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A Medicalização da Vida Social: importância do debate no Serviço Social

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Academic year: 2021

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CENTRO SÓCIO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MAITÊ DO ESPÍRITO SANTO

A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL: importância do debate no Serviço Social

FLORIANÓPOLIS 2015/1

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A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL: importância do debate no Serviço Social

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientação: Prof.ª Dr.ª Michelly Laurita Wiese.

FLORIANÓPOLIS 2015/1

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Primeiramente dedico este trabalho a Deus, que me deu forças para não desistir, paciência para desenvolver a cada dia, paz e tranquilidade me mostrando que no final tudo daria certo. Dedico ainda aos meus pais e familiares que sempre acreditaram em mim e me incentivaram a ir à busca daquilo que eles não tiveram a oportunidade de ter, em todos os momentos me ensinando a dar valor àquilo que eu estava conquistando, estudar numa universidade pública.

Por fim, dedico este trabalho a quem foi o meu primeiro incentivador desde os tempos de ensino médio, me incentivando a ler livros, jornais, assistir reportagens com conteúdos não tão populares e a persistir nos meus objetivos. O incentivo de meu avô foi muito importante, sempre se colocando a disposição para ajudar de diversas formas, seja financeiramente, com materiais para leitura e principalmente com palavras. Obrigada vovô por todos os momentos alegres que desfrutamos juntos e por me ensinar a dar valor aos estudos.

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A Profª Michelly Laurita Wiese, que com paciência soube me conduzir em busca de melhores dados para análise desta pesquisa, me incentivando a estudar, ler mais para produzir uma pesquisa de qualidade, acompanhando todas as etapas deste trabalho.

Aos amigos de turma, que nos momentos de maior dificuldade na produção desta pesquisa mandaram forças, em especial, as amigas de curso Michele Vieira e Edna Zanetta.

A todos meus familiares que com boa intenção, me mandaram força, contribuíram muitas vezes até financeiramente para que meu sonho fosse concretizado. Obrigado a todos que acreditaram em mim, principalmente meus pais Carlos Alberto e Vera Lúcia.

Por fim, agradeço a Deus que em todos os momentos esteve comigo, muitas vezes enviando pessoas em seu nome para me incentivar a continuar, me dar força, me passar tranquilidade, e uma dessas pessoas que fez a grande diferença foi o meu namorado Rubian. Passei por momentos difíceis, de insegurança, de impaciência, de sentimentos de não ter capacidade, que por muitas vezes refletiram na produção desta pesquisa, mas o Rubian sempre esteve ali disposto a me ajudar, seja me auxiliando nas questões envolvendo o acesso ao computador e até mesmo só estando comigo para que eu ficasse tranquila para iniciar cada etapa da pesquisa.

Por isso, só tenho a agradecer a todos que contribuíram direta ou indiretamente com a realização deste meu sonho e me fizeram amadurecer como pessoa. Muito obrigada.

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ESPÍRITO SANTO, Maitê. A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL: importância do debate no Serviço Social. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Bacharelado em Serviço Social. Centro Socioeconômico. Universidade Federal de Santa Catarina, 2015.

O presente Trabalho de Conclusão de curso (TCC) que ora se apresenta é uma pesquisa que tem como tema a medicalização da vida social. É uma pesquisa que se desenvolve através de análises bibliográficas, com base em livros do Serviço Social e outras áreas profissionais, também periódicos eletrônicos e notícias acerca do tema insurgente na modernidade. O objetivo geral da pesquisa é analisar a produção bibliográfica encontrada, referente aquelas que trazem o histórico dos pensamentos em torno do campo da saúde mental, formas de tratamento aos ditos “loucos” e os movimentos que lutaram contra a institucionalização dos sujeitos, enfocando no período que compreende a década de 1970 até 1990, mediante a ofensiva da medicalização da vida em sociedade. Em busca de desvendar e/ou compreender os diversos discursos e práticas assistenciais dirigidas às pessoas em “sofrimento psíquico”, o que motiva o desenvolvimento desta pesquisa faz parte de uma experiência familiar e secundariamente a um anseio enquanto má compreensão da subjetividade humana e do assistente social dentro da própria formação acadêmica. Os resultados obtidos nos ofereceram um panorama dos desafios e avanços da profissão pós reconceituação, da Reforma Psiquiátrica brasileira no cotidiano do trabalho profissional e da vida social das pessoas que mentalmente sofrem.

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ESPÍRITO SANTO, Maitê. THE MEDICALIZATION OF SOCIAL LIFE: importance of the debate on Social Services. Term paper. Degree course in Social Work. Socioeconomic center. Federal University of Santa Catarina, 2015.

The course Completion of this work (TCC) herein presented is a research whose theme is the medicalization of social life. It is a research that develops through bibliographic analysis, based on the Social Service books and other professional areas, also electronic journals and news about the insurgent theme in modernity. The overall objective of the research is to analyze the bibliographic production found concerning those that bring the history of thoughts around the field of mental health, forms of treatment for so-called "crazy" and movements that fought against the institutionalization of the subject, focusing on the period comprising the 1970s until 1990 by the offensive of the medicalization of society. Seeking to uncover and / or understand the various speeches and care practices relating to people in “psychological distress”, which motivates the development of this research is part of a family experience and secondarily to a yearning while poor understanding of human subjectivity and the social worker within the very academic. The results offered us an overview of the challenges and advances in post reconceptualization profession, the Brazilian Psychiatric Reform in the daily professional work and social lives of people who suffer mentally.

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1 INTRODUÇÃO...9

2 SAÚDE MENTAL: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE A LOUCURA E A NORMALIDADE...14

2.1. A Loucura...19

2.2. A história da Saúde Mental dos Trabalhadores...23

3 HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA: REFORMA PSIQUIÁTRICA E O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL...30

3.1 Origens e Trajetórias Sócio-históricas das Práticas Assistenciais no Campo da Saúde Mental...33

3.2. Reforma Psiquiátrica e o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental...39

CONSIDERAÇÕES FINAIS...47

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1 INTRODUÇÃO

Realizar uma pesquisa vai ao encontro com a busca por aglomerar informações que são novas para quem realizou a pesquisa, e depois pode ser analisado para que se pudesse construir um novo conhecimento ou olhar sobre algo que já existia.

É um conjunto de ações, propostas para encontrar a solução para um problema, que têm por base procedimentos racionais e sistemáticos. A pesquisa é realizada quando se tem um problema e não se tem informações para solucioná-lo (MORESI, 2003, p. 8).

Visando o tema principal, a medicalização da vida social: importância do debate no Serviço Social, o problema de pesquisa aqui se apresenta através da seguinte questão: Para quê medicalizar?. Esta pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é de grande relevância para que se construa um processo de reflexão sobre o tema na formação acadêmica e também na prática profissional, apontando caminhos para futuros estudos mais aprofundados da temática. Outro ponto importante também da pesquisa é trazer à tona as dificuldades encontradas pelo Serviço Social nesse campo, mostrando a importância do debate entre as diversas áreas profissionais envolvidas com as questões que envolvem a saúde mental, dando visibilidade a temática, para que mais estudos possam contribuir para esta discussão e possível superação das dificuldades encontradas.

Com relação a esta pesquisa, a mesma se caracteriza como pesquisa bibliográfica se apoiando no conceito de pesquisa bibliográfica dado por Moresi (2003), que define como sendo um estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, artigos, jornais, periódico eletrônico e revistas, sendo que esta pesquisa analisará as bibliografias encontradas.

Sendo assim, a pesquisa terá seu caráter exploratório mirando bibliografias da área do Serviço Social e outras áreas profissionais como, a própria área médica, psicologia e outras que discutem a temática da saúde mental a partir da década de 1970 até 1990 no Brasil, as bases que influenciaram os discursos e práticas sobre a temática, a medicalização da vida social e os agentes operadores deste processo, a posse do poder do médico, a ação da sociedade na imposição de determinados comportamentos e o que o capitalismo pretende com a ação desses profissionais incluindo o Assistente Social.

