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Resenha de: PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Trad. de André Telles. Rio de Janeiro : Intrínseca, 2015.

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CAPOEIRA

Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 2 | Nº. 1 | Ano 2015

Resenha de: PIKETTY, Thomas. A economia da

desigualdade. Trad. de André Telles.

Rio de Janeiro : Intrínseca, 2015. Por João Wanderley Geraldi

RESENHA

Site/Contato www.capoeirahumanidadeseletras.com.br capoeira.revista@gmail.com Editores

Marcos Carvalho Lopes

marcosclopes@unilab.edu.br

Pedro Acosta-Leyva

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João Wanderley Geraldi

Capoeira – Revista de Humanidades e Letras | Vol.2 | Nº. 1 | Ano 2015 | p. 83

RESENHA

JUSTIÇA SOCIAL E DESIGUALDADE

PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Trad. de André Telles. Rio de Janeiro : Intrínseca, 2015.

João Wanderley Geraldi Depois do surpreendente O Capital no Século XXI, chega às livrarias a tradução de L’Économie des Inégalités, livro de 1997, com posteriores edições revisadas, sendo a última edição francesa de 2014.

Piketty faz um esforço enorme para “traduzir” para uma linguagem mais acessível as teorias econômicas, sem deixar de lastrear suas afirmações com base em dados empíricos, retirados das estatísticas de diferentes países, entre os quais faz comparações.

Neste livro, de modo particular, suas questões são sobre a desigualdade de rendas e as políticas redistributivas. Tomando como ponto de partida que as rendas são de duas naturezas – aquelas do capital e aquelas do trabalho, e considerando as formas de transmissão do capital (pela via da herança), desde o princípio dois sujeitos, um nascido de família de capitalistas e outro de família de operários, terão pontos de partida extremamente desiguais.

Dispor de capital é também dispor de possibilidade de investimento em si próprio: um mais longo período de formação, incluindo a formação universitária, antes da entrada no mercado de trabalho, faz com que as diferenças iniciais se aprofundem cada vez mais e também mostram que “os herdeiros” se distribuem diferentemente na sociedade. Para além do capital investido e herdado, as rendas superiores (sejam de capital, sejam de trabalho dos salários nos topos da pirâmide) permitem investimento de longo prazo na formação; ao contrário, o filho de um trabalhador braçal terá que enfrentar o mercado de trabalho muito cedo para ajudar a compor a renda familiar e por isso mesmo será em geral também ele um trabalhador não qualificado, como foram seus pais.

A justiça social, assim, demanda que haja sobre as condições de vida de ambos os grupos uma intervenção, geralmente patrocinada pelo Estado – mas em menor grau também por sindicatos e movimentos sociais – que através de políticas públicas acabam redistribuindo a renda nacional entre seus cidadãos. Assim, por exemplo, embora o valor nominal do salário mínimo da França e dos Estados Unidos ser quase igual, a renda do assalariado francês é maior do que aquela do assalariado norte-americano, pois as políticas de educação e saúde oferecem educação e saúde públicas em França, enquanto nos EEUU educação e saúde são considerados bens (e não direitos) e bens devem ser comprados, devem ser pagos.

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No campo político, as duas posições que se defrontam relativamente a uma redistribuição, a uma construção de uma justiça social, são representadas pelo pensamento (neo)liberal segundo o qual o mercado regulará as relações e distribuirá os bens de modo que capitalistas e assalariados seriam por ele beneficiados; de outro lado, as posições de esquerda defendem que há necessidade de intervenção para produzir uma sociedade mais justa atenuando a miséria dos menos favorecidos.

Assumindo a necessidade de ultrapassar as desigualdades (tidas por ‘naturais’ pelo liberalismo), o autor analisa dos caminhos possíveis: aquele da transferência direta de renda através dos aumentos de salários e aquele da redistribuição da renda financiada através de impostos.

