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A proteção à dignidade da pessoa humana e ao direito à vida: controvérsias acerca do aborto de anencéfalos

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Academic year: 2021

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JESSICA ALBARELLO

A PROTEÇÃO AO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ABORTO DE ANENCÉFALOS

Três Passos (RS) 2013

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JESSICA ALBARELLO

A PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AO DIREITO À VIDA: CONTROVÉRSIAS ACERCA DO ABORTO DE ANENCÉFALOS

Projeto de Pesquisa da Monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e sociais.

Orientadora: Dra. Janaína Machado Sturza

Três Passos (RS) 2013

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com todo apoio e confiança frente as batalhas da vida e com quem aprendi que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento.

À minha orientadora Dra. Janaína Sturza, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, guiando-me pelos caminhos do conhecimento.

Ao meu marido e minha filha que me acompanharam em parte de toda esta trajetória e compreenderam as minhas ausências, sempre muito pacientes e amorosos, sem o auxílio de vocês não teria chegado até aqui.

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise dos direitos humanos, mais especificamente a dignidade da pessoa humana e o direito à vida, frente as controvérsias da prática do aborto anencefálico. Aborda-se a história dos direitos humanos, a conceituação e abrangência dos princípios supracitados. Tal análise é de extrema importância, visto que a interrupção de gestação anencefálica acarreta divergências relacionadas diretamente aos referidos preceitos fundamentais. Estuda, num segundo momento, o tipo penal do aborto, conceituação, aplicação da lei brasileira e classificação doutrinária. Faz uma breve análise referente a anencefalia e a interrupção da gestação em virtude de tal ocorrência. Ao final, relata-se a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que trata especificamente da gestação anencefálica e a possibilidade de interromper uma gestação nestas condições. Conclui-se que tal decisão, ainda que não aceita pacificamente por toda sociedade, trouxe profundas modificações para a vida da gestante e da família que, a partir de então, poderá optar entre continuar ou não com a gestação, quando comprovado ser o feto um anencéfalo. Está-se diante da liberdade de opção, do direito à saúde e do respeito à dignidade materna.

Palavras-Chave: Direitos humanos. Dignidade da Pessoa humana. Direito à vida. Aborto de anencéfalos. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental.

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The present course conclusion paperwork does an analysis of human rights, more especifically about human person's dignity and right for life, faced with the controversies of the therapeutic abortion practice. It approaches the history of human rights, the conceptualization and coverage of above principles. Such analysis is of extreme importance, as the therapeutic gestation interruption entails divergences related directly to the referred fundamental precepts. It studies, on a second moment, the penal abortion type, conceptualization, brasilian law application and doctrinal classification. It does a brief analysis refering anencefalia, and the gestation interruption due such ocorrence. At the end, it relates the decision of Federal Supreme Tribunal of Action of noncompliance of Fundamental Precept 54, that treats especifically the therapeutic gestation and the possibility og interrupting a gestation on these conditions. It conclued that such decision, even not totally accepted by all the society, brought deep modifications for the pregnat's and family's life that since then, it will be able to chosse between continuing or not the gestation, when it comproved being a fectus without brain. We are before the freedom option, health right and the respect to the maternal dignity.

Keywords: Human Rights. Human person dignity. Life right. Abortion of fectus without brain. Action of Noncompliance of Fundamental Precept. Federal Supreme Tribunal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 DIREITOS HUMANOS E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA ... 10

1.1 Origem e desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos ... 10

1.2 Direito à vida e Dignidade da Pessoa Humana ... 25

1.2.1 Gerações de Direitos...25

1.3 Direito à vida como direito fundamental ... 33

2 CRIME DE ABORTO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA ... 35

2.1 Considerações históricas sobre o aborto ... 35

2.2 Conceituação ... 36

2.3 A prática abortiva na legislação penal brasileira ... 37

2.3.1 Objeto jurídico ... 37

2.3.2 Sujeitos ativo e passivo ... 38

2.3.3 Tipo objetivo: adequação típica ... 39

2.3.4 Aborto criminoso: espécies ... 41

2.3.4.1 Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento ... 42

2.3.4.2 Aborto provocado sem consentimento da gestante ... 44

2.3.5 Elementos subjetivos do crime de aborto ... 45

2.3.6 Consumação e tentativa no crime de aborto ... 46

2.3.7 Formas majoradas do crime de aborto ... 47

2.3.8 Excludentes de ilicitude relacionadas ao crime de aborto ... 49

2.3.8.1 Aborto necessário ou terapêutico ... 49

2.3.8.2 Aborto humanitário ou ético ... 50

3 DIREITOS HUMANOS E O ABORTO DE ANENCÉFALOS: DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ... 53

3.1 Da anencefalia: conceituação e aspectos relevantes ... 54

3.2.1 Bem jurídico tutelado ... 55

3.2.2 Sujeito Passivo do aborto de anencéfalos ... 56

3.3 Divergências relacionadas a denominação: aborto de anencéfalos ... 57

3.4 Arguição de Descrumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54 ... 59

3.4.1 Votos dos Ministros da Supremo Corte ... 60

3.4.1.1 Ministro Luiz Fux ... 61

3.4.1.2 Ministros Rosa Weber e Joaquim Barbosa ... 62

3.4.1.3 Ministro relator Marco Aurélio ... 63

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3.4.1.8 Ministro Ayres Britto ... 68

3.4.1.9 Ministro Ricardo Lewandowski ... 69

CONCLUSÃO ... 71

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo realizar um estudo acerca dos direitos humanos, mais especificamente, sobre a dignidade da pessoa humana e o direito à vida diante da prática abortiva de anencéfalos.