No desejo de contribuir com o debate e novas reflexões sobre as questões ligadas a saúde e doença e também nas questões da subjetividade, esta pesquisa traz a memória através da história como se deu a mudança de foco do saber médico, principalmente, do sujeito em sofrimento mental

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para ações no cotidiano das pessoas, por meio da introdução de fármacos na busca de encontrar a harmonia e felicidade, ideologia esta pregada por instituições do Estado e difundida pela mídia dominante.

Na intenção de justificar a vontade de pesquisar sobre essa temática, pode-se dizer que o primeiro passo para a realização desta pesquisa foi uma experiência familiar com um membro idoso, que possui sofrimento psíquico e que a todo o momento a sociedade ditava o modo ao qual ela deveria se comportar, ou seja, essa tentativa de enquadrá-la as regras dos sujeitos da sociedade dita “normal” fez suscitar alguns questionamentos em relação ao campo da saúde mental.

O segundo motivador foi o contato direto com a disciplina de Psicologia, em que o ministrante possuía uma bagagem profissional dentro de um aparelho do Estado, denominado Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), e, por fim, outro contato que se deu de forma a complementar a graduação foi à disciplina optativa de Serviço Social e Saúde Mental, onde fizemos um resgate histórico sobre as instituições de internação como, por exemplo, as colônias, os manicômios e como foi se dando o processo de medicalização da vida social dos sujeitos após a contestação desses modelos de tratamento.

Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa, é analisar a produção bibliográfica encontrada, referente àquelas que trazem o histórico dos pensamentos em torno do campo da saúde mental, formas de tratamento aos ditos “loucos” e os movimentos que lutaram contra a institucionalização dos sujeitos, enfocando no período que compreende a década de 1970 até 1990, mediante a ofensiva da medicalização da vida em sociedade.

Desmembrando este objetivo maior, chega-se aos objetivos específicos, que estão ligados na identificação e análise das bibliografias do campo da saúde mental, análise também dos discursos e/ou práticas e também os movimentos que contestam os processos de medicalização social. Por fim, objetivando analisar como foi se caracterizando as respostas dadas a essas problemáticas colocadas no campo da saúde mental, onde o assistente social também está inserido.

Por se evidenciar como uma pesquisa bibliográfica, buscamos apresentar nesta pesquisa uma gama de autores, mas, principalmente aqueles que são considerados de referência no campo da saúde mental. Por isso enfocaremos em três autores, são eles: Amarante (1998 e 2011) que traz as questões de identificação de “normal” e “anormal”; Dejours (1992) que mostra que as condições no ambiente de trabalho influenciam na saúde mental do trabalhador, por isso, muitos sofrimentos psíquicos já estão sendo associadas ao trabalho e sendo reconhecidos pelo Ministério da Saúde. Por

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fim, destacaremos Vasconcelos (2000) que aponta a fragilidade que vai desde a formação acadêmica até a prática profissional do assistente social, o entendimento e o saber lidar com a subjetividade e o sofrimento do outro.

Com base nisto, inicialmente na segunda seção traremos a dificuldade em se conceituar saúde mental, tanto para a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto para muitos estudiosos do campo da saúde, inclusive mostraremos que há sim relação entre sofrimento psíquico e o meio laborativo do sujeito. Essa indeterminação no conceito de saúde mental acaba acarretando na concentração de determinar o que é e o que não é questão de saúde na mão dos médicos, aqueles que são considerados únicos seres capazes de curar e salvar o ser humano de todos os males.

Na segunda seção ainda discutiremos os diversos olhares, discursos e também as práticas assistenciais e “políticas” como respostas a problemática colocada: os processos de medicalização da vida social. Para uma melhor análise, recortaremos historicamente os períodos que trabalharemos, compreendendo entre as décadas 1970 e 1990, porém para a compreensão da temática teremos que retornar a algumas décadas anteriores, o que torna a tarefa desafiadora.

Para além do conceito não definido do que seja saúde mental, traremos também a loucura como primeiro comportamento que foi incidido um olhar de controle, ao qual loucura eram todos aqueles comportamentos ditos “bizarros”, “aberrantes”, “anormais”, isto é, fora do padrão estabelecido pela sociedade. O determinante para ser chamado de “louco” era fugir da norma social, por exemplo, em relação a atividade laborativa das pessoas, a repetição nas atividades desenvolvidas numa empresa, o cansaço, ambiente muitas vezes insalubre, relação hierárquica ao extremo, mal remuneração e longas jornadas de trabalho, podem ao longo do tempo gerar insatisfação no trabalhador, que consequentemente terá sua saúde mental afetada.

Ao demonstrar insatisfação, angústia, o trabalhador desejava não mais ser submetido a mesma lógica, então, acabava buscando alternativas para fora daquele ambiente ou até mesmo abandonava por tempo indeterminado sua condição de trabalhador, ou seja, ao sair dessa condição, foge-se da lógica da sociedade dos “normais”.

Hoje o Ministério da Saúde já reconhece diversas doenças e sofrimentos psíquicos relacionados ao trabalho dos sujeitos, esse reconhecimento aponta para aquilo que o Serviço Social tenta mostrar, saúde e doença são determinadas socialmente, não é simplesmente aquilo que alguns médicos e outros profissionais superficialmente acreditam, no entanto, a grande maioria dos médicos já optam por trabalhar a partir das determinações sociais, mas os que optam pelo contrário,

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ou seja, dizem que as questões ligadas a saúde e doença são em si doenças, não consideram o meio, as relações sociais, o modo de vida das pessoas como influências em sua saúde mental.

Na sociedade contemporânea o que está em cartaz é a busca pela felicidade, ou seja, as pessoas buscam ser felizes a qualquer custo mesmo sem terem as condições materiais básicas necessárias, como saúde, educação, lazer, trabalho, transporte e etc. As questões ligadas ao emocional ou ao subjetivo do sujeito foram deixadas de lado, pois a sociedade está em constante movimento, produzindo e acumulando, ou seja, não dá tempo de parar e ficar pensando em questões subjetivas, pois como diz a expressão popular “tempo é dinheiro”.

Com isso, procuraremos mostrar que a busca incansável por produzir e acumular capital, não é uma busca de todos, isto é, os que não querem se submeter a esse sistema capitalista avassalador e perverso são estigmatizados ou rotulados de “loucos” e tem sua subjetividade esvaziada. Os critérios aos quais se usa para caracterizar um “normal” de um “anormal” varia de cultura para cultura, sendo assim, as respostas dadas as questões de saúde e doença são determinadas de acordo com cada contexto histórico, social e político de certo lugar.

Atualmente lança-se um critério de normalidade sobre certo comportamento, e a partir daí ocorre à medicalização do mesmo, ou seja, não se busca mais agir sobre o que se considera “louco”, mas sim controlar os corpos dos sujeitos “desgovernados”, no entanto, diversos campos sofrem o controle, por exemplo, campos como a lei, religião e etc. Estão sendo transferidos para o campo médico culminando no que chamamos de medicalização da vida social, que se intensifica após os movimentos no campo da saúde mental, como por exemplo, a Reforma Psiquiátrica.

Já na terceira seção passaremos a falar das tentativas de reforma no campo da saúde mental, que inicialmente queriam a transformação do espaço físico manicomial, entretanto, não tocavam na questão mais importante, a exclusão do dito “louco” e também no partilhar do poder concentrado nas mãos dos médicos. Visto essas questões, surgem os movimentos no campo da saúde mental para que esse panorama pudesse ser transformado, almejando um tratamento mais humanizado, menos excludente e autoritário as pessoas em sofrimento psíquico.

No decorrer desse processo de medicalização dos indivíduos e agora da vida social, precisa-se de agentes especializados que possam materializar esprecisa-se processo, onde encontramos também o Assistente Social que aparece primeiramente para enquadramento dos sujeitos as normas sociais e depois como profissionais inseridos em uma equipe multiprofissional.

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Adentrando nas considerações finais, apontaremos as dificuldades encontradas em relação à temática da subjetividade, esta sofreu certo empobrecimento em produção teórica no campo do Serviço Social, isto porque a profissão passou pelo processo de reconceituação, que significou uma revisão de suas bases teóricas e algumas metodologias, por se tratar de um tema de extrema complexidade essa questão do subjetivo e/ou emocional acabou sofrendo um recalcamento. Com todo esse processo, os assistentes sociais se viam de mãos amarradas e acabavam muitas vezes sendo submetidos ao saber do médico (psiquiatra).

