UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI
Cassia Pricila Teixeira
DELINQUÊNCIA: UMA SAÍDA PARA A CRISE ADOLESCENTE
FRENTE AO SOCIAL
Ijuí,
2014
CASSIA PRICILA TEIXEIRA
DELINQUÊNCIA: UMA SAÍDA PARA A CRISE ADOLESCENTE
FRENTE AO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de curso
apresentada
à
Universidade
Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ
para obtenção do título de
Bacharel em Psicologia.
Professor Orientador: Dra. Lala Catarina Lenzi Nodari Ijuí
Dedicatória A minha mãe, que desde pequena confiou e acreditou em mim e junto comigo sonhou. Aquela que fez o possível e o impossível para a realização dos meus sonhos. E que neste momento divide essa conquista junto a mim.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por exatamente tudo que fizeram por mim, pelas brigas, pelos conselhos e por todos esses anos de apoio na formação universitária, e especialmente por acreditarem em mim.
Aos meus amigos que sempre me escutaram, me acompanharam, e divertiram durante todo o percurso, em especial aqueles que souberam compreender e respeitar a distância que ocorreu decorrente deste período acadêmico, e mesmo assim, não desistiram da minha amizade.
Ao meu amor, que me apoiou em todas as minhas escolhas e que soube ser compreensivo e me aguentar nesse momento conturbado de escrita.
Aos colegas de curso que com o passar do tempo acabaram por se tornar parte da minha vida como amigos, se tornando indispensáveis neste momento de formação. Com certeza, sem essas pessoas não conseguiria ter aguentado tanto tempo sem enlouquecer.
A minha orientadora pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos.
Aos professores, pela paciência, dedicação, profissionalismo e, acima de tudo, apoio para todos seus alunos. Assim como aqueles que nos fizeram perceber quão bonita é nossa profissão, nos ensinando a amar e respeitar a psicologia em todos os seus sentidos.
E a todos que direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado.
“Eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante, eu prefiro ser essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”
DELINQUÊNCIA: UMA SAÍDA PARA A CRISE ADOLESCENTE FRENTE AO SOCIAL
ALUNA: CASSIA PRICILA TEIXEIRA
ORIENTADORA: DRA. LÀLA CATARINA LENZI NODARI
RESUMO:
A adolescência faz parte de um período recente da nossa história. Ela foi se constituindo a partir da mudança que ocorreu e vem ocorrendo na sociedade, que permitiu a constituição tanto do adolescente, que conhecemos hoje, como do aumento da violência e delinquência, que por muitas vezes é atribuída a esses jovens. A adolescência trata-se de um momento de passagem, entre a posição infantil para uma nova posição discursiva. Trata-se de uma transição, na qual muitas
vezes o jovem se encontra em um “não lugar”, não sendo adulto nem mesmo
criança, não sabendo como deve responder à grande exigência que o social lhe impõe, mas que ao mesmo tempo, não lhe dá lugar para exercer. O adolescente se encontra em um momento de crise subjetiva, para a qual uma das saídas pode ser compreendida como a delinquência. Trabalhar essa questão torna-se então, essencial para podermos perceber tanto a origem dessa problemática, como investigar o social contemporâneo, para pensar se a delinquência pode ser compreendida como um sintoma social.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 07
2 CONTEXTUALIZAÇÃO A RESPEITO DA IDEIA DA CONTEMPORANEIDADE ... 09
2.1 Constituição histórica da sociedade atual ... 09
2.2 Uma crítica ao desenvolvimento da sociedade ... 18
2.3 Social, sociedade e sintoma social ... 21
3 ADOLESCÊNCIA E DELINQUÊNCIA ... 27
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 42
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará o tema da delinquência na adolescência e suas questões com o social, pensando se a delinquência pode ser considerada um sintoma social ou mesmo uma resposta ao nosso social patológico.
O mundo contemporâneo traz junto com ele grandes mudanças, principalmente na estrutura das famílias. Com a ascensão do capitalismo muitos pais e mães precisam sair para trabalhar, para assim prover a sua família, tendo que deixar seus filhos a cuidados de terceiros. Com isso também, se tem a impressão de um declínio da própria família, em que pai e mãe deixam de fazer suas funções, para que esta seja feita pela escola ou pelo social. Muitas vezes não se trata de sua própria vontade, mas do que se impõe pelo social.
Pode-se pensar que as mudanças do mundo contemporâneo, podem afetar a própria adolescência, pois seus referenciais acabam por se tornar diferentes do que havia até então. A adolescência pode ser considerada uma passagem complicada, um momento de crise difícil de ser transpassado, especialmente se não existem referenciais a se seguir. Parece-nos então, que o jovem sem um referencial a seguir acaba por transgredir a lei, talvez como forma de lidar com isto que se impõe a ele neste momento. Essa pode ser uma das razoes pelas quais, muitas vezes, a palavra “adolescência” vem atrelada à “delinquência”.
A questão da delinquência tem se tornado bastante preocupante atualmente. As leituras que realizamos nos apontam que essa realidade se faz em todos os lugares. Parece não haver país algum que desconheça este problema, todos estão em contato com ele, seja em maior ou menor intensidade.
Podemos pensar em determinadas situações, aparentemente graves do ponto de vista da sociedade. Parte da população clama para que os “delinquentes” sejam punidos. Ao mesmo tempo, são questionamentos importantes que levam a perceber e questionar a respeito de quem são eles, de quem os produziu, ou mesmo em que tipo de sociedade estamos vivendo atualmente. Conhecer quem é este sujeito delinquente, porque hoje ele está tão presente em nosso meio e a partir disso, refletir sobre estas indagações que são de total importância tanto social, como cientificamente. Isso constitui um desafio pela busca de mudança de paradigma, ou seja, transformar a forma de enxergar o delinquente, trazer novas compreensões
sobre o tema, que não se limitem ao senso comum e à opinião popular, com o fim de que sejam construídos conhecimentos que permitam a elaboração de medidas que possam vir a combater e compreender, questões como essas.
Desta forma e com esses objetivos, o trabalho divide-se em dois capítulos, o primeiro intitulado: “Contextualização a respeito da ideia da contemporaneidade como também do sintoma social”, abordando questões referentes à constituição do social atual, assim como sua análise crítica para por fim, culminar nos dispositivos que vieram a criar o adolescente que conhecemos hoje.
O segundo capítulo tendo como título “Adolescência e Delinquência” que trabalhará questões referentes à constituição desse período adolescente, assim como, o modo pelo qual a delinquência se funda frente a este sujeito e a sociedade de que faz parte.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO A RESPEITO DA IDEIA DA CONTEMPORANEIDADE
1.1 Constituição histórica da sociedade atual
Para podermos compreender nossa sociedade atual, primeiramente temos que nos remeter à sua história e a seu desenvolvimento. Desse modo, partiremos então, do momento que, para alguns historiadores pode estar concebido como marco entre o fim da sociedade feudal e o acontecimento, o qual pode ser entendido aqui, como o início do capitalismo: a revolução industrial.
A revolução industrial é dividida em três fases. A primeira deu-se na Inglaterra, no início do século XVIII, espalhando-se pelo restante do continente europeu na segunda metade do mesmo século. Foi um período de muitas mudanças e o capitalismo industrial teve grande impulso, graças ao acumulo de capital. Essa foi uma fase de transição entre o sistema de produção artesanal para o industrial e pode ser caracterizada pela invenção de várias máquinas movidas a vapor. Isso acarretou grande migração da população do campo para as cidades, nas quais buscava empregos. Os trabalhadores de fábricas recebiam salários baixos, enfrentavam péssimas condições de trabalho, além do uso de mão-de-obra infantil e feminina, com salários inferiores aos dos homens, o que ocasionou grandes mudanças tanto econômicas, como sociais.