A problemática a ser debatida é: A prática abortiva em gestações anencéfalos fere o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana? Há violação dos direitos humanos nesta prática?

A realização de um estudo à respeito dos direitos humanos, dos princípios constitucionais, em especial, da dignidade da pessoa humana e do do direito à vida na realização da prática abortiva para uma gestação anencéfala e, posteriormente, analisar qual a posição do Supremo tribunal Federal frete ao problema, constituem-se em objetivos gerais do preconstituem-sente trabalho.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem sobre a história, conceituação e previsão legal dos direitos humanos, com foco nos princípios da dignidade da pessoa humana e no direito à vida. Segue uma análise detalhada de cada um desses princípios como a conceituação, abrangência, posições doutrinárias. A referida análise complementa o entendimento das questões abordadas posteriormente.

No segundo capítulo, realizou-se análises doutrinárias, legais, jurisprudenciais acerca do crime de aborto, com o objetivo de explanar sua história, conceituação, objeto jurídico, previsão legal, sujeitos passivo e ativo e espécies do referido delito,

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bem como hipóteses de excludentes de ilicitude específicas para este tipo penal. O direito à vida, explorado em um primeiro momento, é um dos objetos jurídicos protegidos pela lei penal, quando penaliza a prática abortiva.

Na parte final, abordou-se especificamente a questão da anencefalia e sua conceituação e divergências. Ademais, destacou-se a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, submetida a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que versa sobre a descriminalização da interrupção de gestação anencefálica.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo dos direitos humanos frente à prática abortiva de anencéfalos. Buscou-se revelar a importância da votação da ADPF 54 para a sociedade, demonstrando a complexidade e a magnitude de tal decisão, apontando, por conseguinte, os pontos cruciais que embasaram as votações de cada ministro que compõe o Supremo Tribunal.

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1 DIREITOS HUMANOS E SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

Os direitos humanos passaram por uma longa caminhada histórica até serem concretizados e positivados nas constituições. Num primeiro momento o indivíduo apenas possuía direitos que os era natural a sua condição humana. Com o passar dos anos diversos manuscritos foram criados alguns previam mais deveres do que direitos à sociedade. Com o desenrolar de vários movimentos históricos como Magna Carta Libertatum, firmada por João Sem Terra, a Declaração da Virgínia, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e a Segunda Guerra Mundial; fez-se necessário o surgimento de declarações a fim de proteger cada indivíduo das atrocidades e barbáries que naquela época se desenvolviam.

Diante disto se faz necessário uma análise dos movimentos históricos mais marcantes e que influenciaram a era de direitos e constituições existente hoje. As dimensões de direitos também merecem destaque, eis que demonstram a evolução da proteção dos direitos humanos fundamentais.

1.1 Origem e desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos

A expressão direitos humanos foi construída ao longo da história, divergências doutrinárias eclodiram quanto à equivalente expressão - direitos fundamentais.

A expressão direitos humanos é forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade [...] (DALLARI, 2008, p. 12).

Conforme se verifica, o professor Dallari (2008) considera o enunciado “Direitos fundamentais” um sinônimo para a designação de “Direitos Humanos”.

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No entanto, este paradigma não é uníssono, o doutrinador Ingo Sarlet (2011, p. 29), abrange em sua obra uma diferenciação sobre o conceito das referidas terminações:

[...] assume atualmente especial relevância a clarificação da distinção entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, não obstante tenha também ocorrido uma confusão entre dois termos, confusão esta [...] que não se revela como inaceitável em se considerando o critério adotado. Neste particular, não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também direitos humanos [...] Em que pese sejam ambos termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direitos constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional [...]

No concernente à origem e ao desenvolvimento histórico dos direitos humanos, os doutrinadores divergem em alguns aspectos, pontuando cada qual momentos históricos relevantes, porém diferenciados.

Os direitos humanos surgiram no decorrer de um longo período histórico evolutivo, ainda que não assim denominados:

Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, legou-nos algumas das idéias-chave que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser denominada, consoante já ressaltado, de “pré-história” dos direitos fundamentais. De modo especial, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica, especialmente na greco-romana, e no pensamento cristão. [...] Da doutrina greco-romana e do cristianismo advieram, por sua vez, as teses da unidade da humanidade e da igualdade de tosos os homens em dignidade [...] (SARLET, 2011, p. 38).

Apesar de não estarem positivados, expressos, as pessoas ao nascerem já adquiriam direitos que lhes eram inerentes a sua condição, direitos estes que resguardavam, dentre outros, a dignidade e a vida.

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A maioria dos autores sustenta que os direitos fundamentais têm uma longa historia. Há quem vislumbre suas primeiras manifestações no direito da Babilônia desenvolvido por volta do ano 2000 a.C., quem os reconheça no direito da Grécia Antiga e da Roma Republicana e quem diga que se trata de uma idéia enraizada na teologia cristã, expressa no direito da Europa medieval. (COMPARATO apud DIMOULIS; MARTINS, 2010, p. 21).

Foi na Inglaterra, durante a idade Média, com a Magna Carta Libertatum, firmada em 1215, pelo Rei João Sem terra e pelos bispos e barões ingleses, um dos principais documentos para a evolução dos direitos fundamentais. O referido pacto serviu de referência para o surgimento de alguns direitos e liberdade civis (habeas corpus, devido processo legal e a propriedade). No entanto, não o único nem o primeiro documento outorgado (SARLET, 2011).