Depois de demonstrar com dados estatísticos o tamanho do foço da desigualdade (Cap.I), segue-se uma análise aprofundada da divisão entre capital-trabalho. Com a análise de séries históricas com dados de diferentes países do sistema capitalista, o autor mostra que os preços dos produtos se compõem de três elementos: os insumos necessários à produção, o custo do trabalho, que inclui as contribuições sociais sobre rendas do trabalho, e os ganhos de capital. Como o primeiro componente é sempre fixo, o que importa é quem se apossa no preço final pago pelo valor agregado ao produto. A série histórica mostra uma distribuição com poucas variações no último século: o capital fica com 1/3 da renda e o trabalho fica com os outros 2/3. Como os capitalistas são em menor número, obviamente esta distribuição é extremamente injusta.

Também neste capítulo o autor demonstra que quem paga as contribuições sociais são os trabalhadores: “Quem arcou com as contribuições patronais? Certamente não os empregadores, uma vez que a participação da renda do trabalho no valor adicionado, que inclui todas as contribuições sociais pagas pelos trabalhadores, não aumento entre 1920 e 1995” (p.55).

No estudo da influência redistributiva das políticas igualitárias de formação, que “constituem sem dúvida o exemplo mais fundamental de uma redistribuição eficiente” (p.69), o autor compara a situação dos países americanos com os “tigres asiáticos”: “os países sul-americanos, que possuíam a mesma renda média dos futuros tigres asiáticos em 1960, contavam com um estoque inicial de capital humano bastante inferior, em virtude sobretudo da existência de amplas camadas da população totalmente relegadas, e apresentavam um crescimento bem mais fraco, enquanto os tigres asiáticos, sempre mais igualitários, alcançavam o desenvolvimento dos países ocidentais. Além do efeito do nível médio de capital humano, a desigualdade inicial tem também um efeito negativo sobre o crescimento futuro, direta ou indiretamente provocado pela instabilidade social e pela política engendrada” (p. 68).

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João Wanderley Geraldi

Capoeira – Revista de Humanidades e Letras | Vol.2 | Nº. 1 | Ano 2015 | p. 85

Na análise das redistribuições possíveis, o autor vai defender que “a redistribuição fiscal é superior à direta”, isto é, aquela que interfere diretamente no valor dos salários e aquela que resulta da tributação. Como se sabe “nem todos os impostos pagos pelas empresas produzem os mesmos efeitos em termos de redistribuição efetiva: para que a incidência final de uma tributação recaia de fato sobre o capital, é necessário que seu montante dependa do nível de capital utilizado ou de renda transferida para o capital”(p.41). Em outras palavras, como os custos tributários são repassados para o preço dos produtos, a carga tributária acaba sendo paga pelos consumidores de forma linear, sejam eles assalariados ou não.

Embora o livro em muitas passagens seja de digestão difícil para não economistas, as linhas gerais do raciocínio de Piketty podem ser acompanhadas por um leitor comum. Ao fechar o livro o leitor saberá da complexidade da macroeconomia, mas também informado de que o foço da desigualdade jamais será ultrapassado se políticas de redistribuição efetiva da renda não forem assumidas. Dentre estas, o autor, como vimos acima, salienta o papel da educação pública como uma forma eficiente de distribuição mais igualitária da riqueza.

Infelizmente dados do Brasil não são analisados (alguns sequer eram disponíveis). A recente divulgação pela Receita Federal de dados de 2012 e 2013 apresenta um quadro estarrecedor: 71.440 brasileiros, o que corresponde a apenas 0,3% daqueles que fazem declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física, concentrou 14% da renda total declarada, um valor de R$ 298 bilhões de rendimentos, e um patrimônio no valor de R$ 1,2 trilhão (como se sabe, o patrimônio sempre é declarado com valores históricos e muitas vezes irrisórios relativamente ao verdadeiro valor no mercado). Considerando que nestes quase 300 bilhões de rendas, 200 bilhões são de lucros e dividendos (isentos da mordida do leão, que para os ricos mia e não ruge: os lucros e dividendos são taxados apenas na pessoa jurídica, a uma taxa muito inferior àquela paga pelos salários e são “rendimentos isentos” de imposto desde Fernando Henrique Cardoso, em lei que passou a vigorar em 1996). Neste contexto, uma redistribuição mais efetiva teria que tributar diretamente os ganhos de capital (isto é, os lucros e dividendos).

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