• Nenhum resultado encontrado

Vista do POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TELECOMUNICAÇÕES: (DES)CONSTRUÇÃO LEGAL ENTRE OS ANOS DE 1964 e 1994 | Acta Científica. Ciências Humanas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Vista do POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM TELECOMUNICAÇÕES: (DES)CONSTRUÇÃO LEGAL ENTRE OS ANOS DE 1964 e 1994 | Acta Científica. Ciências Humanas"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

(DES)CONSTRUÇÃO LEGAL ENTRE OS ANOS DE 1964 e 1994

Fernanda Cristina Covolan1 Laryssa Emanuelle Pinheiro Lula2 Resumo: Este trabalho se propôs a analisar o percurso normativo das políti-cas para o desenvolvimento do setor de telecomunicações, em especial a partir do Golpe de 1964 até as vésperas da privatização do sistema Telebrás, visando compreender os avanços e retrocessos na tentativa de implantação de uma estratégia de autonomia em relação à tecnologia estrangeira. O que se obser-vou foi o desenvolvimentismo nacionalista como teoria condutora da primei-ra fase dessas políticas, já iniciada um pouco antes de 1964 e que continuaria até a metade da década de 1970. A partir de então, as ações coordenadas das empresas detentoras do capital e da tecnologia, estrangeiras, ganharam força, contrapondo-se às orientações iniciais da política para o setor, provavelmente também devido ao enfraquecimento econômico do país. O final do período ditatorial veria o abandono das políticas de reserva de mercado e incentivo às empresas e tecnologia nacional, significando um desestímulo às pesqui-sas, que permeou todo o setor. Assim, o que se verificou foi um retrocesso legislativo que implicou no enfraquecimento produtivo e tecnológico do setor, dando espaço para a invalidação das políticas desenvolvimentista e servindo como justificativa para o desmantelamento do setor.

1 Doutoranda em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie, com bolsa Capes/Prosuc. Professora de História do Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: fernanda.covolan@unasp.edu.br

2 Bolsista PIBIC em Grupo de Iniciação Científica dedicado à História do Direito no Brasil e gra-duanda do curso de Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: laryssaepl@gmail.com

(2)

46

Palavras-chave: Direito Econômico; Desenvolvimentismo; Privatização; Tele-comunicações.

TELECOMMUNICATIONS DEVELOPMENT POLICY: LEGAL

DE-CONSTRUCTION BETWEEN THE YEARS OF 1964 AND 1994

Abstract: This paper intends to analyze the normative course of policies for the development of the telecommunications sector, especially from the 1964 Coup until the eve of the privatization of the Telebrás system, aiming to understand the advances and setbacks in the attempt to implement a strategy of autonomy in relation to foreign technology. What was observed was Nationalist Develop-mentalism as a guiding theory of the first phase of these policies, already begun shortly before 1964 and would continue until the mid-1970s. From then on, the coordinated actions of the companies that owned foreign capital and technolo-gy gained strength, opposing the initial policy guidelines for the sector, proba-bly also due to the country’s economic weakening. The end of the dictatorial pe-riod would see the abandonment of the policies of market reserve and incentive to the companies and national technology, meaning a discouragement to the surveys, that permeated the whole sector. Thus, what happened was a legislative backlash that implied in the productive and technological weakening of the sector, giving space for the invalidation of development policies and serving as justification for the dismantling of the sector.

Keywords: Economic Law; Developmentalism; Privatization; Telecommunica-tions.

Introdução

No final da década de 1990, o Brasil assistiu a um intenso e veloz processo de privatização de empresas estatais constituídas nas décadas anteriores, e tal pro-cesso foi cercado de polêmica e aguerridos debates teóricos, políticos e científicos quanto ao modelo de Estado e de políticas a serem seguidas dali em diante.

Entre as empresas estatais privatizadas esteve o grupo das Teles, ou seja, as empresas de telecomunicações do território nacional que antes se reuniam den-tro da holding denominada Telebrás. E denden-tro do grupo Telebrás estava também

(3)

47

um Centro de Pesquisas, o CPqD, que foi responsável pela articulação de pes-quisa e desenvolvimento durante a existência da holding.

O desmantelamento da Telebrás, por meio da privatização das empresas regionais e divisão da operacionalização dos serviços, significou também a transformação daquele Centro em instituição de direito privado. Essa transfor-mação gerou o descontentamento imediato dos pesquisadores que ali trabalha-vam, que consideravam imprescindível a presença do Estado como coordena-dor das pesquisas de PD&I na área de telecomunicações – da mesma maneira em que foram contrários à própria privatização das denominadas Teles.

Sendo assim, a privatização, no que diz respeito à P&D em telecomuni-cações, foi propagandeada insistentemente como grande vilã da qualidade de pesquisa, muitas vezes com a desconsideração das políticas adotadas ou aban-donadas durante o tempo de vida da Telebrás.

Em face disso, neste trabalho se deseja reconstruir o percurso normativo referente às políticas de pesquisa e desenvolvimento referentes à tecnologia em telecomunicações, dando maior ênfase ao período da ditadura militar, no sentido de verificar de que maneira se construiu ou desconstruiu a política de tecnologia em telecomunicações no Brasil culminando na abertura para a privatização.

Desta forma, inicia-se este artigo com uma breve referência ao contexto pré-vio das telecomunicações no Brasil antes do Golpe de 1964, para falar da criação do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, aludindo a seguir às primei-ras transformações implantadas pelos militares, até a criação da Embratel.

Na sequência, analisa-se a parte mais significativa da política em tecnolo-gia nacional levada à cabo pelos militares, que percorreu os anos de 1970, para compreender os avanços e retrocessos no que respeita à criação de empresas nacionais e tecnologias nacionais em telecomunicação.

Dando fim ao período ditatorial, percorreu-se então os anos finais an-tes da abertura, quando as condições macroeconômicas impactariam as po-líticas sob análise.

Ao final, este trabalho retomou as alterações de rota definitivas derivadas do processo de abertura política e reorientação quanto ao modelo econômico para a holding de telecomunicações no Brasil.

Ainda que se dedicando apenas a uma retomada da legislação, este tra-balho foi influenciado pelas propostas de Análise de Políticas, no sentido de buscar desvendar as influências detrás das políticas de desenvolvimento da área aqui estudada.

