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O adolescente infrator e o papel do município na execução das medidas socioeducativas

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

BIANCA GABRIELE PALHA MACHADO

O ADOLESCENTE INFRATOR E O PAPEL DO MUNICÍPIO NA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Ijuí (RS) 2013

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BIANCA GABRIELE PALHA MACHADO

O ADOLESCENTE INFRATOR E O PAPEL DO MUNICÍPIO NA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2013

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edico este trabalho ao meu maravilhoso e amado pai, Carlos, que sempre acreditou em mim, que é minha maior inspiração, exemplo e amor e a quem desejo sempre orgulhar e honrar. Dedico também à memória de minha amada mãe, Rosane, que foi uma mulher guerreira, forte e batalhadora, além de ser a pessoa mais bondosa e amável que qualquer um poderia ter a chance de conhecer e, de onde estiver, eu espero que esteja feliz e orgulhosa por mim; à memória de meu tio e padrinho, André Vicente, que sempre foi meu melhor amigo e maior fã e incentivador, pessoa sempre presente me apoiando e com quem hoje eu gostaria de estar compartilhando este momento que tanto sonhamos; e ainda à memória dos meus adorados avós paternos, Raul e Maria, que dedicaram os últimos anos de suas vidas a me criar com todo amor e carinho que uma criança merece, sendo meus segundos pai e mãe.

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À Deus, acima de tudo e de todas as coisas, por nunca ter me abandonado, mesmo nos momentos em que fraquejei, por Seu amor e por todos os milagres diários que me trouxeram até aqui.

Ao meu amado pai, Carlos, que dedicou sua vida à mim e minha criação, que é meu exemplo de caráter e ser humano, que é meu porto seguro e que moldou minha personalidade. Sem seu apoio e amor eu não chegaria aonde cheguei e não seria quem sou.

À minha amada mãe, Rosane, que mesmo separada de mim pela morte tão cedo, sempre foi meu guia, meu anjo da guarda e minha inspiração, pela mulher guerreira e batalhadora que foi e principalmente por ter sido uma maravilhosa mãe, que tantas lições nos ensinou.

Aos meus irmãos, Mateus, Alessandra e Jhonatan, que apesar da distância de quilômetros que nos separa, se fazem sempre presente em minha vida, me ouvindo, ajudando e sendo irmãos incríveis, cada um de sua forma.

Aos meus três lindos sobrinhos, João Pedro, Ana Clara e Maria Júlia, por serem meus pequenos raios de sol em dias nublados e me trazerem diariamente motivação para ser melhor e inspirá-los desde cedo.

À toda minha amada Família Machado, que sempre foi o meu porto seguro e que esteve ao meu lado desde que me entendo por gente. Aos meus avós, Raul e Maria, patriarcas honrosos e amados de nossa família, que lá de cima hoje nos guiam e eternamente servirão de exemplo. Ao meu padrinho, André, por todo companheirismo e inspiração que me deu em vida e por, mesmo lá de cima, ainda me inspirar e me fazer querer orgulhá-lo; Às minhas

madrinhas, Fátima e Vera, que são mulheres incríveis, independentes e abençoadas, que

muito admiro e a quem espero um dia ser igual. Aos tios, tias, primos e primas Regina Mara, José Paulo, Daniela, Alícia, José Paulo Jr, Alexandre, Cláudia, Fernando, Carla, Laís, Antônio Jr, Caroline, Pedro Otávio, Lorena Beatriz, Itamar, Joseane, Maria Letícia, Carlos Raul, Paulo Ronaldo, Onilva, Cristiane, Luís Rodrigo, Julia, Caroline, Juliano, Rafael Antônio e por último, mas não menos importante, Bruna, que mais do que prima, é para mim uma irmã.

À minha orientadora, MSc Ester Eliana Hauser, professora que sempre admirei pelo conhecimento e paixão ao ensinar, por sua dedicação, disponibilidade e paciência com meus atrasos.

À todos meus maravilhosos amigos, que considero bençãos de Deus, por serem tão presentes em minha vida, me apoiarem, me motivarem, me darem bronca, puxarem minha orelha, me incentivarem a dar o melhor de mim e a ir em frente, e principalmente por estarem sempre ao meu lado. Agradeço especialmente aos amigos Catiéle Wunder, Celina Sánchez, Daniel Lorenzoni, Daniela da Pieve, Fabiana Sánchez, Gabriele Menegazzo, Gilberto da Pieve, Joana Agostini, João Vitor Copetti, Lauren Pohlmann, Luciana Porto, Mônica Buligon, Raoni Berti, Tamyse Marques e Tatieli Ritterbusch, por terem sido essenciais durante todo, ou algum momento específico, de minha jornada acadêmica e do processo de criação deste trabalho.

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“O teste de moralidade de uma sociedade é o que ela faz com suas crianças.”

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das medidas socioeducativas implementadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, compreende o processo de municipalização do atendimento do adolescente infrator e investiga como se dá a execução de tais medidas no âmbito municipal. Estuda a evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Apresenta as formas criadas pelo Estado para penalizar as crianças envolvidas com ações criminosas e a evolução destas medidas até chegarmos as que estão vigentes atualmente. Enumera os princípios constitucionais de proteção da criança e do adolescente. Explica o significado da doutrina da proteção integral. Demonstra o processo de consolidação de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. Verifica a responsabilização diferenciada que possui o adolescente infrator, conceitua ato infracional e apresenta as medidas aplicáveis ao adolescente infrator. Averigua as medidas protetivas e a rede de atendimento no âmbito do município. Finaliza esclarecendo o papel do município na execução das medidas socioeducativas.

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Este último artículo se analizan las medidas educativas actuales implementadas por el Niño y el Adolescente, entiende el proceso de municipalización del adolescente infractor e investiga cómo es la aplicación de estas medidas en el ámbito municipal. El estudio de la evolución histórica de los derechos de los niños y adolescentes en Brasil. Muestra las formas creadas por el Estado para sancionar a los niños que participan las acciones penales y de la evolución de estas medidas hasta que lleguemos a los que están actualmente en vigor. Enumera los principios constitucionales de protección de los niños y adolescentes. Explica el significado de la doctrina de la protección integral. Demuestra el proceso de consolidación de los niños, niñas y adolescentes como sujetos de derechos. Verifica la rendición de cuentas que se ha diferenciado del adolescente infractor, la ofensiva conceptualiza y presenta las medidas aplicables al adolescente infractor. Examina las medidas de protección y red de servicio en el municipio. Concluye aclarando el papel del municipio en la aplicación de las medidas educativas.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ... 10

