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Dano temporal, sua autonomia e a aplicação pelos tribunais

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DANO TEMPORAL, SUA AUTONOMIA E APLICAÇÃO PELOS

TRIBUNAIS

Florianópolis 2019

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DANO TEMPORAL, SUA AUTONOMIA E APLICAÇÃO PELOS TRIBUNAIS

Trabalho Conclusão do Cursode Graduação em Direitodo Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharelem Direito

Orientador: Prof. Dr. Rafael Peteffi da Silva

Florianópolis 2019

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sempre se dedicaram e me apoiaram. Todo este apoio, carinho, dedicação e amor foram essenciais para que eu pudesse completar mais esta etapa da minha vida.

À minha namorada e melhor amiga Elisa da Fonseca Effting, pelo carinho, compreensão, amor, solidariedade e apoio em todas as minhas decisões.

Ao professor e orientador, Rafael Peteffi da Silva, que apresentou-me o tema da responsabilidade civil e orientou-me ao longo deste trabalho.

Ao meu mentor, Dr. Rodrigo Fernandes Pereira, que vem me guiando no ramo da advocacia desde 2017.

Aos amigos que essa faculdade me proporcionou.

E a todos os outros que fizeram e/ou fazem parte da minha vida. O meu OBRIGADO!

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ordenamento jurídico. O objeto do presente trabalho é o estudo do dano temporal, com a revisão bibliográfica sobre o tema. Também será analisada a possibilidade da autonomia do dano temporal, isso é, sua aplicação como tertium genus, e a aplicação deste no âmbito dos tribunais brasileiros, principalmente do Superior Tribunal de Justiça – STJ. De pronto, indica-se que o dano temporal não tem compatibilidade com uma nova espécie de dano, possuindo natureza de dano moral. A aplicação pelos tribunais também não é in reipsa, ocorrendo apenas quando em evidente descaso com o tempo perdido do consumidor.

Palavras-chave:Dano temporal. Desvio Produtivo do Consumidor. Dano Moral.

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1 A NOVA DOUTRINA DO DANO TEMPORAL E SUA AUTONOMIA ... 11

2 APLICAÇÃO DA PERDA DO TEMPO ÚTIL PELOS TRIBUNAIS ... 33

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 62

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INTRODUÇÃO

Com a constante evoluçãoda sociedade e, consequentemente, do direito, é comum que novas teorias, até mesmo direitos e bens juridicamente tutelados, surjam a fim de complementar alguma lacuna no ordenamento jurídico. Por outro lado, essa construção não é uniforme e convergente em todos os sentidos, principalmente por causa da origem, que nem sempre é a mesma1.

Pelo princípio constitucional da legalidade, não há crime sem que antes haja lei, mas será que o mesmo é válido para a responsabilidade civil? Não há dano indenizável sem que antes um “bem” seja considerado juridicamente tutelado?

A responsabilidade civil reluz-se em dano, nexo causal e conduta antijurídica; possuindo o dano maior repercussão fática, por ser o resultado ao qual se busca indenização.

Atualmente, a todo o momento, corre-se o risco de causar ou sofrer dano. A possibilidade de dano já evidencia a importância do trabalho.Entretanto, o objeto do estudo majora tal importância, pois se trata de algo de muito valor na atual sociedade, senão de máximo valor: o tempo.

Indaga-se: é o tempo bem juridicamente tutelado? É o tempo algo de valor extrínseco ou intrínseco? Ou melhor, é indenizável um dano causado ao tempo de outrem?

O presente trabalho, no primeiro capítulo, tem por escopo realizar uma revisão bibliográfica acerca do dano temporal, demonstrando a origem da proteção do tempo, o modo como essa proteção ocorre e quando ocorre o dano. Na sequência, discorrer-se-á sobre a possibilidade de autonomia do dano temporal, apresentando as confluências ou os óbices do arcabouço jurídico para considerar tal dano autônomo do dano moral lato sensu.

Por fim, no segundo e último capítulo, apresentar-se-á a aplicação do dano temporal na jurisprudência brasileira. Neste capítulo, analisar-se-ão as decisões comparando-as às concepções de autores elencados neste trabalho, prestigiando-os no que lhes couberem, em fundamentações do dano, ocorrido ou não, nos respectivos acórdãos.

1 Um “direito” pode ter início com conhecimento doutrinário, passar a ser aplicado pelo judiciário via

jurisprudência e o lesado se ver indenizado sem que antes houvesse o “direito”. O mesmo poderia ocorrer com início na jurisprudência, então os doutrinadores produzirem conhecimento sobre tal. Ou mesmo, provável que um “direito” nasça com base em produção legislativa.

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No primeiro capítulo, realizar-se-á revisões bibliográficas acerca de tais assuntos, já no ultimo, as jurisprudências serão analisadas com pesquisa exploratória, com menções aos autorespesquisados no primeiro capítulo.

Trata-se este estudo de uma revisão bibliográfica sobre o dano temporal e a possibilidade ou não de sua autonomia.Quanto ao objetivo, a pesquisa é exploratória. No que se refere à sua natureza, a pesquisa é pura, básica ou fundamental, pois as informações são adquiridas de forma teórica. Com tal estudo, pretende-se responder o que é o dano temporal, quando este ocorre, se,quando extrapatrimonial,é moral ou autônomo, bem como a aplicação desse dano pelos tribunais.

Para a realização deste trabalho foram consultados artigos, monografias, livros, materiais disponibilizados na internet e jurisprudências.

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1 A NOVA DOUTRINA DO DANO TEMPORAL E SUA AUTONOMIA

Com a evolução da sociedade e do direito é aceitável que novas modalidades de danos indenizáveis apareçam. O tema deste trabalho é o dano causado pela perda do tempo útil. Antes de tudo, é necessário conceituar o que é esse tempo útil para a presente monografia.

O tempo é objeto de discussão há séculos, seja por filósofos na antiguidade ou na atualidade, seja por Einstein, em suas teorias da relatividade2, ou mesmo em filmes e séries. A questão é: somos donos do nosso tempo. O tempo é um bem imaterial, escasso, comum, também de propriedade individual. O que cada um faz com seu tempo é problema de si e si próprio apenas.

O Dicionário Aurélio3 conceitua tempo como: “Série ininterrupta e eterna de instantes; Medida arbitrária da duração das coisas; Prazo, demora”, entre outros vinte e seis significados.

O tempo pode ser gasto ou investido. É uma questão de vontade e percepção. Mas, no fim, a troca mais comum de tempo na atualidade, é a deste por dinheiro. Seja trabalhando (empreendendo), tempo e esforço (físico e/ou psicológico) é demandado por dinheiro. Tempo é dinheiro, conforme atribuído aBenjamin Franklin.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê um contrato de trabalho de 44 horas semanais, em contrapartida de pelo menos um salário mínimo. Cinco jornadas de 8 horas mais uma jornada de 4 horas. E, entende-se que é fora desse meio que vigora o tempo útil de alguém.

O tempo útil não é o tempo gasto no parágrafo acima, é o período em que alguém possui liberdade de escolha do que realizar com seu tempo, fazer o que bem entender. Seja aproveitá-lo com a família, ir ao cinema, cuidar da própria saúde e bem estar, dormir, ou até mesmo realizar uma hora extra no trabalho.

A principal diferença entre ambos é que, enquanto é possível mensurar o valor do tempo trabalhado, com a simples divisão de salário/tempo de trabalho, não é possível valorar especificamente em dinheiro o tempo útil de alguém. Pelo simples fato deste não estar

2A Relatividade Restrita (ou Especial) e a Relatividade Geral. 3

Significado de Tempo. Dicionário do Aurélio Online, 2019. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/tempo>. Acesso em: 21 de Jun. de 2019.

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atrelado à medida “dinheiro” da relação anterior. Bom exemplo de tempo útil são as propagandas da Mastercard do “não tem preço”.4

Michael Sandel5 conta que o tempo útil é cada vez mais valioso. As pessoas vêm pagando por passagens aéreas mais caras apenas para não precisar esperar em fila, o mesmo ocorre em parques de diversão, pagar para furar a fila. Como exemplo também, existem países em que são pagas taxas para poder trafegar em faixa exclusiva para evitar congestionamentos e poupar tempo.