Neste sentido esta pesquisa apresenta-se no sentido de trazer elementos para reflexão e que contribua para a revisão de discursos e ações, que ocorrem corriqueiramente na prática profissional do Assistente Social e de todo a interdisciplinaridade de profissões que o trabalho em saúde mental requer.

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2 SAÚDE MENTAL: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE A LOUCURA E A NORMALIDADE

O que se pretende com esta primeira sessão é problematizar sobre o objeto “saúde mental”, a fim de possibilitar à discussão do tema em uma perspectiva mais crítica, pois o que se percebe é uma defasagem ou um conceito não tão bem definido sobre o que é saúde mental, principalmente pelo fato de que privilegia-se a doença e não uma forma mais dialética sobre a saúde do ser. Mostrando também a loucura como o primeiro comportamento dito “aberrante” que foi tratada, e, por fim, observar como essa loucura se manifesta no ambiente de trabalho dos sujeitos.

A saúde mental é uma área de conhecimento muito vasta e extremamente complexa, pois ela não pode ser baseada em um único tipo de conhecimento e muito menos ser exercida por um único tipo de profissional, devido a sua alta complexidade para entender o sujeito como um todo.

É de se perder a conta de quantas vezes questionamos um profissional que trabalha na saúde mental e ficarmos sem resposta ou sem entender o porquê, do que realmente se trata a saúde mental e o que se faz nesse campo para não se reduzir a simples ação de estudar e tratar as doenças mentais, porque na verdade no imaginário coletivo trabalhar na saúde mental sempre significou trabalhar em hospícios, manicômios e colônias.

Algo que os especialistas que estudam o termo saúde mental têm admitido e que mostra o ponto de convergência entre eles é que, o conceito de Saúde Mental ainda não possui definição. O que encontramos em dicionários da língua portuguesa é a definição de saúde num campo mais amplo, sendo “Saúde 1. Estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais estão em condições normais. 2. Força, robustez […] (XIMENES, 2000, p. 844) esse conceito abrangente de saúde, pode nortear a formulação da definição do que seja saúde mental, pois dizer que saúde mental é ser acometido por doenças é simples, no entanto, como a própria definição de saúde coletiva diz, saúde é muito mais do que a ausência de doenças ou até mesmo transtornos mentais.

Ao falarmos em saúde com foco na saúde mental, sempre se corre o risco de fazer uma ligação a algo visto como negativo, ou seja, um transtorno mental, distúrbio, desordem, doença e outras definições podem ser ditas. Essa noção de doença mental surge a partir do momento que a psiquiatria, ou seja, o poder médico se apodera das experiências de loucura e a define como algo nosológico/patológico, isto é, uma doença que precisa ser combatida e tratada e o sujeito acometido pela doença precisa ser protegido por receber a taxação de “incapaz”. Na verdade o que se quer é a proteção da sociedade dita “normal”, por isso, encarcera-se o dito “louco”.

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O que levou o homem a buscar respostas na medicina em relação à saúde e doença, foi a simples necessidade, afirma Rosen (1980), de que os ditos “doentes” pudessem gozar dos mesmos privilégios que os “saudáveis”, apesar de que cada sociedade seja ela primitiva ou superdesenvolvida é responsável por dar suas próprias respostas as questões de saúde e doença.

Segundo Baroni, Vargas e Caponi (2010) a palavra doença é originária do latim dolentia, referindo-se a ações de sentir, afligir-se, causar dor, significando que a doença apresenta-se como uma experiência mais particular do que coletiva, tendo a percepção de que a “doença” pode melhor ser analisada por quem a experimenta do que por quem a descreve através de um saber instituído. Sabendo que as sensações são adquiridas e guardadas com o tempo dentro do sujeito, pode-se obter através do estudo da saúde e doença uma ampliação para enxergar a sociedade e compreender o próprio indivíduo, pois as sensações que o mesmo sente refletem muitas vezes um estado do todo, do grupo em que convive.

Segundo Rosen (1980), a OMS em 1948 traz uma nova definição de saúde que ganha amplitude, considerando a saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social”, e não apenas a ausência de doenças. Porém ainda há uma enorme dificuldade em determinar o que é realmente esse estado de completo bem-estar, ou de refletir será que existe em algum lugar do mundo um sujeito em “estado de completo bem-estar”?

Por isso, recorrentemente surge a seguinte questão: será que a saúde e doença são fenômenos sociais? A saúde e doença são influenciadas socialmente, isto é, algumas doenças, acidentes, podem refletir a forma que vivemos e o que fazemos no mundo e com o mundo, por exemplo, o uso de cosméticos, modas, alimentação, trabalho e outros fatores podem influenciar o aparecimento de doenças.

A partir do momento que as relações sociais dos sujeitos são afetadas pelo acometimento de doenças, as questões ligadas à saúde apresentam-se como sendo um fenômeno social. Torna-se de suma importância lembrar que todas as pessoas podem apresentar sinais de sofrimento psíquico e/ou mental em alguma fase da vida, sem possuir apenas um fator específico. Normalmente quando se pensa na saúde dos sujeitos, o saber que impera é o médico, entretanto, existem outras especialidades envolvidas nesse processo, como os psicólogos, os psiquiatras e também os assistentes sociais, porém o que se percebe através da história do povo do ocidente esse saber médico acaba guiando as ações que podem ser identificadas como ações de controle sobre os corpos, como sendo uma das respostas aos problemas de saúde e doença.

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A medicina acabou tendo seu discurso sobre as questões que envolvem as doenças legitimado com o passar do tempo, sendo assim, outros e/ou novos discursos de leigos e até mesmo de médicos que buscavam dar respostas a essas questões tornaram-se ilegais ou marginalizados. Até mesmo o acesso à atenção médica encontra-se determinado socialmente, pois em muitos bairros, municípios, estados ou nações inteiras os fatores socioeconômicos, climáticos, ambiental, meio de trabalho e etc., podem ser determinantes para o entendimento da “saúde mental”.

Quando se fala em acesso ou cuidados médicos, também se pode perceber que esses cuidados são oferecidos de acordo com as divisões de classe ou a estrutura em que a sociedade está mantida, onde os membros das classes mais altas não eram vistos como as pessoas de classe baixa em suas doenças, uma maneira de perceber essa forma de cuidados diferenciados era visto na forma de denominar as doenças, ou seja, a doença dos indivíduos pobres era uma e a outra a dos indivíduos ricos, porém a mesma doença atingia a todos, por exemplo, a gota.1 ROSEN (1980)

exemplifica essa questão, dizendo que

A relação entre a posição social e o estado de saúde e suas consequências também foi ilustrada em 1677 por Sir William Temple em seu ensaio sobre a gota¹. Observando que a doença normalmente atingia o rico, o ocioso e aqueles que viviam bem, assinalou também que o pobre e aqueles que precisavam trabalhar para viver não estavam imunes à doença. Quando os trabalhadores são atacados pela gota, eles ou não se importam por não terem tempo para ficarem doentes; ou pouco ligam, não se afetam ou labutam e trabalham como faziam antes […] (ROSEN, 1980, p.56).

Toda sociedade vai definir as formas de comportamento como sendo normal ou anormal, a linha que divide essas duas classificações nem sempre é fácil de ser estabelecida. Uma comunidade ou um grupo social avaliará ou definirá esses comportamentos, através do contato cotidiano com alguma concepção estabelecida culturalmente do que é ou não normal. Essa avaliação acaba dependendo de alguns fatores como: estilo e coerência do comportamento, motivação, adaptação à realidade (ROSEN, 1980).