A segunda fase da revolução industrial teve início no final do século XIX e início do século XX nos Estados Unidos. Foi marcada, diferentemente da primeira, pelo uso de petróleo e energia elétrica como fontes principais de energia. Houve significativo aperfeiçoamento das tecnologias usadas nas máquinas industriais, as quais se tornaram mais eficientes, bem como a criação de novas tecnologias de veículos e aviões. Os sistemas de produção também se tornam mais eficientes, resultando em maior produtividade, com redução de custos. Ocorre um movimento
denominado de “fordismo”1
. Maior produtividade com reduções de custos é o que move a revolução industrial nesse momento.
1
Fordismo é o nome dado ao modelo de produção automobilística em massa, instituído pelo norte-americano Henry Ford. Esse método consistia em aumentar a produção através do aumento de eficiência e baixar o preço do produto, resultando no aumento das vendas que, por sua vez, iria permitir manter baixo o preço do produto. http://www.infoescola.com/economia/fordismo/ Acesso em 29 de out 2014.
A terceira fase também liderada pelos Estados Unidos teve seu início no final da Segunda Guerra Mundial. Assim como todas as outras fases foi marcada por novas descobertas e uma nova fonte de energia passa a ser utilizada, a energia nuclear. Houve também maior fortalecimento do sistema capitalista, com o crescimento econômico do Japão e Alemanha, que passam a ser compreendidas como potências econômicas na segunda metade do século XX. Outros desenvolvimentos da época foram os da genética e biogenética. O mundo entra em processo de globalização. No final do século XX e começo do XXI o desenvolvimento da internet passa a determinar processos e comportamentos, fornecendo novas formas de ação ao mundo do comércio e das finanças.
Ocorrem mudanças profundas na forma de viver, como consequência desse sistema que se implanta. O capitalismo regula as condições de trabalho. Direitos dos trabalhadores passam a ser considerados. Houve também consequências desse novo modo econômico para o meio ambiente. A terceira fase do capitalismo instaurado pela Revolução Industrial é aquela vivemos atualmente.
O movimento referido inicia um processo de modificação da estrutura social existente, o qual estabelece marcas que vem a produzir a transformação da vida humana. Este período de mudança ocorrida no processo produtivo teve desdobramentos não só sociais, mas culturais, políticos e econômicos. O mundo deixa, naquele instante, a era agrícola e entra na era industrial, a qual traz em seu bojo, a modernidade. Assinalando o modo como se deu esse acontecimento, temos que:
Em síntese, portanto, devido à revolução industrial, realizam-se transformações radicais tanto na cidade como no campo: por um lado logo após as migrações geográficas da indústria à procura de novas fontes de energia; por outro, pela requalificação do trabalho agrícola. Combinados, esses dois acontecimentos determinam um novo assentamento territorial global, enquanto é codificado o valor do uso do solo e acelerada a dinâmica do nomadismo operário, em uma busca contínua de ocupação e salário. Essas massas, que se dirigem aos principais centros produtivos, formam assim as primeiras conurbations como projeção territorial direta da nova situação econômica. Os procedimentos adotados para resolver os problemas criados por essas enormes aglomerações tornam-se, enfim, a teoria para a “cidade moderna”, com a qual propõem-se novas leis e regulamentos capazes de controlar o desenvolvimento urbano (MARIANI, 1986, p. 4).
Este momento se consistiu de um processo no qual, o desenvolvimento tecnológico traz em si, aspectos centrais e definidores de novas formas de produção. Ocorre de modo a encaminhar a substituição do modo de produção doméstico, tendo então, como consequência, grande migração da população de camponeses para a cidade; provocando assim, o aumento exacerbado da população urbana, o que determinou novas maneiras de desenvolvimento.
Figura 1: Uma rua de um bairro pobre de Londres (Dudley Street); Gravura de Gustave Doré de 1872.
Fonte: BENEVOLO (1999).
O grande deslocamento de trabalhadores rurais, na sua grande maioria sem qualificação profissional, fez com que muitos desses ficassem em condições miseráveis de trabalho, se submetendo a grandes jornadas de trabalho, que:
Nessa situação, onde as relações seculares entre coisas e pessoas, a decadência ritual e a própria cultura dos homens são súbita e dramaticamente interrompidas, amadurece a formação do “proletariado urbano” nas suas formas mais específicas e particulares. A ruptura dos ritmos
lentos do campo, favorecidas por oportunas e tempestivas leis fundiárias, traz para cidade enormes massas de trabalhadores que o novo sistema industrial transforma em serventes e operários (MARIANI, 1986, p. 2).
Antes da Revolução Industrial, a atividade de produzir era feita pelos artesãos, os quais muitas vezes eram proprietários da matéria-prima e comercializavam o produto final do seu trabalho manual. Nesse processo eram utilizadas apenas algumas ferramentas. Um único artesão realizava o trabalho ou um grupo se organizava para dividir as etapas do processo da produção sem utilizar máquinas. Dessa forma, eles ditavam seu ritmo de trabalho. Com as mudanças decorrentes da Revolução Industrial, rapidamente as praticas precisam começar a ser modificadas. Desse modo, passaram a sentirem-se obrigados à disciplina das fábricas, sofrendo também a “concorrência” de mulheres e crianças.
A entrada de mulheres e crianças no mercado de trabalho ocorreu porque os salários pagos aos operários eram baixíssimos, ocasionando condições de vida precárias. As mulheres e crianças passaram a trabalhar nas fábricas como forma de complementar a renda familiar. O salário recebido por estas era muito inferior aos recebido pelos homens, mas por muitas vezes não havia alternativa, para poder sustentar suas famílias, a não ser se sujeitar a estas condições desumanas de trabalho. As mulheres sujeitavam-se a jornadas de 14 a 16 horas de trabalho por dia, condições prejudiciais à saúde e muitos outros abusos, para não perderem o emprego. Elas foram incorporadas subalternamente ao trabalho nas fábricas, pois possuíam salário inferior ao dos homens, apesar de fazer as mesmas jornadas de trabalho. Ocorrem lutas entre homens e mulheres ao longo de todo o processo da revolução industrial, pois os primeiros acusavam as mulheres de roubarem seus postos de trabalho, já que em momentos de crise econômica, por ser mão-de-obra mais barata, o trabalho feminino substituía ao masculino.
As crianças também se submetiam as mesmas condições muitas vezes trabalhando até por mais tempo. A realidade de crianças no trabalho ocorria tanto em fábricas como em minas de carvão. Muitas delas morriam devido ao excesso de trabalho, da insalubridade do ambiente e da desnutrição. A concepção tida a respeito do trabalho infantil era de que necessitavam trabalhar para ficarem protegidas da marginalidade, uma vez que o espaço das fábricas era tido em oposição ao espaço da rua, considerado desorganizado e desregulado. Além disso,
o trabalho infantil aumentaria a renda familiar, sendo concebido por muitos como uma escola do trabalho.
A exploração do trabalho infantil ao lado do trabalho das mulheres, se constituiu numa das principais fontes de trabalho humano para os donos dos meios da produção que intensificaram gradativamente a exploração para a valorização do capital.
Figura 2: Mulheres e crianças trabalhando em uma fábrica de costura.
Fonte: http://revindustrialnaescola.blogspot.com.br/2009_04_01_archive.html Ao serem incorporadas ao trabalho nas fábricas, as mulheres passaram a ter uma dupla jornada de trabalho. A elas cabia cuidar da prole e dos afazeres domésticos, como também a realização do trabalho remunerado nas fábricas. Essa entrada das crianças e principalmente das mulheres no mercado de trabalho, fez com que a estrutura familiar fosse se modificando. As famílias que eram organizadas e sustentadas a partir do trabalho masculino começaram a se modificar pela necessidade de aumentar a renda familiar e melhorar as condições de vida.
