• Nenhum resultado encontrado

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Serafina Conejo Gallo e Adriana Timor. vs. Elizabetia. Memorial do Representante das Vítimas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Corte Interamericana de Direitos Humanos. Serafina Conejo Gallo e Adriana Timor. vs. Elizabetia. Memorial do Representante das Vítimas"

Copied!
39
0
0

Texto

(1)

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Serafina Conejo Gallo e Adriana Timor

vs.

Elizabetia

Memorial do Representante das Vítimas

(2)

ÍNDICE

1 – LISTA DE ABREVIATURAS ...III

2 – ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ...IV

2.1 – Documentos Legais ...IV

2.2 – Casos Legais ...V

2.2.1 – Comissão Interamericana de Direitos Humanos ...V

2.2.2 – Corte Interamericana de Direitos Humanos ...V

2.2.3 – Tribunal Europeu de Direitos Humanos ...VIII

2.2.4 – Comitês Temáticos das Nações Unidas ...VIII

3 – DOS FATOS ...01

4 – DA ANÁLISE LEGAL ...04

4.1 – Da admissibilidade...05

a) Da competência ratione personae ...05

b) Da competência ratione temporis ...05

c) Da competência ratione materiae ...05

d) Da competência ratione loci ...05

e) Esgotamento dos recursos internos ...06

f) A aplicação do art. 2 (dever de adotar disposições internas) da CADH não afeta o direito de defesa do Estado ...07

g) Das medidas provisórias ...07

4.2 – DO MÉRITO ...10

a) O Estado violou os artigos 11 (proteção da honra e da dignidade) e 17 (proteção da família) c/c 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) da Convenção Americana de Direitos Humanos ...10

(3)

b) O Estado violou os artigos 8.1 (garantia judicial) e 25 (proteção judicial) c/c 1.1 da

Convenção Americana de Direitos Humanos ...15

c) O Estado violou o art. 24 (igualdade perante a lei) c/c o art. 1.1 (obrigação de

respeitar os direitos) da Convenção Americana de Direitos Humanos ...18

d) O Estado violou o art. 2 (dever de adotar disposições de Direito Interno) da

Convenção Americana de Direitos Humanos ...26

5 – DA SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ...29

(4)

1 - LISTA DE ABREVIATURAS

Art. / Arts. Artigo/ Artigos

c/c Combinado com

CADH / Convenção Convenção Americana de Direitos Humanos CIDH / Comissão Comissão Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH / Corte Corte Interamericana de Direitos Humanos

LGBTI Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais

LIG Lei de Identidade de Gênero

Nº Número

OC Opinião Consultiva

ONU Organização das Nações Unidas

p. Página/Páginas

Par./ §. Parágrafo/Parágrafos

SIDH Sistema Interamericano de Direitos Humanos TEDH Tribunal Europeu de Direitos Humanos

(5)

2 – ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS

2.1 – Documentos Legais

Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945.

Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional para os Direitos Humanos. Princípios de Yogyakarta, de março de 2007.

Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Comentário Geral nº 20.

Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Comentário Geral nº 18.

Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969.

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 20 de dezembro de 1963.

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de dezembro de 1979.

Declaração sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 2008.

Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

OEA . AG/RES. 2721 (XLII-O/12). Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 4 de junho de 2012.

OEA. AG/RES. 2653 (XLI-O/11). Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 7 de junho de 2011.

(6)

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966.

2.2 – Casos Legais

2.2.1 – Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CIDH. Alberto Patishtán Gómez. Medidas Cautelares 77/12, respeito do México. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 24 de maio de 2012

CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010.

CIDH. Estudo sobre orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero: alguns termos e padrões relevantes, de 23 de abril de 2012.

CIDH. Niurka Luque Álvarez. Medidas Cautelares 153/12, a respeito de Cuba. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 16 de maio de 2012.

CIDH. Relatório de Admissibilidade nº 71/99. Caso 11.656. Marta Lucia Álvarez Giraldo VS. Colômbia, de 4 de maio de 1999.

CIDH. Relatório de Admissibilidade nº 150/11. Petição 123-05. Angel Alberto Duque VS. Colômbia, de 02 de novembro de 2011.

2.2.2 – Corte Interamericana de Direitos Humanos

Corte IDH. Assunto Castro Rodriguez. Medidas Provisórias a respeito do México. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 13 de fevereiro de 2013.

Corte IDH. Assuntos Detenção Judicial de Monagas (“La Pica”), Centro Penitenciário Região Capital Yare I e Yare II (Prisão de Yare), Centro Penitenciário da Região Centro Ocidental (Prisão de Uribana) e Internado Judicial Capital El Rodeo I e el Rodeo II. Medidas

(7)

Provisórias a respeito da Venezuela. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 24 de novembro de 2009, Considerando terço.

Corte IDH. Caso Apitz Barbera e outros VS. Venezuela. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas, de 05 de agosto de 2008.

Corte IDH. Caso Baena Ricardo VS. Panamá. Sentença de Mérito, de 2 de fevereiro de 2001.

Corte IDH. Caso Barbani Duarte e outros VS. Uruguai. Sentença de Mérito, de 13 de outubro de 2011.

Corte IDH. Caso Caballero Delgado e Santana VS. Colômbia. Sentença de Reparações e custas, de 19 de janeiro de 1997.

Corte IDH. Caso Cantoral Benavides VS. Peru. Sentença de Exceções preliminares, de 3 de setembro de 1998.

Corte IDH. Caso Cantoral Benavides VS. Peru. Sentença de Mérito, de 18 de agosto de 2000.

Corte IDH. Caso Fairén Garbi e Solís Corrales VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987.

Corte IDH. Caso García e familiares VS. Guatemala. Sentença de Mérito, reparação e custas, de 29 de novembro de 2009.

Corte IDH. Caso Godínez Cruz VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987.

Corte IDH. Caso González Medina e familiares VS. República Dominicana. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparação e custas, de 27 de fevereiro de 2012.

(8)

Corte IDH. Caso González Medina. Medidas Provisórias a respeito da República Dominicana. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 21 de junho de 2012.

Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012.

Corte IDH. Caso Lori Berenson Mejia VS. Peru. Sentença de Mérito, de 25 de novembro de 2004.

Corte IDH. Caso Massacre de Santo Domingo VS. Colômbia. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, de 30 de novembro de 2012.

Corte IDH. Caso Massacre do Rio Negro VS. Guatemala. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparação e custas, de 4 de setembro de 2012.

Corte IDH. Caso Povo Saramaka VS. Suriname. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 28 de novembro de 2007.

Corte IDH. Caso Quatro Comunidades Indígenas Ngöbe e seus Membros. Medidas Provisórias solicitadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a respeito da República do Panamá. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de maio de 2010.

Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987.

Corte IDH. Caso Villagrán Morales e outros VS. Guatemala. Sentença de Mérito, de 19 de novembro de 1999.

(9)

Corte IDH. Caso Yean e Bosico VS. República Dominicana. Sentença de Mérito, de 8 de setembro de 2005.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC - 9/87, de 6 de Outubro de 1987.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC -13/93, de 16 de julho de 1993.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-01/82, de 24 de setembro de 1982.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-05/85, de 13 de novembro de 1985.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-16/99, de 01 de outubro de 1999.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-17/02, de 28 de agosto 2002.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-4/84, de 19 de janeiro de 1984.

2.2.3 – Tribunal Europeu de Direitos Humanos

TEDH. Caso Marckx VS. Bélgica. Sentença de Mérito, de 13 de junho de 1979.

TEDH. Caso Salgueiro da Silva Mouta VS. Portugal. Sentença de Mérito, de 21 de dezembro de 1999.

TEDH. Caso Schalk e Kopf VS. Áustria. Sentença de Mérito, de 24 de junho de 2010.

TEDH. Caso X, Y e Z VS. Reino Unido. Sentença de Mérito, de 22 de abril de 1997.

2.2.4 – Comitês Temáticos das Nações Unidas

Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Toonen VS. Austrália. Comunicação nº 488/1992, de 4 de abril de 1992.

