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O AMOR NA HISTERIA CONTEMPORÂNEA. Cláudia Domingues, Cláudia Henschel de Lima e Cristina Ferreira Vaz.

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Academic year: 2021

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O AMOR NA HISTERIA CONTEMPORÂNEA

Cláudia Domingues, Cláudia Henschel de Lima e Cristina Ferreira Vaz.

1. Introdução

Este trabalho aborda a direção de tratamento da neurose histérica na contemporaneidade. A clínica da neurose não se furtou à fenomenologia dos sintomas contemporâneos: significações absolutas (sou anoréxica, tenho pânico), irrupção do imperativo superegóico materno, baixa operatividade da função paterna. Tais indicadores evidenciam a complexidade do manejo clínico já que não é clara a presença de uma interrogação que remeta a divisão subjetiva. Supõe-se que a direção de tratamento desses casos dependa do que a demanda de tratamento por parte do sujeito possa revelar sobre o ponto de desestabilização da estrutura que, no caso feminino, está localizado no amor ao pai. Duas vinhetas clínicas de histeria feminina exemplificarão o vetor da direção do tratamento desses casos: a localização para a paciente do ponto de desestabilização de sua estrutura histérica em relação à parceria amorosa sintomática, a constituição do laço transferencial com a analista e a produção de uma consistência crescente da função paterna na estrutura subjetiva.

2. O que há de clássico nos sintomas contemporâneos.

O tema dos sintomas contemporâneos - bulimas, anorexias, toxicomanias, depressão, hiperatividade – teve sua inserção na temática mais ampla do programa, elaborado pelo Campo Freudiano, entre os anos de 1996 e 1998, para a pesquisa das psicoses ordinárias. Esse programa gerou três conversações: Conciliábulo d’Angers

Conversação de Arcachon e Convenção de Antibes.

No contexto dessas conversações, discutiu-se sobre a natureza de uma gama de casos clínicos, cujos sintomas não obedeciam à orientação epistemológica do primeiro ensino de Lacan, formulada em De uma Questão Preliminar a Todo Tratamento

Possível da Psicose (1998/1955-56)1: centrado na hegemonia do simbólico, na eleição

de um significante privilegiado, um S1 – o Nome-do-Pai (NP) – como critério na disciplina do diagnóstico diferencial entre neurose e psicose, e como fundamento de um

1 LACAN,J. “De Uma Questão Preliminar a Todo Tratamento Possível da Psicose” (1955-56). Escritos.

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modelo clínico ancorado no Ideal do pai, para a direção de tratamento das psicopatologias.

Tais casos apresentam como evidência clínica primeira a ocorrência de um núcleo de satisfação pulsional mortífera, não regulado, pelo Ideal transmitido pelo Nome-do-Pai. O que desafia a direção de tratamento já que não obedecem à orientação clínico-conceitual centrada no binômio recalcamento-foraclusão (NP-NPo). As neuroses histéricas, na contemporaneidade, não se furtam à essa problemática. Leda Guimarães em artigo recente (2008)2 apresenta uma faceta contemporânea do sintoma na neurose

histérica, que não obedece ao mesmo atributo do sintoma no sentido clínico conferido por Freud para o diagnóstico e direção de tratamento das neuroses histéricas e obsessivas: ou seja, como mensagem cifrada cujo sentido é ignorado pelo sujeito. AO contrário, nas neuroses contemporâneas, tem-se verificado as seguintes características:

1. Não fixação da estrutura psíquica neurótica, pelo Nome-do-Pai, para conceder as coordenadas do funcionamento psíquico.

2. Circulação livre das pulsões impondo uma satisfação que se alimenta das piores renúncias, sem a interferência do recalcamento das pulsões pelo ideal.

3. Pregnância de significações absolutas ancoradas no imaginário, que obedecem à fórmula ‘se... então sou’ e que produzem a redução do funcionamento da realidade psíquica à denominações monosintomáticas do tipo sou anoréxica, sou depressiva.