1. Gota é uma doença caracterizada pela elevação de ácido úrico no sangue, o que leva a um depósito de cristais de monourato de sódio nas articulações. É este depósito que gera os surtos de artrite aguda secundária que tanto

incomodam seus portadores. Tratamento: Não há cura definitiva para a gota, já que a maioria dos casos acontece devido a falhas na eliminação ou na produção do ácido úrico. Como ambas as causas são genéticas, o tratamento não é definitivo. Geralmente são indicados dieta e medicamentos para diminuir a taxa de ácido úrico no sangue e, consequentemente, evitar as crises de gota. Disponível em: http://drauziovarella.com.br/letras/g/gota/ Acesso em: 20/03/15.

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Neste sentido, pode-se destacar que “[…] a maioria dos homens não chama de “louco” aquele que se engana em assuntos que não são do conhecimento das pessoas comuns; loucura é o nome que dão aos erros em assuntos que são de conhecimento comum […]” (SÓCRATES apud ROSEN, 1980, p. 52).

Definir normal de anormal pode variar de cultura para cultura, época para época, isto é, dependerá dos critérios adotados por certo grupo ou comunidade, por exemplo, os hippies, os vegetarianos, os homossexuais, são atitudes adotadas por um número de pessoas que em determinada época foi permissivo e nos dias atuais podem não ser mais tão bem-aceitos e vice e versa.

O que se percebe é que com o passar do tempo as pessoas criam sensibilidades diferentes, ou seja, suas formas de pensar, de agir, de sentir e se relacionar com os outros têm variado, no entanto, não se pode esquecer ou descolar as pessoas das instituições das quais elas participam, sendo elas (instituições de ensino, hospitais, instituições privadas ou públicas, etc) levando em conta que é uma relação complexa, onde somos obrigados a saber separar o que é público do que é privado (âmbito familiar, pessoal).

Vale destacar também que é nesse âmbito público das instituições que surgem as ideias, os pensamentos, as realizações, os anseios, as vontades e que tendem a acontecer as frustrações, o não saber lidar com esses âmbitos fomenta a criação de determinados comportamentos ditos “certos normais” ou “errados anormais”.

Segundo Rosen (1980) apesar de o autor datar de mais de 20 anos atrás, seu conteúdo continua atualizado, nossa época atual pode ser chamada de “idade da ansiedade” com o objetivo de mostrar a insegurança psicológica, moral e social do mundo de hoje, onde muitas pessoas não se sentem capazes de acompanhar essas formas aceleradas de mudanças, principalmente tecnológica, nem tampouco compreender o que todas essas mudanças significam e de que forma elas influenciam suas vidas.

Os períodos assim caracterizados são aqueles em que a consciência de muitos e ainda mais seu inconsciente são assediados em graus variados pelo medo e pela preocupação, pela solidão e pela apatia e também pela frustração, ressentimento e agressão. Estes são períodos em que muitos se consideram capturados em um mundo de que, acima de qualquer coisa, desejam escapar, seja pela destruição da velha ordem e criação de um mundo novo e melhor, seja pela retirada para um mundo interior ou transcendental compensatório (ROSEN, 1980, p.65).

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Muitas vezes o que se vê é que os anseios e os próprios impulsos dos sujeitos quando não bem-sucedidos começam a ser vistos como sendo questões patológicas, ou seja, transtorno, algo a ser tratado. A própria sociedade cria sujeitos ansiosos, nervosos, descontentes, muitos chegam até o limite de sua sanidade mental e conseguem se manter bem, no entanto, existem outros que acabam perdendo o controle e caem na “falta” de razão.

Para compreender essa divisão entre “normal” e “anormal” é preciso entender o meio em que os sujeitos estão vivendo, as relações que perpassam suas vidas, buscando compreender que a realidade é mutável. Esses “transtornos de personalidade” exibem reações ditas inapropriadas, mal adaptadas e deficientes, frente ao sistema social vigente ao qual o indivíduo vive.

De maneira geral, os indivíduos chamados ou reconhecidos com “transtorno de personalidade”, são vistos como pessoas problemáticas e com dificuldade no relacionamento interpessoal e adaptação ao meio social em que está inserido no momento, sendo assim, acabam “desafiando” os comportamentos aceitos pela sociedade dos “normais” ou cultura local, comunitária.

Segundo Mitjavila e Mathes (2012) esses “transtornos mentais” são definidos como um conjunto de sintomas ou comportamentos associado, na maioria dos casos, a ocorrência do sofrimento e interferência nas funções pessoais. Atualmente essa expressão “transtorno de personalidade antissocial” ou outras expressões equivalentes (psicopatia, sociopatia e outros), costumeiramente é definido ou associado a uma forma de desrespeitar ou violar os direitos alheios, que vem a se manifestar na infância, adolescência e pode continuar na idade adulta.

Estes transtornos incluem grande variedade de condições e de padrões de comportamento importantes para a clínica e são considerados perturbações caracterológicas e comportamentais, que se manifestam desde a infância e a adolescência. Com frequência estão associados ao desempenho pessoal e ao relacionamento interpessoal mais amplo, que se traduzem por comportamentos inadequados, tais quais: litígio, desemprego, comportamento violento, acidentes, uso de drogas, suicídio, homicídio, dentre outras condutas que podem ser delituosas (MITJAVILA e MATHES apud MORANA, 2008, p. 27).

Em resumo, os indivíduos que são “diagnosticados” como portadores de algum transtorno mental, costumam entrar nas estatísticas de pessoas desafiantes, ou seja, que a todo o momento desafiam a ordem do tecido social e das normas vigentes na sociedade. Sendo assim, são transformados em “anormais”, abrindo brecha para que a psiquiatria sozinha possa definir de acordo com seus próprios critérios o que é um desvio e também os comportamentos que merecem uma intervenção médico e/ou psiquiátrica.

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Portanto aquilo que fugia da norma instituída era considerado “louco”, por isso, como afirma Mitjavila e Mathes (2008) o primeiro comportamento que recebeu intervenção por parte dos profissionais da área médica foi o que ficou conhecido como “loucura”.

2.1. A Loucura

O primeiro comportamento chamado “aberrante” foi à loucura (delírios, alucinações) e que sofreu também intervenção pela área médica e/ou profissional da psiquiatria, que acabou ampliando seu espaço de trabalho para além da loucura, ou seja, age-se em comportamentos ditos “desviantes” e não somente sobre a loucura.

Baroni, Vargas e Caponi (2010) acreditam que só ocorrerá a medicalização dos comportamentos quando sobre o mesmo for lançado algum critério de normalidade, por exemplo, áreas como a religião, a lei, são áreas que a medicina tem buscado ocupar, caracterizando-se numa medicalização da vida social.

Esses processos de medicalização da vida social apoiada na autoridade, força e saber médico, vêm a desqualificar o sofrimento do homem, aumentando o campo de atuação do médico e sua autonomia perante as decisões sobre o comportamento humano. De acordo (AGUIAR, 2004 Apud MITJAVILA e MATHES, 2012) o conceito de medicalização designa uma ampliação do campo médico para outros domínios, ocupando-se de problemas de ordem espiritual, legal e moral, assumindo o papel de regulador social.

Nesse processo, as questões de saúde e doença são discutidas e tratadas com fármacos, tudo isso com a função de normalização ou controle social dos sujeitos, pois quando se tem a falta ou enfraquecimento de instituições que garantam os direitos através de políticas sociais do Estado, teoricamente garantindo a proteção dos sujeitos, o saber médico apropria-se dessa autoridade do Estado para tentar governar os “desgovernados”.

O declínio do papel regulador de mecanismos institucionais localizados nas esferas do estado e da comunidade, que teoricamente garantiam a proteção dos indivíduos e seus direitos, mas também da sociedade com relação aos indivíduos ameaçadores, conduz a imposição aos indivíduos do autocontrole comportamental (BECK, 1997 apud MITJAVILA e MATHES, 2012, p. 91).

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Muitas vezes a psiquiatria intervém em algo ou alguém em nome do que possa acontecer no futuro, isto é, imagina-se que a não intervenção feita no momento poderá acarretar em algum problema ou disfunção no sujeito do futuro, perturbando a ordem social.

Sabe-se que essa intervenção acaba sendo uma pura e simples estratégia de controle social sobre a população, principalmente aquela considerada mais pobre.