(10)

3 - DOS FATOS

O Estado de Elizabetia (doravante “Estado” ou “Elizabetia”), cuja capital é São Benito, localiza-se no continente americano, tendo sido colônia de metrópole europeia. No início do século XIX, alcançou sua independência, culminando com a elaboração de uma Constituição em 1960. Hodiernamente, o Estado goza de sólida reputação internacional de respeito aos direitos humanos, tendo ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos (doravante “Convenção” ou “CADH”) e os demais tratados interamericanos, além de reconhecer a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Corte IDH” ou “Corte”) em 1º de janeiro de 1990.

O Estado se divide em sete províncias, agrupadas em três regiões: noroeste, centro e sudeste. Elizabetia é berço da cultura indígena Granti. Em tempos coloniais, considerava-se a referida cultura como bárbara e imoral, sendo que na região sudeste foram empregadas medidas de extermínio e de erradicação da mesma. Contudo, o povo assimilou muito de seus costumes e tradições, formando uma idiossincrasia. Ainda assim, o sudeste do país continua marcado pela memória da servidão.

Serafina Conejo Gallo é cidadã elisabetana da província de Santa Marta, sudeste do país, transexual, ativista e fundadora do movimento Mariposa, tendo sofrido discriminação na infância e na juventude, devido ações e omissões de autoridades do Estado.

Em 10 de fevereiro de 2000, Serafina, diante da negativa do pleito de reconhecimento do seu nome e de sua identidade de mulher por autoridades de Elizabetia, apresentou petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão” ou “CIDH”), solicitando a responsabilização internacional do Estado por discriminá-la ao não reconhecer sua identidade de gênero, iniciando o processo da petição P-300-00.

Em 10 de março de 2005, a CIDH emitiu relatório sobre o mérito, declarando que a recusa de Elizabetia em inscrever Serafina Conejo Gallo, com esse nome e de sexo feminino

(11)

no registro civil, provocou a violação dos artigos 2, 3, 5, 8, 11, 13, 18, 24 e 25 da Convenção e recomendou que Estado adotasse medidas de reparação e de não repetição.

O Estado declarou em 2006 que aceitaria as recomendações da CIDH e em 28 de novembro desse ano, a Presidenta do país, do Partido Celeste, pediu perdão a Serafina e anunciou a apresentação de projeto de Lei de Identidade de Gênero, indicado por Mariposa, como instrumento para inclusão das mulheres transexuais.

Foi promulgada em Elizabetia, a Lei de Identidade de Gênero (doravante “LIG”), a qual permite mudança de nome e de retificação registral do sexo quando a identidade de gênero for diferente do registro. Em 13 de janeiro de 2007, Serafina foi a primeira mulher transexual do Estado a obter o reconhecimento de sua identidade de gênero.

Em 15 de março de 2011, Serafina e Adriana Timor, igualmente cidadã elisabetana, solicitaram junto à Secretaria Nacional da Família, autorização para casar, o que foi negado, com base no art. 396 do Código Civil. Um recurso foi apresentado à mesma autoridade; entretanto, este também foi recusado.

Serafina e Adriana interpuseram tempestivamente recurso judicial contencioso administrativo, reiterando o argumento de seu pleito inicial, de que o art. 9º da Constituição proíbe a discriminação por orientação sexual, o que estaria em conflito com o art. 396 do Código Civil, que permite o matrimônio somente entre pessoas de sexo diferente. Expressou-se a necessidade de levar em consideração que somente a instituição do casamento lhes permitia ser consideradas como “família” no sentido constitucional.

Em 5 de agosto de 2011, o recurso foi negado. A 7º Vara do Tribunal Contencioso Administrativo observou que o recurso exige controle de legalidade e à luz do art. 396 do Código Civil, o ato administrativo impugnado não era ilegal, sendo que excluir casal do mesmo sexo da instituição do matrimônio constituiria restrição razoável e necessária para preservar a noção de família, inexistindo violação ao art. 9º da Constituição.

(12)

Em 18 de novembro de 2011, demonstrando insatisfação com a decisão mencionada, Serafina e Adriana interpuseram recurso constitucional de amparo, hipótese em que a autoridade judicial deve decidir no prazo máximo de três meses.

Respeitando-se o prazo, em 18 de fevereiro de 2012, pronunciou-se a 3º Vara de Família, rejeitando a ação, sem pronunciamento de mérito, já que esta só seria aceita em casos de manifesta arbitrariedade. A decisão foi apelada perante o Tribunal Colegiado de Causas Diversas do Distrito, que em 16 de maio de 2012 manteve a decisão.

Paralelamente, em 1º de fevereiro de 2012, representando Serafina e Adriana, a Organização Não-Governamental Mariposa (doravante “Mariposa”) apresentou petição perante a CIDH, alegando a responsabilidade de Elizabetia por violações à CADH, dando início a petição P-600-12 em 10 de maio de 2012. Na fase de admissibilidade, o Estado alegou que a petição era inadmissível pelo não esgotamento dos recursos internos, pois o recurso de amparo ainda estava em curso e pela existência da ação de inconstitucionalidade.

Em 22 de setembro de 2012, a CIDH emitiu o relatório de admissibilidade 179-12, declarando que os recursos internos haviam sido esgotados e declarou violações aos artigos 11, 17, 24, 8 e 25, em relação ao art. 1.1 da CADH. Já no relatório sobre o mérito 1-13, emitido em 3 de janeiro de 2013, a Comissão reiterou a violação dos artigos da Convenção e, em virtude do princípio iura novit curia, acrescentou o art. 2.

O Estado apresentou o caso à Corte em 1º de fevereiro de 2013, com base no art. 36 do Regulamento e argumentou colocações processuais, como a violação do seu direito de defesa por ter a CIDH incorporado o art. 2 da CADH e a análise quanto ao esgotamento dos recursos internos, pela desconsideração da situação processual interna no momento de interposição da petição e da existência da ação de constitucionalidade.

(13)

Em 13 de fevereiro de 2013, a Corte emitiu Resolução incidental, dispondo que as “colocações processuais” deviam ser tratadas como exceções preliminares. Em resposta, os representantes reproduziram a posição escrita da CIDH em seus memoriais.

Três dias antes da audiência designada pela Corte para maio de 2013, Mariposa solicitou medidas provisórias em favor de Adriana, que foi internada e está em coma devido à ruptura de um aneurisma cerebral congênito, pleiteando-se que Serafina autorize cirurgia de risco. Tal consentimento só pode ser feito por membro da família e a paciente não possui outro. Serafina é sua companheira, tendo as duas intentado contrair matrimônio e ainda não há declaração judicial de união de fato por não terem completado cinco anos de convivência como requer a lei. Ainda assim, a legislação interna não era clara se a união de fato entre pessoas do mesmo sexo teria os efeitos de ser considerada “família” para esses fins.

A Presidência da Corte IDH emitiu Resolução no mesmo dia, dispondo que as partes apresentem seus argumentos na audiência pública do caso contencioso principal.

4 - DA ANÁLISE LEGAL

4.1 – Da admissibilidade

a) Da competência ratione personae

O Estado de Elizabetia ratificou a CADH e reconheceu a competência contenciosa da Corte em 1º de janeiro de 1990. Deste modo, a Corte tem competência para se pronunciar sobre o presente caso, visto que as vítimas são nacionais de Elizabetia e os fatos narrados ocorreram durante a vigência da Convenção.