No âmbito social ocorre uma grande mudança. O modo de vida altera-se. A migração em massa de pessoas do meio rural para a cidade causou um “desequilíbrio” importante na ordem tradicional, na medida em que o campo já não possuía mão de obra suficiente para dar conta das tarefas características de produção de alimentos, ao mesmo tempo em que, os grandes centros urbanos não possuíam condições de espaço e infraestrutura de modo a abrigar de forma satisfatória, todas as pessoas que para ali migraram. A esse respeito, Mariani nos fala sobre duas revoluções, que podemos sublinhar dentro desse período. A primeira, decorrente desse “desequilíbrio” pelo abandono do campo, e a outra; referente às múltiplas manifestações de um fenômeno que até então, nunca havia sido observado: o fim da moralidade, da religião e de qualquer outro “sentimento de sociedade civilizada” (1986, p. 14). E ele reitera ainda que:
A revolução consistia, portanto, naquilo que aquelas massas manifestavam em seu cotidiano, vivendo além de qualquer norma e de qualquer hábito, sem qualquer relação de submissão nos confrontos com outros grupos ou autoridades, a não ser através de um único laço, entre patrão e operário, constituído pelo salário, laço esse por sua vez extremamente frágil (MARIANI).
As consequências desse processo enseja uma grande revolução social e de costumes. Pode também ser observada a acentuação da desigualdade social, demarcando diferenças profundas entre a classe operária e a burguesia. Esses dois segmentos sociais não estavam aparentemente “prontos” para conviver nesse tipo nascente de sociedade. As alterações ocorridas deram-se de forma rápida e dramática; ou seja, conforme os padrões vigentes à época. Não pareciam existir “regras” de convivência nessa nova sociedade. Por outro lado, aspectos de ordem prática ou instrumental sequer existiam. Não havia planos de controle de quaisquer movimentações; fossem elas de migração, moradia, escolarização e principalmente para epidemias que assolavam as novas cidades super-habitadas e com condições precárias para uma vida digna.
Figura 3: Fila de desempregados
Fonte:
http://imagenshistoricas.blogspot.com.br/2012/04/revolucao-industrial.html
Nesse cenário há um favorecimento à instalação da miséria e da desagregação social. Essa passa a ser a nova realidade da época. O número de suicídios e delitos sem nome aumentava consideravelmente. Os costumes estavam corrompidos em meio à vida massificada e que ainda não podia se denominar de sociedade, pois não havia mínima organização, em meio ao despreparo próprio e característico de um tempo de mudança de paradigmas.
Algumas formas incipientes de organizações, com certo aspecto social, foram criadas. Nessa direção nos diz Mariani que:
[...] as caixas econômicas não trazem nenhuma vantagem ao público. As máquinas a vapor, aplicadas à aplicação de manufaturas, aumentam a pobreza, tanto na Inglaterra como na França. As estradas de ferro não são de nenhuma utilidade ao negociante e paralisam muitos braços. Portanto, que a sociedade não fique na esperança de usufruir aqui embaixo a prosperidade que poderia atingir, enquanto a economia pública não for totalmente ordenada de acordo com os princípios da reta razão e da sã moral. Então as engenhosas invenções que honram o nosso século serão úteis a todos. Diferentemente, muitos trabalhadores angustiados, não poucos ladrões e assassinos, fileiras de miseráveis e gente honesta obrigada a emigrar2, para
2
Nota da autora: Torna-se importante esclarecer as expressões emigrar e imigrar. Onde a primeira se refere ao ato de deixar o local de origem (a pátria) com intenção de se estabelecer em um país estranho. Um indivíduo que se encontra nesta situação é denominado na sua pátria por emigrante.
Já quando nos referimos à imigração estamos falando no fenômeno protagonizado pelo mesmo indivíduo, mas visto pela perspectiva do país que o acolhe. Ou seja, é a entrada de quem vem do exterior para fins de trabalho e/ou residência, passando a ser denominado por imigrante. http://www.significados.com.br/imigracao-e-emigracao/
lançar-se em busca de um pedaço de pão em terra estrangeira, juntamente com milhares de outros miseráveis (1986, p.12).
A realidade em que os sujeitos se encontram mostra-se totalmente diferente daquela que conheciam. Para sobreviver e também pelo próprio desconhecimento de como se conviver nessa nova organização, os indivíduos buscam alternativas. Estas, muitas vezes, recorrem à violência; agora diversa e por motivos outros daquela existente em sua vida anterior no campo. Uma alternativa encontrada para minimizar esta situação foi à emigração, que poderia supostamente permitir que, em outra terra houvesse melhores condições de vida; o que ocasionou grandes sequelas para a sociedade da época, entre elas o fato de ter de abandonar a própria pátria um busca de uma melhor qualidade de vida e da própria dignidade.
No cenário econômico ocorreu enorme expansão do comércio, favorecido pela melhoria das rotas de transportes. As aplicações de novas invenções de meios de transportes terrestres e marítimos influenciaram o acesso a mercados cada vez mais distantes, gerando assim uma ampliação da dimensão dos mercados estrangeiros, acompanhada de uma nova divisão do trabalho.
A mecanização tornou os métodos de produção mais eficientes com a aplicação de inovações técnicas no campo da indústria e com o descobrimento de uma inovadora fonte de energia produzida pelo vapor. Os produtos passaram a ser produzido mais rapidamente, barateando o preço e estimulando o consumo. Assim pode se observar o grande aumento da economia. Em contrapartida também, aumentou substancialmente o número de desempregados, a mão-de obra humana foi aos poucos sendo substituída por máquinas.
Além de desemprego esse novo sistema provocou o descontentamento de muitos trabalhadores, motivados pelas condições de trabalho e salários precários. Ocorre uma revolta contra as máquinas e as fábricas. Para proteger as empresas, os proprietários e o governo se organizaram militarmente. O crescimento das lutas operárias obrigou as classes dominantes a criarem leis que garantissem
subsistência mínima das pessoas desempregadas. Em 1811, o movimento Ludista3,
no qual ocorria luta contra os avanços tecnológicos, que substituíam homens por máquinas, invadiu fábricas e destruiu máquinas. Esse movimento durou apenas
3
O Ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Contrários aos avanços tecnológicos ocorridos na Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão-de-obra humana por máquinas. O nome do movimento deriva de um dos seus líderes, Ned Ludd. http://www.suapesquisa.com/industrial/ludismo.htm. Acesso em 29 de out 2014.
alguns anos, pois houve a percepção de que não deveriam reagir contra as máquinas, mas sim, contra os proprietários que as produziam e abusavam de sua mão-de-obra.
Posteriormente e de forma pouco mais organizada surgiu o movimento
denominado “Cartismo”4
, constituído por “Associação dos Operários”. Esse
reivindicava direitos políticos, como o voto secreto, melhoria nas condições e jornadas de trabalho. Após muitas tentativas e lutas o movimento foi dizimado, porém não perdeu força, conseguindo posteriormente que algumas leis trabalhistas fossem criadas.
Outro movimento que pode ser citado e que deu origem ao que conhecemos
hoje como “Sindicato de trabalhadores” foram os trade-unions: associações
formadas por operários, mas de evolução muito lenta nas reinvindicações, principalmente porque eram extremamente reprimidas pela sociedade burguesa da época, que os via como um perigo. Em sua evolução, formaram os sindicatos, que se tornam sistemas de organização de defesa de direito. Esses se transformam em focos de resistência à exploração capitalista.