1.1 A evolução histórica dos direitos da Criança e do Adolescente ... 10

1.2 Constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente ... 17

1.3 O ECA e o significado da doutrina da proteção integral ... 20

1.3.1 Crianças e adolescentes como sujeitos de direitos ... 22

1.3.2 Crianças e adolescentes como prioridade Absoluta ... 23

1.3.4 As Medidas Protetivas previstas no ECA ... 24

1.3.5 A responsabilização diferenciada do adolescente infrator ... 28

2 O ADOLESCENTE INFRATOR E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ... 30

2.1 Conceito de ato infracional ... 31

2.2 Medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes infratores ... 33

2.2.1 Advertência ... 37

2.2.2 Obrigação de Reparar o Dano ... 39

2.2.3 Prestação de Serviços à Comunidade ... 40

2.2.4 Liberdade Assistida... 41

3 A MUNICIPALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O PAPEL DO MUNICÍPIO NA EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ... 44

3.1 A descentralização e a municipalização do atendimento da criança e ao adolescente ... 44

3.2 A execução de medidas socioeducativas em meio aberto e o papel do município ... 50

CONCLUSÃO ... 57

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INTRODUÇÃO

A pretensão deste trabalho é analisar as medidas socioeducativas implementadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e compreender o processo de municipalização do atendimento do adolescente infrator.

Historicamente a criança e o adolescente marginalizados são vistos com maus olhos pela sociedade. Recentemente, muito se discutiu sobre a redução da idade de responsabilidade penal e, sabidamente, a sociedade em geral considera o Estatuto da Criança e do Adolescente como uma lei que gera impunidade ao menor infrator. Por tanto, se faz mister para desmistificar estes falsos conceitos estudar a evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, bem como apresentar as formas criadas pelo Estado para penalizar as crianças envolvidas com ações criminosas e a evolução destas medidas até chegarmos as que estão vigentes atualmente. O trabalho também se propõe a enumerar os princípios constitucionais de proteção da criança e do adolescente, explicar o significado da doutrina da proteção integral, demonstrando como se deu o processo de consolidação de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. Também busca verificar a responsabilização diferenciada que possui o adolescente infrator e apresentar as medidas a ele aplicáveis, bem como averiguar as medidas protetivas e a rede de atendimento no âmbito do município, investigando o papel do município na execução das medidas socioeducativas.

Para melhor entendimento da abordagem do tema, o presente estudo foi separado em três capítulos, onde com muita pesquisa e análise doutrinaria, pretende se entender o papel no município frente à execução das medidas socioeducativas impostas ao adolescente infrator.

No primeiro capítulo far-se-á o levantamento histórico da evolução dos direitos da criança e adolescentes no Brasil, desde o tempo dos filhos de escravos e imigrantes,

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chegando-se até as legislações atuais e que estão em vigor no país. Será analisada também a doutrina da proteção integral, a prioridade absoluta das crianças e adolescentes, como sujeitos de direito e a responsabilização diferenciada que os mesmos têm garantidos.

No segundo capítulo são estudados os requisitos para configuração do ato infracional e é explanado sobre as medidas socioeducativas, analisando neste ponto sua natureza jurídica, as garantias processuais dadas ao adolescente infrator, novamente sua responsabilização diferenciada e é explicado cada uma das medidas socioeducativas executadas em meio aberto.

O terceiro capítulo, por fim, é dedicado à análise e entendimento sobre a descentralização e a municipalização do atendimento da criança e ao adolescente e um estudo sobre a execução de medidas socioeducativas em meio aberto e o papel do município.

O método de abordagem utilizado neste trabalho foi o hipotético-dedutivo e foram utilizadas durante o procedimento o levantamento histórico e ampla consulta bibliográfica.

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1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Historicamente a criança e o adolescente marginalizados são vistos com maus olhos pela sociedade. Recentemente, muito se discutiu sobre a redução da idade de responsabilidade penal e, sabidamente, a sociedade em geral considera o Estatuto da Criança e do Adolescente como um instrumento da lei que gera impunidade ao menor infrator. Não raro se ouve que o ECA serve para proteger o jovem infrator, “passando a mão em sua cabeça” e o livrando de penalizações por seus atos. Por estas razões, se faz mister estudar a história dos jovens no Brasil, desde os escravos e filhos de imigrantes, até a atualidade, não havendo como simplesmente esquecer anos de abandono para justificar a idéia equivocada de impunidade.

Com o estudo histórico das políticas públicas de proteção aos jovens, pode-se chegar aos ordenamentos jurídicos, legislações e convenções que temos hoje. Fazendo esta contextualização histórica, pode-se entender como se chega até a doutrina da proteção integral e compreender as sanções que os menores infratores sofrem e porque estas penalizações se diferem das instituídas pelo Código Penal aos adultos.

1.1 A evolução histórica dos direitos da Criança e do Adolescente

Não é de hoje que os adolescentes pobres em nosso país são vistos com maus olhos pela sociedade. Já no começo do século eles eram vistos como vagabundos e vadios, praticantes de gatunagem e que ameaçavam e aterrorizavam a população pelo simples fato de estarem nas ruas. Pensa-se que após mais de um século já teríamos evoluído e superado o preconceito perante o menor menos favorecido. Mas ainda hoje pode-se perceber o mesmo ao andar pela cidade e observar a reação das pessoas ao passarem por adolescentes que não estão na escola ou trabalhando, adolescentes que, como já antigamente se referiam, estão “vadiando” pelas ruas. Parece ser um simples preconceito, inofensivo, mas há nele possivelmente uma das raízes do problema da criminalidade dos jovens e, também, o desencadear da história de penalizações que nos fazem chegar às legislações hoje vigentes.

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Nos primeiros anos após a independência do Brasil, o interesse jurídico relativo aos menores aparece de forma restrita às discussões da primeira lei penal do Império, o Código Criminal de 1930.

Neste aspecto, Irene Rizzini (2009, p.100) observa:

Basicamente o que se vai considerar na lei de 1830 é o estabelecimento da responsabilidade penal para menores a partir de 14 anos (art. 10, §1º), acrescentando que, „se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos as Casas de Correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de dezasete annos‟ (Lei de 16 de Dezembro de 1830, p.144).

Rizzini (2009) ainda destaca, salutarmente, que levando-se em conta a época em questão, pode ser considerado surpreendente a preocupação com o recolhimento de menores em estabelecimentos especiais que visassem a correção, pois somente no final do século XIX que ocorreria a discussão sobre a prevalência da educação sobre a punição.