Ademais, Mariposa, representante legal das vítimas, apresentou petição com base no art. 44 da CADH em 1º de fevereiro de 2012, sendo parte legítima para realizar a representação judicial das vítimas, por ser uma instituição reconhecida em Elizabetia, com

(14)

inserções em todo o território nacional para a proteção dos interesses dos grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (doravante “LGBTI”).

b) Da competência ratione temporis

A Corte é competente para conhecer dos casos ocorridos após a ratificação da CADH e do reconhecimento de sua competência contenciosa. Assim, como Elizabetia ratificou a CADH e reconheceu a competência contenciosa em 1º janeiro de 1990, a Corte torna-se competente para conhecer as violações dos fatos ocorridos na vigência da Convenção.

c) Da competência ratione materiae

A Corte é competente para conhecer e analisar qualquer denúncia sobre violações de Direitos Humanos contra os Estados que ratificaram a Convenção e reconheceram a competência contenciosa da Corte IDH. Logo, no momento em que o Estado torna-se parte nos processos dos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (doravante “SIDH”), os indivíduos têm o direito de acessar os órgãos interamericanos de proteção para a reparação dos danos que sofreram.

d) Da competência ratione loci

O território do Estado de Elizabetia foi o local onde as violações ocorreram. Considerando que o Estado ratificou a Convenção, assumindo o compromisso de respeitar os direitos e garantias nela previstos, a Corte é competente para se pronunciar acerca do presente caso.

(15)

e) Esgotamento dos recursos internos

Para a apreciação do processo internacional, é necessário que todos os recursos internos disponibilizados pelo Estado para a reparação do dano estejam esgotados (art. 46 da CADH). Não basta que o Estado disponibilize recursos à solução da contenda, estes devem ser efetivos1, para garantir ao Estado todas as possibilidades de resolução do conflito, sem que as vítimas necessitem recorrer aos sistemas internacionais2.

Serafina e Adriana, na tentativa de contrair casamento e formar uma família, solicitaram uma autorização perante a Secretaria Nacional da Família no dia 15 de março de 2011, o que foi indeferido. Posteriormente, as vítimas impetraram recurso judicial contencioso perante o 7º Tribunal Contencioso Administrativo, que também foi rechaçado. Finalmente, interpuseram remédio constitucional contra essa decisão. O recurso foi negado pela 3º Vara de Família, sem pronunciamento sobre o mérito da questão.

Além de todos esses recursos negados, ainda restava a ação direta de inconstitucionalidade. Entretanto, a Comissão tem afirmado que, para a admissibilidade de uma petição perante o SIDH, é necessário observar se os recursos estão de acordo com os direitos consagrados na Convenção, como por exemplo, o acesso à justiça3.

A Corte, em pronunciamentos anteriores, afirmou que quando os recursos são rejeitados antes da análise de sua validade, ou rejeitados por razões frívolas, ou quando se atesta uma prática de exclusão contra determinados grupos – características estas observadas no presente caso –, cabe o acesso ao Sistema Interamericano, pois os recursos internos disponíveis são

1 Corte IDH. Caso Massacre de Santo Domingo VS. Colômbia. Sentença de Exceções preliminares, mérito,

reparação e custas, de 30 de novembro de 2012; §33.

2 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de

1987; §60.

(16)

ilusórios e não podem alcançar o objetivo almejado4, esgotando-se assim todos os remédios judiciais e administrativos ordinários5.

f) A aplicação do art. 2 (dever de adotar disposições internas) da CADH não afeta o

direito de defesa do Estado.

A Comissão, alegando a utilização do princípio iura novit curia, requisitou a aplicação e pronunciamento da Corte sobre o art. 2 da CADH em relação às vítimas. Esse pedido não viola o direito de defesa do Estado, pois o requerimento da Comissão não é imperativo. Qualquer colocação ou recomendação da CIDH é apenas de caráter técnico na forma de estudos, relatórios e emissão de recomendações6, cabendo à Corte determinar se a aplicação do art. 2 ao caso em questão é pertinente na análise de mérito7.

g) Das medidas provisórias

De acordo com o entendimento da Corte IDH, as medidas provisórias são medidas de urgência e, dentro do Direito Internacional dos Direitos Humanos, estas medidas possuem caráter não só cautelar, mas tutelar, pois protegem direitos humanos e objetivam a prevenção de danos irreparáveis às pessoas8.

Conforme com o art. 63.2 da Convenção Americana, as medidas provisórias se aplicam sempre quando concorrem os três requisitos básicos: i) “extrema gravidade”; ii) “urgência”;

4

Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987; §93 / Caso Godinéz Cruz VS. Honduras. Sentença de exceções preliminares, de 26 de junho de 1987; §95.

5 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de

1987; §91. / Caso Fairén Garbi e Solís Corrales VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987; §90. / Caso Godinéz Cruz VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987; §93.

6 Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969; artigo 41 / Corte IDH. Opinião

Consultiva OC - nº 13/93, de 16 de julho de 1993; §24. 7

Corte IDH. Caso Cantoral Benavides VS. Peru. Sentença de Exceções preliminares, de 3 de setembro de 1998; §46.

8 Caso do Jornal “La Nación”. Medidas Provisórias a respeito da Costa Rica. Resolução da Corte

Interamericana de Direitos Humanos de 7 de setembro de 2001, Considerando quarto; Caso Gomes Lund. Medidas Provisórias a respeito do Brasil. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 15 de

(17)

iii) que vise a “evitar danos irreparáveis as pessoas”, de modo que se transformam em uma verdadeira garantia jurisdicional de caráter preventivo9.

Na situação em comento, verifica-se a necessidade de se conceder à Serafina autorização para outorgar o consentimento para realizar – dentro do prazo máximo de dois dias – cirurgia de risco de Adriana, que visa preservar sua integridade física e mental. Caso esta autorização não seja concedida, a decisão caberá ao Conselho Médico Regional do Estado de Elizabetia, cujas decisões têm sido para não realizar a cirurgia, deixando a paciente com sequelas para o resto da vida.

Primeiramente, no que concerne ao dano, cumpre realçar que a Corte IDH já manifestou entendimento de que para a concessão de medidas provisórias, é necessário que haja razoável probabilidade de haver lesão à bem ou interesse jurídico, o qual não poderá ser reparado futuramente10. Nesse sentido, destaca-se que existe, segundo relatos do próprio

médico, elevado grau de certeza de que Adriana venha a sofrer sequelas – como amnésia anterógrada – caso não se realize a cirurgia, as quais muito dificilmente poderão ser revertidas.

Quanto à urgência da situação, salienta-se que a ameaça à violação ao direito à vida e integridade física de Adriana é iminente, pois a cirurgia tem de ser realizada no prazo máximo de dois dias, sob pena de não mais ser possível remediar o estado de saúde da paciente. Assim, não cabe outra oportunidade para a intervenção cautelar e tutelar das medidas provisórias, pois uma vez terminado o prazo, perecerá qualquer chance de tutelar os supracitados direitos fundamentais à vida e à integridade pessoal.

9Corte IDH. Caso Gonzalez Medina. Medidas Provisórias a respeito da República Dominicana. Resolução da

Corte Interamericana de Direitos Humanos de 21 de junho de 2012, § 5; e Assunto Castro Rodríguez. Medidas Provisórias a respeito do México. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 13 de fevereiro de 2013.

10Corte IDH. Assuntos Detenção Judicial de Monagas (“La Pica”), Centro Penitenciário Região Capital Yare I e

Yare II (Prisão de Yare), Centro Penitenciário da Região Centro Ocidental (Prisão de Uribana), e Internado Judicial Capital El Rodeo I e el Rodeo II. Medidas Provisórias a respeito da Venezuela. Resolução da Corte

(18)

No que diz respeito ao requisito da extrema gravidade, é fácil verificar o mais alto nível de seriedade na situação, pois os direitos fundamentais a serem tutelados são o direito à vida (art. 4.1 da CADH) e à integridade pessoal (art. 5.1 da CADH) de Adriana. Ressalta-se que a não realização da cirurgia impedirá a paciente de viver no pleno gozo de suas capacidades mentais, acarretando dificuldades inimagináveis para o desenvolvimento de suas atividades diárias e, consequentemente, para uma existência digna.

Salienta-se que a Corte IDH já se pronunciou de que o direito à vida não pode ser interpretado de maneira restritiva, englobando não somente o direito a existência de vida biológica da pessoa, mas de forma ampla, relativo a uma existência digna11.