O comentário de Jacques-Alain Miller (2003)3 a respeito do índice de

operatividade do Nome-do-Pai, na impossibilidade de se orientar no tratamento dos sintomas contemporâneos pela metáfora paterna já fixada na estrutura, é uma indicação precisa para a direção de tratamento desses casos. De fato, discutindo sobre a clínica diferencial centrada no binômio NP-NPo, o autor se apóia no último ensino de Lacan (2008/1975-76)4, que acentuara a relevância da crença no amor ao pai como condição

para a propriedade borromeana da realidade psíquica e, portanto, para a consolidação da estrutura neurótica. Miller (2003) defende a importância desta operação na constituição da estrutura psíquica, obscurecida pelos monosintomas contemporâneos, recorrendo à curva de Gauss para elaborar, no campo das neuroses os diferentes níveis de operatividade do Nome-do-Pai na efetuação da estrutura.

2 GUIMARÃES, L. “Que direção da cura para as ‘mal-ditas histéricas’?. Revista Falasser. Delegação

Paraíba. Escola Brasileira de Psicanálise. n3.ano2008. João Pessoa, Paraíba. Brasil.

3 MILLER, J.A. et al. La Convención de Antibes.Buenos Aires : Paidós, 2003, pp.202-203. 4 LACAN,J. O Seminário. Livro 23. O Sinthoma (1975-1976). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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Com base nesta formulação, Guimarães (2008:1) denomina de mal-ditas

histéricas, as mulheres que estão “inseridas no campo da neurose, mas que não podem

ser concebidas enquanto histéricas (...), já que no seu lastro de gozo sintomático, enquanto nó que fixa a estrutura, nele ainda não consiste de modo operativo o amor ao pai”. E, consequentemente, torna-se vulnerável à incidência do supereu na realidade psíquica A autora concede ao termo uma duplicidade homofônica:

1. Mal-ditas: pela posição ética do sujeito na neurose, verifica-se a preponderância de um núcleo de gozo mortífero (adicção, anorexia, depressão) e de sentimentos paranóicos associados à uma autoridade externa anônima e pública.

2. Malditas: pela posição contratransferencial do analista, que inadvertidamente pode interpretar sua pregnância de seu modo de gozo como “insuportável”.

3. Gênese do supereu e histeria contemporânea

O conceito de supereu representa, na psicanálise, o momento em que Freud isola a presença de um ponto de anomia na transmissão da lei pelo pai.

Em Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1980/1921:141)5 Freud fizera do pai

o modelo de exercício de poder e o ideal em torno do qual gravita o processo identificatório, que resulta no recalcamento dos representantes psíquicos das pulsões e na constituição da subjetividade. Todavia, as preocupações de Freud relativas ao destino da modernidade deixam entrever a presença de uma relação conflituosa entre a experiência subjetiva e as insígnias paternas. De fato, o sujeito faz do modelo paterno, o objeto de uma relação sintomática, alternando entre admiração-ideal e rivalidade-culpa. Sendo assim, apesar de Freud conceber o pai como instância simbólica de transmissão da lei, como bússola de orientação para o sujeito, ele isola, a partir da evidência do sentimento de rivalidade-culpa, um ponto de discordância, um modo desregulado e imperativo de funcionamento da lei.

Esse ponto de discordância leva Freud (1923[1976])6 a decompor o pai em duas

instâncias - o ideal do eu e o supereu – e a concentrar no supereu a dimensão imperativa, pulsional, da lei.

A divisão da função paterna permite à Freud (1980/1927)7 localizar o ponto de

anomia da lei, que faz do ingresso do sujeito na sociedade uma exigência desmedida de renúncia da satisfação pulsional. Em 1930, Freud interrogará o estatuto desta renúncia à

5.FREUD,S. “Psicologia de Grupo e Análise do Eu”, Obras completas. vol. XIX. 6 FREUD,S. “O Ego e o Id.”, Obras completas. vol. XIX.

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satisfação pulsional, através da formação do julgamento moral do que é bom e do que é mau (Freud, 1980/1930[1929])8 . Sua hipótese é que na organização do funcionamento

psíquico, o que é mau, frequentemente o é, por ser prazeroso para o eu.

Ao isolar a existência de uma satisfação que apodera da renúncia, Freud pode avançar na investigação da incidência da exigência civilizatória de renúncia à satisfação pulsional, em nome do Ideal, e a formação do sentimento de culpa, sobre a posição ética da neurose histérica: submetida ao medo da perda do amor ao pai e vulnerável à devastação decorrente da exigência de renúncia, da qual se torna objeto para manter intacto esse amor. Assim, Freud (1980/1930[1929]) definirá o amor ao pai como a força motriz do supereu. A seqüência freudiana para a instalação do supereu na estrutura neurótica é a seguinte:

1. O medo da perda do amor da autoridade externa resulta na renúncia à pulsão . 2. Após a instalação de uma autoridade interna, pelo recalcamento, a renúncia à pulsão ocorre devido ao medo da consciência.

