Ivo Francisco Barbosa é Geógrafo, com especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e mestrando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Ivo Francisco Barbosa¹ Universidade Federal Fluminense ivo_francisco@hotmail.com O papel do estado na formação espacial urbana da conurbação
Aparecida-Guaratinguetá: breve estudo do passado socioeconômico. INTRODUÇÃO:
Este artigo tem como proposição colocar em voga a discussão do papel do estado no processo de urbanização das cidades de Aparecida e Guaratinguetá, mais especificamente a influência das cadeias produtivas na formação socioespacial urbana.
O trabalho foi divido em três partes: a primeira consistirá no estudo bibliográfico, e no levantamento teórico-conceitual do papel do estado e do capital sobre a produção do espaço urbano, remetendo a autores que contribuíram na discussão desta temática; a segunda parte terá como foco um breve estudo histórico da ocupação urbana nas cidades estudadas e do Vale do Paraíba, com especial atenção para as cadeias produtivas que proporcionaram a urbanização; a terceira parte consiste na apresentação do resultado preliminar, da identificação e do direcionamento espacial impulsionado pelos agentes hegemônicos baseados em informações bibliográficas. OBJETIVOS:
O objetivo principal desta pesquisa visa à compreensão do espaço econômico e social da região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo, seu desenvolvimento histórico, a ação do estado na produção do espaço urbano com particularidade para as cidades de Aparecida e Guaratinguetá.
Para o presente trabalho foram utilizadas referências bibliográficas obtidas através de acervo de bibliotecas municipais, além de conteúdo particular e material de meio eletrônico. Será utilizada uma metodologia descritiva, exploratória e explicativa do objeto.
O ESTADO COMO AGENDE MODELADOR URBANO.
O Estado na concepção de centralizador de políticas urbanas e sociais pode ser compreendido sobre diversas formas; como agente hegemônico e mantenedor de bases para hegemoneidade de outros atores. Antes de entender seu papel mantenedor de políticas hegemônicas capitalistas é extremamente pertinente o entendimento do papel do espaço, sua definição e sua construção.
O espaço segundo SANTOS (1992) é um conjunto de sistemas objetos e de sistemas de ações sobre uma realidade relacional (interacional), o espaço só existe na interação das coisas (objetos naturais, geográficos e sociais) e no relacionamento desses objetos com a sociedade (homem). Ele é subordinado e subordinante, e deve ser analisado sobre quatro níveis de análises: forma (aspecto visível de uma coisa), função (o papel ao qual esta forma esta sujeita a desempenhar), estrutura (como esses objetos se inter-relacionam entre si), processo (ação praticada no espaço e tempo, tendo um resultado indeterminado), assim a compreensão simplória sobre sua funcionalidade e a ação do Estado seria equivocada e pouco contemplativa se restringir a meras descrições, todavia esta não é uma discussão para o presente artigo e tão pouco tempo para tal aprofundamento (SANTOS, 1992, p.50), mas nos fornece uma concepção mais emblemática sobre a formação dos espaços urbanos na região.
Na produção do espaço urbano, esses objetos adquirem valor de troca e de uso, o espaço urbano neste sentido torna-se uma mercadoria, sobre a ação de agentes modeladores que seguem uma lógica, a lógica capitalista.
A lógica capitalista na produção do espaço urbano segue os ditames dos vários agentes formadores deste espaço urbano; as classes excluídas, os agentes imobiliários, os proprietários fundiários, os agentes externos (políticas desenvolvimentistas, órgãos internacionais e públicos), que parcializam o uso do solo e a localização das cidades. A produção deste espaço urbano, assim é segmentada segundo o interesse de determinadas classes, ou agentes hegemônicos, que possuem no Estado seu principal aliado.
Partido desta premissa, o Estado tem função primordial na produção e reprodução dos espaços urbanos, quando fornece para o capitalismo os meios necessários para sua multiplicação e acumulação, através da manutenção das condições insalubres e inadequadas quanto às moradias nas áreas periféricas, na efetivação de uma legislação funcional ao capitalismo e na criação de bases infraestruturais para a circulação das trocas e dos usos.
A produção do espaço como afirma CORRÊA (2011, p.44) está inserida nas temporalidades e espacialidades de cada formação socioespacial capitalista, são esses agentes sociais que materializam os processos sociais no espaço urbano, seguindo seus interesses e os mecanismos criados pelos próprios agentes. Nas cidades em questão os espaços urbanos adquiriram sua formação atual tendo no Estado e nas políticas econômicas passadas empregadas pelos agentes sociais à fundamentação do espaço urbano, formando uma estreita rede de interesses econômicos, seja uma rede urbana e ou um espaço intraurbano.