Cumpre frisar que quando se trata de ameaça aos direitos à vida e à integridade pessoal, a Corte IDH vem concedendo medidas provisórias, destacando a necessidade de se avaliar o contexto específico da situação. Este foi o seu entendimento no caso Gonzalez Medina e

Familiares vs. República Dominicana, sendo evidente que, se direitos fundamentais como

vida e integridade física se encontram comprometidos, estar-se-ia ante um cenário que justifica a concessão de medidas provisórias12.

Outrossim, salienta-se que a CIDH vem concedendo medidas cautelares em favor de pessoas ameaçadas de danos irreparáveis à sua vida e integridade pessoal por problemas relacionados à saúde13.

Por fim, urge frisar que conforme entendimento expressado por este Tribunal no caso

Quatro Comunidades Indígenas Ngöbe e seus Membros vs. Panamá, as medidas provisórias

têm por objeto e fim preservar os direitos em possível risco, enquanto não se resolve a matéria de fundo posta perante a Corte IDH. Estas medidas visam assegurar a proteção de

11 Corte IDH. Caso Villagrán Morales e outros VS. Guatemala. Sentença de mérito, de 19 de novembro de 1999,

§144.

12 Corte IDH.Caso Gonzalez Medina. Medidas provisórias a respeito da República Dominicana. Resolução da

Corte Interamericana de Direitos Humanos de 21 de junho de 2012, §13.

13 CIDH. Niurka Luque Álvarez. Medidas Cautelares 153/12, a respeito de Cuba. Comissão Interamericana de

Direitos Humanos. Em 16 de maio de 2012; Alberto Patishtán Gómez. Medidas Cautelares 77/12, respeito do

(19)

direitos que possam desvirtuar a integridade e efetividade da decisão final de mérito, caso sejam lesionados14. Assim, intenta-se destacar que se não for concedida autorização à Serafina a dar seu consentimento no caso de Adriana, a cirurgia não será realizada, comprometendo a vida de Adriana, deixando-a com sequelas, como amnésia anterógrada, em que não conseguirá sequer lembrar de Serafina e da luta de ambas para contrair matrimônio e constituir uma família, o que constitui objeto da causa principal.

Por todo o exposto, requer-se à Corte IDH a concessão de medidas provisórias em favor da proteção dos direitos à vida e à integridade de Adriana Timor, de modo a permitir que Serafina outorgue seu consentimento na situação médica de urgência.

4.2 – DO MÉRITO

a) O Estado violou os artigos 11 (proteção da honra e da dignidade) e 17 (proteção da

família) c/c 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) da Convenção Americana de Direitos

Humanos.

O alcance do direito à vida privada e familiar livre de ingerências arbitrárias ou abusivas pelo Estado, previsto no art. 11 da Convenção, deve ser interpretado em conjunto com seu art. 17, uma vez que aquele versa sobre o papel central da família na existência e na vida digna do ser humano15, bem como assegura o direito de contrair matrimônio e fundar uma família em concordância com as leis internas do seu Estado, na medida, porém, em que estas não afetem o princípio da não discriminação.

Cabe ressaltar que a expressão “o direito do homem e da mulher”, contida no art. 17 da CADH, não exclui o casamento entre pessoas do mesmo sexo16 à luz da interpretação

14

Corte IDH. Caso Quatro Comunidades Indígenas Ngöbe e seus Membros. Medidas Provisórias solicitadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a respeito da República do Panamá. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de maio de 2010. § 3.

15 CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, §118.

(20)

evolutiva da Convenção, a partir do seu art. 29 e dos tratados internacionais, conforme art. 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados17, reconhecendo que a orientação sexual se encontra como cláusula proibida de discriminação, abarcada pelo art. 1.1 da Convenção18.

A CIDH esclarece que o objetivo do art. 11 é proteger os indivíduos da ação arbitrária das autoridades do Estado, que interfira em suas vidas privadas, pois tal direito abrange as esferas de intimidade, que ninguém pode invadir por serem absolutamente próprias e autônomas de cada pessoa, como sua identidade, vida sexual, relações interpessoais e vida doméstica19. Com efeito, a orientação sexual torna-se um componente fundamental da vida privada20, não se limitando a condição de ser homossexual em si mesmo, mas abarcando sua expressão e as consequências necessárias ao projeto de vida das pessoas21. Logo, deve estar livre de interferências arbitrárias e abusivas pelo exercício do poder público, na ausência de razões fundamentalmente convincentes e de grande relevância22, além de outros requisitos legais, que são a busca de um fim legítimo, idoneidade, necessidade e proporcionalidade, tal como a necessidade democrática, conforme aponta a Corte IDH23.

Desse modo, é possível identificar que as vítimas, Serafina e Adriana, sofrem uma interferência arbitrária do Estado de Elizabetia no que diz respeito à sua vida privada e familiar, uma vez que o Estado nega o direito de se casarem e de constituírem uma família, direitos fundamentais, consagrados internacionalmente24.

17 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-05/1985, §52. Opinião Consultiva OC-16/99, de 01 de outubro de 1999,

§114. 18

CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010, §95.

19 CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, §110. 20

CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010, §111. Informe n. 71/99, Caso 11.656, Marta Lucia Álvarez Giraldo VS. Colombia, de 4 de maio de 1999.

21 Corte IDH. Caso Atala Riffo e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, § 133.

22

CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010, §111. Informe n. 71/99, Caso 11.656, Marta Lucia Álvarez Giraldo VS. Colombia, de 4 de maio de 1999.

23 Corte IDH. Caso Atala Riffo e filhas VS.. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, § 164.

24

Art. 16 da Declaração Universal de Direitos Humanos e art. 23.1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e

(21)

Em Elizabetia, tais direitos são garantidos apenas aos casais heterossexuais, devido a previsão da legislação civil que exclui o casal de mesmo sexo o direito ao casamento. Ao mesmo tempo, o Estado não concede ao instituto da união de fato, o qual reconhece juridicamente o casal homossexual, os mesmos efeitos gerados pelo matrimônio, além de não considerar a união entre pessoas do mesmo sexo como família.

Nesse sentido, Serafina e Adriana enfrentam discriminação estrutural em relação ao direito de constituir família, pois o acesso ao reconhecimento formal é negado não apenas por meio do casamento, mas sobretudo por via do instituto da união de fato, pelo qual não serão consideradas família pelo Estado. Tal postura estatal, além de violar o aspecto íntimo na vida das envolvidas, interferiu na autonomia do casal para tomar decisões de acordo com a sua orientação sexual25, comprometendo posteriormente, inclusive, a possibilidade de Serafina consentir a cirurgia de risco de Adriana.

A petição para contrair matrimônio das demandantes foi rejeitada pela Secretaria Nacional de Elizabetia com fundamento no seu dispositivo interno (art. 396 do Código Civil). O aludido artigo estabelece que o matrimônio será consolidado quando composto por um casal formado entre um homem e uma mulher, previsão esta, que viola o art. 17.2 da CADH, o qual assegura que as leis internas não devem estabelecer critérios discriminatórios como condições para casar e constituir família.

Tal conduta é contraditória em um Estado com suposta tradição democrática, que comunga valores comuns e de respeito ao ser humano, detentor de disposições constitucionais de liberdade e igualdade, que, inclusive, já legitimou em lei específica a identidade de gênero e a união de fato entre pessoas do mesmo sexo. Ao ser discriminatório com um casal homossexual e não reconhecê-lo como família, o Estado retrocede em suas conquistas fundamentais.

25 CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, § 111 / Relatório nº 71/99, Caso 11.656, Marta Lucia Álvarez Giraldo Vs. Colombia, de 4 de

(22)

A autoridade judicial do 7º Tribunal Contencioso de Elizabetia, ao resolver negativamente o recurso judicial administrativo interposto pelas vítimas para obter a nulidade do ato administrativo, age em explícita arbitrariedade ao estabelecer que negar a um casal de mesmo sexo a instituição do matrimônio era uma restrição razoável para preservar a noção de família tradicional na ordem constitucional. Desse modo, o Estado, ao interferir na vida privada e familiar das vítimas e afirmar que a família constituída pelas mesmas não é constitucional e, portanto não é merecedora da proteção especial das instituições estatais, constitui em evidente interferência arbitrária, uma vez que a única justificativa na decisão da autoridade é a orientação sexual de Serafina e Adriana, aspecto essencial da identidade e da vida privada das demandantes. Essa razão não é convincente e não se relaciona com a preservação da família26.