Foi pensando na proteção, ou melhor, no alto valor (lato sensu) do tempo que foi criada a teoria de que o dano causado pela perda do tempo útil deve ser indenizado. Foi Marcos Dessaune quem plantou a ideia no ordenamento jurídico de que o tempo perdido desnecessariamente pelo consumidor nas relações de consumo deve ser indenizado, em seu livro publicado em 2011, com o título “Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado”.

A teoria introduzida por ele adveio de reiteradas situações cotidianas desagradáveis, facilmente vislumbradas nas relações de consumo, entre elas, longas esperas em filas de bancos, problema em cancelar algum serviço, atrasos em voos, problema com provedor de internet, etc.

Na verdade, as situações cotidianas citadas por ele são muito mais corriqueiras do que o imaginado, e causam irresignação a quem perde seu tempo, basta ver o número de ações no âmbito do direito do consumidor. O jornal O Globo6 trouxe chamada alertando que: “Ações de consumo somam quase a metade dos 90 milhões de processos no Judiciário”, isso no ano de 2013. Quantas vezes não se fica preso em filas de bancos, ou algum conhecido fica horas pendurado no call center para cancelar a conta do telefone porque esta foi alterada unilateralmente pela parte fornecedora.

Giselle Souza7 conta que foi pensando na proteção ao consumidor que se tentou, no âmbito do Poder Legislativo, a inclusão de um novo artigo no Código de Defesa do Consumidor, via Projeto de Lei 7.356/2014,prevendo a indenização do consumidor pela perda

4Presente R$ 100. Ceia R$ 200. Jantar de natal com a família, não tem preço.

5 SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. Tradução de Clóvis

Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 22-24.

6FREITAS, Andrea; XAVIER, Luiza; CASEMIRO, Luciana. Ações de consumo somam quase a metade dos 90

milhões de processos no Judiciário. O Globo. Rio de Janeiro, 05 out. 2013. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/acoes-de-consumo-somam-quase-metade-dos-90-milhoes-de-processos-no-judiciario-10266371>. Acesso em: 21 jun. 2019.

7SOUZA, Giselle. Justiça reconhece autonomia da indenização por tempo perdido. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-mar-01/justica-reconhece-autonomia-indenizacao-tempo-perdido>. Acesso em: 21 jun. 2019.

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de tempo,para buscar a solução da controvérsia. Entretanto, a proposta legislativa não obteve grande repercussão e acabou arquivada.

Todavia, sendo ausente tal previsão legal expressa, cabe ao Judiciário decidir a aplicação, ou não, desta condenação, de o réu ressarcir esse dano quando extrapatrimonial. Ademais, diferenciar se realmente houve o dano, ou se o dano sofrido pelo autor foi um mero dissabor do dia a dia (portanto não indenizável); abre-se também discussão sobre a autonomia do dano quando extrapatrimonial, se é um dano moral ou dano autônomo, tertium genus, bem como a aplicação in reipsa (ou não).

Mas, voltando à teoria de Dessaune, a teoria do desvio produtivo do consumidor se dá na forma de que: quando um fornecedor, seja por qualquer motivo, submete o consumidor a situações desnecessárias e de descaso, não previstas na relação de consumo e, o consumidor é obrigado a abdicar de seu tempo útil para solucionar esse problema, isso lhe gera dano indenizável.

Dessaune explica como se caracteriza o desvio produtivo do consumidor:

(...) o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.8

Contudo, Dessaune desenvolve seu livro da forma como o ordenamento jurídico brasileiro está disposto, pelo princípio da legalidade9, ausente a previsão expressa do Tempo, como direito individual na Constituição Federal (art. 5º); não é possível impor aos fornecedores/provedores/produtores a reparação do dano pela perda do tempo útil, como dano autônomo. Logo, devendo ser aplicado como modalidade do dano moral.

O autor chega a propor uma emenda constitucional, a fim de se validar tal dano autônomo como indenizável, no seguinte sentido:

O tempo de que cada indivíduo dispõe na vida, caracterizado pela escassez, inacumulabilidade e irrecuperabilidade, é recurso produtivo primordial e inviolável da pessoa, assegurando-se a ela o direito à indenização do dano de desvio produtivo decorrente da lesão desse seu tempo pessoal.10

8DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: RT,

2011. 2011, p. 377

9

CF, art 5, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

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Com tal mudança no ordenamento jurídico, da inclusão desse trecho no artigo 5º da Constituição Federal, o dano causado pela perda do tempo útil se caracterizaria como autônomo, extrapatrimonial, mas não de cunho moral, por atingir bem jurídico diverso, assemelhando-se ao dano estético.

Não é unânime o entendimento dos teóricos e doutrinadores que escreveram sobre o tema no sentido da autonomia do dano, conforme será exposto adiante. Dessaune, introdutor da teoria do desvio produtivo do consumidor, em seu livro expõe que, para a valorização do tempo é necessário que o mesmo possua uma categoria autônoma de dano extrapatrimonial, diferenciado-se do dano moral, com a inclusão do tempo como bem individual com proteção constitucional.

Vitor Vilela Guglinski, em 2015, escreveu artigo sobre o dano temporal11, trazendo a ideia de que a perda involuntária do tempo é um problema atual, adotando uma interpretação sistêmica para que o tempo seja considerado como bem jurídico protegido:

Bem assim, no ordenamento jurídico pátrio inexiste expressa disposição acerca da natureza jurídica do tempo, tampouco sobre o tempo como um bem juridicamente protegido. Isto é, não se encontra em nosso arcabouço legislativo qualquer dispositivo que consagre o tempo como fenômeno cuja injusta subtração por parte de outrem seja de alguma forma sancionada. Contudo, nada impede que, adotando-se uma interpretação sistemática, o tempo adotando-seja entendido como um bem jurídico.12

O autor frisa que existem dois tempos distintos, o tempo útil e o tempo livre. Entende-se por tempo útil:

Sob o ângulo da utilidade, demanda-se a disponibilidade de tempo para a execução de variadas tarefas do cotidiano, para o cumprimento de obrigações e para o trabalho. Pode-se dizer que é um tempo “vinculado”, cujo emprego já estaria pré-determinado, planejado; seu detentor já sabe, de antemão, para qual finalidade o tempo será utilizado. Considerando o significado da palavra “útil”, pode-se dizer que o tempo útil é aquele por meio do qual se busca uma vantagem ou a satisfação de uma necessidade. Na linguagem laboral, o dia útil é aquele reservado para o trabalho (observe-se que o dia é unidade de medida de tempo).13

Já, o tempo livre “seria aquele dedicado para se fazer o que se quer, sem vínculos ou predeterminações. É o tempo que não está ligado a tarefas ou obrigações.(...) é aquele dedicado ao lazer, ao repouso, a atividades descomprometidas, inclusive ao ócio.”14

11

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O dano temporal e sua reparabilidade: aspectos doutrinários e visão dos tribunais brasileiros*. Revista missionjuridica. acesso em 30/07/2018. https://www.revistamisionjuridica.com/o-dano-temporal-e-sua-reparabilidade-aspectos-doutrinarios-e-visao-dos-tribunais-brasileiros/

12

GUGLINSKI, 2015, p. 82.

13GUGLINSKI, 2015, p.85. 14GUGLINSKI, 2015, p. 86.

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O autor defende que a perda do tempo pode ocorrer tanto como “reflexo da violação positiva do contrato”, ou como “fato extracontratual”. O mesmo explica que a relação consumerista contratual entre consumidor e fornecedor, os direitos desses não estão atrelados somente à utilização do bem adquirido, mas também no seguinte sentido:

A rede de atendimento e suporte técnico disponibilizados pelo respectivo fornecedor integram o contrato de consumo como um todo (obrigação acessória). Sendo assim, além da garantia de qualidade do bem de consumo em si, há outros deveres jurídicos que devem ser observados pelo fornecedor, que gravitam em torno do produto ou do serviço, e cujo cumprimento também há de ser revestido de qualidade.15

Assim, um serviço mal prestado por parte do fornecedor acarreta em dano, advindo do inadimplemento contratual, de modalidade autônoma16, gerando o dever de indenizar17:

Pois bem, no momento em que o fornecedor presta ao consumidor um suporte defeituoso, embora esteja formalmente cumprindo seu dever nesse sentido, não o estará de forma substancial, isto é, com a qualidade necessária a atender a contento a necessidade do consumidor. Haverá, nesse caso, um adimplemento ruim do contrato; um cumprimento defeituoso, acanhado, desqualificado.