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO VALE DO PARAÍBA E NAS CIDADES DE GUARATINGUETÁ E APARECIDA
As cidades são um conjunto de ações e de transformações de outras áreas, que como resultado cumulativo, a transformaram neste espaço contemporâneo. A compreensão da sua ordem e da extensão do processo de urbanização das cidades é entendido a partir da percepção de seu passado econômico e social (SPOSITO, 1988).
O processo de formação espacial do Vale do Paraíba, compreende um dos períodos mais longos do Estado de São Paulo com mais de três séculos de ocupação e de desenvolvimento de atividades econômicas das mais variadas, desde bandeirismo (século XVII), o ciclo do ouro (século XVIII), o ciclo do café (século XIX) e, mais recentemente, o período da industrialização (MULLER, 1969, p.12).
Mas foi no início do século XIX, no período da produção cafeeira que as grandes mudanças tornaram-se mais significativas no espaço urbano do Vale do Paraíba e em grande parte nas cidades do Estado de São Paulo que tiveram o desenvolvimento de suas cidades sobre o aporte deste ciclo econômico.
A produção cafeeira foi de relativa expressão nas duas localidades, mais especificamente na antiga Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, que posteriormente viria a se tornar as cidades de Aparecida, Guaratinguetá e Lorena (MOURA, 2002, p.29).
As mudanças impulsionadas pelo ciclo cafeeiro trouxeram dinamismo populacional, comercial e espacial na região do Vale do Paraíba. Com a queda
econômica da cultura cafeeira, acentuada pela crise de 1929, a região do Vale do Paraíba, passou por um período de falta de ofertas de terras disponíveis para agricultura, o que desencadeou no povoamento e na ocupação das áreas de várzeas do rio Paraíba do Sul para a produção e sustento da região (PASIN, 1977, p. 56).
Essa alteração no espaço agrícola vai ser extremamente sentida na produção do espaço urbano das duas cidades que devido a característica peculiar do relevo acidentado e de fácil erodibilidade fomentou em uma ocupação alongada e estreita, entravada e margeada pelo rio Paraíba do sul (COLTRINARI, 2008, p.6).
De relevo bastante acidentando, os municípios se desenvolveram entre o rio Paraíba do sul e os contrafortes das Serras da Quebra Cangalha e da Mantiqueira. A falta de espaço para construção de moradias fez com que as ocupações se acentuassem pela planície de sedimentos do rio Paraíba do Sul (BARBOSA, 2007, p.9).
A AÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO VALE DO PARAÍBA A formação do espaço urbano nas duas cidades e na região do Vale do Paraíba (figura 1) como pode ser brevemente colocada adquiriu o direcionamento e o ordenamento estimulado pelos ciclos econômicos, com particularidade para o ciclo cafeeiro.
Figura 1 – Divisão Municipal – Vale do Paraíba Fonte: www.cidadeaparecida.com.br
Inicialmente com a produção cafeeira a região tornou-se um grande pólo de desenvolvimento e expansão urbana, após a crise de 1929 a região passou por um período de ostracismo, que só foi alterado com a ação estatal sobre o território.
Essas alterações sucederam principalmente a partir da década de 60, com a criação da rodovia Presidente Dutra, com a interiorização industrial, política de desconcentração de capital e de desvinculação do processo produtivo das localidades de comando, ficando a cargo dessas localidades a concentração das decisões e do processo de acumulação de capital, desconcentração que esteve direcionada pelos governos estadual e federal (CORDEIRO, 1999).
Assim a urbanização moderna, no médio Vale do Paraíba, não está referida apenas pelas mudanças no espaço construído intraurbano e na demografia das cidades está, sobretudo, relacionada na estrutura industrial e no planejamento estatal, que modificaram em toda sua plenitude a morfologia das cidades do Vale (MULLER, 1969, p.25).
A desconcentração de capitais e indústrias foi de forma seletiva e gestora, ocorrendo apenas para algumas localidades essa especificidade, como São José dos Campos que recebeu grandes investimentos públicos e privados para implementação das indústrias (Refinaria da Petrobrás/REVAP, Embraer, GM, Ford, Volkswagen), deste modo a desconcentração não pode ser entendida como alcançável a todas as regiões esta foi particular e visava a descentralização industrial e acumulação de capital (CODIVAP, 1972, p.135).