Nas primeiras décadas do Brasil Império, a tônica da legislação girava em torno da preocupação com o “recolhimento de creanças órphans e expostas” (RIZINNI, 2009, p.100). Praticavam-se medidas com caráter assistenciais, liderada por iniciativas privadas de cunho religioso e de caridade.

Rizzini (2009) destaca que outra característica bem importante presente na legislação da segunda metade do século XIX se refere a preocupação do legislador com a formação educacional das crianças.

Havia, portanto, incentivo a que se abrissem escolas e pobreza não deveria constituir impedimento a que a criança a ela tivesse acesso. Consta no Decreto 630, de 1851, que os requisitos necessários para qualquer pessoa que se dispusesse a abir uma escola ou lecionar eram: „... requer licença ao Inspetor Geral, justificando aptidão, idade maior de vinte e hum annos e moralidade‟.

(RIZZINI, 2009, p.102)

Infelizmente, o peso que foi depositado na educação nos diversos decretos promulgados durante este período, onde estavam sendo estruturadas as primeiras medidas para organização do sistema de ensino público, visando o amplo acesso da população, não se tornou a matriz orientadora das políticas sociais da República.

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Já, nos primeiros anos do regime republicano, teve-se um grande crescimento na urbanização e industrialização no país, mais especificamente na cidade de São Paulo. Foi um período de mudanças no sistema escravista e de entrada maciça de mão de obra imigrante. Foi nesse momento que São Paulo sofreu um crescimento populacional absurdo. Nesse ritmo, contudo, enquanto o crescimento demográfico foi acompanhado de crescimento industrial, as condições sociais e habitacionais não conseguiram acompanhar tal progresso. É estimado, como destaca Mary Del Priore (2007) que os cortiços tenham sido a morada predominante na cidade neste período, acompanhado das pestes e epidemias que se propagavam e sem condições mínimas de saneamento.

Rizzini (2009, p.107):

Os últimos 20 anos do século XIX foram de intensa transformação no cenário político do país, com profundos reflexos na vida social brasileira. As mudanças ocasionadas pelos esforços no sentido de erradicar a escravatura e, concomitantemente, de se reestruturar o trabalho livre na sociedade da época mesclavam-se com o debate em torno da mudança de regime político que estava a caminho e se concretizou em 1889.

A legislação da época mostra claramente em seu conteúdo a preocupação do país em torno de um significativo reordenamento político e social. Tem-se que lembrar que estava instaurada a República, que pregava e tecia a “ordem” e o “progresso” como símbolos do novo país que surgia. O republicanismo da época, contudo, gerou uma grande dicotomia entre o mundo do trabalho e da vadiagem, onde os trabalhadores eram os recém chegados imigrantes e os considerados vadios eram os nacionais, principalmente os advindos da escravidão.

Rizzini (2009, p.108):

O final do século XIX marca, a nosso ver, um novo ciclo em relação à trajetória da legislação sobre a infância que vimos traçando. Considerando-se o período anterior, uma outra criança ocupa um lugar de destaque na história que tem início do advento da abolição da escravatura, seguido da Proclamação da República.

É aí que percebe-se, se não o surgimento, o agravamento das crises sociais, que nunca foram de grande relevância anteriormente. A criminalidade aumentara significativamente, se tornando parte daquele cotidiano, fazendo assim com que o aumento da ocorrência de crimes fosse acompanhado do aumento de repressão.

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Como explica Del Priore (2007) em 1890 saiu a versão quase definitiva do código republicano, que não considerava criminosos os “menores de nove anos completos” e “os maiores de nove anos e menores de 14, que obrarem sem discernimento”. Aos que entre nove e 14 anos agissem conscientemente, deveriam ser “recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao Juiz parecer”, não devendo lá permanecer depois dos 17 anos. Ficava evidente a pedagogia do trabalho coato como o principal recurso para regenerar os menores que não se adequavam no regime produtivo em vigência. Tendo inspiração no código italiano, o Código Penal trazia uma classificação de responsabilidade penal aos menores dividida em quatro categorias, sendo elas: a dos até nove anos completos, que eram sempre irresponsáveis, a dos entre nove e 14, que poderiam agir com ou sem discernimento, a dos com mais de 14 e menos de 17, que tinham o discernimento sempre presumidos, e a dos maiores de 17 e menores de 21, que tinham a penalidade atenuada.

Assim como o menor ingressava precocemente nas atividades laborais, também o fazia nas atividades ilegais, numa clara tentativa de sobreviver em uma época de hostilidade com as classes populares. Foi desta forma que roubo, furto, mendicância e prostituição se tornaram instrumentos encontrados por estes jovens para manter sua sobrevivência e de suas famílias. Freqüentemente, contudo, eles transitavam entre atividades lícitas e ilícitas, servindo de mão de obra em pequenos serviços e, na falta de trabalho, se entregando a prática de pequenos delitos.

Del Priore (2007) ressalta que a criminalidade infantil estava quase sempre condicionada ao crime de “vadiagem”, que se encontrava previsto nos artigos 399 e 400 do Código Penal vigente. As ruas da cidade eram palco de inúmeras prisões, todas motivadas pelo fato do menor não conseguir comprovar perante a autoridade policial a sua ocupação. A correção imposta pelo Estado passava necessariamente pela pedagogia do trabalho.

Em São Paulo, desde o século XIX, a cidade já contava com institutos privados de recolhimento de menores, que eram normalmente fundados por congregações religiosas ou particulares ligados à indústria e comércio. Tendo o estudo profissionalizante como diretriz, a maioria dos acolhidos por estes institutos eram os filhos de operários e comerciantes. Mesmo contando com algumas vagas nestes institutos, o Estado encontrava grande dificuldade em enviar para lá os menores, pois seus diretores não queriam aceitar jovens que tivessem se envolvido de alguma maneira com o crime. De tal forma, como Del Priore (2007) já constata,

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só restou ao governo a criação de uma instituição pública de recolhimento destes menores infratores.

Como Del Priore (2007) aponta, havia um claro descompasso entre o Código Penal e as condições materiais do Estado, que por não ter estabelecimentos específicos para o cumprimento das sentenças. Improvisava conforme cada caso. Foi então que o secretário da Justiça Bento Bueno elaborou, no ano de 1902, a lei nº 844, que autorizava o governo a fundar uma colônia correcional, que seria destinada a correção dos “vadios e vagabundos” e um instituto disciplinar, que se destinaria não somente a todos os criminosos menores de 21 anos, como também aos “pequenos mendigos, vadios, viciosos, abandonados maiores de nove e menores de 14 anos”, que lá deveriam permanecer até completarem seus 21 anos.