A Revolução Industrial como vimos, originou-se na Inglaterra alcançando o
continente e o resto do mundo, pela via do que se denominou de “globalização” 5
, atingindo também a Bélgica, a França e posteriormente a Itália, a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos e o Japão. Após 1850, a produção industrial se descentralizou da Inglaterra definitivamente, porém, cada país se desenvolveu em um ritmo próprio baseado nas condições econômicas, sociais e culturais de cada lugar. Essa expansão industrial estimulou o imperialismo econômico do século XIX iniciando uma grande corrida neocolonial por novos mercados, que culminou com a Primeira Guerra Mundial.
O pensamento vem se modificando. Torna-se perceptível a busca do capital por novas tecnologias com o fim de ampliação de lucros. A sociedade também já
4 Ocorreu entre os anos trinta e quarenta, onde os participantes publicaram “a Carta do Povo” e lutavam pelas reivindicações nelas apresentadas. Segundo a definição de Lénine, o cartismo foi “o primeiro movimento revolucionário proletário amplo, verdadeiramente de massas, politicamente estruturado”. https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/cartistas.htm Acesso em 29 de out de 2014.
5
Globalização pode ser compreendida como um processo de integração econômica, cultural, social e política. Esse fenômeno é gerado pela necessidade do capitalismo de conquistar novos mercados, principalmente se o mercado atual estiver saturado. http://aprovadonovestibular.com/resumo-globalizacao-o-que-e-globalizacao.html Acesso em 29 de out de 2014.
estava mudada, pois antes predominantemente rural, torna-se mais essencialmente urbana. Novas regras de convivência e conduta se implementam em busca da convivência social.
1.2. Uma crítica ao desenvolvimento da sociedade
Considerando o panorama exposto, entendemos que a Revolução Industrial foi o início da sociedade que atualmente conhecemos e o ápice da globalização, que ainda continua ocorrendo. Neste período, ocorre mudança dos valores tanto morais como financeiros. A questão do escasso tempo e da aquisição de bens de consumo se faz presente. Parece que temos então, formas de ser e de se comportar que caracterizam-se como sintomas do nosso tempo.
A sociedade que conhecemos hoje foi construída, de certa forma forçadamente, pois no momento da migração massiva que ocorreu do campo para a cidade os sujeitos não estavam preparados para as mudanças abruptas que iriam ocorrer, pois que sua cultura e forma de ser encontrava-se construída pela vida no campo. Os seres humano foram expostos a uma nova forma de vida a qual tiveram de se adaptar, para sobreviver e assim acontece a necessidade da constituição de novas regras e formas de convivência em uma sociedade totalmente diferente da que conheciam até o momento. Ilustrando essa realidade:
(...) o historiador Eric Hobsbawn (1969) (é) quem melhor descreve a desorientação que se seguiu às devastadoras alterações sociais geradas pelos novos modos de produção. Segundo ele, a Revolução Industrial: ... transformou a vida dos homens além do que se podia perceber. Ou, sendo ainda mais preciso, em seus estágios iniciais, destruiu o antigo modo de vida, deixando-os livres para descobrirem ou fazerem, para eles próprios, outros caminhos, se pudessem e soubessem como. (NICOLACI DA COSTA, 2002, p. 195).
Nicolaci da Costa ainda recorre a outras ideias, como as do:
(...) sociólogo francês Emile Durkheim (1897/1982), (...) também apontava as consequências psicológicas da nova ordem social. A sociedade industrial era bem mais plural, mais permissiva e menos coesa do que a comunidade feudal. Por isso mesmo, o novo todo social, se comparado ao que o havia antecedido, perdera seu poder de coerção e de contenção do desejo individual. A liberdade individual resultante podia parecer inebriante, mas frequentemente tinha consequências bastante negativas. A principal delas era a perda de referenciais – a anomia – que podia levar as pessoas ao
suicídio. Este é um dos fatores aos quais Durkheim atribui as altas taxas de suicídio das grandes cidades de sua época (idem, ibidem, p. 197).
A nova forma de subsistência era através do trabalho assalariado, que não pagava muito, mas a partir disso o dinheiro começou a ser mais valorizado, pois quanto mais se tinha, mais confortavelmente poderia se viver. Isso é visível em nossa sociedade atual, em que a questão do “ter” é essencial, ou seja, destaca-se o
pensamento: “eu sou o que tenho”. Essa realidade acarretou também, na grande
competição entre aquele que consegue o trabalho (na época escasso) e aquele que deve arrumar um meio alternativo para conseguir sobreviver. A partir desse momento surge então um sujeito extremamente individualizado, que não pode depender do outro e que muitas vezes não pode também auxiliar o outro. Acerca disso, Nicolaci-da-Costa se expressa, parafraseando Simmel.
(...) queria dizer é que novos espaços colocam em operação novas necessidades, novas demandas, novas regras de produção, sociabilidade, sobrevivência, etc. Como resultado de tudo isso, emergem novas formas de agir e de viver que dão visibilidade aos processos de transformação das formas de ser. (2002, p.197).
Como herança desse período histórico destaca-se o crescimento exacerbado da vida urbana, com grande concentração populacional; assim como as profundas mudanças na divisão do trabalho, que provocaram grandes transformações sociais que refletem até os dias atuais. O trabalho apressado e incessante nas fábricas acelerou sobremaneira a vida dos habitantes das cidades.
Essa realidade é destacada então com a ideia de que:
A característica marcante do modo de vida do homem na idade moderna é a sua concentração em agregados gigantescos. [...] As influências que as cidades exercem sobre a vida social do homem são maiores do que poderia indicar a proporção da população urbana, pois a cidade não somente é, em graus sempre crescentes, a moradia e o local de trabalho do homem moderno, como é o centro iniciador e controlador da vida econômica, política e cultural que atraiu as localidades mais remotas do mundo para dentro de sua órbita [...] (Wirth, apud Nicolaci-da-Costa, 2002 p. 196).
As relações de reciprocidade e cooperação predominantes das comunidades rurais foram substituídas, nos meios urbanos, pela impessoalidade e pelo individualismo, o que causava nos trabalhadores uma sensação de anonimato em
suas relações sociais. Foi também se constituindo um novo modelo familiar, que reflete no modelo que encontramos atualmente em nossa sociedade. A partir dessas consequências, começamos a ver o desenho do modo de vida dos nossos dias atuais. Uma das consequências é a violência e atualmente ainda, para os jovens uma incerteza e falta de perspectivas.
No passado as profissões eram herdadas, transmitidas de pais para filhos, ou aprendida na família e entre amigos. No decurso da Revolução industrial essas questões foram se modificando, cada vez necessitava-se mais de mão de obra qualificada e o número de empregos era insuficiente, para uma população que crescia exageradamente. A consequência desse processo foi, dentre outras, o aumento do período da adolescência. Os jovens que antes se tornavam homens pelo simples fato de ir à busca de um emprego, passam a frequentar universidades para o seu aperfeiçoamento e então, conseguir um bom lugar no mercado de trabalho.