Ainda, na Idade Média, apesar de vigorar o sistema feudal e a separação de classes, com a subordinação da classe vassala aos suseranos, uma variedade de documentos jurídicos foram reconhecidos e demonstraram a existência de direitos humanos, estes tendo como cerne fundamental a limitação do poder estatal. No entanto, o forte desenvolvimento das declarações de direitos humanos ocorreu entre o século XVII a meados do XX (MOARES, 2011).

A partir dos séculos XVII e XVIII, diversas modificações merecem destaque “a doutrina jusnaturalista, de modo especial por meio das teorias contratualistas, chega ao seu ponto culminante de desenvolvimento. Paralelamente, ocorre um processo de laicização do direito natural, que atinge seu apogeu no iluminismo, de inspiração jusracionalista.” (SARLET, 2011, p. 39).

O século XVII foi marcado por considera-se um tempo de “crise da consciência europeia”, período de questionamentos e incertezas. Advieram modificações no mundo artístico, literário, político e científico. Nesta época foi elaborada a teoria do estado absolutista, com os pensadores Jean Bodin e Thomas Hobbes. A referida crise fez ressurgir na Inglaterra o sentimento de liberdade e a resistência à opressão tirânica. A guerra Civil também surtiu efeitos no sentido de reafirmar o valor da harmonia social (COMPARATO, 2010).

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Estes períodos históricos foram marcados por incessantes alterações na vida politica, religiosa, científica, jurídica e social. Os filósofos e diversos pensadores revelavam suas ideologias a fim de encontrar explicações e soluções para os problemas enfrentados na sociedade.

O Doutor Ingo Sarlet (2011, p. 39) ressalta que:

[...] foi justamente na Inglaterra do século XVII que a concepção contratualista as sociedade e a ideia de direitos naturais do homem adquiriram particular relevância, e isto não apenas no plano teórico, bastando, neste particular, a simples referencia às diversas Cartas de Direito assinadas pelos monarcas desse período.

No final século XVII, observava-se a presença da desigualdade entre classes sociais. A nobreza, clero eram beneficiados indistintamente pela liberdade pessoal, garantida mediante o habeas corpus e o bill of rights. No entanto, esta garantia aproveitou muito à classe burguesa mais abastada. Caso não houvesse a proteção às liberdades individuais civis e políticas, a eclosão do capitalismo industrial, nos séculos seguintes, teria sido prejudicada (COMPARATO, 2010).

Os direitos, neste período histórico, eram assegurados às classes superiores (clero e nobreza). A realeza e a igreja mantinham o poder e criavam normas para que este perdurasse. A classe vassala (súditos) representava a classe menos favorecida economicamente, era a classe que trabalhava manualmente para o próprio sustento e de sua família.

Avançando paulatinamente no tempo, Lafer (apud SARLET, 2011, p. 40) dispõe:

Decisiva, inclusive pela influência da obra sobre os autores iluministas, de modo especial franceses, alemães e americanos do século XVIII, foi também a contribuição doutrinária de John Locke (1632-1704), primeiro a reconhecer aos direitos naturais e inalienáveis do homem (vida, liberdade, propriedade e resistência) uma eficácia oponível, inclusive, aos detentores de poder, este por sua vez, baseado no contrato social, ressaltando-se, todavia, a circunstância de que, para Locke, valer-se do direito a resistência, sendo verdadeiros sujeitos, e não meros objetos do governo. [...] Cumpre salientar, neste contexto, que Locke, assim como já o havia feito Hobbes, desenvolveu ainda mais a concepção contratualista de

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que os homens têm poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo com sua razão e vontade, demonstrando que a relação de autoridade-liberdade se funda na autovinculação dos governados, lançando, assim, as bases do pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII, que, por sua vez, desagradou no constitucionalismo e no reconhecimento de direitos e liberdades dos indivíduos considerados como limites ao poder estatal.

O modelo contratualista prosperou por razões lógicas, transferiu-se ao povo o poder de organizar o Estado, com base na comunhão de esforços e vontades.

Consoante às explanações de Sarlet (2011, p. 40):

Foi principalmente – apenas para citar os representantes mais influentes – com Rousseau (1712-1778), na França, Tomas Paine (1737-1809), na América, e com Kant (1724-1804), na Alemanha (Prússia), que, no âmbito do iluminismo de inspiração jusnaturalista, culminou o processo de elaboração doutrinária do contratualismo e da teoria dos direitos naturais do indivíduo, tendo sido Paine quem na sua obra popularizou a expressão “direitos do homem” no lugar do termo “direitos naturais”. É o pensamento Kantiano, nas palavras de Noberto Bobbio, contudo, o marco conclusivo desta fase histórica dos direitos humanos. Para kant, todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade, encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens. Conforme ensina Bobbio, Kant, inspirado em Rousseau, definiu a liberdade jurídica do ser humano como a faculdade de obedecer somente às leis quais de livre consentimento, concepção esta que fez escola no âmbito do pensamento politico, filosófico e jurídico.

A teoria contratualista da origem do Estado teve forte influência jusnaturalista. “O jusnaturalismo é referência para a existência de direitos fundamentais inerentes ao homem, manifestados por meio da razão e que devem ser garantidos pelo direito positivo do Estado [...], constituindo-se na doutrina de base das declarações desta época, que afrontaram o regime absolutista e manifestaram de modo solene os direitos fundamentais dos indivíduos.” (ROSA, 2004, p. 24).