Ao longo da produção pertencente a segunda teoria pulsional, Freud (1980/1923, 1980/1924, 1980/1930[1929]) mostra que a estruturação do supereu se faz sob a base de vicissitudes da pulsão de morte. Para a cota de pulsão que não pode ser direcionada para o objeto externo e que se mantém retida no eu, sob a forma do masoquismo erógeno primário, uma outra vicissitude da pulsão de morte é acrescentada: uma cota de pulsão de morte, que estava à serviço do erotismo, é desviada da finalidade de satisfação direta para um objeto, no momento em que esse objeto sofre uma dessexualização por usa transformação de objeto erótico em objeto de identificação. Nessa transformação, a pulsão de morte retorna sobre o eu e aumenta a severidade do supereu. A partir dessas vicissitudes da pulsão de morte, se estabelece um laço erótico entre as exigências sádicas que passam a ser direcionadas ao eu e a submissão à essas exigências por parte do masoquismo primário do eu que, desse modo, se constitui em masoquismo moral:

sentimento de culpa é a denominação de Freud (1980/1930[1929]) para designar a

satisfação extraída desse dinamismo pulsional que fixa a estrutura do supereu. Freud pode, então, formular que o supereu se constitui como o mais poderoso representante da pulsão de morte e afirmar que, na histeria, o sentimento de culpa é hegemônico.

4. Direção de tratamento na histeria contemporânea

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Os norteadores para a direção de tratamento das neuroses e psicoses são estabelecidos nas entrevistas preliminares. Nelas, são definidas as condições de entrada em análise a partir do sintoma, a modalização da transferência e o diagnóstico diferencial. Um dos elementos centrais para a fixação da transferência na neurose contemporânea é a localização da operatividade do Nome-do-Pai na regulação do gozo e, consequentemente, a incidência do supereu sobre o sujeito. A partir das considerações de Freud a respeito do tema, sustenta-se que o medo da perda do amor tem prevalência central na neurose histérica: verificado pela necessidade de ouvir palavras de amor do parceiro como esforço incessante e falho para neutralizar esse medo e pelo medo de ser descoberta evidenciado em enunciados do tipo o que vai pensar de mim? Como o outro

vai reagir ao saber o que fiz? São tormentos de caráter paranóico que invadem o sujeito

histérico exigindo a renúncia desmedida da satisfação pulsional. Esses dados clínicos demonstram que o traço principal do primeiro momento de instalação do supereu continua prevalecendo na histeria apresentando-se clinicamente na forma de um medo da perda do amor associado ao “medo da autoridade externa”.

Duas vinhetas clínicas esclarecem o que, aqui, se desenvolveu.

A. ANA ( 30 anos). Chegou ao consultório apresentando como queixa inicial

um pedido de salvação: “preciso que a senhora me salve e me cure”. Relata, entre interrupções da fala, que sentia uma pressão no peito muito forte e uma dificuldade de sair à rua para realizar seus afazeres. Seu primeiro tratamento psicológico, foi interrompido a partir de uma condição imposta pela terapeuta: a de que não falasse mais de sua decepção amorosa, arranjasse um emprego e saísse de casa.

As entrevistas preliminares evidenciaramos seguintes pontos à serem considerados no estabelecimento do laço transferencial para a direção de tratamento:

1. O pedido de salvação e a pergunta, ao término das sessões, se seria abandonada pela analista.

2. A ocorrência de um ponto de desestabilização da estrutura neurótica: a decepção amorosa.

3. A colocação de uma condição, no primeiro tratamento, que empurra a estrutura subjetiva para um ponto de impossibilidade: não elaborar a decepção amorosa que desestabilizou a estrutura.