(4)

48

A organização do sistema de telecomunicações brasileiro por parte do Es-tado se deu marcadamente a partir dos governos militares, como se verá. No entanto, o desenvolvimentismo não foi uma característica exclusiva ou inaugu-rada pelo Golpe de 1964: o Código Brasileiro de Telecomunicações, primeiro documento legal para regulamentação da área de telecomunicações brasileira, surge alguns anos antes e resultou do embate do legislativo que se beneficiou de um sentimento nacionalista predominante.

Como bem coloca Maria Conceição da Costa (1991, p. 22):

O aparato burocrático do Estado configura-se como a expressão de deter-minados interesses e representa uma correlação de diferentes forças sociais. Nesta análise o Estado é apresentado como fragmentado, resultado de dife-rentes forças sociais presentes no seu interior. Assim, o processo de formu-lação de políticas de governo é o resultado da interação entre este Estado fragmentado e as forças sociais da sociedade civil. É, ademais, um processo que envolve conflito e consenso entre esses grupos. Por outro lado, a ação es-tatal tem um determinante geral, um condicionamento, um processo históri-co que é a expressão de um específihistóri-co padrão de desenvolvimento capitalista tardio, dependente e associado.

É certo que não apenas o desenvolvimentismo nacionalista esteve nas ba-ses da referida legislação, mas também o colapso da área de comunicações jus-tamente quando o Brasil experimentava forte crescimento industrial e a urba-nização das grandes cidades.

O regime vigente, antes do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962, levara à existência de cerca de 800 a 1.200 concessionárias municipais, enquanto que as áreas verdadeiramente rentáveis estavam concentradas nas mãos de concessionárias estrangeiras – só a Companhia Telefônica Brasileira, empresa canadense, detinha cerca de dois terços das linhas, concentrada entre Rio e São Paulo (CROSSETTI, 1995, p. 24).

A existência dessa imensa pluralidade de concessionárias tornava impos-sível a padronização técnica, problema este agravado pela existência de contro-le tarifário que manteve congelados os valores, dificultando os investimentos para melhoria e expansão da rede. As empresas estrangeiras aqui fixadas não viam razão para investimento, e o equipamento usado pelas concessionárias era totalmente derivado de importações. Dava-se assim um círculo vicioso que tornava o sistema cada vez mais precário: “com o péssimo estado da rede e o obsoletismo dos equipamentos, a má qualidade dos serviços não justificava au-mentos tarifários, desestimulando em seguida investiau-mentos produtivos cujo retorno era lento e aleatório” (CROSSETTI, 1995, p. 25).

(5)

49

De acordo com Brandão, o fator preponderante para a criação do CBT, porém, foi a formação de um pacto de interesses de três segmentos nacionais, a saber: empresários de radiodifusão, a classe política e os engenheiros militares “que sustentavam a argumentação tecnológica necessária à elaboração do

proje-to” (BRANDÃO, 2009, p. 1).

O Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, inaugurou a implantação do Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT), previu a criação da empresa pública, que seria criada em 1965 – Embratel –, instituiu, entre ou-tros, o Fundo Nacional de Telecomunicações, como forma de autofinanciamen-to, bem como definiu tarifas. Sua regulamentação se deu no ano seguinte e o texto vigorou até 1997, quando a Lei Geral das Telecomunicações foi aprovada e deu suporte jurídico para as privatizações de 1998.

Para Brandão, o CBT foi reflexo de um intenso processo de articulações políticas, econômicas e sociais em que foi vencedora a democracia, em que a Câmara derrubou os vetos presidenciais e o executivo aceitou o fato e sancionou a lei, o que pode ser considerada uma grande vitória quando se rememora que tal processo legislativo se deu entre 1960 e 1963, durante o qual a capital mudou de cidade, houve renúncia de um presidente, o vice quase não assume o cargo, instaurou-se um curto período parlamentar com seguida restauração do presi-dencialismo por meio de plebiscito (BRANDÃO, 2009, p. 13).

As principais diretrizes da Lei 4.117/62 foram assim resumidas por Cros-setti (1995, p. 28):

• Criação do Conselho Nacional das Telecomunicações (Contel), subordinado à presidência da República, centralizando o sistema antes pulverizado para os Estados e Municípios;

• Elaboração do Plano Nacional de Telecomunicações para viabilizar técnica, econômica e administrativamente o Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT);

• Criação de uma empresa pública para execução dos troncos principais do SNT; • Criação de um fundo para junção de recursos destinados à implantação e

de-senvolvimento do sistema, o Fundo Nacional de Telecomunicações; • A obrigação do tráfego mútuo e a compatibilidade técnica;

• Formação de área técnica, que seria responsável pela fixação do tarifário.

Como se sabe, não houve tempo para maiores esforços de implementação das diretrizes traçadas no CBT, regulamentadas em 1963, na medida em que no primeiro semestre de 1964 deu-se o Golpe que implantou o período ditatorial.

Ainda assim, como o governo ditatorial tinha como uma de suas bandei-ras a modernização do país, sendo necessária a reorganização dos setores de infraestrutura, entre os quais o de telecomunicações, já em 1965 seria criada

(6)

50

a Embratel para a operacionalização dos serviços de ligações internacionais e interurbanas. No ano seguinte deu-se a compra da Companhia Telefônica Bra-sileira, empresa pertencente ao grupo canadense e que concentrava cerca de dois terços das linhas telefônicas do país, é nacionalizada (ROCHA, 2005, p. 20; CROSSETTI, 1995, p. 28-30).

Embora a política científica dos governos ditatoriais desejasse a indepen-dência das tecnologias estrangeiras, num primeiro momento isso não era pos-sível, pelo que nos primeiros anos houve uma adaptação aos moldes vigentes, com obtenção de capital e tecnologia do exterior, propiciada pela presença de subsidiárias e pela transferência de tecnologia (STEFANUTO, 1993, p. 36).

A Embratel, recém-criada, deveria “tirar o país do caos em que se encon-trava” no que tange às telecomunicações, e o primeiro artigo dos seus estatutos afirmava que deveria “explorar, industrialmente, serviços de telecomunicações postos sob o regime de exploração direta da União”. Caberia à Embratel execu-tar o Plano Nacional de Telecomunicações (PNT) e os meios econômicos para tais ações adviriam de um sobretarifa de 30%, o Fundo Nacional de Telecomu-nicações (FNT), conforme o artigo 51 do CBT, que deveria amparar o SNT por dez anos (CROSSETTI, 1995, p. 32).