Sob essas condições, o saber médico aparece, mais uma vez como o recurso socialmente mais eficiente para o governo dos indivíduos desgovernados, transgressores, imorais, cruéis, assassinos, enfim, “antissociais”. Da mesma forma que a psiquiatria foi convocada para dar respostas à criminalidade no século XIX, é hoje novamente mandatada para arbitrar o destino social daqueles indivíduos incapazes de se autogovernar (MITJAVILA e MATHES, 2012, p. 91-92).

A necessidade de encontrar explicações para o mau funcionamento da sociedade, escapando das responsabilidades e estigmatizando grupos socialmente mais vulneráveis, diz Costa (1976) faz parte da estratégia das elites políticas e econômicas de todo o mundo, pois tudo que é considerado divergente pelas elites dominantes acaba sendo considerado um desvio, fora da razão, antissocial, isto é, algo a ser exterminado e/ou excluído.

A loucura já foi “razão”, assim como “não razão”. Existiu tempo em que à loucura fez parte do cenário público e também do linguajar das pessoas. Aparecia como formuladora do seu próprio discurso e era aceita por aqueles que conviviam com os ditos “loucos”, pois a construção de que a loucura é uma “doença mental” foi criada recentemente.

O fenômeno singular conhecido como loucura tem longo registro na história da humanidade e extensa aparição nas diversas sociedades, inclusive em sociedades identificadas como primitivas. Foram-lhe atribuídas várias caracterizações: como castigo dos deuses, como experiência trágica da vida, como possessão por demônios, como poderes sobrenaturais. Era considerada como experiência diferente de vida, ora apreciada, ora combatida, dependendo da sociedade em que se expressava, ou de como se manifestava nos diferentes contextos (BISNETO, 2009, p. 173).

Bisneto ainda acredita que com a conversão através do saber médico da loucura como um comportamento “aberrante”, tem-se respostas sociopolíticas ao “problema” da loucura ou que as elites dominadoras propuseram para que a ordem social e política fossem mantidas, sendo assim, instituiu-se a ordem manicomial (manicômios) aproximadamente no século XVIII.

De acordo com Thomas Szasz (1994) os manicômios têm sua origem ligada aos interesses privados, sejam eles por parte da família que buscavam alívio para o próprio sofrimento causado pelo “mau” comportamento do seu parente, impulsionando o desejo familiar de escondê-lo, até mesmo usando da infantilização do parente para que a comprovação de insanidade e o recolhimento do mesmo pudessem ser feitos. Outro interessado eram os próprios proprietários dos asilos,

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instalações, manicômios, que perceberam nesses locais uma crescente indústria ou “negócio da loucura”, em parceria com os intelectuais políticos.

Quando a loucura começou a gerar lucro para os donos dos estabelecimentos institucionais, os indivíduos encarcerados pelos manicômios que mais contribuíam para isso eram pertencentes das classes mais altas da sociedade, e que representavam problemas para suas famílias. O encarceramento se dava de uma forma com que pudesse parecer que o sujeito estaria mais bem cuidado em um lar substituto do que propriamente no seio familiar, o que representava um gasto a mais no orçamento, porém, um livramento de um “problema”.

Os manicômios eram respostas aos comportamentos “aberrantes”, baseando-se na coerção e no aprisionamento dos internos, envolvendo a privação de direitos alegando legitimidade para proteger e/ou cuidar do mesmo, inclusive com o recorrente uso da violência e a privação de liberdade.

O nosso comportamento é influenciado por todas as partes do nosso corpo, se estivermos com artrose no joelho influenciará na nossa locomoção, se estivermos com dor de cabeça influenciará no nosso humor, se estivermos com miopia influenciará em nossa visão, todas as partes estão interligadas. O órgão de maior controle sobre nós é o cérebro, se ele estiver afetado nosso comportamento também sofrerá as consequências, sabendo que cada comportamento está ligado a um por quê, faz parte dos eventos da vida cotidiana e de sua adaptação a eles. Rotineiramente o mau comportamento é categorizado como doença, para que o verdadeiro estopim do mesmo permaneça isento de sua responsabilidade.

Apesar dos pacientes encaminhados para os manicômios serem considerados loucos, a grande maioria deles não tinha diagnóstico de doença mental. Sendo assim, o interior dos manicômios abrigava: homossexuais, meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento, mendigos, andarilhos, mulheres “rebeldes” mandadas por seus próprios maridos, militantes políticos, filhos desobedientes e outros. “Uma vez que... existem asilos de insanos, deve haver alguém pra ocupá-los. Se não é você – então, eu; se não eu – então, uma terceira pessoa” (CHEKHOV, 1892 apud SZASZ, 1994, p. 161). A psiquiatria dominava o sujeito dito “louco” encarcerando-o, mas alegando que se tratava de uma hospitalização, entretanto nos dias atuais esse encarceramento ou aprisionamento ainda ocorre, entretanto, sua forma de apresentação se dá através do uso de drogas psiquiátricas (fármacos) e/ou dos novos dispositivos de internação, por exemplo, as comunidades terapêuticas, que na verdade se reinventaram.

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O espaço do manicômio é estruturalmente isolado, ao invés do guarda ou carcereiro como existem nas prisões é a figura do enfermeiro, possui também um baixo número de médicos que muitas vezes dormem na instituição, mas não tem contato com os internos (loucos) só em casos de desordens no ambiente. As informações referentes ao interno e seu tratamento, quase sempre era desconhecido por parte do interno, família e até mesmo pelos enfermeiros, pois a estrutura hierárquica nos manicômios era fixada e as informações dominadas pelo saber dos médicos.

Os hospitais psiquiátricos e/ou manicômios além de funcionarem como abrigo para o poder/ saber médico, servia também como um meio de captar recursos para eleições.

Nos períodos que antecedem às eleições, políticos e cabos eleitorais do interior processam uma verdadeira erradicação do patológico e do desvio em seus redutos eleitorais. Assim, deficientes mentais, escleróticos, loucos, desordeiros, indigentes, entre outros, vão aportar nos hospitais psiquiátricos públicos a fim de que, saneados o lar e a cidade, a cotação eleitoral dos políticos e candidatos possa elevar-se […] uma assistente social informa, por sua vez, que existe muito cartãozinho de deputados pedindo para manter o doente aqui dentro. Véspera de eleição, os perseguidos políticos param tudo aqui dentro. Vem o deputado fulano de tal, está querendo voto em tal lugar assim, assim; então lá tem um doido que incomoda, o pessoal pede a ele para arranjar internamento. E ele manda um bilhetinho, porque se conseguir tirar aquele cara de lá, quantos votos não vai arrumar? […] nós temos que internar, ainda que seja para ficar 24 horas no hospital […] (MOREIRA, 1983, p. 99-100).

A loucura tornou-se um negócio rentável, ou seja, geradora de lucro (dinheiro), porque não necessariamente é preciso o uso de algum tipo de material para se realizar, isto é, basicamente precisa-se de: comida, cama, e uma medicação que não é administrada individualmente, mas seu uso se dá de forma padronizada e utiliza-se o mínimo possível de recursos humanos para desenvolver um trabalho com o interno.

Provavelmente todos os envolvidos nesse processo de internação dos ditos “loucos” e/ou medicalização da loucura, tenham saído com vantagens: menos o “louco”, que só sofreu violência, negligência, segregação do meio social, familiar e teve sua subjetividade esquecida.

As relações sociais são permeadas por violência, e essas relações definem a contradição entre capital e o trabalho. Essa violência se dá de forma constante, perversa e excludente de participação política, pois gera indivíduos alienados.

De acordo com Laing (1974 apud GONÇALVES, 1983) a violência é silenciosa e silenciadora da nossa sociedade que é autoritária, produtora de homens distantes de si mesmos e da realidade interna e/ou subjetiva de cada indivíduo e valorizadora do homem “normal”, tudo isso resultado de uma determinada formação histórica, econômica e social. Homens que não se

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reconhecem enquanto sujeitos e que a todo o momento se vem em fuga dessa realidade imposta a eles.

