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A MULHER SERVA DO DIABO: A INTERPRETAÇÃO DA MULHER NA IDADE MÉDIA

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1001

A MULHER SERVA DO DIABO: A INTERPRETAÇÃO DA MULHER NA

IDADE MÉDIA

Alexandre Bueno Salomé de Souza Mestrando Universidade Presbiteriana Mackenzie Buenoalexandre35@gmail.com Bolsista CAPES ST 10 – GÊNERO E RELIGIÃO: TENDÊNCIAS E DEBATES

Resumo: Essa pesquisa tem como objetivo mostrar que ao longo da idade média a mulher foi

encarada como um ser diabólico, criatura imperfeita por natureza, hospedeira do mal e da fornicação. Através da análise de vários autores de diversas formações acadêmicas, foi constatado que a Igreja Católica interpretou constantemente a mulher como portal exclusivo do Demônio, herdeira do pecado original, culpada de todos os males e pecados do Mundo. Desta interpretação histórica do ser feminino resultariam diversas reações diretas na Idade Média e sobrevivências ainda observadas nos dias atuais. Conclui – se que a mulher sempre foi alvo do errado, do frágil e do enganador.

Palavras-chave: Mulher; Diabo; Idade Média; Pecado; Feminino; Bruxaria.

Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença Creative Commons

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1001

Durante séculos a mulher foi vista como um nada, diabólica, imperfeita, culpada de todos os males da humanidade, hospedeira do pecado, da orgia e do mal.

Segundo o seu texto (NOGUEIRA, 1991, 100) a sexualidade, origem da queda do homem, é, para o cristianismo, o pecado por excelência, e, para a mentalidade eclesiástica, a luxúria compunha o cenário privilegiado onde se desenvolvia o drama demoníaco; essa mulher era vista pela igreja sempre como objeto de pecado e do erro.

“Intimamente ligada às fronteiras gastronômicas está a revolta erótica, uma das faces, segundo Finné, da revolta contra a igreja e as autoridades civis. Os declínios sensuais preocupam os grupos dominantes, a ponto de vários eclesiásticos discorrem sobre as questões da natureza e do prazer – ou o desprazer, experimentados nos coitos entre bruxas e demônios”. ( NOGUEIRA, 1991, 101)

O historiador Nogueira (1991,101), afirma que a orgia é uma parte indissociável das cerimônias de bruxaria; e que a sexualidade feminina é o elo mais importante em relação a sensualidade e o mundo mágico. Em suas pesquisas o historiador esclarece que a mulher é um diabo doméstico e sempre infiel, fútil, viciosa e namoradeira e diz que enquanto se multiplicam à exaustão os insultos e os discursos contra a mulher, o homem é sempre exaltado; para o historiador estes “homens” são protegidos do crime (mesmo assassinando essas mulheres), pois Jesus foi homem.

“As mulheres sozinhas são vistas com suspeição e “ameaçam” a coletividade, o que pode explicar por que as acusadas mais frequentes nos processos de bruxaria não eram casadas ou eram viúvas. Situação que obviamente incrementava as suspeitas sobre as mulheres “sozinhas” por trazer consigo as decorrências da solidão: a melancolia e o isolamento”. (NOGUEIRA, 1991, 108)

Para (NOGUEIRA, 1991, 104), o medo à mulher tem uma longa tradição que remonta aos hebraicos e à antiguidade clássica. Para os gregos, foi Pandora, o presente dado aos homens por Zeus, “um mal em que todos, no fundo do coração, se deleitarão em rodear de amor sua própria desgraça”, foi a responsável pela introdução de todos os males do mundo.

Mergulhando na bíblia sagrada, analisaremos o mito da criação, para compreendermos melhor a perseguição da mulher ao longo dos tempos, nele a historiadora Nereida Soares Martins em seu artigo “A Maldição das filhas de Eva: Uma história de culpa e Repressão ao feminino na cultura judaico – Cristã”, afirma que a primeira mulher criada,

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foi seduzida pelo diabo e induzida a desobedecer à ordenação divina segundo a qual deveria se abster de comer o fruto da árvore do conhecimento, e que Eva, levou a pecar o primeiro e mais puro dos homens.

“A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o senhor Deus tinha formado, ela disse á mulher: É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda a árvore do jardim? A mulher respondeu – lhe : Podemos comer dos fruto das arvores do jardim, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Vós não comereis dele, nem o tocareis, para que não morrais. – Oh, não! – tornou a serpente – vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal. A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente.” (Gênesis Cap. 3;1,6)

Em seu artigo a autora analisa a mulher dentro do mito da criação, ressaltando que a mesma dentro do contexto religioso é objeto simbólico do mal e da fraqueza humana.