A empresa conseguiu, ao longo da década de 1970, alcançar seus objeti-vos de avançar na telefonia e telecomunicação interestadual e internacional: em 1970 foi possível a transmissão de TV em rede nacional; o tráfego de longas

distâncias – interestaduais cresceu 100 vezes entre 1965 e 1980; em 1973 são in-terligados por cabeamento renovado a América do Sul e a Europa; expansão da rede de terminais de telex de 4.000 em 1974 para 41 mil em 1980 (CROSSETTI, 1995, p. 33).

Como já dito, outra medida importante para a sustentação do SNT foi a compra da Cia. Telefônica Brasileira (CTB). Tal empresa, que operava cerca de dois terços das linhas brasileiras na região de maior demanda (maior nível de industrialização), operava muito abaixo das expectativas. Em 1963, a empre-sa passou a sofrer intervenção governamental e, em 1966, fez-se o acordo de transferência de propriedade pelo preço de US$ 92 milhões, sendo a empresa inicialmente gerida pelos funcionários. Em 1969 começou então um processo de reformulação da empresa, por meio de uma equipe que já se formara den-tro da Embratel e os resultados se fizeram sentir já no começo dos anos 1970 (CROSSETTI, 1995, p. 34-35).

Veja-se que para a realização do projeto de substituição da tecnologia im-portada pensou-se num Sistema de Ciência e Tecnologia, para internalizar a “cadeia linear de inovações (pesquisa básica, pesquisa aplicada e desenvolvimen-to tecnológico)”, que deveria fornecer tecnologia à indústria nacional quando estivesse amadurecido. Já em 1964 fora criado o Fundo de Desenvolvimento

(7)

51

Técnico-Científico (Funtec) para fomento das Universidades, que deveriam

criar cursos (mestrado e doutorado) nas áreas de Ciências Exatas e Aplicadas, consideradas prioritárias para a política industrial. As funções deste fundo se-riam repassadas em 1971 para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científi-co e TecnológiCientífi-co (FNDCT) (STEFANUTO, 1993, p. 38).

A Unicamp, criada em 1966, reflete essa política de incentivo às ciências duras, já que desde seu nascimento buscou atrair pesquisadores de alto nível, alguns inclusive sediados no exterior. Esses pesquisadores foram estimulados e capacitados para atividades de fronteira em âmbito internacional, mesmo an-tes da existência de demanda dessas atividades pela indústria nacional. Poste-riormente, com a criação da Telebrás, estabeleceram-se pontes orientadas para pesquisa em telecomunicações, sendo os precursores o Programa Brasileiro de Fibra Ótica, Programa de Pesquisa e Formação de Recursos Humanos na Tec-nologia de Grau Eletrônico (STEFANUTO, 1993, p. 41).

Em 1967, a Constituição Federal, no artigo 8º, inciso XV, “a”, estabeleceu definitivamente o processo de centralização da gestão do setor de telecomu-nicações, ao dizer que competia à União explorar diretamente, ou mediante autorização ou concessão os serviços de telecomunicações. O texto ainda deter-minava que a competência para legislar sobre questões relativas às telecomuni-cações era exclusiva da União, conforme se vê do mesmo artigo, inciso XVII, “i”. Na sequência, cria-se o Ministério das Comunicações (Minicom), por meio do Decreto-lei 200, ao qual ficariam vinculados a Embratel e o Contel, for-mando-se assim toda a estrutura do SNT, ao qual se somará em 1972 a Telebrás.

A Telebrás e a Política de P&D nos anos 1970

Em 1972, a Lei nº 5.792 instituiu a “política de exploração de serviços de tele-comunicações” e autorizou “o Poder Executivo a constituir a empresa Telecomu-nicações Brasileiras S/A – Telebrás”, que deveria ser uma sociedade de economia mista, conforme o ditame do artigo terceiro. O Funtel passa a alimentar a nova empresa, conforme artigo 10º, na medida em que a Embratel, já organizada e ope-rante nos serviços de longa distância, era capaz de subsidiar a si mesma.

A criação da Telebrás significou o ápice do monopólio público das teleco-municações no Brasil, e com isso seria possível garantir que a instalação de tele-fones seguiria para todos os lugares do Brasil, e não apenas nas áreas rentáveis. Antes, essas áreas financiariam a ampliação na direção das áreas deficitárias.

(8)

52

Com a criação da holding, o governo passou a deter em suas mãos os instru-mentos necessários para realizar uma política industrial e tecnológica mais ambiciosa, visando reduzir o grau de internacionalização da indústria e a dependência tecnológica dele decorrente (MOREIRA, 1989, p. 64).

A nova empresa se estabelece ocupando ao mesmo tempo duas naturezas: a de aparelho de Estado e a de organizadora do setor produtivo. No seu primei-ro papel dispõe de “poderes normativos” que vão além da natureza meramente empresarial, servindo mesmo como “instrumento de apoio e de implementação da política econômica do governo” em sua área de atuação, em particular por meio do “seu poder de compra e de suas políticas de investimentos”. Para Cros-setti (1995, p. 39-40), essa dupla natureza significou muitas vezes o conflito en-tre a Telebrás e o Minicom, com perdas para o setor durante os anos seguintes.

Os primeiros anos de atuação da Telebrás foram anos de grande entusias-mo e de otimisentusias-mo, que foram severamente revistos a partir de 1975 quando a crise macroeconômica implicou em cortes orçamentários. Aproximadamente na mesma época (1974) houve uma reformulação do FNT, cuja gestão foi incor-porada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento, ficando nas mãos do Ministé-rio do Planejamento.

Sucede que os valores provenientes do FNT serviam para financiar parte das encomendas de equipamentos para expansão do setor, pelo que a diminui-ção dos repasses afetou o desenvolvimento da indústria de equipamentos de telecomunicação. O Fundo também servia para redistribuir parcialmente os valores “em favor das subsidiárias das regiões mais subdesenvolvidas” (CROS-SETTI, 1995, p. 44).

Não bastasse, em 1979 o FNT foi totalmente desvinculado do setor de tele-comunicações, e em 1982, com o fim do Fundo Nacional do Desenvolvimento, as receitas do FNT foram destinadas ao Tesouro. Ou seja, o Fundo que fora ini-cialmente criado justamente para subsidiar a nacionalização e independência do setor de telecomunicações desapareceu dentro da burocracia, perdendo suas funções iniciais e sendo aproveitado por diversos setores do governo.