Quando a perda do tempo for fato extracontratual, traz-se a ideia também no âmbito do direito do consumidor; entretanto, traz como exemplo cobranças indevidas, em que o consumidor perde seu tempo ligando para SAC’s e Call Centers a fim de resolver tal situação. O dever de indenizar advém da responsabilidade objetiva em que “deve o fornecedor responder pelos danos causados por terceiros que conseguem burlar seus sistemas de segurança, na medida em que essa possibilidade compõe os riscos de seu empreendimento.”18

Faz-se crítica nesse ponto, com todo o respeito, porque o exemplo passado pelo autor aparenta ser contratual. Isso porque, se terceiros conseguem burlar os sistemas de segurança do fornecedor, gerando cobranças indevidas e causando dano ao consumidor, esse fato gerador não é extracontratual, é um dano gerado por inadimplemento contratual, pela falha no dever de segurança do fornecedor para com os consumidores. É dever do fornecedor cuidar de seus sistemas contra ataques, de zelar pela segurança de seus dados (lato sensu) e dos contratantes.

15

GUGLINSKI, 2015, p. 89

16Vide enunciado n. 24 da I Jornada de Direito Civil, do STJ - 24 - Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé,

positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.

17

GUGLINSKI, 2015, p. 89.

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Com o devido respeito, teria sido mais feliz o seguinte exemplo: o consumidor que nunca teve relação com alguma instituição bancária, tem seu nome negativado por empréstimo que nunca realizou. Aqui sim, existe um fato gerador extracontratual, vez que nunca houve relação entre consumidor e banco, mas da mesma forma, esse sofreu dano.

Por fim, traz-se a ideia com base em acórdãos, que o dano causado pela perda involuntária do tempo é moral, porque:

A perda involuntária do tempo impingida pelo fornecedor que presta um mau atendimento ao consumidor reflete negativamente em sua esfera anímica, passando o ofendido a experimentar sentimentos humanos desagradáveis como: frustração, intranquilidade, angústia, irritação etc. Tradicionalmente, sentimentos dessa natureza são entendidos como causa de dano moral, eis que representam ofensa aos direitos da personalidade. Nesse sentido, o dano moral estará consubstanciado pelos reflexos negativos da perda desarrazoada e involuntária do tempo.19

Todavia, o autor afirma que é possível o dano ser autônomo:

Noutro giro, embora julgue-se pouco provável, pode ocorrer que a perda desarrazoada do tempo não desencadeie na vítima, necessariamente, sentimentos negativos ou, no máximo, cause apenas uma irritação ordinária, própria da solução das demandas cotidianas. Nesse sentido, a perda do tempo será o dano em si. O tempo é o bem juridicamente protegido, e sua perda caracteriza o prejuízo.20

Guglinski traz a ideia de que a perda do tempo útil é um dano moral; entretanto, não se opõe à sua autonomia, bem como a aplicação in reipsa, porque aceita a caracterização do dano pelo simples gasto do tempo, ausente prejuízo ao consumidor, conforme transcrito acima, divergindo-se um tanto da teoria anteriormente citada.

Maurilio Casas Maia publicou o artigo “O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro – é dignidade e liberdade”21. O artigo tem por fulcro apresentar a jurisprudência acerca da perda do tempo útil do consumidor ou mesmo do tempo livre, abordando o desvio produtivo do consumidor (teoria de Dessaune) e o dano temporal ou cronológico, diferenciando os danos dos meros dissabores e classificando a perda do tempo como dano autônomo ou de cunho moral.

Logo no começo do artigo, o autor expõe que o dano pela perda do tempo deve ser considerado como um dano autônomo ao dano moral, porque a Constituição de 88 trouxe a dignidade humana como eixo central; e, com uma interpretação extensiva deste princípio,

19GUGLINSKI, 2015, p. 92 20GUGLINSKI, 2015, p.93 21

MAIA, Maurilio Casas. O dano temporal indenizável e o mero dissabor cronológico no mercado de consumo: quando o tempo é mais que dinheiro: é dignidade e liberdade. Revista de Direito do Consumidor, v. 92, ano 23, p; 161-176, mar./abr. 2014.

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pode-se concluir que o tempo necessitado para uma vida digna, é um bem juridicamente protegido pela constituição, lançando crítica a Dessaune. No fim do artigo, indica que este dano deve ter sua aplicação in reipsa, a fim de melhor proteção.

Murilo Maia explanou os motivos da necessidade de se tutelar o tempo na qualidade de bem jurídico:

Dessa forma, o direito à tutela do tempo para desenvolvimento da personalidade humana representa consequência direta dos direitos fundamentais à dignidade e à liberdade do ser humano. Destarte, o dano injusto a esse bem jurídico representa ofensa distinta da esfera patrimonial ou mesmo moral em sentido estrito do cidadão. Aliás, o reconhecimento da autonomia do dano temporal ensejará maior repercussão pedagógica entre os fornecedores na seara da responsabilização civil por perda indevida de tempo, uma vez que o tempo humano passará a ter valor em si mesmo considerado e não por eventuais consequências econômicas ou morais de sua violação as quais poderão ser reparadas conjuntamente, afirme-se in passant.22

Ainda, expõe-se que o direito constitucional à liberdade de ir e vir do consumidor é atacada quando o consumidor tem que dispor do seu tempo para resolver as situações às quais não deu causa (evidente desvio produtivo lato sensu), merecendo, portanto, reparação de seu tempo gasto.

Depois de discorrer sobre a visão do Autor, ele passa a diferenciar o mero dissabor do dia-a-dia e o dano moral na visão da jurisprudência. Explica que os meros dissabores, os quais levam o consumidor a pequenos sentimentos de tristeza ou aborrecimento, não podem ser elevados ao nível de dano reparável, logo não indenizáveis.

Ensina que o divisor de águas, trazido pelo STJ, é a humilhação, perigo, abalo à honra ou dignidade do ofendido, entre o dano e o dissabor. Ou seja, um nível de anormalidade do evento danoso.

Todavia, é transpassada a ideia de que:

Não se deve exigir que o dano indenizável necessariamente extrapole a indignação interna e que tenha repercussão no mundo exterior. Em verdade, o âmbito da imaginação humana não é critério seguro de distinção entre o mero aborrecimento e o efetivo dano moral (...) Isso porque o dano moral tanto pode se apresentar como dano estritamente psicológico (honra subjetiva) ou à imagem (honra objetiva), podendo apenas neste ser levando estritamente em consideração a repercussão do dano a fim de pressuposto do dano moral, em crítica ao STJ.23

22

MAIA, 2014, p. 163.

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Na ausência de critérios objetivos para a configuração do dano moral, propõe-se a ideia de que, cada caso deve ser observado e analisado, comparado à luz da razoabilidade e da experiência comum, levando em consideração a certeza e continuidade do dano e do valor jurídico violado.24 Não obstante, a conduta do fornecedor, se este tentou prestar um bom serviço ou não.

Ao trazer a atual perspectiva do dano temporal na doutrina e jurisprudência brasileira, Maia infere que os julgados têm reconhecido o dano temporal por perda do tempo útil quando o desperdício temporal é “patentemente abusivo”. Entretanto, para o autor, os tribunais ainda não convergiram entendimento se o dano é de cunho moral ou tertium genus, pouco importando essa diferenciação na verdade, porque o importante, para ele, é implantar a ideia do dano najustiça, pouco se preocupando com sua autonomia - neste momento.25

Por fim, conclui que o dano pela perda do tempo útil ou desvio produtivo do consumidor é um fenômeno da atual sociedade pós moderna26, devendo ser considerado como autônomo, e ocorrer a aplicação in reipsa, a fim de maior valoração do tempo como bem juridicamente tutelado.27

Orlando Celso da Silva Neto é outro autor que escreveu sobre o tema, no artigo “Responsabilidade civil pela perda do tempo útil: tempo é um ativo indenizável?”28. No artigo, expõe-se a análise da responsabilidade civil pela perda do tempo útil, definindo as características desse tipo de responsabilização, a qualificação e definição do tempo indenizável.