Del Priore (2007) destaca que o ingresso dos jovens ao Instituto Disciplinar se dava por sentença de juiz, que determinava também o tempo de permanência deles no estabelecimento. O instituto era dividido em duas seções distintas e incomunicáveis, separando os menores de acordo com o crime cometido e a pena aplicada. Após um período de adaptação, o jovem era logo integrado às frentes de trabalho. Ainda, a regeneração era buscada através da pedagogia do trabalho e do combate ao ócio. Já no quanto a educação, o Instituto deixava muito a desejar, não sendo raros os casos de jovens que de lá saiam sem nada aprender, em estado de semi-analfabetismo.

Rizzini (2009, p.109):

As primeiras duas décadas do século XX constituem o período mais profícuo da história da legislação brasileira para a infância. É grande o número de leis produzidas, na tentativa de regular a situação da infância. É grande o número de leis produzidas, na tentativa de regular a situação da infância, que passa a ser alvo de inúmeros discursos inflamados nas Assembléias das Câmaras Estaduais e do Congresso Federal.

Rizzini (2009) afirma que, embora à primeira vista os discursos da época parecessem tomar defesa inconstitucional da criança, olhando mais atentamente perceberemos uma oscilação constante entre defesa da criança e a defesa da sociedade contra essa criança que se torna uma ameaça à ordem pública. O “problema criança” começa a adquirir uma dimensão política, como já falado, consubstanciado no “ideal republicano”.

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As palavras de ordem para esses menores foram justiça e assistência, um associação que se firmou nas décadas seguintes, tendo claro reflexo no processo que deu origem à criação de uma legislação especial para a infância, o Código de Menores.

Rizzini (2009) destaca que em conferência realizada na Biblioteca Nacional, no ano de 1913 se defende a criação imediata dos Tribunais para Menores. Ao longo da década de 20, após o impacto da Guerra Mundial, que ocorreu pouco tempo após a conferência, as idéias nela debatidas iriam se concretizar.

Rizzini (2009, 113):

A história da legislação para a infância toma novos rumos. O país acompanhava o debate internacional e parecia convencido da necessidade de “salvar a criança”. Justifica-se, assim a criação de uma intrincada rede de medidas jurídico-sociais. Tendo como ponto de partida um vasto campo de ação que se descortinava para um jurista na área do direito criminal relativo à infância, justamente em momento fértil, dado o contexto político acima assinalado, o tema foi objeto de regulamentações e debates, que se estenderam até a consolidação das leias de assistência e proteção aos menores, no ano de 1927.

Como Rizzini explica, o Código de Menores foi instituído em 1926 pelo Decreto n. 5083 e consolidado em 1927 através do Decreto n. 17943 A, sendo este Código minucioso e trazendo 231 artigos. Em seu artigo 1º o Código estabelecia que “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tive menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Código”. Já em seu artigo 54, determinava que “Os menores confiados a particulares, a institutos ou associações, ficam sob vigilância do Estado, representado pela autoridade competente”.

Sobre este Código e demais legislações, diz Rizzini (2009, p.139):

A legislação dirigida aos menores de idade vinha a legitimar o objetivo de manter a ordem almejada, à medida que ao zelar pela infância abandonada e criminosa, prometia extirpar o mal pela raiz, livrando a nação de elementos vadios e desordeiros, que em nada contribuíam para o progresso do país.

Ademais, não se pode deixar de fazer um estudo da história da legislação da infância e juventude sem citar o Código de Menores de 1979, que foi alvo de severas críticas. Jesus (2006) explica que “Corria o Ano Internacional da criança e acusou-se o legislador de ter elaborado o texto de modo apressado, à guisa de homenagem pela passagem da data e ao arrepio da boa técnica legislativa”.

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Já Nogueira (1985), compara o Código de Menores de 79 com a legislação que o antecedeu: “Em confronto com o novo Código de Menores, não podemos deixar de reconhecer que, apesar da idade – promulgado em 1926 – o antigo Código de Menores tem uma estrutura mais perfeita, embora desatualizada em certos aspectos”.

Além de atualizar a legislação específica, o novo Código de Menores esperava ser a solução e encontrar novas diretrizes de como agir quanto aos “problemas do menor”. Contudo, como explica Maurício Neves de Jesus (2006), a abrangência e o protecionismo motivados a resolver este “problema”, na verdade, acabaram por gerar situações marcadas pela invasão de privacidade, em um sistema quase que inquisitivo. “O menor pertencente a uma classe social mais humilde estava, por força de lei, sujeito ao arbítrio da autoridade” (Jesus, 2006, p.45). Quando o legislador do Código de Menores acrescentou à categorização de menor abandonado a frase “... ou em perigo de ser”, abriu-se ali uma possibilidade de enquadrar qualquer um no raio de ação de competência da lei. A intenção, como lembra Jesus (2006), era ainda mais óbvia no que concernia aos menores caracterizados como delinqüentes, visto que uma simples suspeita ou desconfiança, o biótipo ou até mesmo a vestimenta poderiam dar margem a que o jovem fosse sumariamente apreendido.

O Código de Menores era claramente inspirado na Doutrina da Situação Irregular. Como elucida João Batista da Costa Saraiva (2010), a declaração de situação irregular poderia derivar de uma conduta pessoal, como os casos de infrações praticadas pelo “menor” ou de desvio de conduta, da família, nos casos de maus-tratos, bem como da própria sociedade, nos casos de abandono. “Haveria uma situação irregular, uma „moléstia social‟, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam” (Saraiva, 2010, p.23).

Neste contexto, era reforçada a ideia dos grandes institutos para “menores”, local onde se misturavam tanto infratores quanto abandonados e mal-tratados, partindo do pressuposto que estariam todos na mesma condição, a “situação irregular”.

Havia, como salienta Rodrigo Augusto de Oliveira (2005), um inequívoco descumprimento de direitos fundamentais em relação às crianças e aos adolescentes a quem eram aplicadas a medida de internação sob a égide da doutrina da situação irregular.

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Este sistema só passou a ser modificado, paulatinamente, a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU de 1989, bem como, especificamente no Brasil, já a partir da Constituição Federal de 1988 e, finalmente, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, quando passou a estabelecer-se um sistema de garantias ao adolescente infrator.

1.2 Constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente

A primeira vez que apareceu a instrução pública como direito de todos, independente da condição social, foi na Constituição de 1934. Já três anos mais tarde, inspirada pelo fascismo italiano, durante o Novo Estado, a Constituição de 1937 trazia em seu artigo 129:

A infância e juventude, a que faltarem recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da nação, dos estados e dos municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

Após o fim da ditadura Vargas, em 1946, e na esperança de um regime que se inspirasse nas democracias dos aliados ocidentais vencedores da Segunda Guerra Mundial, foi elaborada uma nova Constituição, que trazia em seu artigo 166 “A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”. Dezoito anos mais tarde, voltamos ao tempo de ditadura. Em 1967, a nova Constituição trazia em seu artigo 168:

A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.