O final do século XVIII, por sua vez, foi marcado por grandes movimentos e declarações históricas, que contribuíram significativamente para a evolução e positivação dos direitos.

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A primeira declaração de direitos deu-se na América do Norte, na ainda colônia de Virgínia, a “Declaração do Bom Povo de Virgínia”, em 1776 [...], surgindo em seguida a não menos importante “Bill of Rigths” (Declaração de Direitos) de 1791. De maneira especial, em 1789 na França, a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” trouxe as contribuições francesas que desde muito tempo (e antes das declarações anteriores) influenciavam o pensamento da época e significou um significativo avanço na afirmação das liberdades. Esta declaração de 1789, ainda que precedida pela norte-americana, trouxe princípios que constituíram fonte de inspiração ideal dos povos que lutavam por liberdade. O maior avanço nesta direção, no entanto, foi a “Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.” (ROSA, 2004, p. 24).

Diante da incontestável importância das referidas Declarações, faz-se necessário à análise pormenorizada, vez que é imensurável a colaboração delas despendida para a história dos diretos humanos.

No ano da Declaração da independência das 13 ex-colônias da Inglaterra na América do Norte proclamou-se, no Estado da Virgínia, em 12 de junho de 1776, uma “Declaração de Direitos” (Bill of

Rights). Em seu texto, foram enunciados direitos tais como a

liberdade, a autonomia e a proteção da vida do individuo, a igualdade, a propriedade e a livre atividade econômica, a liberdade de religião e de imprensa, a proteção contra repressão penal. (DIMOULIS; MARTINS, 2010, p. 23).

Segundo o Doutrinador Fábio Comparato (2010, p. 62):

O artigo I da Declaração que “o bom povo da Virgínia” tornou pública, em 16 de junho de 1776, constitui registro de nascimento dos direitos humanos na Historia. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos.

No que alude esta Declaração, ela foi base para que outras emergissem, com o escopo de positivar e garantir os direitos inerentes à pessoa humana.

Ainda sob a ótica do referido autor (2010, p. 111), além da independência dessas 13 colônias britânicas, estas foram:

[...] reunidas primeiro sob a forma de uma confederação e constituídas em seguida em Estado federal, em 1787, representou o ato inaugural da democracia moderna, combinando, sob regime constitucional, a representação popular com a limitação de poder governamentais e o respeito aos direitos humanos.

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A Declaração de Independência dos Estados Unidos não é menos importante que as demais, no que tange a evolução dos Direitos humanos e a sua positivação:

A característica mais notável da Declaração [...] reside no fato de ser ela o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos, na história política moderna. [...] A importância histórica da Declaração de Independência está justamente aí: é o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social. (COMPARATO, 2010, p. 119).

Destarte, a Declaração Francesa é indispensavelmente um marco histórico no contexto dos direitos humanos, diversas modificações sociais foram motivadas a partir da sua impetração.

O autor Ingo Sarlet (2011, p. 43) compara a Declaração de Direitos do povo da Virgínia e a Declaração Francesa, de 1789, e conclui que “é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais.”

No que concerne à Declaração Francesa:

Igualmente de transcendental importância foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da revolução que provocou a derrocada do antigo regime e a instauração da ordem burguesa na França. Tanto a declaração francesa quanto as americanas tinham como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens, e não apenas de uma casta ou estamento. A influência dos documentos americanos, cronologicamente anteriores, é inegável, revelando-se principalmente mediante a contribuição de Lafayette na confecção da Declaração de 1789. Da mesma forma incontestável a influência da doutrina iluminista francesa, de modo especial Rousseau e Montesquieu, sobre os revolucionários americanos, levando a consagração, na Constituição Americana de 1787, do princípio democrático e da teoria da separação dos poderes. [...] A contribuição francesa, no entanto, foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituições do século XIX. (SARLET, 2011, p. 44).

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Ao longo dos períodos históricos o progresso social é notório. Os direitos e liberdades deixaram de ser exclusividade de poucos (clero e nobreza) e tornaram-se, diante dos embates sociais, garantia de todos, independentemente da classe social ou das condições econômicas. Claro que estas conquistas foram fruto de acirradas disputas.

A Declaração Francesa consagrou normativamente os direitos humanos fundamentais:

[...] com 17 artigos. Dentre eles as inúmeras e importantíssimas previsões, podemos destacar os seguintes direitos humanos fundamentais: princípio da igualdade, liberdade, propriedade,

segurança, resistência à opressão, associação politica, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência; liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento. (MORAES, 2011, p. 9).

Estas declarações tornaram-se o marco essencial para o desenvolvimento do Individualismo, isto é, quando o indivíduo se torna anterior ao Estado e possui maior importância frente a ele.

A explanação de Comparato (2010, p. 123) sobre está marca histórica é de extrema relevância:

Juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional francesa em 1789, as declarações de direitos norte-americanas constituem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento, as organizações religiosas. A afirmação da autonomia individual, que vinha sendo progressivamente feita na consciência europeia desde fins da Idade Média, assume na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, no último quartel do século XVIII, contornos jurídicos definitivos.

O indivíduo, a partir desta alteração no contexto social, deixa de ser submisso à família, à religião e ao Estado, passa a ser único, e se emancipa frente à sociedade, adquire valores e direitos próprios.

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No entanto está emancipação social, com a consequente perda da proteção familiar, estamental ou religiosa deixou o indivíduo vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal apenas ofereceu a segurança da lei (legalidade). Com o advento do século XX- Estado Social- os grandes riscos sociais da existência humana foram assumidos, não mais pelos grupos, mas agora pelo Estado (COMPARATO, 2010).