“Durante séculos a Bíblia foi escrita, lida e interpretada por homens; ultimamente se tem feito sentir a necessidade de uma releitura dos textos sagrados pertencentes a tradição religiosa cristã, de acordo com uma nova hermenêutica histórico – bíblica que leve em consideração o fato de processo de produção e bens simbólicos no interiro do cristianismo tem se voltado ao longo dos séculos para a manutenção do predomínio masculino sobre o sagrado”. (SILVA, 2008)

Para (SILVA, 2008), o pecado original, a expulsão da mulher do paraíso e os castigos e também maldições sobre as gerações futuras tem sido constantemente alegados para justificar o poder do homem sobre a mulher. Segundo a historiadora, a mulher se vê sempre diminuída, desde o momento de seu nascimento. Ao longo da história a mulher após comer o fruto proibido é amaldiçoada até mesmo por Deus: Disse à mulher: “Multiplicarei os sofrimentos do teu parto; darás á luz com dores, teus desejos te impelirão para o teu marido e tua estarás sob o seu domínio”. (Gênesis, Cap. 3; 16)

A autora conclui que além de passível a sedução diabólica, Eva, torna – se a própria cúmplice do mal ao incitar seu marido ao pecado (SILVA, 2008).

“Ao longo dos séculos a narrativa mítica do Gênesis tem amparado, simbolicamente, a construção histórica de um pensamento misógino que afirma a inferioridade feminina e a necessidade de sua submissão ao domínio masculino. Mas não se pode compreender o que tem sido dito em relação ao feminino na cultura cristã, sem considerar as dimensões

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1001 simbólicas e míticas que estão em suas origens. A narrativa do Gênesis é o relato fundador da cultura judaico – cristã; É um mito e enquanto tal cumpre o papel de estabelecer as normas de convivência entre os homens, fornecendo modelos de comportamentos e atuando na construção de uma identidade individual e coletiva”. ( SILVA, 2008)

Michelangelo: O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso - Anatomia da Região Cervical

Entretanto (NOGUEIRA, 1991, 104) diz que a misoginia medieval como sendo a origem da bruxaria utiliza – se de teorias pseudopsicológicas, ou argumentos de ordem biológica, para afirmar que as mulheres apresentam uma tendência física que as

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predispõe, mais do que os homens, ao fantástico, ao sobrenatural, que as transforma

em um ser delirante.

A mulher e o diabo – Durer, 1943

Caminhando sobre essa análise, conforme as pesquisas de Nogueira, a tradição cristã desde seu inicio incorporou as tradições do judaísmo e da civilização Greco – romana, e as intensificou pelas suspeitas que tinha os primeiros padres da igreja, em relação às relações sexuais. Janua diaboli – o portão por onde entrava o Diabo – era o epíteto patristico para a mulher, herdeira direta de Eva, “a mulher é toda útero”. (RUSSEL, 1972 Apud, NOGUEIRA, 1991, 104)

“A razão natural é que ela é mais carnal que o homem, sendo justificável, a seus olhos, a maioria das abominações carnais. E deve ser notado que existiu um defeito na formação da primeira mulher, uma vez que ela foi formada de uma costela curva, ou seja, a costela do peito, a qual é arqueada como se fosse em direção contrária a um homem. Em consequência ela mostra que duvida e tem pouca fé na palavra de Deus. Portanto, uma mulher é por sua natureza mais rápida em hesitar em sua fé, e consequentemente mais rápida em abjurar a fé, que é a causa da bruxaria”. (NOGUEIRA, 1991, 106)

O historiador afirma que, a sensualidade e a sexualidade, basicamente sãs e naturais, reprimidas e sufocadas na tentativa de viver - e fazer com que os outros vivessem – um ideal de vida sublime, criam uma tensão emocional na coletividade. Em

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todo o mental coletivo paira a imagem de seres frágeis, ineptos e que devem ser tutelados: as mulheres. (NOGUEIRA, 1991, 112). Contudo, Nogueira, considera que desde a antiguidade a mulher é conhecedora de segredos mágicos, e por isso torna – se artesã do demônio, pois o mundo que a cercava não admitia outra magia que não a do mal.