Com o final da ditadura, chega-se a nossa Constituição Federal, que entrou em vigor em 1988 e trás em seu artigo 205:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com este sucinto resumo inicial, pode-se perceber que a defesa da educação como instrução geral e a responsabilidade do Estado ante à família, nos mostra que, desde 1934, o Estado, de maneira gradativa, aperfeiçoou o controle sobre a educação e criou controles suplementares para superar os fracassos da família por meio de escolas e internatos especiais.

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Del Priore (2007, p.361):

A internação aplicada pela prática de atos infracionais aos menores de 18 anos – vistos que a impunidade penal ao menor de 18 anos provém do decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 – é regulamentada pelo decreto nº 6026, de 24 de novembro de 1943. Não trata mais do menor como “desvalido” ou „delinqüente‟, agora ele é explicitamente classificado, também, como “menor perigoso”.

No Estado Novo, a “governamentalização” pretendeu atngir toda a sociedade e para isso instituiu o paternalismo assistencial. O governo paulista, sob a chefia do interventor Adhemar de Barros, por exemplo, respondeu de imediato. Organizou o Serviço Social de Menores Abandonados e Deliquentes (decreto nº 9744, de 19 de novembro de 1938), com inúmeras atribuições tais como fiscalizar o funcionamento administrativo e a orientação médico-pedagógica dos estabelecimentos de amparo e reeducação de „menores‟; recolher temporariamente os “menores” sujeitos a investigação e processo; receber e distribuir pelos estabelecimentos do serviço os „menores‟ julgados; e entre outras, exercer vigilância sobre eles.

Com o Código de Menores de 1979 tivemos a atualização da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, o que formalizou a concepção “biopsicosocial” do abandono e da infração e explicitou a estigmatização das crianças pobres como “menores” e como delinqüentes em potencial.

Del Priore (2007, p.364)

Com o início da abertura política no regime militar, diversos segmentos organizados começaram a exigir revisão imediata do código. A Constituição de 1988 expressou o fim da estigmatização formal pobreza-delinqüência e pode-se pensar, então, novo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Abandona-se, definitivamente, o termo „menor‟, carregado de preconceitos e interdições. As unidades da Febem seriam substituídas no atendimento a crianças abandonadas por programas descentralizados de „atendimento em meio aberto‟, em casas alugadas em vários pontos da cidade, para meninos e meninas que viviam na rua e que precisavam de adoção, orientação, escola ou trabalho. Para os infratores, porém, a situação continuaria inalterada a não ser pela recomendação do ECA aos juízes para disporem dela somente em último caso como diz o artigo 122, §2º: “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”.

O artigo 227 da Constituição Federal é claro ao determinar como absoluta prioridade os direitos das crianças e adolescentes. Este mesmo princípio absoluto se repete no art. 4º, parágrafo único do ECA. A criança e o adolescente se transformaram em prioridades para o Estado. A legislação pretende protegê-los da família desestruturada e dos maus-tratos que venham sofrer, deseja garantir educação, políticas sociais, alimentação e bases para exercício da cidadania. Recomenda que a internação seja evitada ao máximo, utilizada como último recurso.

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Como ressalva Oliveira (2005), a Constituição Federal de 1988 inovou ao abordar de forma pioneira no regramento constitucional nacional a questão da criança e do adolescente como prioridade absoluta, sendo a sua proteção dever da família, da sociedade e do Estado.

No Brasil, como explica Oliveira (2005), os princípios fundantes da doutrina da proteção integral são anteriores à vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente e podem ser encontrados já na Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 227 e 228, tendo sido o primeiro fruto de proposta popular oriunda dos movimentos sociais de defesa dos direitos da infância. Estes artigos determinam, entre outras coisas, ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estado deverá promover programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

O direito a proteção especial deverá abranger os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios,

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nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. Determina ainda que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Nesse contexto é criado o Conselho Tutelar, que funciona em cada município como órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela sociedade para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, devendo estar organizador, como explica Saraiva (2010), ao menos um em cada município, sendo composto por cinco membros, eleitos por mandatos de três anos e escolhidos pela comunidade local. Ele não aprecia ou julga conflitos de interesses e é regido por um conjunto de princípios informadores do agir administrativo. Por ser órgão não jurisdicional, é órgão administrativo.

O ECA, estabeleceu como competência ao Conselho Tutelar a aplicação das Medidas de Proteção, sendo competência concorrente do Juiz de Direito da Infância e da Juventude. Vale destacar, como lembra Saraiva (2010), que em municípios onde não haja Conselho Tutelar, a competência para a aplicação das Medidas incumbidas à este Órgão será do Juiz da Infância e Juventude. A sua autonomia diz respeito a autonomia funcional, em questão de matéria de competência, no atender e aplicar as medidas protetivas, devendo proceder sem qualquer interferência externa, mas, claro, submetido à estrita legalidade. O Conselho Tutelar, como órgão representativo da sociedade, tem de funcionar como guardião das garantias democráticas.

1.3 O ECA e o significado da doutrina da proteção integral

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) em 13 de julho de 1990 representa um marco divisório extraordinário no trato da questão da infância e da juventude no Brasil, segundo palavras de Saraiva (2002, p.13). O Estatuto trouxe uma total reforma da matéria, em todos aspectos, com a adoção da Doutrina da Proteção Integral, em detrimento da arcaica Doutrina da Situação Irregular, que era a utilizada no antigo sistema. Com a chegada deste novo instituto, operou-se uma mudança de referenciais e paradigmas na ação da Política Nacional, tendo reflexo em todas as áreas, tendo um reflexo especial na questão infracional. Conforme explica Saraiva (2002, p.13):

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Houve, a partir de então, um rompimento com os procedimentos anteriores, com a introdução no sistema dos conceitos jurídicos de criança e adolescente, em prejuízo da antiga terminologia “menor”. Esta servia para conceituar aqueles em „situação irregular‟. Pelo novo ideário norteador do sistema, todos aqueles com menor de 18 anos [...] são crianças (até doze anos incompletos) ou adolescentes (até 18 anos incompletos), segundo art. 2º da Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, qualificando-se como sujeitos de direito e de obrigações.