Diversas Constituições eclodiram após a Declaração de 1789, dentre elas cabe citar a Constituição de 1791, a de 1793 e a de 1795, que foram fruto das referida Declaração, introduzindo e englobando diversos direitos humanos fundamentais.

Na França, em 1815, Luís XVIII, restaurou a Monarquia, no entanto não significou um retrocesso ao regime antigo (anterior a 1789), as ralações capitalistas já estavam perfectibilizadas, a burguesia não teve dificuldades em aceitar esse novo regime, visto que não prejudicou na acumulação do capital (TRINDADE, 2002).

Neste período de grande restauração política e conservadorismo:

[...] os Direitos Humanos sofreram retrocesso generalizado, despontando contra eles uma agressiva crítica promovida pelos governos e pela Igreja Católica. “Para os governos conservadores depois de 1815 – e que governos da Europa Continental não o eram? – o encorajamento dos sentimentos religiosos e das igrejas era uma parte tão indispensável da política quanto a organização da política e da censura: o sacerdote, o policial e o censor eram agora os três principais apoios da reação contra a revolução. (...) Além do mais, os governos genuinamente conservadores se inclinavam a desconfiar de todos os intelectuais e ideólogos, até dos que eram reacionários, pois uma vez aceito o principio do raciocínio em vez da obediência, o fim estaria próximo. (TRINDADE, 2002, p. 80)

Este modelo politico conservador visava evitar que novas revoluções explodissem, e com vista nisto tentavam impedir que revolucionários e ideólogos surgissem para derrubar o governo que estava aliado a igreja neste sistema.

Os direitos alcançados durante a Revolução Francesa, como a igualdade, que beneficiavam as classes populares foram congelados, pelo governo da época. O desenvolvimento da economia capitalista ocorreu devido ao impulso da Revolução

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Industrial, e seus efeitos se alastraram cada vez mais no século XIX, principalmente na Inglaterra, os quais já estavam bem adiantados (TRINDADE, 2002).

A Revolução Industrial criou uma estrutura diferenciada para os trabalhadores, estes passavam a vender sua mão-de-obra em troca de salários. O sistema capitalista procurava explorar a o trabalho e com isto obter maior produtividade.

O Doutrinador José Damião de Lima Trindade (2002, p. 83) faz considerações importantes sobre este período histórico:

Formou-se na Inglaterra, à força e em poucas décadas, uma numerosa classe operária urbana: economicamente “livre” para locomover-se do campo para os bairros miseráveis das cidades e lá abraçar a perspectiva de vida que lhe restava: vender sua força de trabalho a baixíssimo preço a quem quisesse empregá-lo. O trabalho assalariado, sob disciplina e horário, submisso a patrões, gerentes, chefes e fiscais, antes existente em circunstâncias sazonais ou excepcionais, ou, quando permanente, reduzido a pequeno contingente da população, tornou-se o infeliz modo de vida a que se viu forçada dali por diante a desolada maioria das pessoas.

Iniciou-se então a submissão de famílias (mulheres, crianças, jovens) ao trabalho, em troca de uma miserável recompensa. Acidentes de trabalho ocorriam frequentemente devido as altas horas da jornada. Não existiam os direitos sociais positivados que lhes garantisse e protegessem desta “escravidão”.

Além da Inglaterra, todas estas transformações tecnológicas na produção e na sociedade, foram alcançando outros países durante a metade do século XIX (TRINDADE, 2002).

Ainda sob esta perspectiva:

As consequências sociais da Revolução Industrial, como se sabe, foram sombrias. Por um lado, multiplicou enormemente a riqueza e o poderio econômico da burguesia. Por outro lado, desestruturou o modo tradicional de vida da população, tornando-o permanentemente instável, aprofundando dramaticamente as desigualdades sociais e fazendo tornarem-se familiares duas realidades terríveis: o desemprego e a alienação do trabalhador em relação ao seu

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produto. [...] Assim, os efeitos combinados da Restauração e da revolução Industrial instauraram na Europa, ao longo da primeira metade do século XIX, o que pode ser chamado de uma primeira grande crise dos direitos humanos, desde que haviam sido formulados pelos filósofos racionalistas do século XVIII. Ela se configurava de duas maneiras, como estagnação e como agravamento. Era como estagnação no plano institucional, devido à resistência, tanto da reação monárquica como dos liberais, a estender os direitos políticos aos trabalhadores. E era como agravamento no plano econômico-social, pois, além da convergência dessas duas forças no propósito de manter a igualdade em estado de raquitismo jurídico-formal [...], a Revolução industrial havia também piorado dramaticamente as condições de vida dos trabalhadores. (TRINDADE, 2002, p. 85 e 88).

O modelo de sociedade capitalista voltada para a utilização de mão-de-obra barata, também sofreu fortes críticas, diversos pensadores e revolucionários tentavam mover as massas proletárias para que se insurgissem contra as condições precárias e indignas que lhes eram imposta. A Revolução Industrial, que introduziu uma técnica de produção diferenciada, criou uma desigualdade entre as classes: burguesia e proletariado.

Os socialistas utópicos criticaram moralmente o capitalismo, mencionaram os primeiros argumentos a fim de mover uma batalha dos trabalhadores em busca de seus direitos humanos (TRINDADE, 2002).