Os planos inconsistentes do Executivo – reflexo dos diferentes modelos de ação existentes dentro do governo militar – levaram à impossibilidade de realização dos planos originais pensados para o Sistema Nacional de Telecomu-nicações. Mesmo assim, a criação do sistema, e em especial da Embratel e da Telebrás, permitiu um crescimento e consolidação nacionais das telecomunica-ções, totalmente integradas, o que teria sido impossível no modelo de iniciativa privada antes adotado.

Como já dito, a formação do sistema de monopólio estatal teve como meta a reordenação da política de telecomunicações, mas também visava

(9)

53

atender a questões de ordem econômica, a formação de uma política de reor-denamento industrial, que deveria se tornar mais nacional e menos suscetível aos interesses estrangeiros.

Quando o SNT ficou completo, com a criação da Telebrás, o governo reo-rientou suas políticas no sentido de incentivar o desenvolvimento de pesquisa e de produção tecnológica nacionais, reduzindo o grau de internacionalização. Afinal, com um sistema integrado, era possível falar em padronização dos

equi-pamentos, o que antes não se aventava.

A Telebrás desde cedo diagnosticou o problema da dependência tecnoló-gica, e em face disso criou-se um programa de P&D que pretendia capacitar tecnologicamente, formar quadros técnicos e fortalecer a indústria do setor, o que se daria coordenando esforços entre universidade, indústria e a holding. À primeira caberia a pesquisa básica e formação de recursos humanos; à indús-tria, a produção de telequipamentos; e à Telebrás caberia o desenvolvimento de processos e produtos, bem como a demanda dos produtos das indústrias. Para a coordenação dessas inter-relações surgiria então o CPqD, o Centro de P&D da Telebrás que articularia sua política industrial e tecnológica (TAPIA, 1984, p. 101-111; CROSSETTI, 1995, p. 112; MOREIRA, 1989, p. 65).

A principal frente de atuação seria o desenvolvimento das CPAs, uma tecnologia nova de comutação digital que deveria substituir as antigas tecno-logias de comutação analógicas, funcionando como forma de modernização do sistema da mesma maneira com que serviria para gerar capacitação tecnológica da indústria.

No entanto, esse não era o interesse das fábricas já existentes no Bra-sil, já que essa nova tecnologia significaria, no médio prazo, o sucateamento dos equipamentos existentes e instalados no Brasil pelas filiais subsidiárias das empresas estrangeiras. O SNT, após a criação da Telebrás, dera ao Estado aproximadamente 80% do mercado de telequipamentos, e com isso enorme poder de barganha e capacidade de implementar mudanças na estrutura in-dustrial de telecomunicações, com redução do poder das filiais subsidiárias (MOREIRA, 1989, p. 64).

Atuando na formação de recursos humanos, em conjunto com as Univer-sidades – em especial com a USP e Unicamp, mas não só – e por outro lado in-centivando o desenvolvimento de tecnologia de CPAs, a Telebrás – por meio do CPqD – fez uma opção tecnológica para o setor: desenvolvimento da eletrônica digital e das comunicações ópticas.

Essa opção tecnológica foi feita num momento em que os países de in-dustrialização avançada também estavam tomando decisões semelhantes, com suas pesquisas ainda em estágios preliminares. A estratégia da Telebrás era aproveitar o momento de descontinuidade tecnológica, de início da mudança

(10)

54

da base técnica eletromecânica para microeletrônica, para reduzir o grau de dependência tecnológica e abrir espaço no mercado brasileiro para uma tecno-logia made in Brazil (MOREIRA, 1989, p. 66).

No governo Geisel, com o lançamento do Plano Nacional de Desenvolvi-mento, uma política claramente nacionalista se pronunciava no setor das tele-comunicações, e as estratégias do Minicom voltaram-se para os seguintes obje-tivos, segundo Moreira (1989, p. 67):

• Elevar o índice de nacionalização dos telequipamentos, materiais e compo-nentes;

• “Assegurar o desenvolvimento da indústria de equipamentos, sob controle de capitais brasileiros”;

• Reduzir a dependência tecnológica frente às filiais, incentivando o desenvolvi-mento da tecnologia brasileira.

Ou seja, o que se traça então é uma política de natureza industrial que desejava organizar o mercado entre os fabricantes principais, permitindo-se in-clusive espaços para empresas de capital nacional (COSTA, 1991, p. 37). A partir de então, a discussão sobre o significado jurídico e empresa de capital nacional (e de equipamentos nacionais) dominaria a política e a legislação do setor.

Segundo Moreira (1989), a política de elevação dos índices de nacionali-zação favoreceu-se da crise no balanço de pagamentos brasileiro, que obrigou o Estado a um controle mais efetivo das importações feitas pelas estatais. Na Telebrás foram criados instrumentos de limitação às importações em 1975 e,

ao mesmo tempo, instituiu-se o Grupo Executivo Interministerial de Compo-nentes (Geicom) para investigar políticas de fomento à indústria nacional de componentes e insumos eletrônicos (CROSSETTI, 1995, p. 113).

No ano seguinte, a Telebrás regulamentou, por meio da Portaria 903/76, um sistema pelo qual deveriam ser realizados testes nos equipamentos a serem comprados pela empresa, testes estes que correriam nos laboratórios da Embra-tel, Telerj e Telesp, e visavam mensurar o grau de adaptação das especificações da Telebrás, sendo um dos requisitos o índice de nacionalização dos componen-tes. Somente os produtos homologados e registrados poderiam participar das licitações ou negociações diretas da Telebrás.

Em face disso, a indústria estrangeira que se encontrava no Brasil viu-se compelida a redefinir suas políticas e estruturas no Brasil, de modo a que os produtos por ela fabricados pudessem ser vistos como nacionais.

Além da política que exigia a nacionalização dos equipamentos, outra ain-da se fez do sentido de conduzir uma nacionalização do capital na indústria, bem como conduzir um processo de autonomia tecnológica, consubstanciadas

(11)

55

na Portaria 661/75 que, segundo Moreira (1989, p. 68), “representou a mais am-biciosa tentativa do Minicom de alterar o panorama da indústria, inteiramente favorável ao capital e tecnologias estrangeiras”.

A portaria traçou as políticas do Ministério quanto ao desenvolvimento das CPAs a serem utilizadas pelo SNT, da seguinte forma:

• Desenvolver no país um modelo brasileiro de central CPA, tipo temporal, para uso do SNT, a médio e longo prazos;

• Iniciar a fabricação, no Brasil, de CPAs espaciais, adquirindo direiros e paten-tes necessários através de concorrência internacional;

• Viabilizar a constituição e consolidação de empresas sob o controle de capitais brasileiros privados para a fabricação de equipamentos de comutação telefô-nica no país.

