tematização do aprendizado é a metodologia do ensino. Embora ela esteja próxima da prática pro-fissional dos historiadores e das historiadoras e relacione-se diretamente com as exigências específicas que definem a didática da história como disciplina científica própria tornando-a necessária, vejo aqui grandes déficits. Isso não vale apenas para o ensino de história na escola, mas também para a pragmática da perícia histórica no campo do trabalho público de memória. De que outra maneira explicar o fato de que o público interessado por história aceite exposições cuja didática, no melhor dos casos, consiste no aspecto estético da natureza dos objetos expostos, na alteridade fascinadora da aura histórica causada pela distância temporal - talvez ainda com o esforçado apoio dos organizadores de museus em aumentar até o imensurável a fascinação do público através da divulgação nas mídias de massa do valor do segu-ro dos objetos expostos? A ignorância a respeito da didática da história, justamente por parte dos organizadores de exposições que gozam de um fluxo considerável de recursos, pode ser lida na impressionante hermenêutica com que a história apresen-tada foge à compreensão histórica dos visitantes que são atraídos até elas.127

Mas também o ensino de história sofre com a falta de uma metodologia que corresponda às especificidades do aprendizado histórico. A metodologia histórica comum consiste na aplicação de uma pragmática de ensino geral ao ensino de histó-ria. Em geral, ela tem um caráter técnico, concentrado no planejamento do ensino. Nesta aplicação técnica podem desaparecer as demandas de aprendizado que tor-nam o ensino de história necessário em sua função cultural específica. Isso ocorre quando elas não são formuladas em forma de reguladores pragmáticos do ensino. O que só é possível se houver uma pesquisa de base apropriada. Mas onde se pesquisa

chamar todos esses diversos engajamentos como o passado estudado de historia, e usar um desses termos pa-ra todos eles, nós tendemos a depreciar suas diferenças. Nós não temos nada parecido com uma teoria de de-senvolvimento do entendimento histórico e ensino histórico que reconheça , refine e elabore as implicações dessas diferenças], Egan, Kieran: Teaching the Varieties of History, in: Teaching History 21 (1978), p. 20-23, cit. p.20.

™ Eu penso nas exposições da Villa Hügel como um exemplo impressionante da exposição no Museu de Dortmund em Ostwall "Der erste Kaisen von China und seine Terrakottaarmee" ["O primeiro imperador da China e seu exercito de terracota"], agosto-novembro, J990.

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sistematicamente a maneira como se forma a consciência histórica de crianças e adolescentes nos conjuntos de atividades e de comunicação do ensino, como ela é despertada, desenvolvida e transformada? (Uma observação paralela: também no Instituto Eckert, líder internacional na pesquisa sobre livros didáticos, ninguém sabe nada de exato sobre o papel realmente desempenhado no ensino por livros cos, sobre o modo de aplicação prática e, portanto, sobre o porquê de livros didáti-cos serem escritos.)

Ao delimitar desta maneira o campo das tarefas da didática da história, não es-tou me distanciando daquilo que produzi até o momento. A minha tentativa é a de traçar um esboço dos problemas em que possam ser classificados os trabalhados realizados até aqui, para que as suas conquistas e também seus déficits remanescen-tes se tornem claros. Com a tematização da consciência histórica, uma nova aborda-gem do ensino de história, dos fundamentos e das condições subjetivas do aprendi-zado histórico foi conquistada para a didática da história, assim como uma abertura da didática da história para o campo da cultura histórica. Foi conquistada, além disso, uma preparação precisa e uma sistematização das experiências da prática de ensino, com ajuda de uma argumentação teórica acerca dos currículos e um planeja-mento de ensino correspondentemente diferenciado.

Onde estão os déficits devido aos quais a didática da história não pôde, até hoje, fazer jus às demandas práticas que a fundamentam? Ela certamente não deve ser responsabilizada pelo fato de que nas últimas décadas a demanda por professores de história tenha caído de maneira dramática juntamente com o número de crianças. Afinal, a consciência histórica não é centralmente responsável pelos processos psí-quicos e físicos chamados pelos demógrafos de comportamento generativo e para os quais a poesia tem palavras mais bonitas. Mas, como já acentuei, ela não pode estar totalmente inocente em relação à surpreendente resistência da prática cotidia-na dentro e fora da escola aos estímulos, idéias, sugestões, conceitos e estratégias desenvolvidos pela didática da história com grande dispêndio de perspicácia e em debates controversos. A didática da história pode superar e superará este limite de efetividade ao passar a corresponder melhor à especificidade funcional do aprendi-zado histórico e a dedicar-se mais decididamente aos problemas de sua pragmática. Ela pode atingir e atingirá este objetivo de maneira convincente ao assimilar na forma de uma contínua pesquisa de base as questões que lhe são próprias.

No campo da formação universitária, uma disciplina especializada só pode se legitimar a longo prazo através da pesquisa empírica, o que sempre faltou à didáti-ca da história.128 Não vejo a razão desta carência tanto nas condições de trabalho 128 Em relação a isso, as antigas visões de Fürnrobr, Walter/Kirchhoff, Hans Georg (Eds): Ansatze empirischer

Forsehung im Bereích der Geschichtsdidaktik, Stuttgart, 1976. Uma impressão do recente desenvolvimento nos dá a coleção do ano 2007 do jornal para a didática histórica. Schwalbach/Ts. 2007.