Uma figura muito importante que se opôs aos ideais capitalistas foi Karl Marx. Conforme o doutrinador José Trindade (2002, p. 136):

[...] o que importa ressaltar é que, a partir da segunda metade do século XIX, elas foram imprimindo às lutas sociais uma dinâmica dupla de, a um só tempo, continuidade e ruptura, retomavam a indignação moral e a insatisfação social dos socialistas utópicos e dos movimentos espontâneos dos operários, mas afastavam-se daquelas idealizações voluntaristas de um imaginário mundo “perfeito” para, em seu lugar, promover a análise e a crítica concretas da sociedade real, em conexão com uma práxis social transformadora sob a perspectiva dos explorados e oprimidos.

A submissão brutal das massas proletárias a jornadas de trabalho longas e sem mínimas condições de segurança e dignidade acabou somente quando esta classe se organizou.

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A Constituição Francesa de 1848, retomando o espírito de certas normas das Constituições de 1791 e 1793, reconheceu algumas exigências econômicas e sociais. Mas a plena afirmação desses novos direitos humanos só veio a ocorrer no século XX, com a constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. [...] Os direitos humanos de proteção do trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a parir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. (COMPARATO, 2010, p. 66-67).

Outro marco muito importante para a inserção dos direitos humanos nas constituições foi os reflexos advindos da 2ª guerra mundial, que influenciou em grande escala na positivação dos direitos, com o escopo de evitar que demais atrocidades fossem realizadas.

Consoante o que dispõe o Doutrinador Fábio Comparato (2010, p. 68):

Ao emergir da Segunda Guerra Mundial, após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da dignidade humana.

Ademais, o referido doutrinador afirma que:

A Declaração de Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, e cuja revelação só começou a ser feita – e de forma muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais – após o encerramento das hostilidades. (COMPARATO, 2010, p. 238).

Durante este horrendo período, milhares e milhares de pessoas foram mortas em virtude de sua raça ou opção religiosa. Eram submetidas a experiências em laboratórios e ficavam em campos de concentração sob condições bárbaras. A ideologia nazista (sistema totalitário) imposta na Alemanha foi considerada umas das maiores atrocidades já existentes contra o indivíduo e os direitos humanos.

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Todos estes movimentos fizeram emergir a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, e complementando esta acepção:

Seja como for, a Declaração, retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. (COMPARATO, 2010, p. 238).

Surge a partir de então, uma nova fase histórica de positivação dos direitos humanos fundamentais. A sociedade sentiu a necessidade de uma proteção maior, de ver expressos os referidos direitos.

Novamente, sob a ótica do doutrinador Fábio Comparato (2010, p. 69):

A Declaração Universal, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, aprovada um dia antes também no quadro da ONU, constituem os marcos inaugurais da nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento. Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos. Após o término da 2ª Guerra Mundial, dezenas de convenções internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, foram aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Não apenas os direitos individuais, da natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade.

A referida Declaração buscou a proteção internacional de todos os indivíduos, reconhecendo a eles dentre outros direitos a dignidade humana, independente de qualquer condição e diferenças. Não basta a garantia da vida se esta não estiver entrelaçada com a dignidade.

Antes de iniciar uma análise sobre o teor da Declaração Universal, insta ressaltar mais algumas considerações quanto a sua relevância:

Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humana em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores

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independente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer condição, como se diz em seu artigo II. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumanizadora guerra de toda a História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade. (COMPARATO, 2010, p. 240).

O disposto acima demonstra com clareza os efeitos do regime nazista sobre a Declaração, este que pregava a tortura, a desigualdade entre raças e o tratamento desumano.

No que diz respeito ao teor da Declaração, alguns artigos merecem destaque, principalmente os que consagram o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, que serão debatidos no decorrer:

PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão;

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades;

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA

a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo

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sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (COMPARATO, 2010, p. 246-247).

Estes primeiros artigos integrantes da Declaração demonstram em primeiro momento a importância de se assegurar a dignidade da pessoa humana a todas as pessoas, juntamente com a liberdade, a igualdade e fraternidade: ideais da Revolução Francesa. O direito à vida também está resguardado no artigo III, certamente com o escopo de evitar que mais vidas sejam ceifadas.

No entanto, não cessam por aqui os dispositivos relevantes:

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma

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existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas. (COMPARATO, 2010, p. 249-251).

A proteção à arbitrariedade de prisões, à nacionalidade, à liberdade de crenças, demonstra os reflexos da 2ª Guerra Mundial para a construção desta Declaração. Não cessam aqui as influências, a garantia a um trabalho sob condições justas e com remuneração digna, nada mais é que resquícios advindos da Revolução Industrial.

Os direitos assegurados na Declaração Universal foram também introduzidos em diversas Constituições. A Magna Carta Brasileira de 1988 é um exemplo desta inserção.

1.2 Vida e Dignidade da Pessoa Humana

A vida e a dignidade da pessoa humana são direitos, hoje constitucionalizados, que devem ser preservados a fim de garantir a sobrevivência do ser humano. No contexto histórico dos direitos humanos, os referidos direitos estão presentes, até mesmo quando eram apenas considerados direitos naturais inerentes a cada indivíduo, isto é, quando não havia nem mesmo a sua positivação.

O resguardo dos mesmos no ordenamento jurídico é imprescindível, haja vista que a própria Declaração Universal de Direitos Humanos faz menção a estes direitos.

1.2.1 Gerações de Direitos

Antes de verificar a conceituação e o enquadramento do direito à vida e a dignidade da pessoa humana na Constituição, é relevante mencionar as “dimensões” dos direitos humanos. As “dimensões” demonstram a evolução dos

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direitos humanos durante a história, que foi marcada por diversas transformações e adaptações.