Para a realização de tais metas, estabeleciam-se por sua vez as seguintes diretrizes:

• Criação do CPqD, que reuniria todas as atividades de P&D do Minicom e com o principal encargo de desenvolver a central CPA temporal brasileira;

• Formação de uma empresa nacional para fabricar as centrais CPAs temporais e espaciais, empresa que teria 40% do mercado de comutação pública, em am-bas as tecnologias, e contaria, caso necessário, com capital da Telebrás;

• Garantia as subsidiárias estrangeiras do direito de fabricar CPAs, mas sem reserva de mercado. E no caso de CPAs temporais, as subsidiárias deveriam licenciar a tecnologia desenvolvida pelo CPqD, caso quisessem fabricá-las (CROSSETTI, 1995, p. 115; COSTA, 1991, p. 37).

Estava assim redefinida a política industrial para a área de equipamen-tos de telecomunicação, em especial a introdução das CPAs, afinal, quando a tecnologia digital do CPqD estivesse disponível, esta seria a única aceita pelo Sistema Telebrás.

Assim, resumidamente, a Portaria 661 traçava que o capital e tecnologia nacionais se desenvolveriam inicialmente pela importação da tecnologia CPA espacial (semi-eletrônica), que seria então fabricada por uma empresa de con-trole de capital nacional. Em fase seguinte, a tecnologia nacional migraria pau-latinamente para a CPA temporal (digital) que seria desenvolvida pelo CPqD.

A decisão pelo CPqD confirmava o modelo de P&D desenhado quando da criação da Telebrás, desenvolvido pela Portaria 102/75, que indicava a centra-lização do controle e descentracentra-lização na execução: controle centralizado pelo

(12)

56

Minicom, por meio do CPqD, e execução feita pelas Universidades, Telebrás e Indústria (MOREIRA, 1989, p. 69).

O CPqD partilhava com a universidade e os institutos de pesquisa o es-copo de pesquisa aplicada, e com a indústria a validação das especificações da Telebrás e o desenvolvimento de protótipos e produtos. A pesquisa básica e a produção de equipamentos caberiam à universidade e à indústria, respectiva-mente (TAPIA, 1984, p. 103).

Apoiava-se sobre os “ombros” do Estado o ônus dos gastos em P&D, e atri-buía-se ao capital nacional, protegido por uma reserva de mercado, a tarefa de industrializar os produtos. Essa foi a fórmula proposta pela Portaria nº 661 para mudar as características da estrutura da indústria (MOREIRA, 1989, p. 69).

Tal política não agradou as subsidiárias, pois a obrigação da implantação das CPAs temporais implicaria modernização das fábricas e a transferência de tecnologia de um produto de ponta, recém lançado nas matrizes, contrariando a política de usar, nos países de terceiro mundo, apenas tecnologias obsoletas e já completamente amortizadas (CROSSETTI, 1995, p. 115). Não bastasse, a Por-taria 661 ainda reservava mercado ao capital nacional, provocando uma reação das empresas estrangeiras.

Insatisfeitas, as filiais subsidiárias agarraram-se à discussão da definição de “empresa de capital nacional”. Por fim, a Portaria 622 de 1978 redefiniria formalmente a concepção de empresa de capital nacional, que passa a ser aquela cuja maioria de capital com direito a voto fosse de propriedade de brasileiros.

Como a legislação definia o mínimo de 1/3 das ações com poder de voto, uma empresa que se utilizasse deste mínimo teria a maioria do seu capital votante em apenas 17% do total do capital, ou seja, bastariam 17% do capital para que a empresa fosse considerada nacional para efeito de compras por parte da Telebrás.

Formaram-se assim joint ventures com sócios nacionais e manteve-se a atuação das filiais estrangeiras, agora “nacionalizadas” (MOREIRA, 1989, p. 70). Via de regra foram sócios de atuação financeira, ou de outras atuações indus-triais, denotando que o poder diretivo, ainda que legalmente assentado no acio-nista nacional, não se daria de fato por ele, por inabilidade técnica (PESSINI, 1986).

A Portaria 662 estabeleceu que as compras feitas pela holding Telebrás de-veriam obedecer os seguintes critérios:

• Prioridade para empresa brasileira, nos termos já referidos; • Ênfase no maior índice de nacionalização do produto;

• Reserva de mercado para produtos preferenciais desenvolvidos pelo CPqD; • Divisão do mercado para os equipamentos de grande porte;

(13)

57

Assim, além da resolução do impasse referente ao capital nacional, me-rece destaque a regra que determinava que a compra de equipamentos estaria vinculada à compatibilidade do produto com as especificações pertinentes aos modelos preferenciais dos equipamentos e materiais de telecomunicações defi-nidos pela Telebrás.

Esta medida servia para forçar a entrada de tecnologia nacional no merca-do na medida em que as empresas teriam que licenciar a tecnologia merca-do produto eleito como preferencial, pelo que as empresas já não estariam livres para de-finir as características tecnológicas do seu próprio produto. Assim, privilegia-va-se a empresa nacional que teria acesso de forma prioritária aos produtos do CPqD, que seriam sistematicamente escolhidos como preferenciais. Ainda que não plenamente implantado, essas mudanças permitiram algum grau de estru-turação de empresas nacionais e obrigaram as empresas estrangeiras a repensar suas estratégias de atuação no Brasil (CROSSETTI, 1995, 120).

(Des)construção da Política de P&D em Telecomunicações

A questão da concorrência para a instalação das CPAs continuava pen-dente, porém. E só haveria uma mudança significativa em 1981, com a Portaria 215, de 9 de novembro, que determinou o cancelamento da concorrência pelas CPAs espaciais, definindo-se que o investimento se daria nas CPAs temporais (CPAs-T), já totalmente desenvolvidas pelos sócios estrangeiros das joint

ventu-res operantes no Brasil (ALMEIDA, 1994, p. 249).

A Portaria estabelecia que os modelos brasileiros de CPA-T desenvolvidos pelo CPqD deveriam ser utilizados logo que disponíveis para implantação, e seriam considerados preferenciais nos termos da Portaria 622/78, com garantia de reserva de 50% do mercado de aquisições pelo Sistema Telebrás. Veja-se que antes desta alteração a reserva de mercado prevista atingiria 100%, pelo que houve uma redução significativa.