Todavia, a historiadora Silva, esclarece que:

“O medo à mulher não é uma invenção cristã, mas antes foi incorporada de forma intensa ao seu imaginário. A origem da desigualdade dos sexos, fundamentada no momento da criação, levou os teólogos cristãos a formularem a ideia de que, a primeira orientação da alma, voltada para o reino dos céus, e, portanto, para Deus, está associada ao elemento masculino. A segunda, na qual cede aos desejos terrenos e, portanto, ao diabo, está relacionada à natureza feminina”. (SILVA, 2008)

Ainda segundo Silva (2008), a hostilidade ao feminino pode ser vista em várias passagens do antigo testamento bíblico, sobretudo no livro dos provérbios onde podem ser encontrados edificantes conselhos a respeito do trato com as mulheres, sempre inclinadas ao pecado. A historiadora ainda ressalta que mensagens machistas e estereotipadas de uma mulher diabólica são encontradas numa ampla literatura medieval, leis canônicas, tratados de demonologia, entre outros. Não entregues tua alma ao domínio de tua mulher, para que ela não usurpe tua autoridade e fiques humilhado. (Eclesiástico, Cap. 9; 2).

A mulher sempre é colocada como submissa ao homem e como algo inferior, para Silva (2008) a criação da mulher, em sua qualidade de mera auxiliar, orienta as convenções sociais no que diz respeito ao matrimônio, que diante de todos esses argumentos justificam a necessidade de obediência feminina e a cena do pecado original só fez piorar para a mulher, colocando a mais uma vez como objeto de erro e pecado.

“Da perversidade das mulheres fala – se no Eclesiástico, 25: Não há veneno, pior que o das serpentes; não, há cólera que vença a da mulher. É melhor viver com um leão e um dragão que morar com uma mulher maldosa”. (INSTITORIS, 1997, 114)

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Segundo (NOGUEIRA, 1991, 111), teme – se a mulher, pois teme – se a sexualidade, considerada para a igreja católica um instrumento de perdição – e por isso, a mentalidade da época a ignora e rejeita.

“A mulher... é um verdadeiro diabo, um inimigo da paz, uma fonte de impaciência, uma ocasião de disputas que o homem deve - se manter afastado se quiser gozar a tranquilidade... Aqueles que se casam os que encontram atrativos na companhia de uma esposa, no berreiro das crianças e nos tormentos da insônia... para nós, se estivesse em nosso poder, nós perpetuaríamos o nosso nome pelo talento e não pelo casamento, pelos livros e não por filhos, com o auxilio da virtude e não de uma mulher”. ( DELUMEAU, 1973 Apud, NOGUEIRA, 1991, 111)

Ainda em seu artigo, (SILVA, 2008), afirma que o pensamento Agostiniano foi construído em articulação com a filosofia platônica, no qual o ser humano é formado a partir de dois princípios; um espiritual e racional, e outro material e sensível, terreno, para ela ceder aos desejos dos sentidos equivale a distanciar – se cada vez mais de Deus, e para aproximar – se a Ele só é possível diante do resguardo e da contemplação; a mulher tendo uma característica sensual e terrena torna-se quase impossível desprender - se da vida Mundana, que é comandada pelo diabo, tornando - se assim alcançar a cidade de Deus. Já, São Tomás de Aquino se distancia da teoria Agostiniana, o mesmo se baseia na doutrina Aristotélica, dedicando – se em suas pesquisas, ao problema da criação do homem e da mulher e a divisão dos sexos - a medida em que ele rejeita a distinção de dois momentos para a criação, a historiadora afirma que segundo ele, a alma e o corpo foram criados a partir de um único gesto, primeiro o homem depois a mulher, porém os dois criados a imagem de Deus. Silva ressalta que a criação masculina proporciona ao homem uma capacidade mais racional em relação à mulher, e que o corpo da mulher era imperfeito e deficiente, um corpo masculino incompleto, refletindo assim em Freud, a inveja da mulher em ter um pênis. Conclui – se que ao longo de toda a idade média, e caindo nos dias atuais a mulher sempre foi vitima do erro, do pecado e de ser responsável pela perda do paraíso, a misoginia evidenciada em todo o período medieval é repetido hoje não só pelo cristianismo, mas por várias religiões, passando pela política, pelas famílias e pelas profissões, para (SILVA, 2008) que embora a prática social tenha em grande parte dos

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casos, se mantida em consonância com o discurso religioso, não podemos excluir as distorções e hibridismos gerados a partir do choque entre o cristianismo e elementos do imaginário mítico relacionado ao feminino.

Referenciais

BIBLIA SAGRADA, Ave Maria, 71ª edição, Edição Claretiana, 1989.

INSTITORIS, Heinrich, 1430 – 1505 - O Martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro

NOGUEIRA, Carlos Roberto F. Bruxaria e História – As práticas mágicas no ocidente Cristão. São Paulo: Editora Ática, 1991.

MARTINS, Nereida Soares. A Maldição das Filhas de Eva: Uma história de culpa e repressão ao feminino na cultura judaico-cristã. 2008. Disponível em:

Referências

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