Os direitos de primeira geração, para Sarlet (2011, p. 46-47):

[...] são o produto peculiar [...] do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do individuo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade à igualdade perante a lei.

Com o surgimento do modelo de sociedade individualista, fez-se necessário impedir que o Estado tivesse livre arbítrio e interviesse como bem entendesse na sociedade e na vida do povo. Por isso são chamados de direitos negativos, com o escopo de limitar a atuação do Estado na vida pessoal do indivíduo.

Os principais direitos fundamentais desta geração são: à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade. Nesta mesma dimensão enquadra-se também o não menos importante direito à dignidade da pessoa humana, que fica entrelaçado ao direito à vida.

Os direitos de segunda geração são os direitos econômicos, sociais e culturais.

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. A nota distintiva desses direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual [...] Não se cuida, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado. Esses direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente já haviam sido comtemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, na

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Constituição Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de 1849 [...] caracterizam-se, ainda hoje, por outorgarem ao individuo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a formulação preferida da doutrina francesa. (SARLET, 2011, p. 47).

Esta segunda dimensão (geração) já se opõe a ideia de limitar a intervenção do Estado, surgiu a necessidade de que o mesmo não mais se abstivesse, tornando-se ativo para realizar a justiça social. Os direitos então deixaram tornando-seu cunho negativo para uma dimensão positiva.

A terceira dimensão é marcada pelos direitos de solidariedade e fraternidade.

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-individuo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Para outros, os direitos da terceira dimensão têm por destinatário precípuo “o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. (SARLET, 2011, p. 48).

Alguns doutrinadores ainda mencionam direitos de quarta e quinta geração. Está dimensão surgiu no momento em que a sociedade verificou-se diante de diversos avanços tecnológicos nas pesquisas científicas. Segundo Sarlet (2011, p. 50) menciona o seguinte:

[...] impõe-se examinar, num primeiro momento, o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão dos direitos fundamentais, ao menos nos dias atuais, de modo especial diante das incertezas que o futuro nos reserva. Além do mais, não nos parece impertinente a ideia de que, na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa.

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De acordo com o supracitado, doutrinadores de grande monta defendem a existência de gerações mais avançadas, que protegem direitos atuais.

Ainda sob a ótica do referido Doutrinador:

[...] há que se referir, no âmbito do direito pátrio, a posição do notável Paulo Bonavides, que, com a sua peculiar originalidade, se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão, sustentando que esta é o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que corresponde, na sua opinião, à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. [...] A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir roupagem nova reivindicações deduzidas, e sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade. (BONAVIDES apud SARLET, 2011, p. 52-53).

No concernente a quarta geração, incluem-se os direitos de manipulação genética, porém ainda se encontram em fase de reconhecimento e positivação.

Os avanços biotecnológicos ensejaram, ainda, a quarta dimensão de direitos humanos que trata sobre a manipulação genética e a bioengenharia. Esses direitos humanos cuidam, portanto, de questões advindas das inovações tecnológicas, bioéticas, da sustentabilidade econômica e do direito à vida saudável e em harmonia com a natureza. [...] Assim sendo, a quarta dimensão de direitos humanos não terá a função de inviabilizar o desenvolvimento biotecnológico, mas de apenas regular a maneira como essa evolução da biotecnologia ocorrerá, a fim de evitar a violação de direitos humanos, consagrados pela legislação internacional e pelas legislações nacionais dos países. (BARROS, [S.d.], p. 10).

A pesquisa genética e até mesmo os procedimento médicos podem ser realizados com ponderação, respeitando os direitos humanos, principalmente o direito à vida e a dignidade desta.

Os direitos de que se trata nesta sessão, encontram respaldo na Constituição Federal de 1988, nos seguintes dispositivos:

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Art. 1º a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...]

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...]

O direito à vida e a dignidade da pessoa humana são preceitos de extrema abrangência e de difícil conceituação, no entanto não são poucos os doutrinadores que de uma forma ou de outra os conceituaram ou importantes considerações teceram sobre eles.

No concernente ao direito à vida, o doutrinador Dallari (2008, p. 32-33) faz as seguintes considerações:

A vida é necessária para que uma pessoa exista. Todos os bens de uma pessoa, o dinheiro e as coisas que ela acumulou, seu prestigio politico, seu poder militar, o cargo que ela ocupa, sua importância na sociedade, até mesmo seus direitos, tudo isso deixa de ser importante quando acaba a vida. [...] Por isso pode-se dizer que a vida é o bem principal de qualquer pessoa, é o primeiro valor moral de todos os seres humanos. Não são os homens que criam a vida. [...] A vida não é dada pelos seres humanos, pela sociedade ou pelo governo, e quem não é capaz de dar a vida, não deve ter o direito de tirá-la. É preciso lembrar que a vida é um bem de todas as pessoas, de todas as idades e de todas as partes do mundo. Nenhuma vida humana é diferente de outra, nenhuma vale mais nem vale menos do que outra.

A seguinte metáfora sobre a vida é muito interessante e nos remete a diversas reflexões:

A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída. E, de um ao outro extremo, vai o caminho, longo ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem, pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e outro mistério que lhe confinam a passagem terrestre. (BARBOSA apud ROCHA, 2006, p. 40).

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A dificuldade na conceituação não é o único questionamento acerca da vida, haja vista que o início e o término dela faz surtir debates intensos e atuais. Talvez, não seja no exato momento do nascimento que ela surja e também, talvez, não seja somente com a parada das atividades corporais que ela se encerre. A discussão é longa e no decorrer do presente trabalho monográfico serão verificados estes quesitos.