O Autor inicia o artigo indicando que o objeto do estudo é o dano temporal, o qual diverge de um dano material ou moral:

[...] tempo útil é interessante componente cuja reparação pela perda derivada de ato ilícito não se enquadra de forma precisa nem no conceito clássico de dano material, nem no de dano moral, ao mesmo tempo em que, pelas suas características, apresenta elementos tanto de um quanto de outro.29

24MAIA, loc. cit. 25MAIA, 2014, p. 169. 26MAIA, 2014, p. 173. 27MAIA, loc. cit.

28SILVA NETO, Orlando Celso da. Responsabilidade civil pela perda do tempo útil: tempo é um ativo

indenizável?Revista de Direito Civil Contemporâneo. N. 2. v. 4. p. 139-162. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2015.

Disponível em:

<http://ojs.direitocivilcontemporaneo.com/index.php/rdcc/article/view/89/78%20ACESSO%20EM%2007/08/20 18>. Acesso em 07/08/2018.

29 SILVA NETO, Orlando Celso da. Responsabilidade civil pela perda do tempo útil: tempo é um ativo

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Ao apresentar sua tese, pugna por ser inadequada a classificação do dano temporal como moral ou patrimonial, sugerindo a criação de nova categoria ou, ao menos, em uma subcategoria para o dano temporal30- uma terceira espécie de dano.

O Autor defende a tese de que só há de se falar em responsabilização quando a parte ofensora oferecer resistência ao pleito da parte ofendida, “não devendo ser aplicada quando ocorrer o reconhecimento do direito ou quando forem tomadas medidas adequadas para reparar o dano”31; assemelhando-se a ideia de Maia.

O insight do Autor, o que diferencia seu artigo dos revisados até aqui, é o reconhecimento de que, o tempo perdido não necessariamente representará um dissabor. E se, não ocorrer o mau sentimento, não há que se falar em dano indenizável. Veja-se in verbis:

[...] aquele consumidor que não se importa em despender seu tempo consultando a assistência técnica porque simplesmente não tem melhor uso; sente-se sozinho em casa; não tem outros usos do tempo etc. Inclui-se, portanto, um novo componente da caracterização do tempo útil: sua perda representa um prejuízo. Em outras palavras, é necessário ao menos certo aborrecimento para qualificar o tempo pessoal como útil.32

Já quanto à natureza jurídica do dano, expõe-se que “a perda do tempo útil não se enquadra, no mais das vezes, na dor psíquica significativa que a jurisprudência costuma exigir para caracterizar o dano moral reparável”33. Do ponto de vista do autor, a natureza do dano é de cunho extrapatrimonial, que caso quantificada a reparação do dano nos moldes clássicos, diga-se o script da jurisprudência, difícil seria quantificar o valor do arbitramento, muitas vezes não indenizável.

De seu ponto de vista, tal dificuldade poderia traspassar o entendimento de que, a perda do tempo útil nunca é indenizável, sendo “um custo transacionável não indenizável”.34

O que se dá por injusto, porque existem bens juridicamente tutelados, tais quais o direito à intimidade, à honra, sendo também o direito à fruição, pelo consumidor, de seu tempo de forma útil. Veja-se:

Sem dúvida, tempo é um ativo quantificável, se nem sempre em moeda, ao menos em bem-estar ou, para usar o termo mais aceito, em utilidade. O prejuízo, no caso, é representado, no mínimo, pela perda de tempo que poderia estar sendo empregado

30SILVA NETO. 2015, p. 143. 31SILVA NETO. 2015, p. 155 32SILVA NETO. 2015, p. 144 33

SILVA NETO, 2015, p. 145

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em outra atividade mais produtiva ou prazerosa (ou seja, mais útil ao consumidor), mesmo que não se lhe possa fazer uma associação monetária direta.35

Ao comparar a perda do tempo útil com a reparação pela privação do uso, indica grande semelhança, especialmente em relação ao fato de que, ambos podem gerar, muitas vezes, meros dissabores, não graves o suficiente a ponto de caracterizar o dano moral.36 “Indicando que, como a privação do uso do bem é indenizável, não há motivos para que o dano pela perda do tempo útil não seja também.37

Para o Autor, o tempo integra a esfera pessoal do ofendido. E, a restrição de uso deste bem causa presumível perda de “bem-estar, felicidade e utilidade38. Refere-se à perda da utilidade, no sentido de que, o ofendido poderia empregar seu tempo perdido em outros afazeres mais úteis - assemelhando-se ao desvio produtivo de Dessaune.

Conclui-se que, o tempo útil é bem jurídico protegido pelo ordenamento, advindo da Constituição Federal, pela dignidade da pessoa humana, pela liberdade e, consequentemente, sua perda é indenizável.

Silva Neto também trabalha a questão de incentivo, por meio da análise econômica do direito. O mesmo afirma que, ao não se indenizar essa perda do tempo útil, poderão ocorrer duas consequências:a primeira, o desencorajamento de consumidores a exercer seu direito; A segunda, o desestímulo aos fornecedores a oferecer solução rápida para o problema sofrido pelo consumidor.39

Assim, Silva Neto traz ideia semelhante à de Maia, quando fala em um tertium genus, todavia a aplicação, conforme o Autor, não pode ocorrer de forma in reipsa, diferenciando-se desse, porque o ofendido há de ter sofrido pelo menos “mero sofrimento”, a fim de ser indenizado. Noutro ponto, o dano indenizável aqui é o mesmo de Dessaune, o “desvio produtivo”, entretanto, a diferença aqui é que este dano se encontra fundamentado na constituição federal, advindo do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade.

Umberto Cassiano Garcia Scramim40, publicou o artigo intitulado “Da responsabilidade civil pela frustração do tempo disponível”. O artigo tem por objetivo propor uma nova conceituação de tempo no ordenamento jurídico, como bem jurídico tutelado e, a partir daí, desenvolve como deve atuar a responsabilidade pela perda deste bem.

35SILVA NETO, 2015, p. 145-146 36 SILVA NETO, 2015, p. 146 37SILVA NETO. 2015, p. 146 38SILVA NETO. 2015, pp.146-147 39 SILVA NETO. 2015, p. 155.

40599 SCRAMIM, Umberto Cassiano Garcia. Da responsabilidade civil pela frustração do tempo disponível.

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Explica-se que, “o tempo, para o direito, tem sido encarado apenas sob o aspecto de seu transcurso, no que se refere à aquisição, extinção ou modificação de situações jurídicas, bem como na delimitação de prazos”41. Sendo, portanto, para Scramin, o tempo na visão do direito, um nada, um mero fato jurídico.

A proposta do autor, de nova perspectiva para o tempo, é de “alçar o tempo à outra categoria dentro do direito, a saber: categoria de bem jurídico”42. Sendo que, esta nova alçada não exclui o outro, mas também caráter do tempo, já citado, de fato jurídico, referente ao “decurso”, na verdade, redimensionando e atribuindo nova característica ao tempo43.

Dispõe-se que, mesmo que o tempo não tenha conteúdo econômico ou materialidade, não existem óbices para esta intitulação de bem jurídico, porque os bens podem, ou não, serem dotados de economicidade, ou existência material, tais quais um imóvel e a honra.44

Scramim explica que o permissivo legal que possibilita esse entendimento do tempo como bem jurídico tutelado são as tutelas aos direitos de liberdade, vida e dignidade.45 Liberdade porque a lesão ao tempo disponível possui como consectário automático uma violação à esta, vez que, como o homem possui livre arbítrio para decidir o que faz com o seu tempo, quando seu tempo é retirado, sua liberdade se encontra cerceada.46

Quanto à vida, como o tempo é a medida de nossa existência, “cada segundo, hora, dia, contém uma porção de vida e existência, que vai se esgotando à medida em que se avançam os ponteiros do relógio.”47Assim, cada segundo que passa é um segundo a menos de existência, que jamais voltará a ocorrer48.

