2005/02/23
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EFESA? [1]
Alexandre Reis Rodrigues
É possível que dentro de duas semanas, eventualmente três no máximo, o novo Governo socialista do engenheiro Sócrates tome posse. Segundo a imprensa, é pelo menos esse o desejo do futuro primeiro-ministro e o Presidente da República parece querer ajudar, tendo-se apressado a chamar a Belém todos os líderes partidários com assento parlamentar, na tentativa de encurtar o
indesejavelmente longo processo burocrático de apuramento final dos resultados eleitorais. Calcula-se que brevemente comecem a ser conhecidos os responsáveis pelas diferentes áreas da governação. António Vitorino parece estar confirmado, o que não surpreende ninguém; falta saber a pasta.
Como é normal, é com alguma expectativa que se aguarda a divulgação do programa de Governo; as bases programáticas apresentadas pelo Partido Socialista como programa eleitoral, pelo menos no respeitante à Defesa – que é o assunto que quero abordar neste texto – não eram muito
esclarecedoras. Aliás, um problema que também sucedia com as dos outros partidos.
Podia destacar-se, quando muito, uma tónica na necessidade de uma concepção mais larga de segurança e de uma concepção mais integrada da política de defesa, juntamente com uma pretensão de aposta na segurança cooperativa do âmbito das organizações internacionais e alianças em que o País se integra. Neste último campo, concretizando, o documento reafirmava empenho em garantir participação na NATO Response Force e no desenvolvimento da Política Externa de Segurança Comum da UE, com uma presença na linha da frente da construção da respectiva política de Segurança e Defesa. Não se adivinha, porém, o que isto pode exactamente querer dizer.
No desenvolvimento destas ideias iniciais, passando ao tópico da "Modernização das Forças Armadas", o PS referia, como imperativo, oito prioridades: garantir o contingente no quadro da profissionalização posta em vigor no final do ano passado, modernizar o equipamento e requalificar as estruturas, assegurar um investimento à altura dos objectivos de modernização, rever o quadro conceptual e legal em que assenta o funcionamento da Defesa tendo presente as necessidades de reforma do modelo de organização em vigor e dos seus sistemas de Saúde e de Ensino Superior. Ficou assim referida a generalidades dos assuntos a que o PS se comprometeu a prestar especial atenção; nessa linha é preciso, agora, concretizar o que realmente se pretende, clarificando
intenções, projectos e, se possível, os respectivos calendários. Falta, sobretudo, integrar tudo numa política de Defesa com um horizonte de pelo menos médio prazo, desejavelmente de dez anos, definir objectivos concretos e fazer aprovar um Livro Branco para a Defesa, que cubra pelo menos o período da próxima legislatura. É essa a tarefa principal que o futuro responsável pela Defesa terá pela frente nos próximos dias/semanas.
Nesse trabalho, há pelo menos três aspectos básicos que, em nenhum caso, deveriam deixar de ser considerados, quaisquer que sejam as suas outras orientações:
A necessidade de apostar abertamente numas forças armadas de clara configuração expedicionária, ou seja aptas para intervenção no exterior;
Uma opção firme por um investimento em qualidade, em vez de quantidade, para que as Forças Armadas possam constituir para todo o País um Centro de Excelência motivador de uma melhoria geral da qualidade e da produtividade dos recursos utilizados;
Finalmente, uma alteração progressiva da estrutura do orçamento de modo a repor a componente dos encargos com pessoal numa percentagem máxima de 40% do total, dividindo os restantes 60% em partes equivalentes entre Operação e Investimento.
Não faltam hoje exemplos de situações concretas a demonstrar que a segurança na Europa já não se resume, como no passado, à inviolabilidade das suas fronteiras. Passa também por estas, mas mais em termos de forças policiais do que de Forças Armadas – embora eventualmente com a colaboração destas – mas assenta sobretudo no exterior, onde quer que os seus interesses possam estar ameaçados. Não faz por isso sentido que se continue a hesitar em alterar os aparelhos militares à luz desta situação, configurando-os para garantir grande mobilidade, flexibilidade de emprego e adaptabilidade, com meios orgânicos de transporte para poderem ser utilizados onde quer que sejam necessários e quaisquer que sejam as circunstâncias. A alternativa
é a sua condenação a uma situação de irrelevância e o empurrar do País para a impossibilidade de participar nos mecanismos de segurança e de defesa colectivas de que, no entanto, não pode prescindir para a protecção dos seus interesses próprios e a que está obrigado pelos
compromissos assumidos.
Estou a falar em capacidades que para serem interoperáveis com as dos nossos parceiros e aliados terão necessariamente que ser de elevada sofisticação tecnológica e estarem adaptadas às novas realidades do tipo de intervenções militares mais prováveis, observando as actuais exigências de minimização de danos colaterais. Estou a referir-me, portanto, à necessidade de continuar o esforço de modernização do Sistema de Forças Nacional, aproximando-o dos níveis de qualidade dos mais avançados conforme a NATO, aliás, pretende exigir através de mecanismos de
qualificação mínima para integração de forças. Estou, finalmente, a pensar nos elevados requisitos de formação de Pessoal que a profissionalização das Forças Armadas subentende e que a maior sofisticação tecnológica dos meios exige.
A questão da alteração da estrutura do orçamento no sentido recomendado, embora referida em último lugar, é porventura a mais importante, porquanto é dela que depende um saudável
funcionamento das instituições da Defesa e, a prazo, a própria exequibilidade do modelo adoptado. Será, provavelmente, a mais difícil área de intervenção porque é aquela em que nos últimos tempos menos se tem feito, logo a mais atrasada; porque implica reformas importantes na estrutura e modo de funcionamento do sector – aliás apontadas nas bases programáticas eleitorais do PS – e, requer, sobretudo, uma nova visão do conjunto; finalmente, porque é indissociável do esforço de
modernização do equipamento, iniciado na anterior legislatura, podendo-o comprometer se não for executada com celeridade e coragem e assim garantir que há suficiente sustentação para os meios em processo de aquisição. Não se resume, porém, a este tipo de medidas; inclui observar o compromisso assumido no Conceito Estratégico de Defesa Nacional de elevar o tecto orçamental para o nível médio do dos nossos parceiros europeus, com um calendário estabelecido.
O que há a considerar na elaboração de um futuro plano de Governo para a Defesa não se esgota nestas considerações. É preciso que contemple também a questão do emprego das Forças Armadas nas chamadas tarefas de interesse público, em especial a intervenção que asseguram quase exclusivamente na protecção dos interesses nacionais em outros espaços sob jurisdição nacional, acabando com disputas de competência que geram ineficiências e desbaratamento de recursos escassos. É também necessário que preveja uma perfeita articulação com a Política Externa, de que as Forças Armadas são também um indispensável instrumento; que defina políticas de contratação de serviços no exterior e de maior utilização de civis em tarefas não essencialmente militares, acompanhando a tendência que se verifica em todas as Forças Armadas modernas e que é, afinal, um problema de racionalização de emprego de recursos.
Outros assuntos poderiam ser lembrados; estes, porém, são os mais importantes e os três, que acima foram um pouco mais desenvolvidos, são sobretudo os decisivos para o sucesso de uma política de Defesa que, de forma irreversível, resolva os problemas da situação difícil em que tem vivido o sector da Defesa.
[1] Este artigo inspira-se, num ou noutro ponto, em trabalhos anteriores, desenvolvidos no Instituto de Humanismo e Desenvolvimento, em que o autor participou, mas o conteúdo é da exclusiva responsabilidade do signatário.
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