Para os estudiosos e doutrinadores do direito da criança e do adolescente existem três escolas diferentes quando se trata de informar os sistemas jurídicos na questão da infância e da juventude, sendo eles: a) a Doutrina do Direito Penal do Menor; b) A Doutrina da Situação Irregular e; c) A Doutrina da Proteção Integral. O ECA trouxe como doutrina norteadora a da Proteção Integral. Sobre esta doutrina, Saraiva (2002, p.14) explica:

Esta Escola, que dirige e orienta o texto do Estatuto da criança e do Adolescente, parte do pressuposto de que todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos. A Doutrina da Proteção Integral, que tem por norte a Convenção das Nações Unidas para o Direito das Crianças, estabelece que estes direitos se constituem em direitos especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento. Desta forma, as leis internas e o sistema jurídico dos países que a adotam devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, è convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outros.

Assim, toda a idéia na qual se baseia a Escola desta Doutrina encontra respaldo nos textos e documentos internacionais, notadamente da ONU. A Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, apesar de não ser cronologicamente o primeiro texto produzido sobre o assunto, contribuiu de maneira decisiva para consolidar um corpo de legislação internacional, que é denominado de “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”.

A Doutrina da Proteção Integral, além de se contrapor ao tratamento que historicamente reforçou a exclusão social, apresenta um conjunto conceitual, metodológico e jurídico que permite a compreensão e abordagem de questões relativas às crianças e adolescentes sob a ótica dos direitos humanos, superando o paradigma da situação irregular para instaurar uma nova ordem paradigmática.

Como algumas das características da Proteção Integral, podemos citar, conforme o entendimento de Saraiva (2010, p.26-27):

Definem-se os direitos das crianças, estabelecendo que, no caso de algum destes direitos vier a ser ameaçado ou violado, é dever da família, da sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exercício do direito atingido, através de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativos quanto judiciais, se for o caso. [...] Estabelece-se a distinção entre as competências pelas

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políticas sociais e competências pelas questões relativas a infração à lei penal. Neste caso, estabelecendo-se princípios fundamentais como ampla defesa, reconhecendo que os direitos das crianças e dos adolescentes dependem de um adequado desenvolvimento de políticas sociais. A política pública de atendimento deve ser concebida e implementada pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralização e focalizada nos municípios.

Oliveira (2005) explica que a Doutrina da Proteção Integral se trata de uma ideologia, consistente num mecanismo que tem por objetivo ser eficaz na oposição à ameaças e à vulnerabilidade dos direitos reconhecidos da criança e do adolescente, vindo a promover a proteção igualitária deles, assim sendo, colocando-lhes em posição de isonomia com todos os demais cidadãos naquilo que não contraria seus direitos peculiares.

O autor segue explicando que através desta doutrina, não são tratados apenas os aspectos atinentes à prática de infrações penais, como também inúmeros direitos, à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à convivência familiar e comunitária. Sendo tanto vítima como vitimizador, tanto criança como adolescente passam a ser vistos como seres em situação de desenvolvimento, mas dignos de poderem exercer seus direitos.

Desta forma, diz Oliveira (2005, p. 49):

A doutrina da proteção integral implica em reconhecer que os direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes possuem características específicas devido à peculiar condição de pessoas em fase de desenvolvimento e que as políticas básicas voltadas para a juventude devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado.

Quer dizer, de acordo com Oliveira (2005) a proteção integral se fundamenta sob a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito frente à família, sociedade e Estado.

1.3.1 Crianças e adolescentes como sujeitos de direitos

Nas palavras de Saraiva (2002, p. 15) “Pela nova ordem estabelecida não mais se concebe manchetes de jornal do tipo “menor assalta criança”. Estas manchetes eram de conteúdo claramente discriminatório, tratando “criança” como o filho bem nascido e o “menor” como o infrator.

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A ideologia que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente se assenta no princípio de que todas as crianças e adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente, com a idéia até então vigente de que os Juízados de Menores seriam uma justiça para os pobres, posto que analisa a doutrina da situação irregular se constatava que para os bens-nascidos, a legislação baseada naquele primado lhes era absolutamente indiferente.

A doutrina da proteção integral é o pilar do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir dela crianças e adolescentes passaram a se vistos como pessoas em desenvolvimento, mas também como sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral. Para Konzen, “a conquista do adolescente autor de ato infracional pelo advento da Proteção Integral está na possibilidade concretamente regulamentada de poder resistir à imputação”.

Como já visto anteriormente, a Constituição Federal trás os princípios fundantes da doutrina da proteção integral, de maneira mais especifica nos artigos 227 e 228, sendo o primeiro fruto de proposta popular que resultou dos movimentos sociais de defesa dos direitos da infância. Outras garantias fundamentais à criança e ao adolescente se encontram elencadas nos Arts. 3º e 4º do ECA e seus direitos fundamentais são elencados título II do Estatuto da Criança e do Adolescente, “Dos Direitos Fundamentais”, estando relacionados no Capítulo I, “Do Direito à Vida e à Saúde”, no Capítulo II, “Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade”, no Capítulo III, “Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”, no Capítulo IV, “Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer” e no Capítulo V, “Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trás em dois artigos especificamente as palavras “sujeitos de direitos” para defini-las no art. 15 “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”, e no art. 100, inciso I, que estabelece a “condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos”, sendo eles titulares dos direitos previstos “... nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal”.

1.3.2 Crianças e adolescentes como prioridade Absoluta

A Constituição Federal erigiu o Princípio da Prioridade Absoluta como princípio fundamental da ordem jurídica. A primazia deste direito se encontra no Art. 227 da

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Constituição Federal. Seguindo a Constituição, o ECA reafirma este princípio em seu Art. 4º, onde são lançados os fundamentos do Sistema Primário de Garantias, que estabelece as diretrizes de uma Política Pública que tenha como prioridade as crianças e adolescentes, tendo reconhecida sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

É importante ressaltar que o ECA se estrutura a partir de três grandes sistemas de garantias, explicado nas palavras de Saraiva (2002, p.16):

O Sistema Primário, que dá conta das Políticas Públicas de Atendimento a crianças e adolescentes (Arts. 4º e 87); o Sistema Secundário, que trata das Medidas de Proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social (Arts. 98 e 101) e, por fim, objeto central deste trabalho, o Sistema Terciário, que trata das medidas socioeducativas, aplicáveis a adolescentes em conflito com a Lei, autores de atos infracionais (Art. 112).