Já, a dignidade está ligada à possibilidade da pessoa poder se “autodeterminar com relação ao tempo que possui”. Por esses motivos, para o autor, o tempo deve ser tutelado como bem jurídico, assemelhando-se aos direitos da personalidade.49

Ao tratar da responsabilidade civil em face do dano da perda do tempo útil, o autor destaca a tendência do direito civil em expandir o conceito de lesão, afirmando que nos

41SCRAMIM.2016, p. 85. 42SCRAMIM. 2016, p. 88. 43SCRAMIM. loc cit. 44

SCRAMIM. 2016, p. 89.

45SCRAMIM. loc cit. 46SCRAMIM. loc cit. 47SCRAMIM. 2016, p. 90 48

SCRAMIM. loc cit.

(22)

primórdios do direito, apenas os danos patrimoniais e, posteriormente passou-se a aceitar os danos morais e, mais recentemente ainda, os danos estéticos.

Discorrendo acerca do dano pela perda do tempo útil, explicita-se que o dano é de cunho moral, porque este tem bastante similitude e ligação aos direitos da personalidade e, consequentemente, a natureza do dano também.50

O Autor também explica que a aplicação deve ser in reipsa, porque como se trata de bem jurídico autônomo, o tempo útil, quando arrancado do ofendido, gera o dever de indenizar. Assim, com o cerceamento do tempo de alguém, gera-se um dano moral, sem que exista lesão, noutras possibilidades, agravar o dano moral pela violação de outros direitos da personalidade.51

Trazendo dois exemplos à baila, o primeiro de “um indivíduo que permanece durante um dia inteiro em determinada cidade diferente da sua, em razão de a companhia aérea não dispor de pilotos para conduzir a aeronave na hora marcada”.52; O segundo, “um indivíduo que permanece preso, de maneira indevida, durante 20 anos”.53No primeiro caso ocorreria apenas o dano em si, aplicação in reipsa, porque não houve ofensa a outros direitos da personalidade, já no segundo, ocorreria o dano agravado por ofensa a outros direitos da personalidade.

Para a quantificação do valor da indenização, propõe-se uma quantificação nos mesmos moldes da quantificação das lesões aos direitos da personalidade: visando a reparação do dano bem como se punindo o ofensor, a fim de coibir futuras ou reiteradas práticas. Explica Scramim: “A fundação punitiva precisa estar presente, visando corrigir condutas futuras”54.

A ideia passada pelo Autor é de que o dano causado pela perda do tempo útil é de cunho moral, e não tertium genus; na mesma linha de pensamento de Guglinski.Todavia, se diferencia ao explanar que a aplicação deve ser in reipsa, nos moldes de Maia. O problema dessa aplicação in reipsa é o insight destacado de Silva Neto, que mesmo ocorrendo a redução do tempo útil, ausente prejuízo, não se pode falar no ressarcimento do dano.

50SCRAMIM. loc cit. 51SCRAMIM. 2016, p. 93. 52

SCRAMIM. 2016, p. 90.

53SCRAMIM. 2016, p. 93. 54 SCRAMIM. 2016, p. 95.

(23)

Outro artigo que também trata sobre o tema é “Dano moral e responsabilidade objetiva do fornecedor pela perda do tempo produtivo do consumidor”55, redigido por Rene Edney Soares Loureiro e Héctor Valverde Santana. O texto tem por objetivo refletir acerca das condutas dos fornecedores, quando da subtração do tempo útil dos consumidores, no âmbito pré-contratual, contratual e pós contratual, com enfoque na boa-fé objetiva e a reparação deste dano.

Inicia com a ideia de que a razoável duração do processo é um direito fundamental, consequentemente, o tempo deve ser tomado como bem jurídico tutelado, porque a causa que motivou a elevação da questão do tempo como garantia fundamental. é a insatisfação da sociedade para com a prestação da tutela jurisdicional tardia, advindo daí o dever do Estado prestar tutela efetiva, tempestiva e adequada.56

No mesmo viés, existe a mesma expectativa nas relações de consumo, vez que o consumidor “tem uma legítima expectativa de ter seus problemas/dúvidas/questões solucionados de forma adequada, tempestiva e efetiva, ao passo que o fornecedor de produtos e serviços tem o dever de disponibilizar serviços e mecanismos que atendam as razoáveis expectativas temporais do consumidor”.57

Em seguida, os autores trazem que a natureza do dano temporal é de cunho moral. Eles explicam que: “O dano moral resta caracterizado quando as consequências do ato ocasionam dor, angústia, sofrimento, humilhação e emoções negativas sérias e que ultrapassam o mero dissabor”.58

Os mesmos explicam que o dano se caracteriza quando o consumidor tem sua legítima expectativa de solução de seus problemas frustrada, dentro de um tempo razoável, permitindo-se a reparação por danos morais. Indicam que, perder tempo para solucionar defeitos e/ou vícios a má prestação de um serviço, quando intoleráveis, ultrapassando o razoável, gera o dano moral.59

Ao fim do artigo, trazem casos julgados pelos tribunais de perda do tempo útil do consumidor, indicando que a jurisprudência vem aplicando tais condenações, de cunho moral,

55LOUREIRO, Rene Edney Soares; SANTANA, Héctor Valverde. Dano moral e responsabilidade objetiva do

fornecedor pela perda do tempo produtivo do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, ano 25, v. 106, p. 357-378, jul./ago. 2016, p. 375. 56LOUREIRO e SANTANA. 2016, p 357-358. 57LOUREIRO e SANTANA. 2016, p. 368. 58 LOUREIRO e SANTANA. 2016, p. 365. 59LOUREIRO e SANTANA. 2016, p. 368

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mas sem muito entrar no mérito de tais condenações; se foram pelo tempo tomado do consumidor, ou pelos sentimentos negativos (conforme indica Guglinski). Concluem que o direito está em constante evolução, junto com a doutrina e jurisprudência, tudo convergindo em garantia dos direitos da personalidade.60

O que se extrai é que o dano pela perda do tempo útil pelos Autores é de cunho moral, e sua aplicação não é in reipsa, devendo ser observados os critérios por eles descritos, da frustração do consumidor em face da sua legítima expectativa em ter seus problemas sanados em um prazo ideal, a fim da configuração do dano moral.

Há de se destacar que, a teoria do dano pela perda do tempo útil não permaneceu apenas no Brasil, havendo artigo escrito sobre esta, no país vizinho, a Argentina. O texto “Cuantificación de daños al consumidor por tiempo perdido” 61, escrito por Sérgio SebastiánBaroncelli, aborda sobre o tema, com uma visão um tanto ‘diferenciada’.

O texto é escrito em espanhol; Todavia, quem cita o Autor é Bastos62 em sua dissertação de mestrado, passando a ideia de que, para o autor, o tempo é um bem escasso, de grande valor econômico e social na atualidade. Para Bastos, Sebastían propõe a discussão do tema do desperdício do tempo na seara da responsabilidade civil e, a perda deste, é um dano emergente:

[...] La pérdida de tiempo puede vislumbrase em um daño emergente: um daño a lasalud o integridad física ante latardanza en la atención sanitaria, La pérdida de um servicio de transporte (aéreo, terrestre, marítimo etc.). [...] Pero también em los supuestos que analizamos en este trabajo (defecto de producto, deficiências em La prestación de servicios etc.) pueden generar gastos que configuran um daño emergente: llamadas telefónicas, procuración de copias para denuncias y reclamaciones, traslado y viáticos, entre otros, que merecen ser compensados

Bastos aduz que, para Sebastíen, a perda do tempo pode ser pressuposto para os lucros cessantes, conforme o critério da compensação, com o valor pago pela hora trabalhada de alguém. Cálculo proposto da quantidade de tempo investida para a solução do conflito, multiplicado pelo valor da hora paga do ofendido; ou, em caso de não realizar atividade registrada ou remunerada, de acordo com valores oficiais do salário mínimo.63

60

LOUREIRO e SANTANA. 2016, p. 374-375.