Para o estabelecimento do laço transferencial, a posição assumida pela analista foi na contramão do primeiro tratamento, propondo escutar, sem censurar, o ponto em

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que ocorreu a perda do amor. A posição de Ana na parceria amorosa consistiu em trabalhar dedicadamente, ao longo de 2 anos, para que a relação desse certo – o que não impediu seu parceiro de terminar tudo pelo telefone. Trabalhar para manter a relação – indica o modo de parceria com o Outro. De fato, em casa, a posição subjetiva de Ana frente ao Outro materno é a de trabalhar incansavelmente para ele, submetendo-se ao regime da posição psicótica da mãe. Esse trabalho a exaure física e mentalmente, na medida em que dedica todo o seu tempo cuidando para que a mãe não seja maltratada pelo pai ou saia pela rua sem destino. Com a saída do pai de casa essa situação se agrava, sendo o marco para a consolidação desta posição na parceria com o Outro: trabalhar para não perder o amor do Outro, ao preço da redução de seu laço social, do recuo da perspectiva de independência financeira e da submissão a autoridade externa da mãe e dos irmãos. Isso explica sua inibição em sair de casa, e a dificuldade em dedicar-se ao tratamento. Sente-se, também, discriminada pela mãe e irmãos por não ter um emprego. Saber a posição de Ana na parceria amorosa, permitiu à analista operar uma retificação subjetiva: “vecê trabalha muito...”. Após essa intervenção, Ana começa a vir às consultas com mais frequência e coloca a seguinte pergunta sobre o motivo do término da relação com o namorado, a partir da perspectiva de sujeito desejante: “será que eu que fui forte e em vez dele ter terminado comigo eu que o afastei de mim?”.

B. SÔNIA (30 anos). Casada, estudante universitária, chega à primeira sessão e

ao ser interrogada sobre o motivo que a fez procurar análise, responde: “sou casada há oito anos, meu marido é alcoolista e não consigo me separar dele”. Nesse caso de neurose, uma vez mais, o ponto de desestabilização da estrutura se localiza na relação amorosa: descobre que seu marido já fora casado, tinha dois filhos, é alcoolista, e constata que, progressivamente, deixa de honrar com as contas de casa. O que se repete regularmente nas entrevistas preliminares é a experiência de vazio e desesperança, que a faz julgar que vive por viver, já que o ideal de um grande amor e de uma família feliz não se realiza. O motivo de Sônia buscar tratamento, a partir da declaração de que não consegue se separar do marido, parece apontar para os seguintes elementos: 1. a devastação produzida pela parceria amorosa com um alcoolista; 2. sua impotência por não conseguir se separar do marido; 3. sua consideração de que essa parceria ainda é a melhor alternativa ao retorno a casa dos pais. Sua devastação se apresenta clinicamente na forma do sentimento de desesperança, justificando sua concepção de viver por viver. Seu ponto de fuga são os vários amantes que possui simultaneamente ao casamento, sobre o fundo do recuo do ideal de ter uma família e ser feliz. Esse recuo surge

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precisamente porque Sônia mostra-se submissa aos imperativos maternos ofensivos (por ex., “nunca será feliz em casamento algum”), evidenciando a incidência do supereu em sua estrutura psíquica e correlativamente, a palidez do NP. Uma cena condensa esses fatos de sua história clínica: relata que quando pequena apanhava da mãe, por qualquer motivo, a ponto de ter sua mão quebrada, e que seu pai nada fazia.

A presença desses dados clínicos, fixa uma série de pontos fundamentais da ética da psicanálise a serem considerados na direção de tratamento da histeria contemporânea:

1. Perspectiva do sujeito: devido a articulação entre medo da perda de amor e medo da autoridade externa, a posição ética assumida pelo sujeito histérico ao longo da vida é a posição de quem acredita mais no juiz do que na lei (Guimarães,2006)9. Ao

localizar o medo da perda do amor, na autoridade externa, e não em uma instância interna, o sujeito histérico acaba acreditando no juiz projetado imaginariamente na figura do pai, do parceiro amoroso, de um professor ou qualquer outra figura do público anônimo. E se torna vulnerável à devastação.

2. Perspectiva do analista: é importante frisar essa prevalência imaginária infantil nos caso de histeria, verificando o que Freud afirmara a respeito do supereu na menina: o seupereu sofre do tempo indeterminado em que a menina se mantém no édipo. A posição do analista está em ruptura com o discurso universitário (onde o saber se apresenta como autoridade) e com o discurso do mestre(onde um S! é imposto pela pessoa do analista), precipitando a redução do sujeito ao objeto que resulta na devastação.

9 GUIMARÃES,L. “ As mulheres acreditam mais no juiz do que na lei” In Latusa: sinthoma, corpo e laço social. Rio de Janeiro: EBP/RJ, n.10, 2005.

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