O Princípio da Prioridade Absoluta, como conseqüência do paradigma da proteção integral, ao lado de um conjunto de princípios constitucionais assecuratórios, resulta em princípios constitucionais especiais do sistema de responsabilização penal juvenil: princípio da reserva legal, princípio da culpabilidade, princípio da inimputabilidade penal, princípio da excepcionalidade na privação da liberdade, princípio da brevidade na privação da liberdade, princípio do contraditório, princípio da ampla defesa.

1.3.4 As Medidas Protetivas previstas no ECA

Como já dito, o ECA está organizado num Sistema de Garantias que possui três eixos centrais: o sistema primário de garantias, o sistema secundário de garantias e o sistema terciário de garantias. As medidas protetivas encontram respaldo no Sistema Secundário de Garantias, que, nas palavras de Saraiva (2010, p.64):

tem como foco a criança e o adolescente enquanto vitimizados, enquanto vulnerados em seus direitos fundamentais. Este sistema, que tem como operador originário o Conselho Tutelar, encontra sua fundamentação especialmente nos Arts. 98, 101 e 136 do ECA.

A Lei prevê a aplicação de Medidas Protetivas em face das crianças autoras de condutas que seriam configuradas como ato infracional se fossem adolescentes os autores, além de admitir a aplicação subsidiária de Medida de Proteção ao próprio adolescente que se encontra em conflito com a lei.

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Como explica Alessandra de Saldanha da Gama (2010), as Medidas Protetivas são medidas efetivadas através de ações ou programas assistenciais aplicadas de forma isolada ou cumulativa. O Art. 98 do ECA determina que as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicadas sempre que os direitos reconhecidos na Lei forem ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou ainda em razão da conduta da criança ou adolescente, ou seja, quando se encontrarem em situação de risco.

As Medidas Protetivas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, conforme o Art. 99 do ECA, bem como podem ser substituídas a qualquer tempo. Ao se aplicar as Medidas Protetivas, o art. 100 do ECA determina que se deverá levar em conta as necessidades pedagógicas, preferindo sempre a medida que melhor fortalecer os vínculos familiares e comunitários.

Igualmente, são princípios, abarcados pela proteção integral e prioridade absoluta, que regem também a aplicação das medidas protetivas, acrescidos ao ECA pela Lei 12010/09:

A condição da criança do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previsto previstos no ECA e em outras leis, assim como na Constituição Federal.;

Proteção integral e prioritária: a intervenção e aplicação de toda e qualquer norma contida no ECA deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;

Responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e adolescentes pelo ECA e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das três esferas do governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais;

Interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente sem prejuízo da

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consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

Privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

Intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

Intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente;

Proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada;

Responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;

Prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta;

Obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

Oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de

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promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 do ECA.

O art. 101 do ECA indica as medidas de proteção destinadas a crianças e adolescentes em situação de risco, sendo elas: I. Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. Orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. Matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV. Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V. Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII. Acolhimento institucional; VIII. Inclusão em programa de acolhimento familiar; e IX. Colocação em família substituta.

Cabe ressaltar ainda o que é lembrado em alguns dos parágrafos do artigo supracitado, que determinam que o acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade, sendo que o afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros: I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos; II - o endereço de residência dos pais ou do responsável, com pontos de referência; III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda; IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar. O Art. 102 do ECA determina ainda que as Medidas de Proteção constantes na Lei serão acompanhadas de regularização do registro civil.

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1.3.5 A responsabilização diferenciada do adolescente infrator

Comumente se imagina que, por serem inimputáveis penalmente, os adolescentes permanecem impunes, quando, na realidade, eles são sim penalmente responsáveis. Trata-se, no caso deles, de uma responsabilidade diferenciada, haja vista sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A legislação penal, ao contrário do que pensa a sociedade, já superou o mito da incapacidade dos adolescentes. De acordo com Konzen (2007, p.35)

O adolescente tem qualidades pessoais para compreender, assumir e atribuir sentidos. Possui determinação volitiva para tanto. Tem condições de se comprometer, por exemplo, com a reparação ou com a mitigação do dano. [...] Condição de perceber as conseqüências do comportamento e de assumir o sentido de resposta.

É importante estabelecer a distinção entre inimputabilidade penal e impunidade. A inimputabilidade, que é a causa de exclusão da responsabilidade penal, não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social.

Saraiva (2002, p.22):

A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável. Ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas socioeducativas, inclusive com privação de liberdade, com natureza sancionatória e prevalente conteúdo pedagógico.

O que muito se discute é de que os adolescentes já têm idade suficiente para saber discernir seus atos, saber o que é certo e errado e ninguém discorda disso, até mesmo crianças pequenas sabem que não pode matar e que machucar o outro é “feio”. Como ressalva Saraiva (2010, p.54):

O que cabe aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do adolescente, e sua potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos, dada sua condição de pessoa em desenvolvimento.

Konzen (2007, p.34) explica magnificamente a diferenciação da punição e da responsabilidade da criança e do adolescente para o adulto

Crianças e adolescentes são pessoas diferentes dos adultos, assim como cada pessoa, seja criança, jovem ou adulta, é diferente uma da outra. A máxima do respeito à condição humana pelo respeito à diferença não se justifica mais pela declaração de incapacidades, mas pelo reconhecimento de capacidades diferentes. Está nessa máxima o sentido do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

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Está também nessa mesma máxima a justificativa para existência de um sistema de responsabilidades. [...] Respeitar a pessoa em desenvolvimento na hipótese de prática de ato infracional tem o significado, assim, de reconhecer no adolescente um sujeito de responsabilidade. Inequivocamente uma responsabilidade diferente da responsabilidade penal da pessoa adulta, mas ainda assim responsabilidade. Inaceitar o adolescente como sujeito de responsabilidades ou entender que o sistema socioeducativo regulamenta tão somente o exercício de responsabilidade para com ele nada mais significa que uma inaceitável e reducionista infantilização.

A premissa disso está em que o adolescente tem qualidades pessoais de compreender, assumir e atribuir sentidos, tem condições de se comprometer, por exemplo, com a reparação ou com a mitigação do dano. A responsabilidade do adolescente não deve ser compreendida como sinônimo de culpabilidade, mas como sinônimo de condições de perceber as conseqüências do comportamento e de assumir sentido da resposta.

Desta forma, diferente do que é dito por aí, de que “com menor não dá nada”, o Estatuto prevê e sanciona medidas socioeducativas eficazes, reconhecendo a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, oferecendo uma larga gama de alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas. Sobre a privação de liberdade, ressalta Saraiva (2002, p.23)

A propósito dessa medida privativa de liberdade – internação na linguagem da lei – o que dinstingue fundamentalmente da pena imposta ao maior de 18 anos é que, enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário – que todos sabem o que é, nada mais fazendo além do encarcerar – onde se misturam criminosos de toda espécie e graus de comprometimento – aquela há que ser cumprida em uma estabelecimento próprio para adolescentes infratores, dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequados a sua condição de pessoas em desenvolvimento.