[…] homens normais mataram talvez 100.000.000 de seus semelhantes normais nos últimos cinquenta anos. A violência da vida diária, a violência do salário-mínimo, a violência da precariedade das condições de existência (subsistência) possibilitadas a tantos seres humanos, a violência de uma formação econômica e social excludente, que restringe (quando não impede) formas até mesmo mínimas de participação política em sua ampla gama de significados — será possível verificar a extensão da destruição imposta a seres humanos por esse somatório de fatores? […] (LAING, 1974 apud GONÇALVES, 1983, p. 61).

Ao perdermos nossa experiência e vivência cotidiana, o nosso comportamento será apagado, fazendo com que o próprio sujeito perca seu sentido, fomentando o processo de produção (produzida pelo meio social em que se vive) da doença mental.

Se o sofrer da mente não se caracteriza em sua essência por ser uma doença, outros saberes para além da psiquiatria podem se apropriar da discussão da loucura ou dar contribuição do seu saber para essa questão, reconhecendo seu contexto histórico. Ou seja, o nosso eu se constrói com base na família, relações sociais, instituições sociais, trabalho e outras. Todos esses componentes do eu, são responsáveis pela produção dos fenômenos psíquicos e os processos mentais dos indivíduos. Neste sentido, em que a construção do sujeito seja em sua “normalidade” ou na sua “loucura” é um processo social e histórico é relevante destacar que uma das maiores formas de adoecimento da vida moderna, se dá em função do ambiente de trabalho e as formas que são desenvolvidas as atividades laborativas cotidianas.

2.2. A história da Saúde Mental dos Trabalhadores

O período de desenvolvimento do capitalismo industrial se mostrou através do crescimento e concentração da população urbana, crescimento da produção e o êxodo rural, a duração do trabalho atingia de 12 a 16 horas diárias e até mesmo as crianças trabalhavam nessas condições. Os salários eram extremamente baixos, por isso as pessoas não conseguiam suprir ao menos o necessário para a sua subsistência e suas moradias encontravam-se de forma insalubre (DEJOURS, 1992).

As exigências que se tinham no ambiente de trabalho eram sub-humanas, por isso torna-se quase impossível falar de saúde nessa época, pois não possuíam nem para sua própria subsistência, era uma luta para sobreviver, ou seja, o importante seria não morrer.

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Devido a todas essas más condições em que se encontrava a classe trabalhadora e o perigo do seu aumento, inclusive o medo de que os mesmos começassem a demonstrar descontentamento no trabalho, surge o movimento higienista, com o intuito de manter a ordem e preservar a saúde dos mais abastados.

Sendo assim, o objetivo principal do movimento higienista, era responder socialmente ao perigo do aumento da classe operária e preservar a saúde das classes mais privilegiadas da sociedade, ganhando terreno e começando a agir diretamente na ordem moral. Neste sentido, “[…] ele deve esclarecer o moralista, e concorrer para a nobre tarefa de diminuir o número de enfermidades sociais. As faltas e os crimes são as doenças da sociedade, que é preciso trabalhar para curar ou, pelo menos diminuir […]” (DEJOURS, 1992, p. 15).

O movimento higienista foi criado pela psiquiatria, com o intuito de buscar um melhoramento e/ou pureza da raça humana, buscando aperfeiçoá-la para que somente os indivíduos mais fortes sobrevivessem e transformassem o Brasil em um país forte. A partir do momento em que a preocupação do higienismo não gira em torno somente da saúde dos trabalhadores, essa preocupação recaí sobre a ordem moral e social das classes operárias.

Nessa tentativa de neutralizar as classes trabalhadoras, a burguesia perde a sua autoridade, sendo assim a única saída foi recorrer aos especialistas e cientistas mais respeitáveis e “neutros”, que possuíam o papel de estudar o que estava acontecendo e depois propor uma solução que restabelecesse a ordem moral, social e familiar. Neste momento os trabalhadores começam a se organizar para impedir essa intromissão dos ditos especialistas em suas vidas e organizam diversos movimentos contra as condições de trabalho e vida.

Dejours (1992) acredita que com o advento do sistema taylorismo que se mostrava uma nova tecnologia de submissão, corpo disciplinado, pressão psicológica, paternalismo, trabalho organizado, repetitivo, tempo e ritmo de trabalho cronometrado e vigiado, separação do trabalho intelectual do braçal, tudo isso fez com que a saúde mental dos trabalhadores sofresse um impacto significativo.

O possuir uma posição no mundo do trabalho pode representar um marco para a edificação da vida adulta, constituição de uma rede de relações sociais, para o seu próprio reconhecimento como sujeito, como um ser capaz de realizar algo. Muitas vezes, a saúde do corpo físico e a saúde psíquica dependerão do trabalho do sujeito, e essas diversas categorias de trabalhadores são descritos no manual de saúde do trabalhador.

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[...] trabalhadores são todos os homens e mulheres que exercem atividades para sustento próprio e/ou de seus dependentes, qualquer que seja sua forma de inserção no mercado de trabalho, nos setores formais ou informais da economia. Estão incluídos nesse grupo os indivíduos que trabalharam ou trabalham como empregados assalariados, trabalhadores domésticos, trabalhadores avulsos, trabalhadores agrícolas, autônomos, servidores públicos, trabalhadores cooperativados e empregadores – particularmente, os proprietários de micro e pequenas unidades de produção. São também considerados trabalhadores aqueles que exercem atividades não remuneradas – habitualmente, em ajuda a membro da unidade domiciliar que tem uma atividade econômica, os aprendizes e estagiários e aqueles temporários ou definitivamente afastados do mercado de trabalho por doença, aposentadoria ou desemprego (BRASIL, 2001, p. 17).

O trabalho e não trabalho passou a estabelecer os limites entre normal e anormal, passando a ter um valor “o trabalho enobrece o homem”. Isto é, quando o sujeito não consegue se inserir ou não consegue permanecer no mercado de trabalho, sem entrar em detalhes do porque da não inserção e da não permanência, ele acaba se enquadrando na categoria de ocioso, inadaptados a nova ordem, “antissociais”, vadios.

O trabalho pode ser visto através de dois olhares, como: causador da infelicidade, produzindo alienação do trabalhador e “doença mental”, possuindo ligação com o momento em que o trabalhador está vivenciando em sua realidade, entretanto, pode proporcionar uma autorrealização, muita saúde e felicidade.

A ansiedade é uma das formas demonstradas pelos trabalhadores como alerta de que nem tudo está bem, atingindo principalmente as relações afetivas com os familiares, o que por vezes recorria-se a bebida alcoólica, medicamentos controlados para o sono ou ansiedade, para descarregar a pressão sentida. Outra forma é o sentimento de perda da sua própria personalidade, imaginação estagnada e a não fuga no dia a dia da rotina de trabalho.

Na visão de Dejours (1992) a exploração do trabalho não somente atinge o corpo físico, mas atinge também a sua mente que com o passar do tempo torna-se domesticada, adestrada para que num determinado período da vida do trabalhador essas possíveis forças de resistência sejam anuladas, deixando-o sem o desejo de resistir às mudanças do mundo moderno.

A luta que antes era por meios de subsistência e por condições de sobrevivência, agora passa a ser a luta pela saúde da mente e principalmente do corpo, pois a ansiedade e o tédio no trabalho ou na realização das tarefas rotineiras já estão em um nível altíssimo. O que se constatou é que até mesmo o tempo que o trabalhador possuía de descanso ou fora do ambiente de trabalho, já não era mais bem utilizado, sejam eles por questões financeiras ou por estarem ainda hipnotizados com a rotina da semana que findou.

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O período fora do trabalho torna-se não livre, porque a rotina cotidiana não consegue ser apagada da memória do trabalhador, com isso o que se vê são atividades do ambiente familiar como, limpar o chão, lavar a louça, tirar um cochilo e outras, todas essas atividades estão sendo marcadas no relógio e muitas vezes são feitas às pressas, essa atitude acaba sendo involuntária, mas, muitas vezes percebidas pelos próprios trabalhadores que acreditam que assim não sairão do ritmo diário. Sendo assim, esse sistema de trabalho (taylorismo) implantado, faz com que o próprio assalariado construa seu sofrimento e o administre, por se revelar um sofrimento não reconhecido pelo trabalho organizado.