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do grupo numericamente reduzido de profissionais da didática da história, mas principalmente no fato de que até hoje não se conseguiu penetrar e desvendar teo-ricamente o campo de seu objeto de maneira que forçosamente ocorresse a ques-tão sobre a concretização empírica, a diferenciação e a transformação dos respecti-vos conceitos. Basta olharmos para a literatura sobre a determinação de metas para o aprendizado, que não é pouca, para facilmente entendermos o que significa argu-mentar com afastamento da pesquisa. O mesmo vale para a virada em teoria do aprendizado ocorrida na didática da história: onde foram feitas tentativas de vincu-lar com decisão as questões específicas sobre o aprendizado histórico e a psicologia do aprendizado, do desenvolvimento e da pedagogia como disciplinas orientadoras da pesquisa? A necessidade de tal referência à pesquisa por parte dos novos ques-tionamentos que apareceram para a didática da história nos anos sessenta e setenta foi suficientemente acentuada. O fato de que, essencialmente, não se tenha ido além das pretensões deve-se também à maneira como esses questionamentos foram for-mulados teoricamente.

Há também mais um motivo importante reduzindo a justificação das pretensões disciplinares da didática da história através de pesquisa à fraqueza argumentativa dos postulados: nomeadamente, a já mencionada situação institucional da didática da história. Ela não comporta apenas a difícil tarefa de superar ou classificar siste-maticamente os numerosos limites disciplinares entre as ciências responsáveis pe-los conteúdos fenomenológicos da consciência histórica e da cultura histórica, pro-curando ao mesmo tempo assegurar para si um lugar seguro na estrutura acadêmica. Tenho grandes dúvidas se foi sábio o longo consenso dos especialistas de que a didática da história seria preferencialmente superada em uma vinculação institucional com a ciência da história.

Deveríamos, ao menos, ter mais atenção para o fato de que é extraordinariamen-te difícil oferecer uma oposição bem-sucedida às pressões por adequação exercidas por parte dos historiados. Eles combinam a solidez técnica e o prestígio de que a história goza devido às realizações da sua pesquisa e interpretam a insistência pela especificidade fundamental das questões da didática da história como um desvio ou um deslize dos padrões de sua área. Cada um de nós sabe quão ruim seria aconse-lhar jovens historiadores e historiadoras a qualificarem-se para uma carreira acadêmica com um trabalho de pesquisa na área de didática da história.

-Portanto, já é bastante difícil para a didática da história afirmar-se com seus questionamentos próprios no campo das escolas superiores. Mas há um problema ainda maior para a sua segurança institucional. Se minha argumentação sobre o significado fundamental do resultado das pesquisas específicas para o status disci-plinar da didática da história estiver correta e se esta pesquisa deve se referir pre-ponderantemente a processos reais de aprendizado histórico para comprovar

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efeti-vãmente a sua especificidade (trabalhos sobre desenvolvimentos históricos da cons-ciência histórica são uma boa história do espírito, mas não especificamente para a didática da história), então se trata de um campo de pesquisa que já foi desacoplado institucionalmente pelas escolas superiores. Penso na formação de referência e as difusas entradas em outras áreas da cultura histórica (esqueça-se temporariamente a formação especial dos arquivistas, então se notará que não há fora da escola nenhu-ma fornenhu-mação prática que se assemelhe àquela dos cursos universitários.

O resultado é a impressionante ignorância didática dos especialistas. Ela pode ser observada em todas as partes). Não defendo a repetição da experiência mal sucedida de formação de professores em uma única fase. O fato de que o aumento de fases na formação de professores nos cursos universitários não levou a qualquer alteração estrutural desses cursos e não foi a causa última desse insucesso. A implementação de uma referência sistemática à prática falhou por conta do sistema imunológico da ciência da história, a cuja especialidade pertence a falsa consciên-cia dos especonsciên-cialistas de que basta formar bons historiadores para que se tenha bons professores, utilizando para isso apenas um pouco de técnica de ensino. A didática da história deveria criticar energicamente o entendimento próprio da ciência da história, a estupidez dos especialistas em história e o ressecamento quase forçoso ou a repressão dos potenciais de sentido específicos da pedagogia no trabalho histó-rico de memória, o que ela há muito já não faz: ela não quer perder as poucas simpatias com que seu interesse pedagógico ainda pode contar.

O fosso que separa as escolas superiores da prática da cultura histórica dentro e fora da escola tornou-se ainda maior. Superá-lo é uma questão vital para a didática da história. Há possibilidades para isso: muitas organizações universitárias para estudantes de licenciatura prevêem como obrigatórios cursos voltados para a práti-ca na escola e as numerosas instituições e grêmios em que são negociadas as condi-ções conjunturais do ensino de história (como, por exemplo, sobre as diretrizes ou sobre a autorização de livros escolares) dependem da perícia especializada em di-dática. O mesmo vale para a formação continuada de professores, para conselheiros de museus históricos, para a crítica pública de exposições, para a consultoria cien-tífica das produções históricas das mídias de massas, para a análise e a crítica de livros didáticos, podendo-se encontrar ainda muitas outras oportunidades para a construção desta ponte entre os dois lados. Se ela vai ser aproveitada e como ela será aproveitada depende daqueles que se ocupam do conhecimento da prática do trabalho cultural, portanto, os praticantes da didática da história, possuírem a quali-dade que atribuída por Friedrich Schiller a uma cabeça filosófica, distinguindo-a das qualidades do intelectual do ganha-pão. O intelectual do ganha-pão mantém-se dentro dos limites daquilo que é estabelecido institucionalmente e respeita as fron-teiras das áreas especializadas e das maneiras de pensar cuja superação cria

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intran-qüilidade. A cabeça filosófica toma esta intranqüilidade como uma força propulsora da criatividade cultural, pondo-a e mantendo-a em movimento.

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