Conforme assinala a Corte IDH, o direito à vida privada não é absoluto, cuja restrição, para não ser abusiva ou arbitrária, deve observar os seguintes requisitos: previsão legal, busca de um fim legítimo, idoneidade, necessidade e proporcionalidade, tal como a necessidade democrática27. No presente caso, constata-se que o Estado não adotou estes requisitos, pois sua intervenção não está conforme a CADH, sendo discriminatória, por fundar-se na orientação sexual das vítimas, não sendo motivo razoável para que as mesmas não concretizem seus projetos de vida e família28.

Ressalta-se que, ainda que o objetivo alegado por Elizabetia seja a proteção da família legitimada no art. 85 da sua Constituição, ele não é legítimo, visto que a concepção adotada pelas autoridades públicas é restritiva e discriminatória com outras formas de família, por retirar do casal homossexual o direito de ser considerado como familía. Essa postura mostra-se incongruente com o artigo constitucional 9º, mostra-sendo este inclusive o fundamento adotado

26 TEDH. Caso X, Y e Z VS. Reino Unido. Sentença de 22 de abril de 1997, § 36.

27 Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, §164.

28

Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas vs. Chile. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparações e

(23)

para a expressão “entre um homem e uma mulher” da legislação civil sobre a união de fato ser considerada inconstitucional pela Corte Suprema da Justiça de Elizabetia, comprovando que essa diferenciação não é necessária para a sociedade democrática29.

A respeito do conceito de família, a Corte IDH declara que a CADH não determinou conceito fechado de família e nem muito menos protege apenas o modelo visto como tradicional30, o qual é o único modelo tutelado pelo Estado de Elizabetia.

O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (doravante “ONU”), interpretando a proteção da família, assinalou que inexiste uma definição uniforme da mesma, mas sim diversos tipos de união familiar, inclusive aquela formada por casais que não contraíram matrimônio31. Na mesma esteira, o princípio de número 24 de Yogyakarta, o qual dispõe que as famílias existem em diversas formas e que nenhuma delas pode estar sujeita à discriminação de quaisquer de seus membros, baseada nesses critérios32.

Nesse sentido, a relação de Serafina e Adriana deve ser considerada como família, pois a noção de vida familiar inclui casais do mesmo sexo, que convivem em relação estável de fato, tal como ocorreria com um casal de sexos diferentes, estando os dois tipos de casais equiparados no tocante à necessidade de reconhecimento jurídico e proteção de sua relação33, pois o tratamento diferenciado entre os mesmos não se sustenta à luz do direito à igualdade e não discriminação.

Portanto, o Estado de Elizabetia em seu ordenamento jurídico e no discurso de seu atual Presidente, no qual valoriza uma visão de instituição familiar que não considera o livre desenvolvimento dos indivíduos, em detrimento da visão democrática de família,

29 Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas vs. Chile. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparações e

Custas, de 24 de fevereiro de 2012, § 164.

30 Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas vs. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, §142.

31 ONU. Comitê de Direitos Humanos. Comentário Geral nº 19, § 2.

32Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional para os Direitos Humanos. Princípios da

Yogyakarta, de março de 2007, princípio nº 24: direito de formar uma família, pg. 29.

(24)

fundamentada na liberdade e na igualdade, reflete uma percepção limitada de família, incompatível com a CADH.

Considerando que o direito à vida privada protege o direito da pessoa de determinar sua identidade e formar relações pessoais e familiares a partir dela, ainda que esse não seja o entendimento da maioria34, como constatou-se na pesquisa realizada com a população de Elizabetia, deve-se tutelar tal direito e protegê-lo de ingerências abusivas e arbritárias, o que não ocorreu no presente caso.

Portanto, à luz do exposto, demonstrou-se de forma cabal a transgressão dos artigos 11 e 17 da CADH, em conexão com a obrigação de respeitar e garantir os direitos e liberdades, sem discriminação, previsto pelo art. 1.1 da mesma Convenção por parte do Estado de Elizabetia.

b) O Estado violou os artigos 8.1 (garantia judicial) e 25 (proteção judicial) c/c 1.1 da

Convenção Americana de Direitos Humanos

O Estado violou os artigos 8.1 e 25 da CADH em relação à Serafina Conejo Gallo e Adriana Timor, já que por meio da ratificação da Convenção, Elizabetia se comprometeu a garantir recursos judiciais efetivos (art. 25) que devem estar em conformidade com o devido processo legal (8.1)35. No entanto, as vítimas foram obrigadas a passar por uma série de exaustivas negações de seus diretos, em virtude de decisões de tribunais maculados por convicções subjetivas, alheias ao mundo jurídico, contaminadas de preconceitos e ingerências do senso comum. A negativa aludida se deu, exclusivamente, em razão da orientação sexual

34 CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, § 116.

35Corte IDH. Caso Godinéz Cruz VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares, de 26 de junho de 1987.

§93. / Caso García e familiares VS. Guatemala. Sentença de Mérito, reparação e custas, de 29 de novembro de

(25)

das demandantes, critério esse que não pode ser utilizado para excluir ou afastar direitos (art.1.1)36.

Em pronunciamentos anteriores, a Corte firmou o entendimento referente à aplicação do princípio de responsabilidade estatal sobre atos ou omissões de suas autoridades judiciais em relação a direitos internacionalmente consagrados, sendo os artigos 8.1 e 25 exemplos da materialização dessa proteção37.

A aplicação simultânea dos referidos artigos segue o entendimento de que a proteção genérica dos Direitos Humanos pelo acesso a um recurso rápido e eficaz (art. 25)38 está intimamente relacionada à proteção específica e positiva desses direitos. O Estado deve proporcionar o acesso à justiça dentro de um prazo razoável, garantir a imparcialidade do juízo e o devido processo legal (art. 8.1)39.

No presente caso, as demandantes necessitavam de autorização para contrair casamento e, consequentemente, para exercer seu direito em constituir uma família. Para tanto, basearam seus argumentos no art. 9º da Constituição, que veda a discriminação por orientação sexual, em oposição ao art. 396 do Código Civil.

Por meio de decisão administrativa, a Secretaria Nacional da Família negou autorização para que as demandantes contraíssem matrimônio, sob o argumento de aplicação dos critérios previstos no art. 396 do Código Civil. Como essa decisão, o recurso ao 7º Tribunal Contencioso Administrativo, que buscava a nulidade do ato anterior, foi igualmente indeferido.

36Corte IDH. Opinião Consultiva OC - 9/87, de 6 de Outubro de 1987, §24.

37CorteIDH. Caso Gonzáles Medina e familiares VS. República Dominicana. Sentença de Exceções

preliminares, mérito, reparação e custas, de 27 de fevereiro de 2012; §207; / Caso Massacre do Rio Negro VS. Guatemala. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparação e custas, de 4 de setembro de 2012; §191.

38Corte IDH. Opinião Consultiva OC - 9/87 de 6 de outubro de 1987, §24.

39 CorteIDH. Caso Gonzáles Medina e familiares VS. República Dominicana. Sentença de Exceções

preliminares, mérito, reparação e custas, de 27 de fevereiro de 2012; §207 / Caso Massacre do Rio Negro VS.

(26)

Em sua fundamentação, o 7º Tribunal Contencioso afirmou que seria necessário fazer-se o controle de legalidade para que houvesfazer-se a declaração de sua nulidade, o que não ocorreu no presente caso, já que a interpretação foi pela legalidade do ato, fundamentando-se no art. 396 do Código Civil para afastar a incidência do pedido.