As formas de cobrança da vida moderna propícia e é pedra fundamental para o aumento da produtividade no trabalho e também extremamente necessário para que o corpo seja submisso. Apresentamos uma entrevista feita com uma telefonista:

- […] “O trabalho nos deixa idiotas”.

“De tanto ficarmos sentadas, ficamos com o traseiro achatado, terminamos tendo uma bunda horrível – “O trabalho é completamente falso. Quando falamos, é o PTT2 que fala.

Quando eu saio do trabalho, falo com as pessoas frases do PTT.”

- “As frases que a gente tem que dizer são: '496, informações; não podemos dizer '‘bom dia’'.”

- “O que o Sr. deseja?” Não podemos dizer, por exemplo, “o que o Sr quer?”

- “Em seguida, é preciso enquadrar a informação, ou seja, reformulá-la, numa linguagem codificada, depois de tê-la obtido.”

- “Em seguida, é preciso guardar a informação e procurá-la nas microfichas. Sobretudo no início, esse esforço de memória não é nada fácil...”

- “Depois, devemos repetir a informação pedida sob forma de pergunta.”

- “Por último, devemos dar a informação sob forma de '‘resposta’', na linguagem codificada do PTT.”

- “Enfim, no caso de agradecimento do assinante, é a única situação em que temos o direito de dar uma resposta livremente escolhida.”

- “Não temos o direito de desligar. É o assinante que deve desligar primeiro. Assim, não temos nenhum poder sobre o interlocutor.”

- “Não sabemos quantas chamadas vamos receber, e uma vem em seguida a anterior. O que é mais difícil são as informações mal explicadas ou não mais válidas. Isso obriga a uma pesquisa mais longa. Não temos o direito de fazer mais de três fichas

(quer dizer, é proibido fazer mais de três pesquisas para dar a resposta a uma pergunta). Seja falso ou verdadeiro, devemos responder que 'Esta informação não consta neste item', para não dizer que o PTT não a possui. Depois, ainda é preciso esperar que o assinante tenha acabado de reclamar e desligado.”

- “Durante nosso treinamento ou aprendizagem nos ensinam que não devemos ser muito amáveis, pois é preciso desencorajar as pessoas a recorrerem ás informações telefônicas.” “O serviço de informações existe porque o catálogo telefônico é incompreensível” (DEJOURS, 1949, p. 97-98).

2. PTT: Significa Postes, Telégrames et Télecommunication, na França é a empresa estatal que agrupa os correios, telégrafos e telefonia (N. do T.).

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O ambiente de trabalho antes (na época do boom industrial) significava um grande dispêndio de força física, em que trabalhadores passavam horas e horas carregando peso, manuseando máquinas, repetindo movimentos. Hoje o que se tem no ambiente de trabalho é um trabalho exaustivo mentalmente, ou seja, informações que devem ser repetidas continuamente, cronometradas, vigiadas, sejam elas por câmeras ou chefes, e aquele que se propor a fazer algo diferente para que não afete tanto sua mente ou para que sua subjetividade possa aparecer no processo de trabalho é estigmatizado como o “chato, revolucionário, doido” e outros.

A recusa dessas funções citadas acima acarretam na não continuidade do sujeito no mundo do trabalho, afetando ainda mais sua mente, pois aquele que está no mercado de trabalho sofre, mas o que não está inserido, também.

Hoje o que se tem é a “política do medo”, onde os chefes, diretores, gerentes e etc., já perceberam e/ou descobriram que o trabalhador que está sob pressão produz mais. “O trabalho constitui-se uma fonte de sofrimento tanto para os que estão excluídos dele, quanto para os que nele permanecem”(SOUZA, 2015, p. 6). Esse tipo de atitude ou essa “política do medo” é usada como uma ferramenta de controle e disciplinamento dos trabalhadores, em beneficio da produtividade.

A teoria Dejouriana (1992) diz que o sofrimento mental é resultado da organização do trabalho. A vida mental do trabalhador é formatada pela organização do trabalho. A organização do trabalho pode ser definida como a divisão do trabalho (em conteúdo da tarefa, formas de hierarquia, as relações de poder e outras). Este sofrimento faz com que o trabalhador construa estratégias de defesa, desenvolvido pelo sujeito para suportar as pressões do seu trabalho e continuar em atividade.

O sofrimento surge através do choque entre a organização do trabalho e a vida individual do trabalhador. Iniciando o mesmo, quando o sujeito não possui mais a liberdade de decidir sobre suas tarefas a serem desempenhadas no trabalho, no sentido de adequá-las de acordo com suas necessidades mentais e físicas.

Segundo Marx (2004 apud Souza, 2015) o trabalhador se torna estranho a sua própria individualidade e sua força de trabalho é simplesmente uma mercadoria. O trabalho realizado pelo trabalhador não o pertence e muito menos o produto desse trabalho, percebendo seu trabalho como alienado, sem perspectivas de crescimento e modificação da realidade.

Essas inúmeras questões se apresentam na sociedade contemporânea, na forma do individualismo, as desigualdades sociais, trabalhistas, de renda, política, a violência, a dor e o

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sofrimento, são temas discutidos em segundo plano, pois não se pensa mais no outro, na dor do outro, têm-se formas individualistas de resolução dos problemas ditos “particulares”, principalmente em relação a questões de insatisfação no trabalho.

A organização do trabalho exerce sobre o indivíduo uma opressão que se reflete sobre o aparelho psíquico. O sofrimento surge das condições que constituem um choque entre a história individual, a subjetividade, esperanças e desejos do sujeito e a organização do trabalho que ignora todos esses fatores. Quando o trabalhador não consegue conciliar suas necessidades fisiológicas e psicológicas ao regime de trabalho ao qual está submetido, surge o sofrimento de natureza mental como resultado do embate entre ser humano versus trabalho. Muitos trabalhadores precisam de remédios para dormir e também para suportar a jornada de trabalho. O trabalho se configura como gerador de ansiedade e distúrbios psíquicos. O processo de medicalização disfarça o sofrimento mental, criando condições para que o indivíduo se mantenha no trabalho (SOUZA, 2015, p. 5).

Seguindo com o mesmo autor citado acima, verificando que hoje na sociedade moderna a ideia da moda é: preservar o meio ambiente, ter responsabilidade social, percebemos que essa mesma responsabilidade não acontece com o mesmo afinco em relação a saúde mental dos trabalhadores, que sofrem a interferência das instituições em que possuem vínculos empregatícios, nem tampouco a família dos mesmos que de uma forma ou outra acabam sendo afetadas.

Há quem duvide se existe ou não uma relação de causas diretas entre certos tipos de transtornos mentais e certas formas de organização do trabalho, mas o que se sabe é que, a partir do momento que se investe demais em mercadorias, o sujeito que a produz acaba sendo desvalorizado, isto é, toda subjetividade, suas relações sociais, rede familiar é esquecida, podendo gerar prejuízos para a sua saúde mental.

Já são reconhecidas através do Manual de Saúde do trabalhador desde 2001, uma gama de doenças relacionadas ao trabalho. Esse trabalho que acontece de forma precarizada, com a perda de direitos trabalhistas e sociais, a terceirização, o aumento da jornada de trabalho, salários baixos, instabilidade no emprego, as múltiplas funções que um mesmo trabalhador precisa desempenhar e com eficiência, a inserção de novas tecnologias e formas de se administrar as instituições, sejam públicas ou privadas, acarretam sobre a saúde do trabalhador.

Os comportamentos que possuem relação com o trabalho e os transtornos mentais a ele ligados são resultados de múltiplos fatores, ou seja, o contexto do ambiente de trabalho, sua satisfação dentro do mesmo e de suas necessidades de subsistência, de liberação de afeto para com as pessoas e familiar. Porém, se o trabalho não possuir um caráter de significação, pode desencadear sofrimento psíquico, gerando sentimentos de angústia, insegurança, desânimo, refletindo sobre a saúde mental dos trabalhadores.