A adolescência passa a ser, não mais somente um momento de passagem, como sempre existiu, mas torna-se um fenômeno contemporâneo. O ato de conseguir um emprego fixo aos poucos vai deixando de ser essa passagem do
adolescente ao homem. A partir desse momento o emprego deixa de ser “algo
certo”, quando todos os jovens com certa idade poderão trabalhar e passa a ser algo competitivo, sendo que, na maioria das vezes torna-se necessária alguma
experiência ou uma qualificação específica. O ato de se “mostrar homem” por
conseguir um emprego foi retirado do jovem. O rito de passagem passa a não mais existir, e parece iniciar-se uma crise relativa ao assumir-se como sujeito frente a este novo modo de vida no social. Desse modo:
(...) a eficácia simbólica presente nos rituais davam aos adolescentes referências que lhe ajudavam a entender a puberdade, e desse entendimento é que surgiria o adulto que poderia ser contado como semelhante pelos demais adultos da comunidade. Nos rituais, a função paterna é sustentada por uma rede simbólica e encarnada em uma figura que deveria dar conta deste lugar. Desse modo, com a escassez de rituais iniciáticos, não há um dispositivo que contenha a eficácia simbólica dos ritos das sociedades tradicionais, exigindo assim, que o adolescente dê conta dessa passagem sozinho (RUFFINO, 2000 apud WILLE, 2013, p.11).
A adolescência passa a ser considerada um novo lugar e a partir desse, criam-se novas formas de compreensão do jovem, assim como, novas
características lhe vão sendo atribuídas. Surge de modo mais evidente, o termo delinquente, intimamente ligado a este sujeito. A posição adolescente é desencadeada a partir do início dos tempos modernos como resultado dessa nova cultura, um novo social que se transforma a partir da transformação dos sujeitos que nele estão inseridos.
As mudanças ocorridas a partir da Revolução Industrial, sejam econômicas ou sociais, se tornam mais relevantes e se tornam, dessa maneira, desencadeantes de uma nova ordem social. Considerando a isso se faz necessário compreender o que é o social que queremos analisar, bem como a sociedade atual e o sintoma social por ela desencadeado.
1.3 Social, sociedade e sintoma social
Para entendermos o percurso da sociedade antes e depois da Revolução Industrial, chegando a sociedade atual, faz-se necessária uma distinção muito importante, ou seja, saber o significado da terminologia sociedade e ao mesmo tempo, porque se diferencia do social, evitando possíveis confusões de compreensão.
Para o dicionário Aurélio a definição de sociedade diz respeito ao:
1. Agrupamento de seres que vivem em estado gregário. 2. Grupo de indivíduos que vivem por vontade própria sob normas comuns; comunidade. 3. Grupo de pessoas que, submetidas a um regulamento, exercem atividades comuns ou defendem interesses comuns; grêmio, associação, agremiação. 4. Meio humano em que o indivíduo está integrado. 5. Contrato pelo qual pessoas se obrigam a reunir esforços ou recursos para a consecução dum fim comum (2010, p. 706).
A palavra sociedade é muitas vezes usada para designar o coletivo de cidadãos de um país. Podemos pensar que sociedade não se trata de apenas um conjunto de indivíduos que vivem juntos em um determinado lugar, mas também, podemos compreendê-la na existência de uma organização social, de instituições e leis que regem a vida dos indivíduos e suas relações mútuas, por isso apesar de não ser a mesma coisa, sociedade e social acabam por fazer parte de um todo.
Há também, vários pensadores que escrevem sobre a sociedade; entre eles encontramos Emile Durkheim que trabalha com a ideia de que é a sociedade que
controla as ações do indivíduo. Nela o mesmo aprende a seguir regras que não foram por ele criadas, mas herdadas em um sistema geracional. O homem é autônomo em suas escolhas, mas ao mesmo tempo se encontra dentro do limite das leis, correndo então, o risco de ser punido socialmente ao ultrapassar fronteiras. Durheim entende esse fenômeno como fato social, ou seja, o qual atende a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade, isto é, o que as pessoas sentem, pensam ou fazem independentemente de suas vontades individuais. É um comportamento estabelecido pela sociedade, não imposto especificamente a alguém, pois já estava lá antes, continua depois e não dá margem a escolhas.
As questões trabalhadas por Durkheim mostram certa semelhança com o que Freud escreve em Totem e Tabu (1913-1914). Neste texto encontramos as explicações freudianas acerca do início da civilização, a partir da instauração de uma lei que assegura a vida em sociedade. Transgredi-la custaria de certa forma a vida. Trata do momento em que o pai, chefe da horda primitiva, que gozava de todas as mulheres da tribo é morto por seus filhos, cansados de não terem acesso a este
gozo6. Nesse momento se instaura uma lei, a lei da proibição do incesto, em que
não mais um sujeito pode ter direito ao gozo absoluto, sob pena de possuir o mesmo fim de seu patriarca. A semelhança que podemos encontrar se dá no fato de que esta lei é respeitada e imposta. A partir do momento do nascimento ela é transmitida discursivamente.
Outro estudioso que nos fala sobre a questão da sociedade é Max Weber. Ele não possui uma teoria geral da sociedade, mas se preocupa basicamente com o estudo das situações sociais concretas quanto às suas singularidades. Ele fala a respeito da ação social, entendida como a expressão do comportamento externo do indivíduo. Aqui encontramos a palavra social, extraída da expressão ação social. a partir disso podemos fazer algumas conjecturas, pois se para Weber a ação social diz respeito à expressão do comportamento interno do sujeito, entendemos então, que o social está intimamente ligado ao sujeito, podendo também compreender que o social se constitui a partir das ações dos indivíduos que o compõe.
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O termo gozo surgiu no século XV, para designar a ação de fazer uso de um bem com a finalidade de retirar dele as satisfações que ele supostamente proporcionava... Lacan estabelece então uma distinção essencial entre o prazer e o gozo, residindo este na tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer*. Esse movimento, ligado à busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro, é causa de sofrimento; mas tal sofrimento nunca erradica por completo a busca do gozo. (ROUDINESCO, p. 299/300, 1997).
Ao verificarmos a definição de social no dicionário Michaelis, encontramos o seguinte:
1 Pertencente ou relativo à sociedade. 2 Que diz respeito a uma sociedade. 3 Sociável. 4 Próprio dos sócios de uma sociedade. 5 Conveniente à sociedade ou próprio dela. 6 Relativo, pertencente, devotado ou apropriado ao intercurso ou às relações amigáveis ou por elas caracterizado: Função social. 7 Relativo ou pertencente à sociedade humana considerada como entidade dividida em classes graduadas, segundo a posição na escala convencional: Posição social, condição social, classe social. 8 Relativo à vida do homem em sociedade: Ciências sociais...(Acesso em 24 de set de 2014).
A definição reforça a ideia de que o social e a sociedade estão intimamente ligados, ou seja, diz respeito àquilo que é próprio do ser humano, acima de tudo seres sociáveis. O que forma o sujeito, como ser humano, é o fato de ser ele, social. O homem, enquanto sujeito, para a psicanálise, é constituído a partir do outro, sendo subjetivado como produto das relações que se colocam.
É permitido entender então que, ao falar do social não estamos falando do público e nem do privado, mas do entrelaçamento destes. O social também pode ser
caracterizado como efeito do desenvolvimento histórico da sociedade
contemporânea, porque o mesmo se constitui a partir dos sujeitos que fazem parte da sociedade entendida como um grupo de pessoas, que possuem um vínculo em comum, podendo este ser, o simples fato de residirem no mesmo município.
Diferentemente da sociedade que tem um lugar e uma organização própria, o social não possui um lugar geográfico, mas sim discursivo, pois é efeito do próprio discurso e por isso constituído pelos sujeitos de uma determinada sociedade, que dependendo do conhecimento e da visão da população vão viver específicas realidades sociais. O social pode também ser pensado como um modo de organização da cultura é ele que “dita as regras” do que deve ser seguido.
Ao compreender que o social encontra-se em um lugar discursivo, consequentemente sendo este efeito do próprio discurso, podemos entendê-lo como
um sintoma7, pois é o social que denuncia que algo aconteceu ou está acontecendo. O sintoma diz o que é do social.