Sobre a aplicação do art. 8.1 da CADH, a Corte determinou que para a comprovação da violação arguida, há a necessidade de subsistirem “elementos concretos” que provem a inexistência de imparcialidade subjetiva dos juízes em relação à decisão. Nesse sentido, o Tribunal Europeu tem afirmado que a evidência necessária para comprovar a imparcialidade do juízo deve buscar determinar se o juiz manifestou hostilidade na sentença ou convicções de cunho pessoal40.

Em seu pronunciamento, o 7º Tribunal Contencioso Administrativo determinou que “a exclusão a um casal do mesmo sexo da instituição do matrimônio seria ‘razoável e necessário’ para a preservação da noção de família na ordem Constitucional elizabetana”. Não existem critérios “razoáveis e necessários” para se negar direitos a grupos historicamente hostilizados, demonstrando-se que a decisão foi fundada exclusivamente pela orientação sexual das demandantes.

O Estado incorreu nas violações de ambos os artigos da Convenção em apreço, no momento em que negou a aplicação do art. 9º da sua Constituição ao não reconhecer a relação de pessoas do mesmo sexo como família. Consequentemente, tornou ineficazes os recursos impetrados pelas vítimas, já que estavam todos fadados ao fracasso e ao não cumprimento das suas finalidades41.

Nesse diapasão, a sentença do 7º Tribunal Contencioso Administrativo é icônica, pois a negação da aplicação do art. 9º da Constituição de Elizabetia e as razões discriminatórias

40Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, reparação e custas, de 21 de novembro

de 2012; §234 e §235 / TEDH, Caso Kyprianou VS. Chipre, 15 de dezembro de 2005, §119. 41

Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez VS. Honduras. Sentença de Exceções preliminares,de 26 de junho de

(27)

que embasaram tal decisão demonstram exemplo claro dos elementos concretos que corroboram a inadequação dos recursos internos existentes para tutelar tratamento igualitário perante a lei. Portanto, como houve discriminação baseada em razão da orientação sexual das vítimas, o Estado de Elizabetia violou os artigos 8.1 e 25 da CADH, em conexão com o art. 1.1.

c) O Estado violou o art. 24 (igualdade perante a lei) c/c o art. 1.1 (obrigação de

respeitar os direitos) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A obrigação geral contida no art. 1.1 da CADH, concernente ao dever do Estado de respeitar e garantir os direitos e liberdades previstos na mesma, sem discriminação, vincula-se diretamente com o direito à igualdade perante à lei, estipulado no art. 24 do mesmo documento42, o qual fixa uma proibição da discriminação no que se refere não somente os direitos elencados na CADH, como também em todas as normas aprovadas pelo Estado e sua aplicação43.

Esses artigos estão integrados pelo princípio da igualdade e não discriminação, que se revela como norma norteadora do SIDH e do Direito Internacional em geral44, especialmente no que tange à proteção dos direitos humanos, estando consagrado em diversas Declarações e tratados internacionais45.

Assim, o direito à igualdade e o dever de não discriminação estão relacionados de maneira complementar, correlata46, uma vez que o princípio da igualdade visa a proibição e a

42 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-4/84 de 19 de janeiro de 1984, §53 e 54.

43

Corte IDH. Caso Barbani Duarte e outros VS. Uruguai. Sentença de Mérito, de 13 de outubro de 2011, § 114.

44 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, § 173 (3) e (4). CIDH. Demanda

perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010, §74.

45Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948; arts. 2º e 7º / Carta das Nações

Unidas, de 26 de junho de 1945; art.13 / Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966; arts. 2.2 e 3º / Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966; arts. 2.1 e 26 / Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, de 20 de dezembro de 1963; art. 2º / Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 18 de dezembro de 1979; arts. 3º, 4º e 5º.

(28)

eliminação da conduta discriminatória, esclarecendo a Corte IDH, que o mesmo acarreta obrigações erga omnes de proteção, vinculantes a todos os Estados47, bem como ingressa no domínio do jus cogens, devido seu caráter de direito fundamental, no qual o ordenamento jurídico doméstico e internacional se baseiam48.

Este Tribunal também assinala que a noção de igualdade é obtida diretamente da unidade do gênero humano, possuindo um vínculo indissolúvel com a dignidade da pessoa, de modo que é inaceitável toda situação que estabeleça diferenças de tratamento arbitrárias, não correspondentes com a única e idêntica natureza do ser humano49.

Portanto, é inadmissível, por ser arbitrário face à discriminação que apresenta, que o Estado de Elizabetia, adote em seu ordenamento jurídico, dispositivo que exclua aos casais homossexuais o direito ao casamento, como realiza o art. 396 do seu Código Civil, que possui redação discriminatória, ao versar que “todo casal composto por um homem e uma mulher” pode contrair matrimônio, o que fundamentou a decisão da Secretaria Nacional da Família de Elizabetia de rejeitar a petição para contrair casamento das vítimas, em razão, exclusivamente, da orientação sexual do casal.

O Estado age também em expressa discriminação ao efetuar diferenciação arbitrária na redação da lei sobre união de fato, prevista no art. 406 do Código Civil, ao ressalvar no § 2, que a união entre pessoas do mesmo sexo, não será considerada família nos termos da Constituição e nem garantirá o direito à adoção de maneira conjunta, considerando, mais uma vez, a orientação sexual como a justificativa da diferenciação.

Estes fatos constituem-se em tratamento arbitrário, pois conforme entende o Comitê de Direitos Humanos da ONU, toda exclusão, restrição ou preferência que tome por base determinados motivos e que tenha por objetivo anular ou diminuir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos e liberdades fundamentais de todas as

47 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, § 173 (5).

48

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, § 101.

(29)

pessoas50, resulta em tratamento discriminatório, o que se vislumbra no presente caso pela exclusão do direito ao casamento às vítimas, pelo único motivo de serem um casal homossexual, estando esse mesmo direito e os benefícios legais dele derivados, como a adoção, disponíveis apenas aos casais heterossexuais, únicos que podem ter o reconhecimento legítimo de família, a qualquer tempo, tanto pelo casamento; enquanto que aos casais homossexuais, restou a restrição imposta pelo Estado de que eles não serão reconhecidos como família por nenhuma via legal – casamento ou união de fato –, sendo assim evidente que o Estado de Elizabetia efetuou discriminação por orientação sexual, em prejuízo das vítimas.

O entendimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU é usado pela CIDH para conceituar a discriminação por orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero, considerando as atribuições sociais e culturais que têm se construído em torno dessa categoria51.

Ao impor uma medida que diferencie um grupo do outro, o Estado origina um tratamento “suspeito”, nos termos adotado pela CIDH52, gerando a presunção da ilegitimidade do tratamento em relação à Convenção Americana, salvo quando prova a razoabilidade, objetividade e proporcionalidade do mesmo53, tal como aponta interesse legítimo em que sejam empregados meios proporcionais ao fim que se visa alcançar54. Com efeito, havendo exclusão, restrição ou privilégio que não seja objetivo e razoável, que gere violações aos Direitos Humanos, tem-se a discriminação que é vedada pelo texto

50 Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Comentário Geral nº 18, § 6.

51

CIDH. Estudo sobre orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero: alguns termos e padrões relevantes, de 23 de abril de 2012, em cumprimento com a Resolução AG/RES. 2653 (XLI-O/11): Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 7 de junho de 2011, § 27.

52 CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, § 88.

53 CIDH. Estudo sobre orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero: alguns termos e padrões

relevantes, de 23 de abril de 2012, em cumprimento com a Resolução AG/RES. 2653 (XLI-O/11): Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 7 de junho de 2011, §27. CIDH. Demanda Perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de setembro de 2010, § 95.

(30)

convencional 55, afastando a possibilidade de ser uma medida de “distinção”, uma vez que essa pressupõe os mencionados critérios, sendo compatível com a CADH56.

Dessa maneira, a medida de diferenciação empregada pelo Estado em questão não é razoável, por estabelecer restrição infundada, conferindo tratamento distinto à pessoas que se encontram na mesma situação57, pois embora a legislação, que dispõe sobre a união de fato, tenha sido alterada para permitir a união entre pessoas do mesmo sexo, ela não concedeu ao casal homossexual os mesmos efeitos do casamento, o qual por si só é vedado para esse grupo de pessoas.