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Definir disfunção e incapacidade ocasionada pelos transtornos mentais e comportamentais ligados ao trabalho é uma tarefa bem difícil, porém, existem alguns parâmetros que são seguidos para se diagnosticar um sofrimento em função do trabalho, distribuídos em quatro áreas:

LIMITAÇÕES EM ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA: que incluem atividades como autocuidado, higiene pessoal, comunicação, deambulação, viagens, repouso e sono, atividades sexuais e exercício de atividades sociais e recreacionais. O que é avaliado não é simplesmente o número de atividades que estão restritas ou prejudicadas, mas o conjunto de restrições ou limitações que, eventualmente, afetam o indivíduo como um todo;

EXERCÍCIO DE FUNÇÕES SOCIAIS: refere-se à capacidade do indivíduo de interagir apropriadamente e comunicar-se eficientemente com outras pessoas. Inclui a capacidade de conviver com outros, tais como membros de sua família, amigos, vizinhos, atendentes e balconistas no comércio, zeladores de prédios, motoristas de táxi ou ônibus, colegas de trabalho, supervisores ou supervisionados, sem alterações, agressões ou sem o isolamento do indivíduo em relação ao mundo que o cerca;

CONCENTRAÇÃO, PERSISTÊNCIA E RITMO: também denominados capacidade de completar ou levar a cabo tarefas. Estes indicadores ou parâmetros referem-se à capacidade de manter a atenção focalizada o tempo suficiente para permitir a realização cabal, em tempo adequado, de tarefas comumente encontradas no lar, na escola, ou nos locais de trabalho. Essas capacidades ou habilidades podem ser avaliadas por qualquer pessoa, principalmente se for familiarizada com o desempenho anterior, basal ou histórico do indivíduo. Eventualmente, a opinião de profissionais psicólogos ou psiquiatras, com bases mais objetivas, poderá ajudar a avaliação;

DETERIORAÇÃO OU DESCOMPENSAÇÃO NO TRABALHO: refere-se a falhas repetidas na adaptação a circunstâncias estressantes. Frente a situações ou circunstâncias mais estressantes ou de demanda mais elevada, os indivíduos saem, desaparecem ou manifestam exacerbações dos sinais e sintomas de seu transtorno mental ou comportamental. Em outras palavras, descompensam e têm dificuldade de manter as atividades da vida diária, o exercício de funções sociais e a capacidade de completar ou levar a cabo tarefas. Aqui, situações de estresse, comuns em ambientes de trabalho, podem incluir o atendimento de clientes, a tomada de decisões, a programação de tarefas, a interação com supervisores e colegas (BRASIL, 2001, p. 163).

Uma coisa não se pode negar, quer aceitem ou não, existe causalidade em relação à saúde da mente do trabalhador e o seu trabalho, pois o corpo não necessita somente de alimentos para criar energia e retornar ao trabalho, mas de todo um contexto favorável para que a função seja desempenhada com êxito e com satisfação. O contexto do trabalhador, sua família, seus amigos, uma boa condição de saúde, suas necessidades culturais e sociais supridas, influenciará em sua satisfação no trabalho e consequentemente em sua saúde mental.

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3 HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA: REFORMA PSIQUIÁTRICA E O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL

O objetivo nesta terceira sessão é mostrar como surge a psiquiatria para explicar os comportamentos do homem e as análises sobre as principais transformações institucionais na trajetória das práticas assistenciais no campo da saúde mental como: colônias, manicômios, comunidades terapêuticas, psicoterapia institucional, psiquiatria de setor, psiquiatria preventiva, antipsiquiatria e psiquiatria democrática.

Traremos ainda, os desdobramentos desses dispositivos que existiam no Brasil e que buscavam reformas na estrutura de internação dos ditos “loucos”. A partir daí surgem as lutas contra esses modelos de assistência aos “loucos”, e nessas lutas uma gama de profissionais se inserem para problematizar a questão, inclusive o assistente social.

Um dos primeiros espaços que legitimou o saber e/ou autoridade do psiquiatra (médico) foi o espaço manicomial, onde o mesmo serviu de aprendizado para os psiquiatras aprimorarem as normas da sociedade sobre aqueles que estavam a margem dela.

(…) dentre os deveres morais do psiquiatra forense está o de contribuir ao aprimoramento da norma e do tecido social. Assim, cabe a ele, em cada laudo, parecer, documento ou texto que apresenta à sociedade, a defesa de um bem moral: a proteção do doente mental, vítima indefesa de abusos; a do cidadão diferente, na medida em que não representa a maioria cultural, social, religiosa ou étnica, e a da coletividade, que legitimamente deve se defender dos que possam acarretar perigo (TABORDA, 2004, p. 27 apud MITJAVILA e MATHES, 2012, p. 97).

Para que possamos percorrer um caminho a partir de um marco, que caracterizou as intervenções nas políticas de saúde mental no Brasil e que depois acabou se transformando em intervenções em comportamentos ditos “desviantes”, vamos iniciar nossa discussão com base no higienismo que se desenvolveu nos fins do século XIX e início do século XX. Segundo Costa (1976) a Liga Brasileira de Higiene Mental foi fundada em 1923 por um psiquiatra chamado Gustavo Riedel,3 a Liga (L.B.H.M) era uma entidade civil, de interesse público, que era constituída

basicamente pela elite psiquiátrica do Rio de Janeiro.

3. Alienista-adjunto interino do Hospital Nacional de Alienados. Membro da Academia Nacional de Medicina em 1916 e diretor da Colônia do Engenho de Dentro.

Em 1919, cria o Ambulatório Rivadávia Correa com o objetivo de ações preventivas em Psiquiatria e de outras especialidades médicas. Disponível em: (http://www.museudapsiquiatria.org.br/biografia/exibir/?id=4. >Acesso em: 12/05/15).

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Nesse período, algumas condições propiciaram o desenvolvimento do higienismo, como: a) Condições de vida das pessoas da época; b) Higiene e saneamento do país; c) Surtos epidêmicos, superpopulação de mendigos e outros fatores (COSTA, 1976).

No país vivia-se um contexto ou um momento, caracterizado pela problematização dos obstáculos para o desenvolvimento do Brasil como: número grande de imigrantes; ambiente extremamente insalubre; péssimas condições para que a força de trabalho pudesse se reproduzir; e surgimento de comportamentos e hábitos considerados desviantes para a época.

O higienismo representou a principal base do processo de medicalização social nos fins do século XIX, trazendo suas ideias em defesa da sociedade. Seu foco principal era prevenir, disciplinar os indivíduos e também apresentar as ideias eugênicas.

As ideias eugênicas estavam ligadas à prevenção das doenças mentais, com o objetivo de evitar as mesmas, acreditando que a doença mental era transmitida geneticamente, entretanto, outra função da eugenia era a prevenção da raça (pureza). Mas na verdade a eugenia era interessada nos dois indivíduos: os sãos e os doentes, pois a preservação das gerações futuras em relação à doença mental era o mais importante.

Costa (1976) ainda afirma que a eugenia buscava designar uma ciência que pudesse aprimorar as qualidades hereditárias da raça humana, acreditando que o ser humano pudesse ser melhorado ou aprimorado. Sendo assim, o Brasil passava por um certo “mal estar” em seu ambiente urbano, devido as “raças inferiores” (negros, índios, mestiços, amarelos), ou seja, todos aqueles considerados não-brancos eram considerados seres patológicos, portanto, o único remédio para esse “mal estar” que o país passava, seria através da proposta da eugenia conhecida como saneamento racial. Constatou ainda que, a partir dos anos de 1930 percebeu-se uma mudança no conceber e aplicar as ideias eugênicas, visualiza-se essa mudança através de três momentos, segundo Costa (1976):

1. Em 1930 aconteceu uma revolução política, onde o governo da Revolução comandado pelo então presidente do Brasil Getúlio Vargas, pode ter apoiado os psiquiatras da L.B.H.M, apoio esse ligado a vigilância sobre os delinquentes, marginais e os alcoólatras.

2. O segundo momento, seria a grande propaganda da eugenia no Brasil que até 1930 era totalmente descoordenada, pois dependia de publicações de autores particulares e não tinha um órgão institucional. Mas em 1931 um psiquiatra fundou a Comissão Central Brasileira de Eugenia,

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