Outro grande problema que afetaria o projeto de CPA-T nacional, denomi-nado Projeto Trópico, foi a concorrência com as joint ventures, já que a divisão do mercado impedia a recuperação dos gastos com P&D. Ainda que houvesse monopólio do mercado para a tecnologia Trópico não seria possível recuperar o investimento, tornando-o irracional do ponto de vista econômico (CROSSET-TI, 1995, p. 123).

Essas reorientações implicaram em fortes críticas por parte das empresas nacionais, mas sem que houvesse uma modificação de orientação por parte do Minicom. Na verdade:

(14)

58

Ao invés de optar por expandir e modernizar o sistema a partir das CPAs-T de pequeno e médio porte (Trópico C e R), na época em fase final de de-senvolvimento, e concentrar recursos para o desenvolvimento das centrais de grande porte (Trópico L), o Ministério optou pela instalação imediata de centrais de tecnologia estrangeira, cuja consequência seria, e efetivamente foi, desastrosa para o mercado de tecnologia Trópico (MOREIRA, 1989, p. 74).

O argumento do Minicom à época fora de que as concessões às joint

ven-tures teriam caráter temporário, mas os anos subsequentes demonstraram o

contrário. Uma vez definidos os fabricantes, uma comissão apontou a necessi-dade de padronização de equipamentos para permitir a comunicação entre as interfaces dos estágios de linha remotos.

Por isso, as empresas qualificadas na concorrência deveriam repassar tec-nologia – conforme previsto na Portaria, mas estas simplesmente se recusaram, gerando um impasse constrangedor que denotava a falta de poder de atuação do Ministério e da legislação então vigente (ALMEIDA, 1994, p. 248).

Buscando afastar essa obrigação, as três empresas selecionadas argumen-taram a inviabilidade econômica da produção das CPAs-T, enquanto que o CPqD e a Secretaria Especial de Informática (SEI) argumentavam em sentido contrário, defendendo que a padronização seria a única medida para garantir a expansão da tecnologia nacional no mercado (MOREIRA, 1989, p. 76).

Em 1984 o Ministério finalmente se decide novamente em favor das joint

ventures, e com isso garantiu-se a permanência da reserva de mercado daquelas

empresas. Embora a SEI tenha resistido a esta decisão, em 1985 uma decisão presidencial ordenou a liberação das guias para importação dos componentes de montagem (MOREIRA, 1989, p. 76).

Uma vez que o Minicom decidiu contrariamente à padronização, abriu--se definitivamente o mercado para os produtos de tecnologia estrangeira,

o que levou a Telebrás a desistir definitivamente do projeto Trópico L (de grande porte), encerrando as pesquisas em uma central de médio porte (CROSSETTI, 1995, p. 131).

Com relação ao Trópico, na prática não houve reserva. A liberação das guias de importação pela Presidência causou grande constrangimento entre os fabricantes nacionais do Trópico R (Elebra e PHT), sobretudo porque foi autorizada a importação de cerca de cinquenta mil linhas que se referiam a estágios remotos com menos de mil assinantes (área restrita à tecnologia nacional). Várias operadoras contrataram em 1985 estágios remotos de tec-nologia estrangeira para as regiões metropolitanas, rompendo a reserva de mercado de equipamentos até quatro mil linhas (CROSSETTI, 1995, p. 131).

(15)

59

A Nova República e as velhas políticas de P&D

A Nova República iniciada em 1985 vai inaugurar o Ministério da Ciência e Tecnologia, que não era coordenado por cientistas das ciências duras, como se vira nos órgãos governamentais voltados à C&T antes existentes. Agora seria gerido majoritariamente por profissionais da área econômica, na medida em que a teoria econômica havia redescoberto o papel da inovação para a “dinâmi-ca cícli“dinâmi-ca da economia “dinâmi-capitalista”. Para esses novos gestores públicos, estavam esgotadas as oportunidades de substituição de importações e o futuro do crescimento econômico deveria significar aumento do nível de competitividade (DAGNINO apud STEFANUTO, 1993, p. 53).

Ao mesmo tempo, e em consonância com essa nova visão, há uma tendên-cia interpretativa no Minicom de que a indústria brasileira da área de telecomu-nicações atingira suficiente maturidade para não depender mais de uma ação tão interventiva do Estado, pelo que este poderia se retirar.

No entanto, considerando-se a tendência de abertura para a tecnologia estrangeira, a diminuição da relevância dada à pesquisa e desenvolvimento, e a concorrência de diversas empresas, como já visto, impossibilitava-se “maior aproveitamento das economias de escala e maiores recursos em P&D, a empresa nacional continuava dependente, em termos tecnológicos, do CPqD (responsá-vel pela maioria de seus produtos) e, em termos financeiros, da Telebrás” (MO-REIRA, 1989, p. 134).

Passo seguinte na direção de abertura à produção estrangeira se deu no ano de 1986, com a revisão da Portaria 622, estabelecendo-se, entre outras, as seguintes diretrizes:

• Regime da livre concorrência, respeitando-se o que já fora contratado até en-tão;

• Manutenção do critério de exclusividade de compra de produtos das empresas estrangeiras, mas a reserva de mercado se daria aos produtos que fossem pro-jetados e desenvolvidos no país – surge a reserva para o projeto brasileiro, quer tivessem surgido em empresas de capital brasileiro ou não. Caso o produto fosse considerado estratégico, a compra poderia se dar por negociação direta, pelo prazo necessário ao suprimento introdutório do mercado;

• Fim do modelo de equipamento preferencial;

• A participação em programas de desenvolvimento da Telebrás dependeria do critério de capital nacional. Caso outras empresas quisessem participar, deve-riam custear sua participação;

• Os programas de P&D do CPqD “deveriam ser orientados, progressiva e pre-ferencialmente, para a pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental,

(16)

60

bem como para o apoio tecnológico à indústria e para a avaliação do estado da arte a nível mundial”.

Uma das medidas de grande impacto foi o fim do produto preferencial que, para o Minicom, significara restrição à competição e à evolução tecnológica. A reserva de mercado passava, então, a ser dada ao projeto tecnológico brasilei-ro, assim considerado aquele desenvolvido em empresa localizada no Brasil, e apenas enquanto se mostrasse atualizado, disponível e/ou competitivo (CROS-SETTI, 1995, p. 136).

Mesmo não regulamentadas, as alterações à Portaria 622 foram imple-mentadas já em 1987, em especial no que tange à política de P&D. Em 1988, os fornecedores do CPA Trópico eram quatro, mas a essa altura os problemas macroeconômicos atingiam durante também a holding, inclusive com atraso de pagamentos, fragilizando o setor (CROSSETTI, 1995, p. 136).