Tratando do sintoma social podemos usar como exemplo as questões da drogadição e do alcoolismo que são entendidas como sintomas sociais da nossa época. Elas são encontradas em evidência nas mídias ou mesmo em conversas casuais. O sintoma nessa ótica é sempre social, pois se trata do discurso que se torna dominante em uma sociedade em determinada época. O discurso dominante para todo efeito, uma verdade social.
Não existe uma psicanálise do individual e outra “aplicada” ao sintoma social. Pois o sintoma é sempre social. Nesta afirmação, aliás, nenhum sociologismo: pois o que chamamos de individual, a singularidade é sempre o efeito de uma rede discursiva, que é a rede mesma do coletivo (ARAGÃO, 1991, p. 12).
Ao pensarmos que o sintoma é sempre social devemos nos remeter também, ao fato de que o social está se modificando a todo o momento e com ele seus discursos. Jean-Pierre Lebrun trabalha esse assunto em seu livro intitulado “Clínica da Instituição”. No mesmo trata questões referentes à mutação do laço social, ou seja, a modificação da sociedade e junto com ela a mudança de pensamento e comportamento de todos os sujeitos que a compõe.
As mudanças da nossa sociedade vêm ocorrendo visivelmente. Podemos mencionar o fato da passagem de uma sociedade organizada pelo modelo religioso, para uma sociedade que se desvencilhou deste. Não mais os lugares estão postos, como o lugar de chefe, ou mesmo o lugar de homem e mulher, que é algo que vem se colocando desde a revolução industrial, quando as mulheres entram no mercado de trabalho. Junto com isso vemos que a sociedade com o modelo patriarcal passa a se modificar, e passamos a ser regidos por novas leis simbólicas.
São essas mudanças profundas – o fim do religioso como um modelo social e o fim da supremacia masculina – que se conjugaram no fim do patriarcado
7 Torna-se importante fazer uma distinção do significado da palavra aqui citada e da de uso comum na medicina, a qual se refere às manifestações que, indicadas por determinadas doenças, auxiliam no estabelecimento de um diagnóstico. Diferentemente do significado que se atribui nesse presente trabalho, onde a palavra sintoma remete a sinal, signo, no sentido de ser a representação de algo. O sintoma para a psicanálise diz de algo que não foi dito.
e que nos levam a uma mutação sem precedentes da organização do laço social: este não se organiza mais a partir deste momento com o reconhecimento como resultado natural de um lugar diferente dos outros que todo mundo – o que eu chamo de imaginário social – reconhece espontaneamente como prevalente, ou seja, o lugar lógico do ao-menos-um, um lugar de exceção (LEBRUN, 2009, p. 127).
É possível compreender que não existe mais um lugar dado, aquele que é ocupado por um líder ou chefe, aquele que dita as leis. O lugar passa a ser conquistado por aqueles que desejam ocupa-lo; ou seja, a heteronomia passa a ser substituída pela autonomia dos sujeitos e os mesmos passam a se organizar a partir deles próprios, sem que a sociedade venha ditar regras a sua conduta.
Essa mutação tem consequências que cada um detém doravante o direito à palavra, que cada um tem a possibilidade de um trajeto singular, o que só podemos, em um primeiro tempo, celebrar. Não há vestígios de uma sociedade que tenha permitido tanto o trajeto de cada um. Mas, devida a essa mudança, cada um pode se acreditar espontaneamente livre de qualquer dependência em relação a autoridade. Cada um pode de imediato pensar a si mesmo como exceção, logo sem trabalho a fazer para realizar essa autonomia. Imediatamente liberto, garantido de dispor da liberdade da saída. Cada um se encontra em um lugar de idêntico valor, e nada mais justifica dar a qualquer um prevalência sobre o outro (LEBRUN, 2009, p. 129).
Parece-nos que o coletivo está sumindo, dando lugar ao individual. Cada vez mais as relações pessoais são mediadas pela relação com as coisas. O sujeito passa a se importar mais com o ter do que com o ser, o que acaba por fazer com que o mesmo se volte mais para si e esqueça-se do coletivo. As pessoas não mais se importam em manter o coletivo, como ajudar e considerar o outro, mas a vida coletiva passa a ser dependente do interesse particular.
Podemos, portanto, ler a mutação de que estamos falando como resultado de uma longa evolução que viu a inversão dos valores do individual e do coletivo como concomitante ao desaparecimento de toda transcendência em benefício da imanência exclusiva. De modo ainda mais preciso, esse momento de queda é o momento em que o fato de que o coletivo autoriza a realização singular pode se confundir com o desaparecimento do coletivo em benefício da organização exclusiva dos singulares (LEBRUN, 2009, p. 134).
Lebrun também nos fala de uma questão muito grave que se coloca com a ausência de prevalência do coletivo, onde a mesma, [...] acarreta o desaparecimento da solidariedade e gera suplementarmente a impressão de um sentimento de injustiça cada vez mais incisivo. É essa evolução que qualificamos de viver juntos sem outrem (2009, p. 137).
Apesar de todas essas mudanças que a sociedade vem sofrendo e de aparentemente o coletivo estar sendo substituído pelo individual, devemos sempre ter em mente uma contribuição muito importante vinda da psicanálise é o fato de que o coletivo ainda predomina sobre o individual, pelo simples motivo de sermos seres falantes, a partir do momento em que a linguagem se inscreve em nós somos desnaturalizados, damos lugar à convivência em sociedade, não mais a nossos instintos animais.
[...] pode-se, com efeito, sustentar que a hierarquia ontem tinha a tarefa de transmitir a prevalência do conjunto sobre o indivíduo, o que o desvelamento do social por meio da mutação que nos arrasta nos permite identificar é que, devido ao fato de sermos falantes, continuamos obrigados a considerar a prevalência do coletivo (LEBRUN, 2009, p. 135).
Quando pensamos em seres falantes é possível compreender que para haver um discurso é necessário pelo menos três pessoas: uma que fala, outra com quem se fala e por fim, sobre quem se está falando. Por isso, apesar de parecer que hoje a sociedade está caracterizada pelo individual, ainda fazemos parte de um coletivo. Ou seja, nós fazemos parte de um grupo, mesmo como sujeitos individuais e com pensamentos diferentes. Fazemos parte de uma coletividade e respondemos a esse discurso, seja de forma a repudia-lo ou não. Dessa maneira, quando falamos que o sintoma é sempre social, estamos nos remetendo ao fato de que nada é feito sozinho. Segundo o entendimento da psicanalise o fato de nos constituirmos é algo que se dá sempre a partir do outro.
A delinquência é algo que vem aumentando drasticamente nos últimos anos e isso pode ser percebido via meios de comunicação de massa, como a televisão; assim como um jornal ou mesmo em sites de relacionamentos. Vemos a todo o momento notícias sobre uma sociedade, em que cada vez mais, aumenta o número de delitos e delinquentes. No caso da adolescência, este período da vida, nunca esteve em tanta evidência como atualmente. Ela aparece como um ideal tanto para aqueles que não chegaram nesse momento da vida, como para aqueles que já passaram por ela.
2 ADOLESCÊNCIA E DELINQUÊNCIA
A violência está cada vez mais presentes em nossa sociedade, nas ruas, dentro das casas, nas escolas, empresas, instituições e principalmente nos meios de comunicação. Tem ocorrido grande aumento em crimes graves e mesmo aqueles que são considerados mais tênues, o que pode ser averiguado através de conversas que temos corriqueiramente, ou mesmo através de um meio de comunicação de massa que conhecemos hoje, a televisão e a internet. Com isso acabamos por perceber uma banalização da vida. A partir disso, nos remetemos ao que estamos transmitindo a nossas crianças e jovens que se encontram em processo de formação tanto corporal como psíquica, incorporando valores éticos e morais.