De acordo com MÜLLER (1969, p.82) a industrialização no Vale do Paraíba ocorreu em três fases: 1891 a 1914, com o surgimento de indústrias têxteis e alimentícias, de 1914 a 1943 com uma maior progressão industrial alimentada pela estrutura criada pelo ciclo cafeeiro, com o aparecimento de indústrias de minerais não metálicos, produtos agropecuários e celulose, a última fase a da indústria moderna, mecânica e metalúrgica que modificou de forma expressiva os espaços urbanos da região.
O modo de produção capitalista intensificado no período industrial desenvolveu cidades em redes urbanas hierarquizadas, onde foram formados aglomerados urbanos, ou metrópoles, que agregavam em seu entorno e na sua área de influência, na concentração de capital e dos meios de produção, e como afirma SPOSITO (1988), esses aglomerados urbanos formados subordinavam cidades de porte médio a funcionarem como elos com outros pequenos centros.
Nos dois municípios em questão, o que foi evidenciado é uma alteração nas características urbanas neste período, forneceram para região a especialidade comercial e mão-de-obra barata, tendo em vista que o atrativo industrial não foi tão expressivo o que pode estar relacionado à distância dos sítios para a metrópole paulista e do alcance significativo das outras sedes regionais, tais como Jacareí, São José dos Campos e Taubaté.
RESULTADO PRELIMINAR
O Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, aproveitou desta particularidade territorial e locacional para usufruir dos benefícios que, por ventura o processo de produção capitalista forneceu, e deste modo estruturar sua rede urbana. Assim, neste eixo territorial foram criadas cidades que subsidiaram seu desenvolvimento sobre os auspícios estatal e capital, moldando sua estrutura socioeconômica e espacial de acordo com o modus operandi vigente.
As cidades de Aparecida e Guaratinguetá como apresentado de forma sucinta, aproveitaram da aproximação com os maiores centros urbanos do país para se solidificarem, todavia este desenvolvimento impulsionado pelo estado e pelo capital trouxeram características peculiares a ocupação urbana, desordenamento territorial, segregação espacial, ocupação de leito, margens de rios e córregos, como pode ser visto no mapa elaborado pelo plano diretor da cidade de Aparecida de 2006, onde fica evidente as áreas destinadas a Macrozona de Expansão Urbana (MZEU).
Figura 2 – Mapa de Macrozoneamento – Plano Diretor de Aparecida, 2006 Fonte: Secretaria de Planejamento, Aparecida – SP, 2014
A consulta a referenciais bibliográficos norteou uma assertiva que a construção do espaço, o direcionamento da expansão urbana e o ordenamento territorial estiveram durante muito tempo atrelado à influência estatal e da dinâmica econômica no Vale do Paraíba, acarretando em uma intensa antropização, com ocupações irregulares em grande parte do território das cidades de Aparecida e Guaratinguetá.
A presente pesquisa encontra-se em fase inicial, a de coleta de fontes e informações sobre a temática e compreende o embrião para construção da dissertação de mestrado.
REFERÊNCIAS
APARECIDA (cidade). Plano diretor do município de Aparecida, 2006. Secretaria de Planejamento, Aparecida – SP.
BARBOSA, B. L. Nossas Origens: Três séculos de História de Aparecida-SP. Edição do autor, Aparecida - SP, 2007. 96p.
Vale do Paraíba: diagnósticos e resultados. Pindamonhangaba, 1972.
CORDEIRO, M. P. Planejamento territorial regional e proteção ambiental: o caso do Vale do Paraíba paulista. São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP, São Paulo, 1999.
COLTRINARI, L. O sítio da conurbação Guaratinguetá- Aparecida (2). Jornal O Lince, Aparecida, , v. 2, p. 8 - 9, 20 abr. 2008.
CORRÊA, R. L. Sobre Agentes Sociais, Escala e Produção do Espaço: Um texto para Discussão. In: A Produção do Espaço Urbano: Agentes, Processos, Escalas e Desafios. Carlos, Ana Fani Alessandri. Souza, Marcelo Lopes de. Sposito, Maria Encarnação Beltrão (organizadores). São Paulo: Contexto, 2011. p. 41-51.
MOURA, C. E. M. de. O Visconde de Guaratinguetá: um fazendeiro de café no Vale do Paraíba. São Paulo, STUDIO NOBEL, 2002.
MÜLLER, N. L. O Fato Urbano na Bacia do Rio Paraíba do Sul – São Paulo. Rio de Janeiro, IBGE, 1969. 375p.
PASIN, J. L. Algumas notas para a História do Vale do Paraíba. Desbravamento e povoamento. Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, 1977.
SANTOS, M. Espaço e método. 3ª ed. São Paulo: Nobel, 1992. SPOSITO, M. E. B. Capitalismo e Urbanização. 14ª. ed. São Paulo: Contexto, 1988. 80p.