O governo Collor representaria o início da desregulamentação do setor, baseada na diminuição da intervenção do Estado na economia e liberação do mercado, para o que se considerava essencial a privatização das empresas esta-tais. Lançou-se, assim, o Programa Nacional de Desestatização, configurado na Medida Provisória 155, com os seguintes propósitos: reordenamento estratégico do Estado, redução da dívida pública, retomada de investimentos, moderniza-ção da indústria e fortalecimento do mercado de capitais.

Porém, a reorientação da política econômica não precisaria significar a saí-da do Estado saí-da área de C&T, como demonstraram outros países entusiastas saí-da proposta neoliberal, que continuaram fortemente envolvidos com a utilização integrada de políticas de C&T e industrial, fomentando investimentos privados, a demanda, a competição, sustentando a base técnica e a educação. “A atuação do Estado, fundamental para a adaptação e a apropriação do novo paradigma técnico-econômico constituiu a base para a política de inovação adotada pelos governos dos países mais entusiastas da proposta neoliberal” (STEFANUTO, 1993, p. 55).

Ainda assim, com base em um relatório do Banco Mundial sobre o setor das telecomunicações, que mostrava a incompatibilidade do sistema monopo-lístico com a modernização tecnológica do setor, inicia-se um movimento con-trário à manutenção do sistema monopolístico estatal das telecomunicações.

O que limitou essa tendência privatizante foi a então Nova Constituição Brasileira de 1988, já que o artigo 21, XI, dispunha ser competência da União:

Explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acio-nário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de

(17)

61

serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pú-blica de telecomunicações explorada pela União.

Assim, impedida constitucionalmente a privatização, o caminho inter-pretativo usado foi o de resgatar as definições constantes do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 que tratava de “serviços públicos restritos” e de “serviços públicos limitados”. Veja-se que o Código em questão, como já men-cionado no início deste trabalho, vem à luz em um tempo de inexistência de infraestrutura de porte nacional, sendo necessárias fórmulas para incentivar esse desenvolvimento, o que não se poderia dizer dos anos 1990, quando a rede já era nacional.

Foi com base nos conceitos mencionados que o governo procurou permitir que empresas privadas ocupem os setores de “radiochamada, telefonia celular e comunicação de dados via satélite em baixa velocidade”, alegando que estes serviços não integravam a previsão constitucional. Na sequência foram criadas diversas portarias entre os anos de 1990 e 1991 para concretizar a desregula-mentação do setor.

A própria Telebrás ver-se-á afetada diretamente por um dessas portarias, a 8.049 de março de 1990, por meio da qual se fez a reestruturação da Holding, que passa a ser composta não mais por 27 empresas locais mais a Embratel, e sim por oito empresas regionais e a Embratel. Já então o Minicom fora reduzi-do à secretaria, a Secretaria Nacional de Comunicações (SNC), subordinada ao Ministério de Infraestrutura e posteriormente ao Ministério de Transportes e Comunicações (MENARDI, 2000, p. 44).

Essas alterações davam conta da reorientação mencionada, uma reforma completa do setor com relaxamento do monopólio, mas teve por contrapartida diversas interferências judiciais alegando a inconstitucionalidade das medidas. A interpretação dada com base no CBT vai ser contestada judicialmente,

cau-sando a interrupção da concorrência da telefonia celular em 1992 bem como in-terferência nas tentativas de abertura normativa no uso de serviços de satélites.

A holding envolveu-se com as novas diretrizes, participando de diversas maneiras na abertura de participação de empresas privadas, nacionais ou não. Encontrou resistências de diversas ordens, entre as quais processos judiciais alegando a inconstitucionalidade das novas práticas, bem como denúncias de tráfico de influência veiculadas na imprensa. As medidas da holding e as porta-rias havidas entre 1991 e 1994 representaram o fim da reserva de mercado e a entrada de novos concorrentes, rompendo-se o estabelecido na Portaria 215/81, inclusive com acesso à tecnologia produzida pelo CPqD por meio da associação dessas novas concorrentes às firmas nacionais (CROSSETTI, 1995, p. 143).

(18)

O ano de 1992 foi marcado por lutas judiciais em torno dos serviços e das novas contratações, que agora envolviam agentes novos na concorrência, o que imobilizou a Secretaria e impediu um movimento maior de desregulamentação. A estratégia passou então a concentrar-se na revisão constitucional, como única

prerrogativa de alterar o quadro setorial (CROSSETTI, 1995, p. 143).

Com a queda do governo Collor e assunção de Itamar Franco, os proble-mas dos anos do governo Collor arrefeceram. O Decreto 1.070/94, por exemplo, que regulamenta o artigo 3º da Lei de Informática, reestabeleceu os critérios de técnica e preço para a compra dos produtos pela Telebrás, assumindo cla-ramente a utilização do seu poder de compra como instrumento de política de desenvolvimento do setor. De acordo com esse decreto, então, o produto feito no Brasil poderia custar até 12% mais, voltando o desempate para a verificação da origem do capital da fabricante em seguida para a verificação da origem da tecnologia, vencendo em ambos os casos as nacionais. Essas medidas parece-ram acalmar as discussões judiciais havidas nos anos anteriores, ao menos até o novo governo.

O Ministério das Comunicações, refeito pelo governo recém-eleito de FHC, foi ocupado pelo engenheiro Sérgio Motta em 1994. O novo ministro, ao assumir, denunciou o que considerava as três tragédias da área: “a extrema politização, que transformava o setor em instrumento de ação política, quando deveria promover o desenvolvimento nacional; a escassez de recursos para in-vestimento e a falta de coordenação da Telebrás” (MENARDI, 2000, p. 46).

Dado este discurso, compreende-se o encaminhamento de propostas de Emenda à Constituição para alterar o inciso XI do artigo 21, de modo a retirar a vedação constitucional ao processo de privatização da área de telecomuni-cações, além de propostas semelhantes que permitissem a exploração privada também da área de energia elétrica, gás canalizado e petróleo. A Emenda nº 8 foi aprovada em agosto de 1995 e a Lei Geral das Telecomunicações, com as re-gulamentações, sairia em julho de 1997, abrindo espaço para o processo de pri-vatização. No mesmo ano seria criada a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão responsável pela regulação do setor. A privatização se daria em julho de 1998, mas esse processo específico não será abordado por esta pesquisa.