61 BAROCELLI, Sergio Sebastián.Cuantificación de daños al consumidor por tiempo perdido. Revista de

Direito do Consumidor, v. 90, ano 22, p. 119-140, nov./dez. 2013.

62

BAROCELLI apud BASTOS. p. 173.

(25)

Indica ainda, com base em julgados e parcela da doutrina argentina, “a perda do tempo implica também um desgaste moral e um transtorno espiritual para o consumidor, que está quase sempre em clara desigualdade de condições frente ao fornecedor”.64

Para Bastos, o Argentino não mais avança na celeuma da eventual autonomia do dano pela perda do tempo, muito embora, na concepção dele, apresenta uma distinção entre dano moral e lesões ao direito ao trato digno. Explica de maneira genérica que, conforme o ordenamento jurídico argentino, isso constitui um pressuposto particular indenizável “o descumprimento do direito ao trato digno e equitativo pelos fornecedores de bens e serviços, exemplificando com a demora excessiva e os maus-tratos de uma empresa para com o consumidor”.65

Aparentemente, para o jurista argentino, o dano causado pela perda do tempo útil é na verdade emergente, e não moral ou autônomo; Todavia, ele aborda afronta aos direitos da personalidade, diferenciando-se de todos os juristas citados até o presente momento. O interessante do artigo é a forma como foi trazida, uma simples maneira, a quantificação do dano pela perda do tempo útil, o tempo perdido multiplicado pelo valor da hora paga ao ofendido.

Tal forma de ressarcimento, entretanto, para o ordenamento jurídico brasileiro, demonstra-se correta apenas no âmbito dos danos materiais, nos lucros cessantes. Isso porque, não leva em consideração o dano efetivamente causado ao âmago humano, apenas o tempo que a pessoa perdeu de trabalho perdido.

Ao desconsiderar que tal dano possa ter caráter moral, classificando-se apenas como emergente, o “verdadeiro dano”, o dano moral, o qual realmente aflige quem sofre pela perda do tempo útil por má prestação dos serviços nas relações de consumo, não é indenizado. Na verdade, pode-se até entender que o dever de indenizar pode deixar de existir, pela irrisoriedade do valor a ser ressarcido.66

Tendo sido apresentadas as principais opiniões dos teóricos sobre o dano pela perda do tempo útil, analisar-se-á agora, a possibilidade de se reconhecer a autonomia da perda do tempo como categoria indenizatória individual e; em caso positivo, suas consequências para o

64BAROCELLI apud BASTOS. p. 172-173. 65BAROCELLI apud BASTOS. p. 173.

66O valor do salário mínimo no brasil era de R$ 954,00, na data da redação desta monografia, dividindo-se o

valor por 220, que é o divisor de horas da CLT, chega-se ao valor de R$ 4,33. Assim, quem perdeu 6 horas pendurado no telefone para resolver sua “pendenga” teria o direito à ser indenizado em apenas míseros R$ 25,98.

(26)

âmbito civilista, com enfoque na responsabilidade civil, e, na negativa, indicar os óbices jurídicos para tal.

Sobre as teorias já revisadas no primeiro capítulo, os autores ensejando que a perda do tempo útil como dano autônomo (tertium genus) foram: Maurilio Casas Maia e Orlando Celso Silva Neto, fazendo-se ressalva de Marcos Dessaune, que prevê a nova categoria indenizatória apenas quando da inclusão do “tempo” como bem juridicamente tutelado pela Constituição Federal, e de Guglinski, que não se opõe à autonomia do dano.

Na concepção de Maia, o direito à tutela do tempo espelha-se diretamente nos direitos fundamentais, tais quais à dignidade e à liberdade do ser humano67; sendo que, “o dano injusto a esse bem jurídico representa ofensa distinta da esfera patrimonial ou mesmo moral em sentido estrito do cidadão”68. Ao final, conclui sua teoria no sentido de que, o direito à indenização do dano temporal é “consequência do sistema aberto de tutela da dignidade humana e de responsabilização civil”.69

Silva Neto acompanha o pensamento de Maia. Para ele, tempo útil não se enquadra nem como dano material, nem dano moral, apresentando características de ambos70, comportando-se como um terceiro dano. Na mesma linha do antecessor, possui origem indenizatória nos direitos constitucionais, porque “tais quais o direito à intimidade, à honra, sendo também o direito à fruição, pelo consumidor, de seu tempo de forma útil.”71.

Já Guglinski, ao indicar a possibilidade de autonomia do dano temporal:

Noutro giro, embora julgue-se pouco provável, pode ocorrer que a perda desarrazoada do tempo não desencadeie na vítima, necessariamente, sentimentos negativos ou, no máximo, cause apenas uma irritação ordinária, própria da solução das demandas cotidianas. Nesse sentido, a perda do tempo será o dano em si. O tempo é o bem juridicamente protegido, e sua perda caracteriza o prejuízo.72

Dessaune, acompanhando tais raciocínios, também entende que o dano temporal não se encaixa plenamente como dano moral73; entretanto, indica que pelo princípio da legalidade74, ausente a previsão expressa de “tempo” como direito individual na Constituição Federal, não é possível que o dano da perda do tempo útil seja um “dano temporal”. Portanto, devendo ser aplicado como modalidade do dano moral.

67MAIA, 2014, p. 163. 68MAIA, 2014, p. 163. 69 MAIA, 2014, p. 175. 70SILVA NETO, 2015. p. 140-141. 71SILVA NETO, 2015, p. 145-146 72 GUGLINSKI. 2015, p. 93. 73DESSAUNE. 2011, p. 148

(27)

Preliminarmente, engana-se Dessaune quando requer que haja prévia alteração constitucional, a fim de adicionar “tempo” como bem juridicamente tutelado, isso porque, de acordo com Bastos:

De acordo com a natureza aberta de nosso ordenamento jurídico, o tempo pode sim ser considerado como um bem jurídico protegido. Mas não há necessidade de se editar uma nova lei para proteger o tempo de forma expressa, pois tal fato não traria nenhuma consequência prática.75

Voltando ao ponto, engana-se os autores, a retirada indevida do tempo não enseja uma nova categoria indenizatória. Bastos, ao citar Calvo Costa e Alberto Bueres76, infere que “a integridade psicofísica, a saúde, o projeto de vida, a estética, a psique são simplesmente bens jurídicos de caráter personalíssimo, não podendo ser ressarcidos autonomamente e per se”.77

Ou seja, o real significado do dano deve ser observado na lesão e não no objeto causador do dano78. Seguindo raciocínio no sentido de que, “das lesões a direitos personalíssimos da vítima, de sua integridade pessoal, saúde ou afeições espirituais legítimas poderá derivar dano patrimonial e/ou dano moral”.79

Ademais, mesmo que a que a legislação reconhecesse o tempo como bem jurídico tutelado de forma expressa (hipótese de Dessaune) em dispositivo exclusivo e de forma autônoma, tal fato não poderia gerar indenizações a títulos diferentes.

75BASTOS. 2017, p. 196. 76

CALVO COSTA, 2012, p. 193-227. En cambio, cuando se refiere a losdaños a la persona, es decir, a

lasconsecuencias de laviolación de losderechospersonalísimos de lavíctima, de suintegridadpersonal, susalud psicofísica, sus afeccionesespirituales legítimas y las que resultan de lainterferenciaensuproyecto de vida, estimamos que puedederivarse de lalesión a ellas, tanto daño patrimonial como moral. No podemos olvidar, que laintegridad psicofísica, lasalud, elproyecto de vida, etc., sonsimplementebienes jurídicos. Nuestroderechoya no aceptaun concepto de daño que consista enlalesión a bienes jurídicos, puesto que – como vimos – dichaacepción ha sido ampliamente superada. Y lasalud, al igual que la estética, elproyecto de vida, la vida de relación, la psique, etc., representanbienes de carácter personalísimo que resultan ser asientos de derechos subjetivos, pero que no puedennideben ser resarcidosautónomamente y “per se”. Undaño será tal en sentido jurídico, enla medida que, sin estar justificado, afectealgúninterés y que, además, provoque consecuencias; caso contrario, nos

encontraremos ante menoscabos naturalísticos pero no frente a unverdaderodañoen sentido jurídico.