Assim, sob a ótica da objetividade, se a união homossexual é autorizada por lei, o Estado pretende conferir tratamento igualitário entre casais de mesmo sexo e casais de sexo diferentes. Contudo, a medida torna-se discriminatória, pois ainda que haja a existência da previsão legal para união de casais homossexuais, as consequências legais de tal ato não abrange o exercício de todos os direitos, havendo restrição e exclusão dos mesmos.

No que tange à legitimidade e à proporcionalidade, a medida estatal não foi proporcional, pois não é adequado conferir diferença de tratamento por motivo de orientação sexual para preservar o casamento e a família, visto que além da ação não ser idônea por constituir em discriminação, ela não estabelece uma conexão lógica com o objetivo perseguido, não sendo necessário excluir os casais homossexuais para haver a preservação da família, a garantia do direito a esses casais não afeta a manutenção da mesma58.

As decisões administrativas e judiciais ocorridas no Estado de Elizabetia também são ilegítimas, uma vez que consolidam uma cultura de discriminação, como pode ser observado

55 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-17/02, de 28 de agosto 2002. / TEDH. Sentença de Mérito. Caso Marckx

VS. Bélgica, de 13 de junho de 1979, § 29. / Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, § 89 e § 90.

56

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, § 84.

57 Corte IDH. Caso Povo Saramaka VS. Suriname. Sentença de Exceções preliminares, mérito, reparações e

custas, de 28 de novembro de 2007, §103.

58 CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, §89.

(31)

na decisão do 7º Tribunal Contencioso Administrativo, cuja linguagem evidencia claramente que o tratamento conferido às vítimas foi fundado na orientação sexual das mesmas, ao afirmar ser razoável e necessário excluir a um casal de mesmo sexo a instituição do matrimônio para preservar a família na ordem constitucional, gerando então, tratamento discriminatório incompatível com a CADH.

Nesse sentido, Elizabetia falhou ao adotar argumento que perpetua tratamentos discriminatórios, descumprindo a obrigação contida no art. 2 da CADH de que o Estado deve enfrentar manifestações intolerantes e discriminatórias, a fim de evitar exclusão ou negação de uma condição59, bem como não legitimar e consolidar formas distintas de discriminação, devendo contribuir para o avanço social, dando respostas às mudanças sociais, culturais e institucionais que compõem a sociedade contemporânea, que evidenciam hoje, a aceitação de casais interraciais60, em que se pese alertar que, a ideia de harmonia do povo de Elizabetia de se identificar como homogêneo, não deve se basear na supressão das diferenças sociais e na imposição de determinados valores sociais implantados pelos colonizadores, os quais aplicaram medidas de anulação sistemática de muitos valores culturais Granti.

O Estado irá incorrer na violação do art. 24, sempre que adotar medidas legais discriminatórias, o que, por conseguinte, irá gerar violação das obrigações de respeitar e garantir sem discriminação, contidas no art. 1.161.

Sob esse aspecto, a palavra discriminação expressa no art. 24 da CADH tem sido interpretada pelo art. 1.162, entendendo a Corte IDH que os critérios específicos de não discriminação previstos no art. 1.1 da CADH não são limitativos ou taxativos, pela cláusula

59 Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparações e

custas, de 24 de fevereiro de 2012, § 119. 60

Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Exceções Preliminares, mérito, reparações e custas, de 24 de fevereiro de 2012, § 120.

61 Corte IDH. Caso Apitz Barbera e outros VS. Venezuela. Sentença de Exceções Preliminares, mérito,

reparações e custas, de 05 de agosto de 2008, § 209. 62

CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

(32)

aberta “outra condição social”, a qual abarca outras categorias sociais, visando atender a evolução dos direitos fundamentais na esfera contemporânea internacional63, assim como a interpretação evolutiva, consagrada no art. 29 da Convenção Americana e no art. 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados64, pois a CADH, bem como os outros tratados internacionais são “instrumentos vivos” e devem ser interpretados conforme as condições e transformações sociais e temporais65.

A partir dessa consideração, o termo “outra condição social” incorpora a orientação sexual da pessoa, como tem sido reconhecido pela Corte IDH e pelos outros Tribunais Internacionais66, posicionando-se esta como cláusula que proibi discriminação, incidindo efeitos nos demais direitos consignados na CADH67, levando-se em conta os fatores históricos associados às práticas discriminatórias que o grupo LGBTI vem sofrendo no decorrer do tempo, situação vivenciada pelas vítimas, Serafina e Adriana, que têm sua vida marcada pela discriminação, em especial Serafina que desde a sua infância na década de 70, inclusive originada na conduta dos agentes e autoridades de Elizabetia, como os da Tutela Nacional e Estatal da Infância, que a retiraram cruelmente do convívio de seus pais, por repudiarem sua expressão de gênero e inferiorizarem sua educação doméstica, mediante visão pejorativa da cultura Granti, visto que a discriminação é frequentemente associada a outros fatores68, como os índices sócio-econômicos e a origem étnica, o que se verifica no presente caso, pois Serafina era pertencente a um lar de trabalhadores agrícolas, habitantes da

63 Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, §85.

64Corte IDH. Opinião Consultiva OC-05/1985, §52.

65 Opinião Consultiva OC-16/99, de 01 de outubro de 1999, § 114.

66

Corte IDH. Caso Karen Atala e filhas VS. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, §91. / TEDH. Caso Salgueiro da Silva Mouta VS. Portugal. Sentença de Mérito, de 21 de dezembro de 1999, §28. / Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Toonen VS. Austrália. Comunicação nº 488/1992, de 4 de abril de 1992, § 8.7. / Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Comentário Geral nº 20, §15 e 27.

67 CIDH. Demanda perante a Corte IDH no caso Karen Atala e filhas contra o Estado do Chile, de 17 de

setembro de 2010, § 95. / Corte IDH. Caso Atala Riffo e filhas VS.. Chile. Sentença de Mérito, de 21 de novembro de 2012, § 93.

68 Corte IDH. Caso Yean e Bosico VS. Republica Dominicana. Sentença de Mérito, de 8 de setembro de 2005,

(33)

Província de Santa Marta, a qual detém índices sociais inferiores e integra a região com maior concentração do povo indígena granti, o que a tornava ainda mais vulnerável.

Depreende-se, que a noção de discriminação abrange tanto sua manifestação externa, com a diferenciação estabelecida, quanto à interna, no que diz respeito a sua origem, finalidade e seu modo de manifestação, de forma que as atitudes discriminatórias atuais em Elizabetia são reflexos de uma origem histórica de discriminação, remontando o seu passado colonial, em que a elite discriminava as tradições e os costumes Granti, dentre os quais, segundo Fernando de Cáceres relatou em os “Álbuns de Cáceres”, estava a cerimônia em homenagem à Granti´ltna, divindade da religião Granti, considerada o pináculo da perfeição ao nascer como homem e morrer como mulher, transformação que era realizada na cerimônia pelos homens que transformavam-se em belas índias e vice-versa. Logo, se a cultura Granti tivesse sido preservada, certamente a identidade de gênero de Serafina e a sua orientação sexual e a de Adriana, não só tinham sido respeitadas, como seriam apreciadas.

A mesma elite colonial que considerava bárbaros e imorais os costumes da cultura Granti, castigando sua práticas violentamente, é a mesma elite que, posteriormente, na figura de dona Antônia da Globana de Atelo, proprietária da fazenda em que Serafina e sua família eram subordinadas, em conjunto com a professora do colégio patrocinado pela fazendeira e a esposa do Governador de Santa Marta, na época, irá recriminar o comportamento de Serafina, que nasceu como homem, mas se expressava de forma feminina. E, sendo também o Presidente atual de Elizabetia, um descendente dessa elite, membro da família Globana de Atelo, o qual conservou em seu discurso presidencial o padrão tradicional do casamento e da família, abominando as transformações sociais relacionadas a essas instituições.