Considerações finais

O descalabro das condições da telefonia e telecomunicações no Brasil no começo dos anos 1960 tornou imperativa uma redefinição das políticas para o setor, e tanto no governo Goulart como nos governos militares decorrentes do Golpe de 1964 viu-se uma tendência desenvolvimentista que tinha como meta

(19)

63

Na primeira década do governo militar, com a consolidação do sistema de monopólio estatal no setor, foi possível expandir a rede de telefonia e telecomu-nicações para o todo o território nacional e garantir as ligações interurbanas e mesmo as internacionais, tendo havido renovação do cabeamento de forma significativa, denotando sucesso na resolução dos problemas de falta de investi-mento por parte das empresas privadas que antes operavam.

No que diz respeito à política de independência tecnológica, houve acerto dos diagnósticos: a necessidade de investir em pesquisa básica e aplicada, por meio das Universidades e centros de pesquisa, estabelecendo contatos entre elas. Acertou também ao verificar a dependência brasileira quanto à tecnologia es-trangeira, e ao identificar uma oportunidade de diminuição do gap tecnológico na mudança de paradigma das CPAs espaciais para temporais – era preciso aproveitar essa oportunidade para dar um salto em capacitação tecnológica e incentivo à produção nacional de equipamentos.

Sucede que o diagnóstico não era suficiente para alterar os rumos de de-senvolvimento tecnológico em telecomunicações, sendo necessárias políticas constantes, estáveis e persistentes para se alcançar a transição desejada, em es-pecial porque já estavam operando no país empresas internacionais que não tinham grande interesse nas mudanças perseguidas.

Essas empresas internacionais resistiram coordenadamente às políticas do setor, desobedeceram às normas e convenções, utilizaram-se de estraté-gias interpretativas para dificultar e mesmo impedir o processo de naciona-lização das tecnologias.

A perda de poder político do governo esteve atrelada às questões macroe-conômicas, em especial a partir de meados de 1975, na medida em que as di-ficuldades econômicas do governo permitiam às subsidiárias, e depois às joint

ventures em que se transformaram, maior poder de barganha.

Tendo abandonado a política de nacionalização da produção de tecnologia e produtos, em sentido pleno, não foi possível a diminuição da distância no desenvolvimento tecnológico no setor, agravada com o passar dos anos pelo fortalecimento das tecnologias de informação como preponderantes no setor.

Com a abertura cada vez maior à tecnologia e ao capital estrangeiro, des-faziam-se as justificativas para a preservação do monopólio estatal, em que pese o fato, aparentemente desconsiderado, das telecomunicações serem área de alto valor estratégico para a soberania nacional.

Assim, o que o percurso legislativo referente à Telebrás ao longo dos anos de 1960 até a privatização, em 1998, demonstra a construção e posterior des-construção de um modelo de desenvolvimentismo nacional, que foi na direção da autonomia tecnológica para posteriormente abandonar tal perspectiva.

(20)

Referências

ALMEIDA, M. W. Reestruturação, internacionalização e mudanças institucionais

das Telecomunicações: lições das experiências internacionais para o caso brasileiro.

Campinas, 1994. 358f. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1994. Disponível em: <https://bit.ly/2w9mIf3>. Acesso em: 16 ago. 2016.

BRANDÃO, E. P. Código Brasileiro de Telecomunicações: uma história de negociação política. In: ENCONTRO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 7., 2009, Porto Alegre. Anais… Porto Alegre: UFRGS, 2009 Disponível em: <https://bit.ly/2Pdqj4q>. Acesso em: 18 ago. 2016.

COSTA, M. C. Telecomunicações no Brasil: a trajetória de uma política tecnológica (1962-1987). Campinas, 1991. 158f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp. Campinas, 1991. Disponível em: <https:// bit.ly/2nFHaQS>. Acesso em: 16 ago. 2016.

CROSSETTI, P. A. Serviços de Telecomunicações no Brasil: evolução histórica e tecnológica. Campinas, 1995. 198f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1995. Disponível em: <https://bit.ly/2nIDaPT>. Acesso em: 16 ago. 2016.

MENARDI, F. B. S. O centro de pesquisa e desenvolvimento da Telebrás frente à

reforma do setor das Telecomunicações no Brasil. Campinas, 2000. 158f. Dissertação

(Mestrado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências da Unicamp, Campinas, 2000. Disponível em: <https://bit.ly/2nKrEU2>. Acesso em: 16 ago. 2016. MOREIRA, M. M. Progresso técnico e estrutura de mercado: o caso da indústria de telequipamentos. Rio de Janeiro, 1989. 156f. Dissertação (Mestrado em Economia Industrial) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Prêmio BNDES de Economia, Rio de Janeiro, 1989. Disponível em: <https://bit.ly/2OCCkzo>. Acesso em: 16 ago. 2016. PESSINI, J. E. A indústria brasileira de Telecomunicações: uma tentativa de interpretação das mudanças recentes. Campinas, 1986. 186f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1986. Disponível em: <https://bit.ly/2OGOYgP>. Acesso em: 16 ago. 2016.

ROCHA, E. V. As atividades tecnológicas pós-privatização do setor de

(21)

65

Científica e Tecnológica) – Instituto de Geociências da Unicamp, Campinas, 2005. Disponível em: <https://bit.ly/2Pc3gae>. Acesso em: 16 ago. 2016.

STEFANUTO, G. N. As empresas de base tecnológica de Campinas. Campinas, 1993. 141f. Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) – Instituto de

Geociências da Unicamp, Campinas, 1993. Disponível em: <https://bit.ly/2KY85Rg>. Acesso em: 16 ago. 2016.

TAPIA, J. R. B. A Política Científica e Tecnológica em Telecomunicações: 1972/1983.

Referências

Documentos relacionados

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

• Quando o navegador não tem suporte ao Javascript, para que conteúdo não seja exibido na forma textual, o script deve vir entre as tags de comentário do HTML. &lt;script Language

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

Para evitar danos ao equipamento, não gire a antena abaixo da linha imaginária de 180° em relação à base do equipamento.. TP400 WirelessHART TM - Manual de Instrução, Operação

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

In this work, improved curves are the head versus flow curves predicted based on the correlations presented in Table 2 and improved by a shut-off head prediction

Embora acreditemos não ser esse o critério mais adequado para a seleção dos professores de Sociologia (ou de qualquer outra disciplina), cabe ressaltar que o Conselho