BUERES, 2001, p. 310: Hayaquí una visióndeldaño dual, enlo que hace a su concepto, ya que eldaño moral se

pondera por sus eectos, minetras que el resto deldaño a la persona – o daño no patrimonial – se define por laactividaddañosa.

77COSTA e BUERES apud BASTOS. p. 191-193.

78 Não é porque o dano foi causado com a retirada indevida do tempo alheio que será um dano temporal.

Analogicamente, pode-se pensar da seguinte maneira: Se uma caneta é furtada, esse não é um dano canetal, mas sim material.

(28)

Tendo isso em vista, a proposta de tornar autônoma a indenização pela perda do tempo útil é falha; porque, “não se pode confundir o conceito de dano (menoscabo ou deterioração de bens), com o autêntico significado de dano ressarcível”.80 Bastos aduz que os danos morais constituídos pela lesão a um interesse do espírito, que são ressarcidos por suas consequências, não se pode confundir tais lesões a bens jurídicos com o conceito jurídico de dano, “que pressupõe interesse, prejuízos, consequências”.81

Bueres, nas palavras de Bastos, exemplifica que a lesão ao corpo (por exemplo, a fratura do fêmur) como dano que pode ou não dar causa à indenização, seja de ordem patrimonial ou extrapatrimonial.

Parece discordar, por isso, da pretendida autonomia às lesões estéticas, ao mencionar que ninguém cogita da existência de um “dano ósseo” com caráter autônomo que advém de um ataque a integridade psicofísica. Ademais, inspirado em Paolo Cedon, que examinou quase uma centena de supostos fáticos que são constitutivos de danos, assevera que resultaria absurdo pretender que todos esses eventos sejam considerados danos autônomos.82

Indica ainda que, se uma pessoa que está em coma sofre corte em algum membro, por descuido da equipe médica, se durante o período do coma a ferida se cura, não havendo resquício algum, não há que se falar em dano moral pela lesão à integridade física do paciente. Tal fato não enseja dano moral. Ou seja, “A apreciação das consequências do ato, portanto, é imprescindível para a coerência do sistema de responsabilidade civil.”83

Bastos indica que, o fato de um bem jurídico ser autônomo, não gera como consequência uma indenização a título diferente das categorias já consagradas. Não tem de se criar outros gêneros de danos, ou categorias indenizatórias, diferentes dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais.84

Se a lesão à estética, à vida de relação e à psique não são danos, mas sim, segundo precisa doutrina, menoscabos de índole material, os quais podem ser fontes de danos ressarcíveis, "a perda do tempo também deve ser encarada tão somente como fato antecedente que pode vir a gerar danos ressarcíveis”. Em sentido jurídico, somente existe dano patrimonial

80BASTOS, 2017, p. 192. 81

BUERES apud BASTOS. p. 192., 2001, p. 310: Hayaquí una visióndeldaño dual, enlo que hace a su

concepto, ya que eldaño moral se pondera por sus eectos, minetras que el resto deldaño a la persona – o daño no patrimonial – se define por laactividaddañosa.

82

BUERES apud BASTOS. p. 192-193.

83BUERES apud BASTOS. p. 193-195. 84BASTOS. 2017, p. 194.

(29)

e dano moral (extrapatrimonial). Não existe um terceiro gênero – ou uma pluralidade de gêneros85

Não se pode confundir a autonomia conceitual dos danos com as categorias indenizatórias, tendo em vista que, reconhecido o dano pela perda do tempo útil, isso não significa que tal dano deve ser individualizado como uma categoria tertium genus, para ser elencada junto ao dano patrimonial e ao dano moral. “No caso concreto, a lesão ao bem afetado (tempo da pessoa) poderá acarretar prejuízos econômicos ou menoscabos espirituais, recaindo a perda nas categorias ressarcitórias clássicas do dano patrimonial ou dano extrapatrimonial.”86

Em síntese, sendo o tempo bem juridicamente tutelado ou não, ocorrendo um dano pela perda do tempo útil, a causa, obviamente seria a extirpação do tempo “per se”; entretanto, a natureza da indenização não seria de cunho temporal, mas sim moral. “O significado do dano em sentido jurídico tem relação com lesão que afete algum interesse e que necessariamente provoque consequências, não sendo simples a visualização da perda do tempo como interesse jurídico tutelado.”87

Antonio Jeová Santos88ensina que uma lesão à bem jurídico tutelado não gera uma nova categoria de dano, não podendo possuir natureza diferente de patrimonial ou extrapatrimonial:

Repudiando a guerra de etiquetas, de nomenclatura sugestiva de danos, que é útil para enquadrar e dar visão sistemática ao instituto, nem por isso deve-se fixar várias indenizações sob o pretexto de que houve três ou mais lesões oriundas do mesmo fato, perdendo de vista o critério tão sedimentado de que os danos são dois, apenas: o patrimonial e o moral

Ora, diante de um acidente automobilístico sem vítimas, no qual ocorram danos apenas no veículo, observa-se um dano material; ao mesmo tempo em que, ao observar um acidente de barco sem vítimas, no qual ocorreram danos apenas ao barco, estar-se-ia diante de outro dano material. Por mais que ambos os danos tenham recaído sobre bens/direito de propriedade, não se está diante de um dano diferente do de natureza material. Por que para os danos extrapatrimoniais há de ser diferente?

85

BUERES apud BASTOS. p. 194.

86BASTOS. 2017, p. 195. 87BASTOS. 2017, p. 195.

(30)

Bastos melhor elucida isso quanto aos danos morais (lato sensu):

Veja-se que a intimidade é um bem jurídico protegido. Nem por isso, quando da proposição de demandas judiciais em que o autor alega a violação da intimidade, deixa-se de se condenar sob a roupagem de danos morais (lato sensu). No caso, como é corriqueiro, alega-se a violação de um direito da personalidade, a violação de um interesse tutelado, e condena-se a título de danos morais – e não a título de danos à privacidade.89

Santos explica a problemática, quando objeta a teoria que reputa a perda do tempo como tertium genus:

Esta infindável criação dos mais variegados danos, atribuindo a cada um determinada indenização, poderá ensejar, como vem sendo cogitada, a indenização por perda de tempo como se fosse uma lesão autônoma. Têm chegado ao conhecimento dos juízes e tribunais ações de indenização que objetivam o ressarcimento daquele que se viu infelicitado por permanecer longo tempo em fila de banco, por exemplo. Tem-se falado em autonomia do dano pela perda do tempo. Claro que a lesão tem nítido corte moral e, quiçá, também tenha repercussão no âmbito patrimonial. Jamais, porém, a criação de uma quarta espécie de dano, já que o direito brasileiro tem reconhecido três, como já mencionado, quais sejam o patrimonial, o moral e o estético.90

Resta claramente que, não é viável a autonomia do dano pela perda do tempo, “pois evidente o nítido corte moral do prejuízo.”91 Se no âmbito dos danos materiais tal discussão não existe, porque tal entendimento ainda não foi aceito pelos danos extrapatrimoniais?

Bastos ao citar Zavala de González e Loizaga aduz:

[...] que as associações em função do bem lesado somente desembocam em dois tipos de consequências: patrimoniais e morais, não havendo melhor forma de nomear os distintos caminhos que se abrem no heterogêneo mundo dos danos. Isto é, todos os caminhos, uma vez transitados, alcançam o mesmo lugar, e este lugar são as consequências (patrimoniais ou extrapatrimoniais). Loizaga assevera que se se outorgar autonomia a cada um dos agrupamentos (categorias de danos), em lugar de facilitar o caminho da análise, o complica excessivamente.92

Para Bastos, na tentativa de emancipação do dano temporal, deve-se tomar cuidado com a terminologia jurídica e com a sintaxe jurídica da responsabilidade civil, no sistema legal brasileiro. “O que se percebe, afinal, é que essa tentativa de retratar a perda do tempo como nova categoria indenizatória não guarda compatibilidade com o ordenamento jurídico”.93

89BASTOS. 2017, p. 196. 90SANTOS, 2015, p. 363. 91

BASTOS. 2017, p. 196.