A vida é necessária para que os demais direitos existam e possuam sentido. Eis um dos motivos deste direito ser considerado o mais importante e fundamental. Porém o respeito à dignidade da pessoa humana é imprescindível para que a vida perdure com as devidas garantias e condições sociais.

Inexistindo a vida não há que se mencionar sobre a dignidade da pessoa humana. Está não existe sem aquela e vice versa. Ambos direitos estão intimamente conectados.

Na visão de Alexandre de Moraes (2011, p. 48):

[...] a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas

as pessoas enquanto seres humanos. [...] O princípio fundamental

consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa

humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente,

prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. [...] A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se em três princípios do direito romano:

honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não

prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido).

A dignidade está associada a qualquer indivíduo é um valor inerente e intrínseco à vida humana. Sua previsão no preâmbulo da Declaração Universal dos

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Direitos Humanos e seu resguardo como princípio fundamental na Constituição demonstram a sua altivez.

Merecedoras de destaque são as palavras de Kant (apud SARLET, 2011, p. 41):

[...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.

A concepção de Kant sobre a dignidade teve forte influência, mais tardiamente, para a positivação e reconhecimento deste princípio pelo ordenamento jurídico e pelas declarações de direitos.

Ademais, outras concepções também foram importantes no que se refere a este princípio:

Da concepção jusnaturalista – que vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII – remanesce, indubitavelmente, a constatação de que uma ordem constitucional que – de forma direta ou indireta – consagra a ideia da dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. (SARLET, 2011, p. 48).

A dignidade é um pressuposto, basta existir para que ela se torne inerente, independe de qualquer condição ou circunstância. Este princípio assume papel relevante frente à sociedade atual e entra em questão geralmente quando situações polêmicas são trazidas à baila pelos tribunais.

Afastando-se das concepções históricas da dignidade, o doutrinador Ingo Sarlet (2011, p. 71) faz um apanhado e dispõe:

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O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

A dignidade é um princípio que sendo inerente ao ser humano assegura-o dos direitos e garantias fundamentais, garantindo assim que este não se torne fantoche, um objeto manipulado por quem quer que seja.

O conceito de dignidade está sempre em reconstrução pelos doutrinadores, juristas e tribunais. Muitos ajustes já foram realizados conforme a evolução e transformação da sociedade. O doutrinador Ingo Sarlet (2011, p. 73) têm forte participação na construção deste conceito:

Assim sendo, temos por Dignidade da pessoa humana a qualidade

intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra o todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

A dignidade da pessoa humana é considerada um valor moral que diante da imprescindibilidade frente ao ordenamento jurídico, foi acoplada a Constituição Federal tornando-se um dos pilares do ordenamento jurídico, sendo reconhecida como princípio fundamental.

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O direito à vida é reconhecido como o mais fundamental de todos os direitos, sem o qual os demais não existiriam. Não se pode falar em propriedade, liberdade, dignidade, igualdade sem que impere sobre todos estes a garantia, em primeiro lugar, do direito à vida.

O Doutrinador Alexandre de Moraes (2011, p. 80) menciona que:

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui como pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A constituição Federal assegura, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência. O direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível adequado com a condição

humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, assistência

médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida

adequado com a condição humana respeitando os princípios

fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.

Os direitos sociais previstos no art. 5º da Constituição Federal devem ser garantidos, a fim de que não se viole o direito à vida digna, fornecendo aos indivíduos condições básicas para sua existência.

O Estado é o ente responsável pela garantia destas condições mínimas existenciais ao indivíduo, cria-se então uma dupla obrigação:

[...] obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;

[...] efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, através de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida

digna da pessoa humana. (MORAES, 2011, p. 80-81).

Deste direito de não violação da vida humana emerge várias divergências que não são especificadas pela lei, eis que a competência para discutir sobre elas é de

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biólogos e cientistas. A questão se refere ao início e término da vida, e a sua interrupção antecipada; problemáticas estas que serão desenvolvidas no capítulo seguinte.

(35)

2 O CRIME DE ABORTO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

Após as análises realizadas anteriormente sobre os direitos humanos, mais especificamente, o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, explanar-se-á neste capítulo a prática abortiva, divergências doutrinárias acerca da temática, e sua previsão legal.

O aborto é considerado por muitos doutrinadores como sendo a interrupção da gestação, isto é, o feto não possui condições de sobreviver fora do útero materno, acarretando seu perecimento em virtude dos métodos praticados para o expelir. O objeto jurídico deste crime é justamente a vida do feto, e consequentemente a integridade física e a dignidade da gestante, direitos fundamentais estes que foram abordados no capítulo anterior.

A legislação penal prevê condições em que a prática abortiva não se torna criminosa. A mãe adquire o direito de interromper a gestação. A seguir abordar-se-á com amplitude determinados conceitos, previsões e divergências doutrinárias.

2.1 Considerações históricas sobre o aborto

A prática abortiva é uma técnica já criminalizada há muito tempo. Na obra do Doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2011, p.158), verifica-se abordagens claras sobre tal afirmação:

O Código criminal do Império de 1830 não criminalizava o aborto praticado pela própria gestante. Punia somente o realizado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante. Criminalizava, na verdade, o aborto consentido e o aborto sofrido, mas não o aborto

provocado, ou seja, o autoaborto. A punição somente era imposta a

terceiros que interviessem no abortamento, mas não à gestante, em nenhuma Hipótese [...]

Referências

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