Elizabetia não apresenta uma postura que torne efetivo o direito de igualdade e não discriminação, pois inseriu no seu ordenamento jurídico normas discriminatórias e que geraram efeitos nesse sentido, sem revogá-las diante da discriminação que conferem, como

(34)

são as do seu Código Civil, que discriminam o casal homossexual nas disposições legais sobre o casamento e a união de fato, exigindo requisitos para essa última, como uma convivência ininterrupta de 5 anos e a existência de uma declaração judicial, enquanto que para o primeiro – casamento – basta serem o casal de sexos diferentes. O Estado, também não combateu as práticas discriminatórias cometidas pelas autoridades estatais, bem como não adotou normas e ações necessárias para reconhecer e assegurar uma efetiva igualdade de todas as pessoas perante a lei69.

Nesta mesma linha, as Resoluções da OEA determinaram obrigações para o Estado, como as de implementar políticas de combate à discriminação por motivação de orientação sexual e identidade de gênero70, o que não se vislumbra no presente caso por Elizabetia permitir que sua norma referente ao casamento constitua uma situação de discriminação estrutural ao casal homossexual, prejudicando as vítimas, ao excluir aos casais de mesmo sexo o direito de contrair matrimônio, o qual encontra-se disponível para ser exercido para os casais heterossexuais, a qualquer tempo.

Em razão de fazerem parte do corpus juris de direitos humanos e objetivando apresentar finalidade interpretativa aos artigos da CADH71, convém observar que a Declaração sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero da ONU de 2008, determinou que Estados são obrigados a garantir a não discriminação no exercício de todos os direitos humanos para todos os indivíduos, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero, devendo adotar legislação abrangente, que proíba a discriminação por esses critérios em esfera pública e privada, adotando também campanhas de sensibilização e programas de

69

Corte IDH. Caso Yean e Bosico VS. Republica Dominicana. Sentença de Mérito, de 8 de setembro de 2005, §141. / Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003, §103 e 104.

70 OEA. AG/RES. 2653 (XLI-O/11). Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 7 de

junho de 2011, § 3. AG/RES. 2721 (XLII-O/12). Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de 4 de junho de 2012, §2.

(35)

prevenção da discriminação, combatendo atitudes discriminatórias sociais72; comungando desse mesmo entendimento, o Princípio nº 2 de Yogyakarta73.

O Estado de Elizabetia ao adotar norma discriminatória em seu conjunto jurídico-legal, conferiu proteção desigual da lei, violando o art. 24 da CADH, em conexão com o art. 1.1, por descumprir as obrigações de respeitar e garantir os direitos, sem discriminação, ao discriminar às vítimas em virtude de sua orientação sexual.

d) O Estado violou o art. 2 (dever de adotar disposições de Direito Interno) da

Convenção Americana de Direitos Humanos.

No Direito Internacional, o Estado que ratifica um tratado deve cumprir com todas as obrigações nele impostas, já que a ratificação é ato de livre consentimento e de vontade soberana. Dessa maneira, cabe ao Estado observar de boa fé todas as disposições estabelecidas no tratado (pacta sunt servanda) 74, não podendo invocar disposições de seu direito interno para não cumpri-las75.

A Corte IDH afirma que esta é uma regra de Direito das Gentes, universalmente aceita, devendo o Estado, portanto, realizar as modificações necessárias em sua ordem interna, a fim de dar cumprimento ao internacionalmente convencionado76.

Nesse sentido, ressalta-se que o Estado de Elizabetia ratificou todos os tratados interamericanos de Direitos Humanos – sem dispor de quaisquer reservas –, bem como reconheceu a competência da Corte IDH, de modo que não pode justificar o não cumprimento das normas contidas na Convenção Americana.

72ONU. Declaração sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero das Nações Unidas, de 18 de dezembro de

2008, obrigação 5, pg. 56. 73

Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional para os Direitos Humanos. Princípios de Yogyakarta, de março de 2007, prinicipio nº 2: os direitos à igualdade e à não discriminação, pg. 10.

74 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969; art. 26.

75 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969; art. 27.

76

Corte IDH. Caso Lori Berenson Mejia VS. Peru. Sentença de Mérito de 25 de novembro de 2004, §220 / Caso

(36)

Conforme o entendimento da Corte IDH, o art. 2 da CADH estabelece a obrigação geral para que cada Estado parte adeque sua ordem jurídica aos direitos e garantias elencados na Convenção77, bem como implica que os Estados devem adotar medidas em duas vertentes para garantir esses direitos: (1) a eliminação de normas e práticas que estejam em desacordo com direitos protegidos na Convenção; e (2) a expedição de normas e práticas que visem à garantia destes direitos78.

Outrossim, é do entendimento deste Tribunal, que se um Estado emite em seu ordenamento jurídico doméstico uma norma que per se é contrária aos direitos e garantias consagrados no art. 1.1 da Convenção, ele está violando ipso facto o art. 279 do mesmo diploma legal, pois se este contrai a obrigação de adotar medidas e práticas que tornem efetivos os direitos e garantias nela estabelecidos, obriga diretamente a não realização de atos que venham a violar tais direitos 80.

No presente caso, o Estado de Elizabetia violou o art. 2 da CADH em dois momentos, tendo em vista não ter observado as medidas acima mencionadas. Na primeira situação, Elizabetia violou o art. 2 da Convenção, por assentir que no art. 85 de sua Constituição Política se conservasse a discriminação “entre um homem e uma mulher” como critério substantivo para a formação de família, bem como permitiu que se sustentasse igual discriminação como requisito para contrair matrimônio, nos termos do art. 396 de seu Código Civil.

No segundo momento, violou o art. 2 por expedir, em 2009, a norma prevista no art. 406. 2 de seu Código Civil, que prevê a restrição da união de fato de pessoas do mesmo sexo ser considerada família. Em ambos os momentos, o Estado de Elizabetia viola o art. 2 da

77 Corte IDH. Caso Lori Berenson Mejia VS. Peru. Sentença de Mérito de 25 de novembro de 2004, §220.

78

Corte IDH. Caso Lori Berenson Mejia VS. Peru. Sentença de Mérito de 25 de novembro de 2004,§ 219 / Caso Baena Ricardo VS. Panamá. Sentença de Mérito de 2 de fevereiro de 2001; § 180 / Corte IDH. Caso Cantoral Benavides VS. Perú. Sentença de Mérito de 18 de agosto de 2000; § 178.

79 Corte IDH. Caso Cantoral Benavides VS. Peru. Sentença de Mérito de 18 de agosto de 2000; §176.

80

Corte IDH. Opinião Consultiva OC-14/94 de 09 de novembro de 1994; § 33, § 36 e § 37 / Corte IDH. Caso

Referências

Documentos relacionados

Espero que muitos deles fiquem "com o bichinho" e que possa surgir a organização de equipas para competir porque o desporto é, de facto, das coisas mais importantes que a

Como vimos, o próprio projeto de 1930 de Oswald de Andrade é um palimpsesto que reúne camadas tanto do projeto de 1926 quanto daquele de Cendrars, de 1924, assim como do

classificação em relação ao percentual de gordura dos atletas e através do fracionamento da composição corporal constatar os níveis de massa magra, massa gorda, estimar o

A partir dessas premissas, inicia-se um raciocínio que leva à seguinte hipótese: o paisagismo modernista, implantado em Brasília, atende apenas às necessidades

RESUMO Objetivou-se com este trabalho ajustar o meio de cultura básico para a germinação de grãos de pólen, determinar a capacidade polínica germinativa e quantificar o número

(Roberto Madruga) Novas competências profissionais, emocionais e tecnológicas serão exigi- das pós-pandemia e o tempo é curto para aprimorar-se, quanto mais rápido as

Além do professor do Cazaquistão, os demais palestrantes representaram – divididos em partes iguais – o professorado do Núcleo de Pesquisa em Direito Constitucional

O solo da área experimental caracteriza-se como um Argissolo (EMBRAPA,1999) localizado na Fazend a Capão da Onça, pertencente à Universidade Estadual de Ponta Grossa, as amostras