A nossa sociedade pode ser considerada produto de um processo socioeconômico-político-cultural que se tem caracterizado pela individualidade e pelo racionalismo. Nesse panorama o outro deixa de fazer questão, o que importa é o imediatismo. Os lugares já não estão mais postos, hoje o lugar na sociedade deve ser conquistado, o que piora na idade adolescente, pois o mesmo se encontra “perdido” e desprovido de um lugar.
Atualmente o homem possui mais liberdade para suas escolhas. Do mesmo modo, através de muitas reivindicações conseguiu igualdade de direitos, mas ao mesmo tempo não está sabendo lidar com as mudanças que ocorrem mais rapidamente do que as pode assimilar. Quando a sociedade muda, há produção de novas regras, valores éticos e morais devem ser adquiridos, o que parece estar ocorrendo de modo deficiente.
Juntamente com todas essas situações de mudança tanto econômicas como sociais, encontramos o jovem em um lugar mais indefinido, pois que a cada mudança da cultura e da sociedade deve lapidar seu lugar. Além do mais, as pressões decorrentes da vida cotidiana na sociedade pós-moderna contribuem para o aumento da incidência de estresse e o lema que rege o senso comum é “cada um que se defenda como pode”, ou seja, o jovem adolescente tem que buscar subterfúgios para encontrar um lugar frente à sociedade, muitas vezes esse lugar somente se dá através de uma saída delinquente.
A adolescência é uma invenção recente, datada do começo do século XX e que se estabeleceu verdadeiramente depois da Segunda Guerra Mundial. Acabou se tornando um período difícil para a maioria dos jovens, pois eles não são considerados adultos, nem tampouco crianças. Seu lugar ainda não foi definido e é exatamente neste intervalo que se encontra a problemática adolescente, como
refere Rassial “[...] não totalmente criança, não totalmente adulto, devido a seu
estatuto social entre menoridade e maioridade, o adolescente frequentemente tem a tendência em generalizar esse estado não totalmente” (1997, p. 30).
Ao compararmos os jovens dos anos 60, com os nossos adolescentes de hoje podemos perceber uma dificuldade maior nessa transição porque, segundo Calligaris:
Além de instruir os jovens nos valores essenciais que eles deveriam perseguir para agradar à comunidade, a modernidade também promove ativamente um ideal que ele situa acima de qualquer outro valor: o ideal de independência. Instigar os jovens a se tornarem indivíduos independentes é uma peça-chave da educação moderna. Em nossa cultura, um sujeito será reconhecido como adulto e responsável na medida em que viver e se afirmar como independente, autônomo – como os adultos dizem que são (2011, p. 17).
Ao pensarmos a adolescência em outros momentos de nossa sociedade, somos remetidos aos rituais de passagem, em que a garota em sua festa de 15 anos passava de menina para mulher, trocava as sapatilhas e a boneca, por um sapato de salto e um anel. Voltando um pouco mais no tempo, vemos aquele jovem que a partir do momento que entrava no mercado de trabalho adquiria responsabilidades de um adulto e era então, tratado como tal.
Os laços sociais eram transmitidos e mantidos através desses rituais. A criança por muitas vezes, era destinada a dar sequencia as tradições familiares, e assumia para si esse intento. Elas tinham seus lugares marcados, seja como futuras esposas e mulheres de família. No caso dos meninos, como chefes, provedores pelo fato de terem nascido varão. Com a modernidade os paradigmas começam a se modificar, como nos afirma Maria de Lourdes Elias Pinheiro e Maria Cristina Martins Moura no livro, O Adolescente e a Modernidade:
Com o advento da modernidade – tempos de evolução massiva e efeitos universalizantes, em detrimento dos laços tradicionais --, surgiu a necessidade de nomear a adolescência como um produto da
abandonados, emergindo do seio de uma dada cultura – a ocidental – como algo novo, com um valor de suplência. Diríamos aqui com um duplo valor de suplência, já que, se por um lado, o trabalho psíquico solitário e penoso da adolescência surge no lugar dos rituais iniciáticos tradicionais para inventar, construir novos operadores simbólicos que inviabilizem as possibilidades de satisfação pulsional, por outro lado, no campo social, campo do Outro, ela é a resposta a uma demanda de suplência de uma falta, desconfortável posição que parece se opor, de certa forma a essa construção necessária da Função Paterna, já que implica o “não querer saber da castração” que vem marcando cada vez mais a pós-modernidade (1999, p.163).
Com o advento da modernidade muitas questões que antes já estavam postas para os adolescentes, hoje acabam por se modificar. Atualmente os jovens não possuem posições garantidas na sociedade, cujo inicio ocorre quase que simultaneamente ao inicio do capitalismo, com a revolução industrial. Naquele momento o jovem era o que assumiria a tradição familiar, continuaria a linhagem da família, tendo assim, um emprego garantido. Com a grande migração que ocorreu do campo para a cidade durante a revolução industrial, os empregos diminuíram e consequentemente o jovem passou a não ter mais um lugar e teve que batalhar por um lugar. Não tendo um emprego também não podia ser considerado com as responsabilidades de um adulto.
Com o desaparecimento dos rituais de passagem, o jovem acabou por criar seus próprios rituais, alguns apagando a tradições religiosas ou mesmo as próprias questões familiares, quando isso lhes era permitido. Unem-se a seus pares para que esses rituais aconteçam frente a esse grupo de identificação. Observamos assim, que cada forma que o adolescente encontra para fazer essa travessia é singular, e cada um deve simbolizar as mudanças invocadas por esse período, tanto orgânicas, como sociais.
Além de toda a questão social que se coloca sobre o lugar adolescente pode se mencionar o fato de que a todo o momento eles se sentem questionados pelos seus novos corpos, que muitas vezes desconhecem. É difícil a passagem do corpo infantil para o novo corpo adulto. Esse é um momento de bastante angústia, porque o crescimento é “doloroso”. Nessa etapa há ganhos, mas também perdas. No caso do corpo de criança e a forma como é olhada:
Parado na frente do espelho, caçando as espinhas, medindo as novas formas de seu corpo, desejando e ojerizando seus novos pelos ou seios, o adolescente vive a falta do olhar apaixonado que ele merecia quando criança e a falta de palavras que o admitam como par na sociedade dos
adultos. A insegurança se torna assim o traço próprio da adolescência (CALLIGARIS, 2011, p.25).
Há uma nova forma de olhar o jovem, olhar este, desconhecido por ele; o que causa angustia. É a partir do novo reconhecimento corporal que o adolescente vai compreendendo que ele não é mais uma criança e deve se reconhecer nesse novo corpo, se apropriando da sua nova imagem.
As mudanças pubertárias colocam todo adolescente diante do desaparecimento definitivo do objeto de amor infantil. A desidealização dos pais e o engodo da promessa edípica mostram a ele que aquilo que foi construído na infância já não dá mais conta de explicar o mundo com o qual ele agora ele tem diante de si. É preciso então, buscar novas referências e um novo objeto para investir, e estes não estão mais no circulo familiar, e sim, no social (WILLE, 2013, p.19).
As novas circunstancias trazem também novas características e desejos. Os pais já não são heróis, pois que a identificação se da com os pares Nesse momento percebem que são responsáveis pelo percurso de suas vidas, o qual passam a tomar para si, bem como as questões que a sociedade moderna lhes impõe: o fato de se tornar adulto, responsável por seus atos e ter uma profissão.