92GONZÁLEZ E LOIZAGA apud BASTOS. p. 197. 93BASTOS. 2017, p. 198.

(31)

Indica ainda que, “a proposta de tornar a perda do tempo uma nova espécie de dano moral (lato sensu) não merece acolhida, porque não guarda compatibilidade com a teoria geral do dano e com o sistema brasileiro de responsabilidade civil”.94

Bastos ainda ensina que outro óbice para a autonomia do dano temporal pode ser encontrado no direito europeu. (Horst Eidenmüler, FlorianFaust, Hans ChristophGrigoleit, NilsJansen, Gerhard Wagner e Reinhard Zimmermann, ao tratarem sobre o “Draft Common Frame ofReference (DCFR)”, para Bastos, apontaram uma divergência a respeito da identificação de danos, especialmente no que tange ao “compensation for injury”, previsto no art. Art. VI.-6:204, que prevê: “lesão ‘per se’ deve ser compensada independentemente da compensação por prejuízos econômicos ou não-econômicos”.95

Para Bastos, o texto se volta para o fato de que a normativa europeia criou uma nova categoria de dano (autônoma), ao lado dos danos patrimoniais e morais (economicand non-economicloss)96, lançando indagação no sentido de que, conforme o art. VI.-2:101, o qual inclui todos os prejuízos econômicos e não-econômicos, o que resta para a ‘lesão per se’?97

Para os autores, na visão de Bastos, a ‘lesão per se’ representa a recepção do conceito de ‘dano biológico’ ou ‘dano à saúde’ desenvolvido no direito italiano, destacando inclusive, a origem do problema:

O sistema legal italiano precisou destas categorias especiais para contornar de outra forma o âmbito restritivo de proteção à dor e sofrimento. Em consequência, além de compensar os gastos médicos, lucros cessantes e danos por dor e sofrimento em sentido estrito, o direito italiano compensa também as vítimas de lesões que gerem perdas de funções do corpo. No caso concreto, a quantidade da indenização será calculada de maneira a apresentar grande semelhança com a avaliação de incapacidade do regime de indenização dos trabalhadores ou outros sistemas de segurança social. Em linhas gerais, trata-se de pagamento de quantidade abstrata de dinheiro para compensar a perda de funções do corpo e a diminuição da qualidade de vida.98

94BASTOS, 2017, 198. 95

BASTOS, 2017, 203.

96EIDENMULLER, Horst Eidenmu. et al. The Common Frame of Reference for European Private Law: Policy

Choices and Codification Problems. Oxford Journal of Legal Studies, v. 28, n. 4, p. 659–708, 2008. The Common Frame of Reference for European Private Law: Policy Choices and Codification Problems. Oxford

Journal of Legal Studies, v. 28, n. 4, p. 659–708, 2008, p. 683-684. The point here is not that injury entails loss

and in this sense is an element of claims for damages. Rather, as Art VI.-2:201 (1) as well as Art VI.-6:204, and

the definition of ‘damage’ in Annex I of the DCFR make clear, ‘injury as such’ is introduced as a third category

of loss, in addition to and alongside economic and non-economic loss, p. 683.

97

EIDENMULLER apud Bastos, p. 203-204.

(32)

Para Bastos, os autores acautelam que, polarizada com o direito italiano, a normativa não limita a compensação por danos morais à categoria de dor e sofrimento, pois o art. VI.- 2:101 elenca também a perda do gosto de viver e a perda da qualidade de vida como categorias dignas de reparação em complemento à dor e ao sofrimento. Dessa forma, diferente da italianlaw, não se precisa criar ou utilizar o conceito “per se” da lesão por cima de danos não-econômicos, que ultrapassam a simples dor sentida pela vítima.99

Segundo Bastos, os doutrinadores explicam que, ao permitir a indenização pela perda da qualidade de vida e pela “lesão per se”, a normativa corre sério risco de indenizar idênticos prejuízos, por tipos distintos de dano, sendo iminente o risco de dupla compensação100.

Segundo Bastos, o problema da indenização do dano por si guarda grande relação com a pretendida autonomia do dano temporal brasileiro; merecendo, portanto, acolhimento à crítica européia, porque não há de se falar em tertium genus de categoria indenizatória de dano, somente patrimoniais, morais e estéticos.101

Por meio de sua tese, Bastos ainda nos ensina que existe a possibilidade do tempo ser protegido efetivamente pelo ordenamento jurídico, fato reforçado pelo caráter amplo e aberto do modelo de responsabilidade civil brasileiro. Não parecendo existir óbices ao reconhecimento do tempo como bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico.102

Só que, “as objeções de ordem dogmática ao reconhecimento da perda do tempo como categoria indenizatória autônoma repousam na impossibilidade do reconhecimento desse tertium genus”.103Ainda, a coerência sistemática da responsabilidade civil impede a inovação nos gêneros de dano. Como observado, a responsabilidade civil se constitui no dever de indenizar. Indenizações essas que podem ser de dano patrimonial ou extrapatrimonial, cada qual com características próprias.104

99

EIDENMULLER apud Bastos. P. 205

100EIDENMULLERapud Bastos. P. 205 101BASTOS. 2017, p. 205-206 102 BASTOS. 2017, p. 234 103BASTOS. 2017, p 234. 104BASTOS. 2017, p. 234-235.

(33)

2APLICAÇÃO DA PERDA DO TEMPO ÚTIL PELOS TRIBUNAIS

O capítulo anterior apresentou a ideia dos doutrinadores acerca da autonomia, ou não, do dano pela perda do tempo, dano temporal ou dano moral. Sendo que, alguns defenderam a autonomia do dano, a qual defende-se não estar correta.

Neste capítulo, expõe-se a aplicação do dano temporal pelos Tribunais de Justiça, ou do próprio Superior Tribunal de Justiça; bem como, quais os fundamentos utilizados para condenação, evidenciando também a aplicação da tese do desvio produtivo do consumidor,apontando também qual doutrinador poderia ser prestigiado à luz dos artigos escritos.

Não se sabe ao certo quando se trouxe a ideia aos tribunais de que o dano causado pela perda do tempo útil deve ser indenizado; Todavia, Guglinski105 afirma que a primeira decisão de que se tem notícia, fundamentada na tese em questão, veio do Tribunal de Justiça de São Paulo.106 Em seguida, foi a vez do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) aplicar a tese do desvio produtivo.107 Logo após, foi prolatada decisão da Terceira Turma Recursal do Tribunal do Rio Grande do Sul108 e, por último, acórdão da 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.109Quatro julgados numa janela de dois meses e 15 dias.

Frisa-se que a questão não permaneceu no âmbito estadual, isso porque, em quatro decisões recentes110, o Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento do Tribunal de

105

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O dano temporal e sua reparabilidade: aspectos doutrinários e visão dos tribunais brasileiros*. Revista missionjuridica. acesso em 30/07/2018

106Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº

0007852-15.2010.8.26.0038, Rel. Des. Fábio Podestá, DJ 13/11/2013.

107 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 1.094.389-0, Rel. Des.

Jurandyr Reis Júnior, DJ 12/12/2013.

108Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Turma Recursal Cível, Recurso Inominado nº

0016980-75.2013.8.21.9000, Rel. Juiz Fabio Vieira Heerdt, DJ 12/12/2013).

109 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 27ª Câmara Cível, Apelação Cível nº

0460569-74.2012.8.19.0001, Rel. Des. Fernando Antônio de Almeida, DJ 27/01/2014.

110Superior Tribunal de Justiça. Agravo em recurso especial nº 1.260.458 - SP (2018/0054868-0) Relator :

Ministro Marco Aurélio Bellizze

Superior Tribunal de Justiça. Agravo em recurso especial nº 1.132.385 - SP (2017/0165913-0) Relator : Ministro Paulo De Tarso Sanseverino

Superior Tribunal de Justiça. Agravo em recurso especial nº 1.241.259 - SP (2018/0022875-2) Relator : Ministro Antonio Carlos Ferreira

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.634.851 - RJ (2015/0226273-9) Relatora : Ministra Nancy Andrighi

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