Percebe-se que ao decorrer da história do Brasil, houve uma evolução histórica também dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Se antigamente eram visto como pessoas sem grande importância – ou nenhuma importância – a não ser contribuir para o Estado, hoje são sujeitos de direito, que se tornaram prioridade absoluta e que devem ser cuidados por todos – Estado, sociedade e família.

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2 O ADOLESCENTE INFRATOR E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê as medidas socioeducativas visando, além de responsabilizar o adolescente infrator, garantir sua proteção, de maneira a inseri-lo em programas sociais que garantam sua proteção integral, fornecendo acesso à formação e informação.

De acordo com a Constituição Federal, o adolescente infrator não será punido com o rigor que tem a legislação penal, mas também não será isento de sua responsabilidade, como já foi visto no capítulo anterior.

O artigo 112 do ECA determina que após verificada a prática de um ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente infrator medidas socioeducativas que podem ser privativas de liberdade ou não privativas de liberdade. Esta medida levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. A escolha da medida cabível irá levar em consideração o ato infracional praticado pelo adolescente e irá buscar reabilitá-lo da maneira mais benéfica possível para sua integralidade.

Bandeira (2006, p.137-138) explica:

As medidas socioeducativas, portanto, devem pautar-se fundamentalmente, na adoção pedagógica de mecanismos de inclusão social, que seja capaz de introjetar, no jovem ainda em formação, valores que penetrem na sua centelha divina, aumentando a sua auto-estima, ampliando os seus horizontes e a sua condição de sonhar com a grande possibilidade que é a vida. Sonhar que é capaz de ser um cidadão respeitado e capaz de desenvolver todas as suas potencialidades que ficaram esquecidas diante da vida dura e desumana que o fez esquecer de “ser” e o obrigou a lutar para sobreviver. Este, sem dúvida, é o grande desafio dos juízes, promotores, equipe disciplinar e de todos os que se envolvem com a reeducação do jovem em conflito com a lei: transformar esse jovem, tornando-o um cidadão respeitado, evitando que engrosse a fileira dos delinqüentes imputáveis. As medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes podem ser cumuladas com outras medidas socioeducativas ou medidas protetivas elencadas no Art. 101 do ECA, desde que sejam compatíveis e adequadas.

As medidas socioeducativas serão, assim, aplicadas de acordo com as características da infração, levando em conta ainda as circunstâncias sociofamiliar, bem como a disponibilidade dos programas e serviços municipais. Sua operacionalização, necessariamente, deverá propor o envolvimento da família e da comunidade.

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2.1 Conceito de ato infracional

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente, se tratando de um conceito garantista, na medida em que possibilita-se uma ação socioeducativa e uma eventual aplicação de uma medida socioeducativa ao adolescente a que for atribuído um fato típico e antijurídico.

Primeiramente, em se tratando o ato infracional de uma conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente, se faz necessário uma análise sobre o conceito de crime.

O conceito material de crime é relevante por destacar seu conteúdo teológico, a razão determinante de se constituir uma conduta humana em infração penal e sujeita a uma sanção. “É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena. Esse conceito é aberto e informa o legislador sobre as condutas que merecem ser transformadas em tipos penais incirminadores”. (NUCCI, 2009, p.160)

Trata-se, então, da concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido. Como explica Nucci (2009, p.160):

A palavra crime tem um sentido forte e único para a sociedade. Valemo-nos da lição de Roberto Lyra para exemplificar: “Todos hão de saber, porque sentirão, o que devemos exprimir pela palavra crime. Julgamos criminologicamente, quando irrompe dentro de nós, diante de certos fatos, a sentença: „isto é um crime‟”! Este clamor provém da civilização que não se limita a „invólucro dentro do qual arde a paixão selvagem do homem‟ (Carlye). Há até uma sistematização subjetiva lançada na consciência humana através de um direito natural que ficou no verbo e agora será conquista, convicção, ação” (Crimonologia, p.62-63).

Já o conceito formal se trata da concepção do direito acerca do delito, o que vem a constituir uma conduta proibida por lei, sob a ameaça da aplicação de uma pena. Damásio de Jesus é muito sucinto ao determinar que “sob o aspecto formal, crime é um fato típico e

antijurídico” (JESUS, 2008, p.149).

Para haver um crime, é necessária uma conduta humana, sendo ela positiva ou negativa (ação ou omissão). Contudo, nem todo comportamento humano constitui um delito.

(33)

Para haver um delito, precisa-se de um fato típico, ou seja, “um fato que se amolda ao conjunto de elementos descritivos do crime contido na lei” (JESUS, 2008, p.151).

No entanto, não basta apenas um fato típico para a existência de um crime. É necessário ainda que ele seja contrário ao direito, ou seja, antijurídico. Jesus (2008, p.151) explica:

O legislador, tendo em vista o complexo das atividades do homem em sociedade e o entrechoque de interesses, às vezes permite determinadas condutas que, em regra, são proibidas. Assim, não obstante enquadradas em normais penais incriminadoras, tornando-se fatos típicos, não ensejam a aplicação da sanção.

Assim, fato típico é o comportamento humano, podendo ser positivo ou negativo que vem a provocar um resultado que é previsto como infração pela lei penal, enquanto antijuridicidade é a relação de contrariedade existente entre o fato típico e o ordenamento jurídico.

Determina o art. 23 do Código Penal que não haverá crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa, em estado de necessidade, no estrito cumprimento do dever legal e no exercício regular de um direito.

Já a contravenção penal se trata de uma espécie de infração penal, diferenciada do crime. “Entretanto, essa diferença não é ontológica ou essencial, situando-se tão somente no campo da pena. Os crimes sujeitam seus autores a penas de reclusão ou detenção, enquanto as contravenções, no máximo, implicam em prisão simples”. (NUCCI, 2009, p.165)

Feita esta breve e sucinta explicação de crime e contravenção penal, deixando de lado todas as divergências conceituais existentes entre os penalistas, se faz necessário voltar ao ato infracional, que é o objeto de estudo do presente capítulo.

Vale ressaltar que, assim como no Código Penal, o legislador materializou o princípio constitucional da legalidade, pelo qual só poderá haver um ato infracional se houver figura típica penal, anteriormente prevista em lei.

Ao definir o ato infracional como conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente e determinando que a responsabilidade por tal

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