Também encontramos o fato de nossa sociedade imprimir a todo o momento um ideal de felicidade e ao mesmo tempo uma cultura narcísica, na qual o outro não importa. Pode se perceber que cada vez mais os pais desejam por seus filhos, desejam que os mesmos sejam aquilo que eles não puderam ser, como se a partir dos jovens eles pudessem voltar no tempo, revivendo-o de outra forma.
A adolescência é uma fase em que há o desprendimento da infância para a futura entrada no mundo e no papel adulto. É nesta fase conturbada que os jovens precisam assumir uma postura diante da sociedade abrindo mão da posição que se encontra frente aos pais, para então se identificar com seus pares.
Não se trata apenas de um reajuste, mesmo difícil, da imagem na adolescência, mas sim de uma modificação mesma do valor do corpo, tal qual funcionava na criança: o portador do olhar privilegiado, não é mais um dos pais, mas um semelhante, cujo desejo esta ele mesmo engajado (RASSIAL, 1999, p.19).
A criança que se torna adolescente deve deixar cair o olhar e amor incondicional que os pais lhe atribuíam, para que então possa começar a se assumir como semelhante a seus pais e então reivindicar seu lugar junto a eles, ocupando uma posição frente a sociedade, que o aceitará como membro.
Podemos compreender então, que adolescência é um momento de passagem da criança para o adulto, mas ao mesmo tempo é um momento desconhecido no qual os jovens devem fazer uma transição e a partir desta, encontrar seu lugar no social, o que a cada dia parece se tornar mais difícil.
Em nossa cultura, a passagem para a vida adulta é um verdadeiro enigma. A adolescência não é só uma moratória mal justificada, contradizendo valores cruciais como o ideal de autonomia. Para o adolescente, ela não é só uma sofrida privação de reconhecimento e independência, misteriosamente idealizada pelos adultos. É também um tempo de transição, cuja duração é misteriosa (CALLIGARIS, 2011, p. 18).
A adolescência é um período de extrema importância para a constituição do sujeito pois o jovem vai ter que dar conta dos seus conflitos, apropriando-se de si próprio, do novo corpo e a forma como é olhado. A adolescência pode então, ser considerada uma reelaboração da sua própria identidade. O sujeito deixa seu corpo de criança, para assumir um corpo de adulto, necessitando ainda, adquirir uma nova posição discursiva e falar em nome próprio.
Deste modo, se pode pensar o adolescer com um processo de transformação, onde é realizada uma mudança de posição, a de criança para a de adulto. É um tempo lógico onde algumas reedições e validações das operações realizadas na infância precisam ser feitas. Assim, é preciso que na adolescência o sujeito revalide algumas operações fundantes, entre elas a função paterna, de modo que venha apropriar-se dos efeitos desta e autorizar-se a fazer suas próprias escolhas e responsabilizar-se por elas (WILLE, 2013, p. 12).
Ao analisarmos o cenário atual vemos que algumas mudanças vêm ocorrendo, principalmente referente à acomodação e idade desses novos adolescentes. Se nos basearmos por pesquisas feitas atualmente, muitas delas dizem que a adolescência termina por volta dos vinte e cinco anos, diferentemente de algum tempo atrás, em que a mesma findava quando se entrava na maioridade ou mesmo quando o indivíduo assumia um emprego e passava a gerir uma família.
Isso se deve também, a mudança da nossa sociedade. Segundo a psicanálise, adolescência é uma posição portanto, ter um tempo indeterminado, dependendo do tempo que o jovem leva para construir seu lugar no social, se desvencilhando do olhar dos pais.
No início da adolescência, o jovem pode sentir-se descompromissado com um projeto de vida, vivendo muitas vezes apenas a ilusão, a fantasia e o sonho. Mas ao passo que vai conquistando sua própria identidade e compreendendo suas próprias singularidades, tem a necessidade de definir-se, conhecer-se e
estabelecer-se como “um alguém”, com base na sua realidade pessoal e sociocultural. A
adolescência se torna então, um “prisma pelo qual os adultos olham os adolescentes e pelo qual os próprios adolescentes se contemplam. Ela é uma das formações culturais mais poderosas de nossa época”. (CALLIGARIS, 2011, p.9) e por isso desejada por muitos.
A família sempre teve um papel importantíssimo na passagem adolescente, pois são quem muitas vezes, indicam o caminho a seguir, mas é importante que nesse momento o jovem fale em nome próprio, sustentando por si o que antes tinha base no discurso familiar. Foi através da família que o adolescente se inscreveu em uma filiação, mas agora passa a ser importante que ele faça essa passagem ao social.
Os modelos identificatórios na infância eram os pais, mas quando adolescentes, passam a ser os pares; amigos, colegas, ídolos. Esses são tidos por como modelos a serem seguidos. Ocorre então, uma substituição das figuras paterna e materna, por aqueles que são tidos como semelhantes. E pensando na adolescência como a passagem do familiar para o social, as novas identificações são importantes para a construção da conexão com o social.
É a partir de todo o processo entre o adolescente e o meio em que vive, em relação aos pais e ao social, que se dão as possibilidades de formação da identidade e o ingresso no mundo adulto. Esse momento pode ser compreendido como um processo psíquico, o sujeito deve se reposicionar frente aos pais e ao social. A partir disso o Nome-do-Pai deve ser reafirmado no sujeito. Essa lei deve ser reforçada, para que o sujeito possa conviver em sociedade.
Nesse período da vida do sujeito as questões vividas na infância devem
então, ser ressignificadas e do próprio Estádio do Espelho8, com o qual o jovem
deve se haver com o novo corpo. Há também a função paterna9, responsável
principalmente pela transmissão das leis, ordem e limites, impostos pelo pai, o que permite a vida coletiva. É a partir da forma como o sujeito lidará com essa função, sua estrutura irá ser determinada.
Como podemos perceber com a mutação do laço social, muitos padrões foram se modificando, tanto cultural como psiquicamente. Novas posições passaram a ser tomadas. E se o lugar do adolescente já se encontrava em difícil acesso, com o advento da modernidade, há mais dificuldade do jovem encontrar um espaço frente ao social.
O que se encontra em nossa sociedade atual, também é uma nova dinâmica familiar, não mais as mães ficam em casa para cuidarem seus filhos e os pais sustentam o lar. Com o novo ideal imposto pelo capitalismo, tanto homens como mulheres, se ausentam de seus lares e por muitas vezes deixam os filhos aos cuidados de babás, professores de creches ou escolas, aos quais atribuem a educação dos filhos. Os pais se retiram então, da própria criação dos filhos, muitas vezes não lhes dando um lugar no social nem mesmo auxiliando nessa transição.
Quanto mais distintamente a sociedade moderna rejeita a distinção entre aquilo que é particular e aquilo que é público, ou seja, quanto mais ela introduz entre o privado e o público uma esfera social na qual o privado e transformado em público e vice-versa, mais difícil torna as coisas para suas crianças, que pedem, por natureza, a segurança do ocultamento para que não haja distúrbios em seu crescimento e amadurecimento. (AREND apud WILLE, 2013, p.9).
Todas as modificações que ocorreram durante o percurso histórico, tanto nas esferas públicas como privadas, produziram efeitos principalmente na questão dos lugares representantes sociais da autoridade. Antes tínhamos uma sociedade
8
Expressão cunhada por Jacques Lacan*, em 1936, para designar um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação* com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho. No Brasil também se usam “estágio do espelho” e “fase do espelho” (ROUDINESCO, 1998, p.194).
9 Termo criado por Lacan* em 1953 e conceituado 1956, para designar o significante da função paterna [...] O pai exerce uma função essencialmente simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e, através desse ato encarna a lei (ROUDINESCO, 1998, p.542).